Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CONSOLIDAÇÃO DA ESTABILIZAÇÃO E RECONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL, 1995-2002 Rogério L. F. Werneck (Capítulo 16) FHC assumiu a presidência em meio a um clima de relativo otimismo acerca da evolução do processo inflacionário. Em janeiro de 1995, a questão da estabilização já não tinha tanta urgência quanto em outros governos. (p. 331) O Plano Real pôs fim ao regime de alta inflação mas gerou novos desafios para a política econômica como a deterioração do quadro fiscal, fazendo com que a necessidade de um ajuste fiscal se tornasse uma questão fundamental da agenda econômica. (p. 331) “Outra dificuldade adveio da súbita redução da receita de senhoriagem que o regime de alta inflação vinha propiciando ao sistema bancário. Sem poder mais contar com essa fonte tão importante de recursos, as instituições financeiras mais frágeis – alguns dos maiores bancos privados e a maior parte dos bancos estaduais – tiveram de sofrer intervenção do Banco Central.” (p. 331) Outro desafio da política econômica era assegurar que, na esteira do choque de estabilização do Plano Real, a inflação convergisse para uma taxa efetivamente baixa. No entanto, surgiram temores de que a política cambial que havia sido concebida para ancorar a inflação pudesse levar a rápida deterioração da balança comercial. (p. 332) Em um cenário de urgência causada pela “desvalorização descontrolada da taxa de câmbio, com efeitos devastadores sobre a dívida pública, o governo conseguiu montar a coalizão política requerida para, afinal, viabilizar – com aumento de carga tributária – o ajuste fiscal que se fazia necessário”, abrindo espaço para o esforço de construção institucional que em 1999 serviu como base para a condução da política macroeconômica. (p. 332) Em 1999, “o governo passou a se comprometer publicamente com o cumprimento de metas para o superávit primário, estabelecidas de forma a manter sob controle a evolução do endividamento público. A atuação do Banco Central passou a ser pautada por um novo regime de metas para inflação. E a política cambial sofreu mudança crucial. A taxa de câmbio passou a ser flutuante”. (p. 332) Patrocinado pelo FMI e pelo Tesouro norte-americano, o governo conseguiu evitar que a crise cambial desencadeasse na fragilização do sistema financeiro em uma recessão profunda. Assim, a economia estava voltando à normalidade e a recuperação da balança comercial sugeria que o processo de consolidação da estabilização havia chegado ao fim, mas “faltava, contudo, uma etapa crucial. A estabilização ainda teria de ser submetida ao teste da alternância política”. (p. 333) Política econômica, cisão e ambiguidade Conflito interno no governo FHC: “todos os ingredientes para um grande desacordo sobre a condução da política econômica estavam em cena: escolhas difíceis, visões muito diferentes, rivalidade intelectual e disputa de poder no seio de uma equipe econômica de um governo extremamente popular, que acabara de ser eleito com muita facilidade, na esteira do sucesso da política econômica que vinha sendo seguida”. (p. 335) Fim da alta inflação: o sistema bancário não estava preparado para enfrentar um cenário de baixa inflação e o aumento da inadimplência agravou o quadro das instituições financeiras, requerendo a intervenção do Banco Central. (p. 336) A ambiguidade na gestão de FHC: “o governo estava considerando seriamente a possibilidade de dar uso distinto ao vasto capital político que acumulara na esteira do sucesso do Plano Real. No início de 1996, ganhou força em Brasília a ideia de extrair do Congresso emenda constitucional que permitisse a reeleição do presidente. Mas a ideia já vinha sendo aventada há mais tempo. E, dessa perspectiva, já não parecia prudente antagonizar prefeitos, governadores de estado e a ampla coalizão que vinha dando apoio ao governo no Congresso com medidas severas de ajuste fiscal. As contas públicas continuariam a se deteriorar ao longo de 1996”. (p. 338) Reformas, abertura e privatização “Uma rápida implementação do programa de reformas ajudaria a reforçar a