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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 896 Prédio 3 - Subsolo Consolação São Paulo - SP CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 www.mackenzie.br e-mail: direito@mackenzie.br Segunda Avaliação – Direito Digital – 4ºB - 2020 1) Atualmente, algumas prestadoras brasileiras de telefonia móvel oferecem aos seus usuários a gratuidade do tráfego de dados na fruição de conteúdos de determinadas aplicações, tais como redes sociais e ferramentas de mensagens instantâneas. Existem diversas práticas de tarifa zero (zero rating), tais como: (i) a prestadora seleciona uma aplicação específica para que o tráfego gerado pelo acesso a essa aplicação não seja cobrado do usuário; (ii) a prestadora isenta o usuário da cobrança de dados para a aplicações de interesse público e sem fins comerciais; (iii) o provedor de aplicação e conteúdo paga diretamente a prestadora pelo tráfego gerado por seus usuários (acesso patrocinado). Sobre tais práticas, pergunta-se: a) Na opinião do grupo, quais as vantagens e as desvantagens que ofertas tais como as mencionadas acima podem trazer para os usuários, para os prestadores de serviços de telecomunicações (provedor de conexão) e para os provedores de aplicações e conteúdo? (2 Pontos) Ofertas tais como mencionadas acima, de Tarifa Zero (Zero Rating) oferecem uma vantagem imediata ao usuário, o qual passa a ter o acesso facilitado a determinados aplicativos, como Facebook, WhatsApp etc. Além de que, em países em desenvolvimento, com insuficiência de infraestrutura de telecomunicações que dá suporte ao serviço de conexão à internet, essa prática acarreta a universalização do acesso à rede, dando mais acesso à conteúdo aos seus usuários. É um meio para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural, ao ver de algumas correntes. Já para os provedores de aplicações e conteúdo (como o Facebook, WhatsApp, entre outros), o Zero Rating representa um aumento na base de usuários e no tempo destes em sua plataforma, que por sua vez, se converte em maior lucro com publicidade e maior poder de persuasão e influência. Sendo assim, observa-se que é bastante vantajoso para os provedores de aplicações manterem acordos comerciais com UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 896 Prédio 3 - Subsolo Consolação São Paulo - SP CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 www.mackenzie.br e-mail: direito@mackenzie.br os provedores de conexão, que por sua vez, também se beneficiam ao conquistarem mais clientes com tais ofertas tão tentadoras. No entanto, entidades de defesa do consumidor e pesquisadores acreditam que a prática fere o princípio da neutralidade da rede, previsto no Marco Civil da Internet (MCI) em seu Capítulo, II, pois limita o livre acesso a outros serviços que não estejam incluídos nestes pacotes, promovendo o bloqueio de informações diversas e a priorização do tráfego na web em detrimento à outros, o que fere diretamente o Art. 4º do MCI, in verbis: A discriminação ou a degradação de tráfego são medidas excepcionais, na medida em que somente poderão decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência, sendo necessário o cumprimento de todos os requisitos dispostos no art. 9º, § 2º, da Lei nº 12.965, de 2014 O Ministério Público Federal representou ao CADE no ano de 2016 contra a prática do Zero Rating, incluindo no polo passivo as quatro principais empresas provedoras de conexão à internet - que concentram quase que 100% do mercado em questão - e praticam o Zero Rating. Segundo o MP aproximadamente 253,600 milhões de usuários (correspondente a 98,35% dos clientes das operadoras de telefonia móvel), sejam cerceados no acesso de informações, privilegiando as mesmas plataformas sempre, criando um círculo vicioso de acesso mais amplo e estimulado à um número restrito de provedores de conteúdo e interações sociais (Inquérito Administrativo 08700.004314/2016-71). Em consequência à essa prática, pode-se observar claros impactos sobre pequenas e médias empresas de tecnologia, pois a associação de 3 grandes redes sociais e de conteúdo, que dominam mais de 70% do mercado (Facebook, WhatsApp e Twitter), por exemplo, acabam levantando uma barreira intransponível para startups, consequentemente abalando a inovação e a procura (ou permanência muito menor nessas novas plataformas) justamente por conta da vantagem de obter mais tempo online, já que essas plataformas excluídas da prática do Zero Rating sofrem silencioso desestímulo ao acesso. Portanto, nota-se que a prática do Zero Rating fere o posto no MCI, bem como cria impedimentos para o acesso verdadeiramente livre à internet. Para que haja o acesso real e ausente de amarras e imposições, é urgente o debate e a normatização do Zero Rating como UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 896 Prédio 3 - Subsolo Consolação São Paulo - SP CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 www.mackenzie.br e-mail: direito@mackenzie.br prática limitada ou inexistente, promovendo outras formas de conteúdo aos usuários e chances mais palpáveis e comercialmente leais à todas as empresas que se valem da internet como plataforma de negócios. b) Qual foi a opção adotada pelo Marco Civil da Internet para a regulamentação desses modelos de negócios estabelecidos por meio de acordos comerciais entre provedores de conexão e provedores de aplicação? Tais acordos seriam possíveis? Justifique (3 Pontos) Em conformidade com o preceito constitucional da livre-iniciativa, a opção adotada pelo Marco Civil da Internet (MCI) para a regulamentação de práticas como o Zero Rating, utiliza-se do argumento de que acordos puramente comerciais, que respeitem os limites impostos pelo art. 9º do MCI, permitidos em acordo com o Decreto n. 8.771/2016, in verbis: Art. 4º A discriminação ou a degradação de tráfego são medidas excepcionais, na medida em que somente poderão decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência, sendo necessário o cumprimento de todos os requisitos dispostos no art. 9º, § 2º, da Lei nº 12.965, de 2014. Nesse sentido, como medida excepcional, pode haver a discriminação ou a degradação do tráfego, desde que decorra de requisitos técnicos fundamentais à prestação adequada de serviços -conceito este passível de relativização- e cumpra todos os requisitos dispostos no art. 9º, § 2º, da Lei nº 12.965, de 2014: “Art. 9o O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. § 2o Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1o, o responsável mencionado no caput deve: I - abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil; II - agir com proporcionalidade, transparência e isonomia; III - informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e IV - oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais.” UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 896 Prédio 3 - Subsolo Consolação São Paulo - SP CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 www.mackenzie.br e-mail: direito@mackenzie.br É possível concluir, então, que apesar do princípio da neutralidade de rede vedar a discriminação quanto ao tráfego de pacotes dedados no nível da infraestrutura da rede, o mesmo não impõe restrições a modelos comerciais baseados em acordos entre provedores de conexão e provedores de aplicação, sendo estes possíveis, na condição de que respeitem condição anterior de não discriminação de pacotes no plano da infraestrutura. Mas a discussão é longa e ainda sem data para terminar: é ou não anticoncorrencial promover facilidade e mais tempo de acesso em detrimento à outras plataformas? Não acabam cerceando o acesso dos usuários ao conteúdo diverso do exposto nessas redes sociais? Ainda há muito o que debater - e concluir. Os acordos são possíveis, porém benéficos ou válidos à luz da legislação de forma realmente coerente? 2) Em janeiro de 2012, um cientista de dados do Facebook e dois pesquisadores universitários ajustaram o feed de notícias de quase 690 mil usuários para exibir histórias mais “positivas” ou “negativas”, a fim de descobrir se “as emoções são contagiosas nas redes sociais”. Segundo o estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Science, os pesquisadores do Facebook queriam descobrir se a transferência de emoções que acontece cara-a-cara também pode ocorrer digitalmente. O experimento teve um efeito direto: apesar de não ocorrer nenhuma interação humana real, os participantes que viram feeds artificialmente mais positivos postavam atualizações de status mais felizes; e pessoas com feeds mais tristes postavam mensagens mais amargas. De acordo com o Facebook, a pesquisa estava coberta pela Política de Privacidade da plataforma, vigente na época, que era aceita pelos usuários ao criar uma conta na rede social. Segundo tal Política, o Facebook poderia realizar “análise de dados, testes, pesquisa, desenvolvimento e melhoria do serviço” com seus dados. Assim, para o Facebook, não haveria a necessidade de se solicitar a autorização do usuário para um estudo dessa natureza, pois a permissão já havia sido dada. Sobre o caso acima, e à luz do Marco Civil da Internet, responda de forma justificada. UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 896 Prédio 3 - Subsolo Consolação São Paulo - SP CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 www.mackenzie.br e-mail: direito@mackenzie.br a) A pesquisa, da forma como foi promovida pelo Facebook, seria legalmente possível? Quais os princípios e direitos dos usuários poderiam estar sendo afetados pelo experimento? Justifique as respostas. (3 Pontos) Embora o Facebook possa utilizar os dados nele depositados para realizar "análise de dados, testes, pesquisa, desenvolvimento e melhoria do serviço", permitidos pelo usuário no aceite dos seus termos de uso e de sua política de privacidade, onde é colocado de forma bastante inexpressiva e sem destaque nos Termos de Serviço – documento composto por mais de 9000 palavras e com várias