credibilidade do esforço de estabilização e atrair capitais para o programa de privatização, ampliando as possibilidades de financiamento externo”. (p. 339) A taxa de deterioração das contas externas encurtou o tempo para a viabilização das reformas, se tornando um grande desafio para a política econômica do governo. A esperança era de que as emendas fossem aprovadas rapidamente no Congresso, agilizando o processo, mas o governo não tinha projetos detalhados para enviar. Outra grande dificuldade da gestão de FHC, era que coalizão heterogênea de forças políticas não atrapalhasse o avanço do programa de reformas, o que levou o governo a adotar uma postura mais defensiva quanto ao envio das propostas. Outro desafio no avanço das reformas: “Ironicamente, parte da dificuldade de fazer avançar o programa de reformas advinha do próprio sucesso do programa de estabilização. Com o crescente otimismo acerca da evolução do quadro inflacionário, havia desaparecido boa parte do senso de urgência que emanava da apreensão com o regime de alta inflação”. (p. 341) Graças ao esforço de privatização, o programa de reformas do governo alcançou resultado mais otimistas. “A privatização de empresas provedoras de serviços públicos exigiu mudanças institucionais importantes, para dotar o país de um aparato regulatório adequado. Foram criadas diversas agências reguladoras setoriais. Com frequência, aproveitando a estrutura de órgãos reguladores preexistentes que vinham funcionando sob a captura de grandes empresas estatais”. (p. 341) Até 1997, o governo não havia se decidido para onde ia os recursos alcançados por meio das privatizações, mas, posteriormente, com a deterioração do ambiente externo, esses foram integralmente canalizados para resgate da dívida pública. (p. 343) O projeto da reeleição Durante 1996, se esperava que o foco se concentrasse no ajuste fiscal e no avanço do programa de reformas, entretanto o governo priorizou a aprovação no Congresso de uma emenda constitucional que permitisse a reeleição de FHC, por meio da formação de uma coalizão política. (p. 344) “Boa parte da complexidade da questão da reeleição advinha do fato de que nenhum parlamentar estava disposto a discutir apenas a reeleição do presidente. A discussão teria de envolver também a reeleição de governadores e prefeitos”. (p. 345) O governo alcançou uma posição política ainda mais sólida, já que a emenda da reeleição acabou aprovada em primeiro turno na Câmara no final de janeiro de 1997, com 336 votos. (p. 345) A economia estava bem mais vulnerável em 1997 do que em 1995, dado o quadro de deterioração das contas externas, no qual o déficit previsto era de 4% do PIB. (p. 346) Choques externos e crise cambial Com a Crise Asiática, o governo resolve abandonar a ambiguidade e adotar um discurso econômico coerente, o que levou o Planalto a finalmente decidir que os recursos alcançados por meio das privatizações deveriam ser integralmente destinados ao resgate da dívida pública. O Brasil se tornou alvo de ataque especulativo, fazendo com que o Banco Central dobrasse a taxa de juros e o governo mudou drasticamente o seu regime fiscal, anunciando um pacote de 51 medidas, com o qual se esperava promover um efeito combinado de ajuste fiscal da ordem de 2% do PIB. Tais medidas se mostraram eficazes já que manteve o ataque especulativo sob relativo controle. (p. 347) Tendo de escolher entre risco político e risco econômico, FHC decidiu que, para reduzir o primeiro, valeria a pena assumir mais do segundo. Com a declaração de moratória pela Rússia, em agosto de 1998, o governo se vê em uma posição extremamente vulnerável, fazendo com que surgissem temores de que o alto risco econômico que o governo decidiu assumir era, na realidade, um inequívoco risco político, o que gerou muitas dúvidas acerca da reeleição. Devido a perda de reservas internacionais, o governo anunciou a implantação de um sistema de controle estrito e centralizado do dispêndio público. (p. 348) Com areeleição de FHC, o governo anunciou um “programa de estabilidade fiscal”, quase todo baseado em elevação de carga tributária, que permitiria