expressões e linguajar inacessíveis ao público leigo. É o que denominamos “Desestímulo da Informação”, onde os termos são apresentados por mera legalidade e consonância com as normas jurídicas, porém não há de fato interesse da plataforma em deixar claro seu significado ou suas consequências reais. Não obstante, cabe salientar que o Facebook não gozava da permissão para realizar o referido experimento, já que os estudos conduzidos foram publicados em Periódico Acadêmico, que possui regras diferentes da pesquisa interna de uma empresa ou outros tipos de associações. De forma a realizar tal experimento dentro de um cenário legalmente coerente, a Lei do Marco Civil da Internet (MCI) (Lei nº 12.965/14) exige o consentimento informado dos participantes em estudos em moldes como este, conforme versa praticamente todos os pontos do Art. 7º da supracitada legislação. Em claro exemplo, o inciso III do mencionado artigo, in verbis, deixa claro a garantia da “III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;”, além do inciso IX, que consolida o direito inexcusável do “consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais”. Não é necessário ser grande jurista para considerar que mero texto inexpressivo, dentre tantos outros artigos e regulações não promove a possibilidade de um consentimento expresso, claro, transparente. Ou seja, tão somente uma cláusula nos Termos de Serviço não basta e, inclusive, estimula a desinformação e o esclarecimento eficaz acerca dos dados pessoais de seus usuários. Não obstante, o estudo feriu UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 896 Prédio 3 - Subsolo Consolação São Paulo - SP CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 www.mackenzie.br e-mail: direito@mackenzie.br diversos Direitos de Personalidade dos usuários estudados, onde foi criado um ambiente diferente do comumente encontrado na plataforma tão somente para criar as condições necessárias para cada grupo estudado, mudando unilateralmente a própria interação do usuário com o Facebook, uma verdadeira manipulação psicológica. Ademais, o experimento em questão viola legislação posta por meio do MCI, já que agride os princípios da garantia de liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, da proteção da privacidade e dos dados pessoais, itens previstos no art. 3º, incisos I a III do referido instituto. Não findo o rol de violações, atenta contra os direitos dos usuários, nos termos do art. 7º, incisos VI a VIII, normas também positivadas por meio do MCI, conforme comentários tecidos anteriormente. Em casos como esse é comum alegarem que não houve inviolabilidade dos dados por conta da não identificação expressa do usuário. No entanto, várias correntes defendem que o mero uso de dados reais sem consentimento já fere tais direitos. O caso, finalmente, é agravado com a alteração do ambiente interativo da plataforma conforme o grupo para o qual determinado usuário foi atribuído – o que indubitavelmente o discrimina de outros usuários não participantes dos experimentos conduzidos. b) Para a proceder a pesquisa de forma lícita e de acordo com as regras do MCI, que medidas, o Grupo entende, deveriam ser adotadas pelo Facebook? Explique. (2 Pontos) Para prosseguir com este estudo, inclusive com certa relevância para compreendermos a interação das pessoas com o mundo virtual atualmente, o MCI exige que haja o consentimento expresso dos participantes. Para que isso ocorra, em nossa opinião seria necessário a pré-seleção de candidatos que tanto sejam parte de um dos grupos objeto de estudo quanto que tenham predisposição a aceitar participar de tal experimento. Finalmente, convidá-los formalmente explicando o objetivo do estudo, como ocorreria a privacidade e o sigilo dos seus dados, esclarecendo também os grupos estudados e a forma randômica da distribuição dos usuários (ou seja, que não é possível informar em qual grupo o usuário está). UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Direito Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 896 Prédio 3 - Subsolo Consolação São Paulo - SP CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 www.mackenzie.br e-mail: direito@mackenzie.br No entanto, para os usuários interessados nesse tipo de atividade acadêmica, seria interessante oferecer o acesso aos resultados, bem como a revelação (ao final do experimento) sobre qual grupo o usuário fez parte e desenvolver um pouco mais que os outros os resultados obtidos nesse. Assim, o estudo promoveria vários pontos benéficos como: a) o claro consentimento do usuário que, inclusive, entenderia como os seus dados ajudariam o estudo; b) o respeito para com o usuário ao solicitar sua participação voluntária em um estudo de melhoria da plataforma e de redes sociais em geral; e c) areflexão final do usuário, um insight consigo mesmo onde ele teria a oportunidade de analisar seu próprio perfil comportamental por meio dos resultados divulgados.
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