elevar o superávit primário do setor público, de perto de zero no final de 1998, a 2,6% do PIB em 2001. Em 1999, a substituição do presidente do Banco Central abriu caminho para uma mudança na política cambial com abandono do crawling peg que gerou um processo descontrolado de desvalorização, com efeitos de desestabilização devastadores, ao contrário do que FHC esperava, que perduraram pela maior parte do primeiro bimestre de 1999. (p. 349) Novo arcabouço de política econômica Objetivos do novo programa de ajuste econômico, com Armínio Fraga na presidência do Banco Central: 1. ajuste fiscal vultoso, bem maior do que fora contemplado pelo esforço de consolidação fiscal anunciado antes; 2. assegurar que as contas externas seriam compatíveis com o estreitamento das possibilidades de financiamento externo com que o país passara a se defrontar; 3. evitar que o enorme choque proveniente da desvalorização levasse a perda de controle sobre a inflação. Tal ajuste levou a uma surpreendente melhora da situação econômica do país. (p. 350) Círculo virtuoso e crise energética “O ano 2000 parecia estar fadado a ser o melhor do segundo mandato de FHC”. O governo conseguiu a aprovação de uma Lei de Responsabilidade Fiscal no Congresso, que permitiu impor restrições orçamentárias aos três níveis de governo. “A melhora da balança comercial continuava lenta, mas o vigor do influxo de capitais sugeria que a economia teria tempo para esperar que os efeitos da desvalorização cambial se fizessem sentir com mais intensidade”. (p. 351) “No primeiro trimestre de 2001 o ambiente externo piorou sensivelmente. Já em fevereiro, a rápida deterioração da situação econômica na Argentina expôs a economia brasileira a nova onda de contágio, justo num momento em que as perspectivas da economia mundial estavam se tornando menos promissoras. Após uma longa década de expansão, a economia norte-americana parecia estar desacelerando”. “O governo se deu conta de que, em decorrência da gestão desastrosa de um quadro de excesso de demanda de energia elétrica, seria obrigado a anunciar que o país estava prestes a enfrentar grave crise de escassez de energia, que implicaria interrupção imediata do processo de recuperação econômica então em curso. Por tais motivos, a economia brasileira estava novamente vulnerável”. (p. 352) Alternância política e desestabilização Os detentores de ativos financeiros, em massa, tentaram se proteger contra perdas patrimoniais, temendo um calote da dívida pública, assim, gerando um devastador processo de desestabilização. Os esforços para conter a desestabilização dos mercados financeiros, levou Lula, em meio à corrida presidencial, “a publicar uma carta aberta à Nação – “Carta ao Povo Brasileiro” –, na qual tentava acalmar os mercados financeiros, ressaltando seu compromisso com princípios básicos de uma política macroeconômica coerente. Mas os mercados mostraram-se céticos, para dizer o mínimo”. (p. 353) Mesmo enfrentando resistências, o governo conseguiu estabelecer um pacto pré-eleitoral com o FMI, apoiado sob a aprovação prévia do acordo por todos os candidatos, inclusive Lula, dada a iminência das eleições. (p. 354) Enquanto o PT tentava convencer os mercados financeiros, o governo no final do mandato tentava manter a situação sob controle, deflagrando um aumento em três etapas da taxa de juros, que elevou a taxa básica de 18% para 25%. Mesmo com a baixa do crescimento do PIB, o regime de câmbio flutuante tinha provado ser de grande ajuda, ao permitir que a economia vergasse sem quebrar. Mas a desvalorização gerou um choque inflacionário preocupante. (p. 355) Lula abandona o discurso radical e, para o autor, se aproxima ao centro do espectro político, adotando a política macroeconômica do FHC. Isso porque, o PT temia as dificuldades que essa turbulência financeira poderia acarretar, levando Lula a adotar uma postura aberta ao diálogo e à troca de ideias, o que, para o autor, se deve à FHC e sua equipe econômica. (p. 356) ALTERNÂNCIA POLÍTICA, REDISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO, 2003-2010 Rogério L. F. Werneck (Capítulo 17) Tensões da metamorfose Para entender o fio condutor do primeiro mandato de Lula, é preciso compreender a metamorfose pela qual passou o PT, ao mudarem radicalmente o discurso econômico, a partir de 2002. Isso porque, em 2000, o partido realizou um plebiscito informal que indagava à população se o setor público deveria realmente pagar as suas dívidas interna e externa. “Com os indicadores de confiança na economia brasileira em rápida deterioração, à medida que Lula se firmava como franco favorito da eleição presidencial, o PT se viu crescentemente pressionado a ser mais claro sobre o real teor de seu programa econômico. (...) após intensas negociações internas, o partido divulgou um documento assinado pelo próprio Lula, intitulado Carta ao Povo Brasileiro que, se dizia, representava o máximo de concessão que fora possível extrair do partido”. Além disso, posteriormente, FHC conseguiu extrair de Lula e dos demais candidatos à presidência um mínimo de compromisso com a manutenção do esforço fiscal previsto no novo pacto acordado com o FMI. (p. 359) Surge uma certa desconfiança de que Lula não iria cumprir com a sua palavra, já que era evidente o fato de que a mudança brusca no discurso do candidato foi fundamental para a sua vitória. (p. 360) Tensões e o ceticismo foram superados quando Lula escalou sua equipe econômica tendo Antonio Palocci como ministro da Fazenda e Henrique Meirelles como presidente do BC. Mas, a mudança de discurso criou tensões internas no PT: “Da perspectiva dos descontentes, era como se estivesse havendo uma escalada: elevação da taxa de juros, aumento da meta de superávit primário, cortes orçamentários e sinais de que o reajuste do salário mínimo poderia ficar bem aquém do que vinha sendo esperado”. (p. 361) Colheita rápida “A disposição do governo de elevar ainda mais a taxa básica de juros e anunciar uma meta de política fiscal mais apertada foi decisiva para que a incredulidade do mercado financeiro afinal cedesse”. (...) “A reconstrução da confiança foi facilitada pela rápida melhora da balança comercial, na esteira da prolongada depreciação cambial e do aumento da demanda mundial pelas exportações brasileiras”. (p. 363) Na esteira do boom de preços de commodities e da depreciação cambial, o tão esperado ajuste das contas externas afinal se dera de forma muito vigorosa, abrindo perspectivas especialmente promissoras para a economia. Lula colheu os frutos das políticas impopulares que adotou durante o primeiro ano do mandato. “Resultado tão favorável foi fundamental para aplacar as alas mais radicais do PT, reforçar a posição dos que defendiam que o partido deveria se mover para o centro do espectro político e garantir sólido respaldo à equipe econômica no governo”. (p. 364) A crise do mensalão e seus desdobramentos Em 2005, a economia estava em uma trajetória de crescimento, com inflação sob controle e contas externas cada vez mais sólidas, mantendo-se a política macroeconômica. Mas, apesar do sucesso no âmbito econômico, o governo se viu em meio à uma crise política de grandes proporções em razão da eclosão do “escândalo do mensalão”. O PT enfrentava um processo de descabeçamento do partido que deixou o governo vulnerável e extremamente fragilizado. (p. 364) A principal consequência da crise do mensalão sobre a condução da política econômica, foi o fato de que a prioridade do governo passou por uma mudança: “O objetivo central do presidente passara a ser conter o desgaste da crise política, preservar seu mandato e, com sorte, partir para a reeleição. Nesse quadro, seria certamente importante tirar o melhor proveito possível do bom desempenho que vinha tendo a política econômica. Mas sem esticar a corda mais do que o necessário. Em meio à adversidade, passara a ser fundamental manter o PT coeso e o Executivopouco dependente do Congresso”. (p. 366) De Palocci a Mantega Os esforços acerca de um programa de ajuste fiscal pensado a longo prazo, no segundo semestre de 2005, mostrava que o discurso econômico do governo estava realmente mudando. “O programa de ajuste fiscal de longo prazo teria de estar focado na atenuação da expansão do dispêndio previdenciário, no controle do gasto com funcionalismo e em medidas de desvinculação do processo orçamentário” “(...) A proposta acabou torpedeada por uma coalizão comandada pela nova ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff”. Tal fato enfraqueceu o ministro da Fazenda, Palocci, e encorajou o PT a fazer críticas mais contundentes à condução da política econômica. (p. 366) “Desgastado por uma acusação de abuso de poder, na solução de pendência de caráter pessoal, Antonio Palocci acabou tendo de se demitir do cargo de ministro da Fazenda no final de março de 2006. Seu afastamento representou grande perda para o governo”. Palocci foi substituído por Guido Mantega no Ministério da Fazenda e o projeto de ajuste fiscal de longo prazo acabou sendo abandonado. Tal fato se deu porque as prioridades do governo haviam mudado, mas também, em razão do bom desempenho da arrecadação em 2006 que enterrou o projeto de vez. Dessa forma, a posse de Guido Mantega como ministro da Fazenda marcou nítida mudança no discurso econômico do governo. (p. 367) “Mas os frutos das políticas sensatas que haviam sido adotadas a partir de 2003 continuariam a ser colhidos por vários anos mais. Após novo ciclo de aperto monetário, entre setembro de 2004 e outubro de 2005, o Presidente Lula chegou ao final do primeiro mandato podendo ostentar uma inflação anual de 3,1% e três anos de vigoroso crescimento econômico. A taxa média de crescimento do PIB no período 2004-2006 foi de quase 4,3%. E graças ao bom desempenho da economia, o presidente foi reeleito, em segundo turno, no final de 2006”. Em 2007, a preocupação com o ajuste fiscal foi substituída pela defesa da expansão do gasto público, em um contexto de desempenho espetacular de receita tributária propiciado pela combinação da recuperação da economia com o aumento de eficiência da máquina arrecadadora. (p. 368) Com um ambiente externo favorável, o discurso econômico do governo não estava comprometido com a sustentabilidade fiscal. “A manutenção de taxas de juros relativamente altas e a persistente apreciação do câmbio tornaram as relações entre a Fazenda e o Banco Central cada vez mais tensas. O Ministério da Fazenda passou a contestar tanto a política de metas para a inflação como a política cambial”. Surge, então, a possibilidade de substituir o presidente do BC por uma pessoa mais alinhada ao desenvolvimentismo. (p. 369) Redistribuição de renda Um dos fatores que garantiu a reeleição de Lula, foi o sucesso das políticas de redistribuição de renda, à exemplo do Bolsa Família. (p. 369) “O esforço de redistribuição de renda do governo Lula envolveu também uma política sistemática de reajuste do salário mínimo a taxas bem superiores à inflação”. Tendo como efeito indireto, o fortalecimento do poder de barganha dos trabalhadores nas negociações salariais. “Seja em função das políticas redistributivas, seja em decorrência do crescimento econômico mais rápido e de seus efeitos sobre o mercado de trabalho, num quadro de crescente escassez de mão de obra, houve redução expressiva no grau de desigualdade da distribuição de renda ao longo dos dois mandatos do Presidente Lula”. (370) “Lula promoveu também programas que implicaram dispendiosa distribuição de benesses estatais a grandes empresas. Entre tais programas não podem deixar de ser citados a política de escolha de “campeões nacionais” promovida pelo BNDES, os vultosos empréstimos subsidiados de longo prazo concedidos pelo banco, financiados pelo Tesouro com recursos provenientes da emissão de dívida pública, e os privilégios conferidos a produtores nacionais de bens de capital pela exigência de percentuais elevados de conteúdo local nos equipamentos utilizados na exploração do pré-sal”. (p. 371) Opção por uma estratégia desenvolvimentista, intensiva em recursos fiscais Em 2005, havia o consenso de que deveria-se assegurar práticas regulatórias bem concebidas para atrair capitais privados, voltados para a expansão da infraestrutura. Entretanto, essa percepção foi abandonada e substituída pela “visão nacional-desenvolvimentista de que deveria caber ao Estado papel de vanguarda na condução do processo de crescimento econômico”. Em uma tentativa de se diferenciar do governo FHC, Lula tratou as privatizações como abominações, mostrou descaso pela ideia de agências reguladoras independentes e optou por um redesenho problemático do setor elétrico, que sobrecarregava o setor público com encargos de investimento. (p. 371) Era perceptível a transferência de poder do Ministério da Fazenda para a Casa Civil, uma vez que Dilma lançou o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o qual foi apresentado como um “programa de ampliação de infraestrutura que combinava expansionismo fiscal e ativismo governamental, para “romper barreiras e superar limites”, com base em investimentos do próprio governo e das empresas estatais federais”. “(...) o governo havia decidido partir para a simples estatização da expansão que se fazia necessária.” Por isso, o governo estava fadado a enfrentar grandes desafios para implementar os projetos de investimento público do PAC, algumas dessas dificuldades foram: como demora na obtenção de licenças ambientais, conflitos recorrentes com o Tribunal de Contas da União, judicialização de licitações e corrupção em órgãos responsáveis pela gestão dos projetos de investimento. (p. 372) A crise mundial como pretexto O relativo sucesso com que a economia brasileira superou a crise mundial adveio das seguintes razões: bons indicadores macroeconômicos; reservas internacionais da ordem de US$200 bilhões e um sistema financeiro sólido; atuação competente do Banco Central e certas medidas iniciais de estímulo fiscal; consolidação do arcabouço de regras e instituições que pautavam a condução da política econômica no país. (p. 373) Uma das consequências da crise, foi a onda de afrouxamento generalizado de restrições orçamentárias que veio das economias avançadas, que acabou sendo comemorada pelo governo pois permitiu a legitimação de mudanças importantes no regime fiscal e nas relações entre o Estado e a economia. “É falsa a ideia de que a crise teria despertado o governo para a importância de reforçar a intervenção do Estado na economia. Na verdade, a crise foi apenas o pretexto”. Isso porque essas ideias sempre estiveram arraigadas no arcabouço ideológico do PT e de Lula. (p. 375) No início de 2009, o objetivo central da condução política econômica era assegurar a vitória de Dilma nas eleições presidenciais. Ao final do ano, “o governo decidiu que não era o momento de correr riscos políticos desnecessários. E intensificou o expansionismo fiscal em 2010”. (p. 376) Gran finale em meio à deterioração do regime fiscal As mudanças no regime fiscal advindas pela crise deram lugar a rápida deterioração das contas públicas, reiterando um compromisso cada vez mais frouxo com o cumprimento estrito de metas fiscais e uso de manobras contábeis. O governo decidiu capitalizar o BNDES para expandir seus empréstimos, o que reduziria o resultado primário e aumentaria a dívida líquida do governo. (p. 376) “Para dissimular o impacto sobre as contas públicas, o governo decidiu partir para o subterfúgio da capitalização velada. O BNDES foi agraciado pelo Tesouro com empréstimos de 30 anos e juros pesadamente subsidiados. Para bancar tais empréstimos, o Tesouro teve de emitir dívida. E isso inflou a dívida bruta, mas não a dívida líquida, porque, ao calculá-la, o Tesouro se permitiu abater da dívida bruta, como ativos, os créditos de 30 anos que havia constituído junto ao BNDES”. (...) “O governo parecia acreditar que, com a fórmula mágica de gestão fiscal que desenvolvera, já não tinha restriçãofiscal a respeitar.” (p. 377) Em 2010, foi marcado pelo “gran finale” dos dois mandatos de Lula e pela vitória de Dilma, em um contexto de impulso fiscal, expansão do gasto público e vultosas transferências do Tesouro ao BNDES, mostrando que as dificuldades de 2009 foram superadas. (p. 378) O governo Dilma estava fadado a ser uma extensão natural de seu antecessor. Lula deixou um problema de estabilização, já que a taxa oficial de inflação aumentou e o crescimento econômico precisava ser desacelerado. (p. 380)
Compartilhar