Prévia do material em texto
Mariana Oliveira Arantes História da América Pré-Colombiana AULA 9 A Conquista da América As Grandes Navegações O período das chamadas Grandes Navegações europeias foi marcado por expedições marítimas de portugueses e espanhóis para explorar as terras da costa da África e da América. Tratou-se de uma grande empreitada comercial em busca de novos territórios a serem explorados para obtenção de grandes riquezas. O Imaginário da Renascença As Grandes Navegações estão inseridas no imaginário do Renascimento – período em que coexistiam ideias e valores tanto do mundo medieval quanto da antiguidade clássica (cultura greco-romana). Humanismo O humanismo pode ser apontado como o principal valor cultivado no Renascimento, evocando o antropocentrismo, o racionalismo e o individualismo. O Humanismo, antes de um corpo filosófico, é um método de aprendizado que faz uso da razão individual e da evidência empírica para chegar às suas conclusões. Foi o Humanismo que inspirou a Reforma Religiosa encorajando o cristão a reivindicar o acesso direto às escrituras sagradas, sem necessitar da mediação dos sacerdotes da Igreja que tinham, naquele momento, sua moral e sua autoridade questionadas. Visões da América Cristóvão Colombo, o descobridor Suas referências eram pautadas no humanismo renascentista, nos preceitos do cristianismo, somados ao universo mítico da cultura pagã greco-romana. Em Portugal, Colombo começou a conceber seu projeto de viagem para o Ocidente inspirado pelo ambiente de navegações, descobrimentos, comércio e desenvolvimento científico que converteram a Lisboa da segunda metade do século XV num rico e ativo porto marítimo e mercantil, de dimensão internacional, e Portugal no país com os maiores conhecimentos náuticos da época. Visões da América Cristóvão Colombo, o descobridor Seu projeto consistia em encontrar um caminho alternativo para o Oriente atravessando o oceano Atlântico. Em meio às suas convicções científicas, havia também fantasias alimentadas pelas histórias dos viajantes que circulavam muito pela Europa graças à recente invenção da imprensa. Relatos de viagens eram povoados de referências míticas e superstições. Assim, os diários de Colombo evidenciam a estreita relação entre imaginação, história e narração. Sobre as terras encontradas na primeira viagem realizada em 1492, Colombo afirma: “(...) Volto ao meu assunto da terra de Gracia, do rio e do lago que ali encontrei. Tão grande que seria mais justo considerá-lo mar e eu afirmo que esse Rio emana do Paraíso e de terra infinita (...) minha convicção é bem forte de que ali, onde indiquei fica o paraíso terrestre, (...) que só se pode alcançar por vontade divina, fica no fim do Oriente. É neste lugar que estamos” (COLOMBO, 1492). A visão do Éden de Colombo em terras americanas relaciona- se ao imaginário religioso acessado por ele a partir da tradição cristã presente nos textos bíblicos. As imagens construídas por Colombo em seus escritos mesclam referências de diferentes procedências, misturando ficção e realidade. Sobre os habitantes das terras: “Não andam com armas, que nem conhecem, pois lhes mostrei espadas, que pegaram pelo fio e se cortaram por ignorância. Não têm nenhum ferro: as suas lanças são varas sem ferro, sendo que algumas têm no cabo um dente de peixe e outras uma variedade de coisas” (COLOMBO, 1492). Tendo em vista os interesses da Coroa, Colombo aponta uma possível serventia dessa gente e sua provável abertura à evangelização, já que aparentavam ser dóceis e pacíficos: “Devem ser bons serviçais e habilidosos, pois noto que repetem logo o que a gente diz e creio que depressa se fariam cristãos; me pareceu que não tinham nenhuma religião. (...) Eu – porque nos demonstraram grande amizade – percebi que eram pessoas que melhor se entregariam e converteriam à nossa fé pelo amor e não pela força” (COLOMBO, 1492). Tzvetan Todorov, em seu livro A conquista da América: a questão do outro, aponta que, nos anos iniciais de penetração no continente, Colombo descobriu a América, mas não os americanos, representando a inferioridade e a indiferença do outro para o europeu, visto que só é possível visualizar o indígena em meio às descrições que Colombo faz da natureza. Seu alicerce religioso e sua mentalidade medieval serviram de base para a interpretação que fez da realidade. Visões da América Hernán Cortéz, o conquistador Oriundo da pequena nobreza, interrompeu seus estudos de Direito para seguir a carreira militar; Tinha 33 anos quando foi nomeado, pelo governador de Cuba Diego Velazquez, chefe da expedição para conquistar o México; Em 1519, atingiu a baía de San Juan de Ulloa e entrou na capital do Império Asteca, cujo monarca Montezuma reinava há 17 anos; Em 1521, os astecas foram derrotados; Foi destituído de suas funções por intrigas, em 1526; Morreu em 1547 com o título de marquês. Território do Império Asteca conquistado por Cortéz https://historiadomundo.uol.com.br/asteca/mapa-imperio-asteca.htm Território conquistado por Cortéz http://anphlac.fflch.usp.br/astecas-maias-mapas Visões da América Hernán Cortéz, o conquistador Rumo a Tenochtitlán redigiu as Cartas de Relación (informes oficiais ao rei da Espanha); Pretendia ter o apoio do rei, fato que gerou oposição do governador Diego Velázquez; Escreveu cinco cartas: a primeira em 1519; a segunda no ano seguinte; a terceira em 1522; a quarta em 1524; e a última em 1526. Hernán Cortéz. Cartas de Relación. Madrid: Editorial Castalia, 1993. Hernán Cortéz, o conquistador O discurso de Cortéz é uma arquitetura verbal articulada sobre duplo eixo: conferir legitimidade à sanha conquistadora e "conquistar" o destinatário imediato da mensagem, o imperador Carlos V, de quem o guerreiro espanhol esperava reconhecimento e glória, após a conquista do império indígena (MILTON, 2000). Os horrores da guerra, a bravura de seus homens contra um inimigo desesperado e cheio de valor – estratégia que valoriza e heroifica o guerreiro – estão presentes em suas cartas: “(...) davam gritos e alaridos que parecia que o mundo estava acabando.... e eram tantas as pedras que nos jogavam que parecia estar chovendo do céu e, mesmo quando os inimigos estavam feridos, vinham os cachorros tão encolerizados que nada os podia deter” (CORTÉZ, 1519). A relação de Cortéz com os indígenas foi determinada pela política e pela guerra. Por isso, os relatos produzidos por ele descrevem os índios em função de seus propósitos utilitários de conquistador: “(…) poderiam valer mais de cem mil ducados; as quais, para além de seu valor, eram tais e tão maravilhosas, que consideradas por sua novidade e estranheza não tinham preço, nem se há de crer que nenhum de todos os príncipes do mundo tenha notícia de que possa haver assim com tamanha qualidade” (CORTÉZ, 1519). Nas cartas, também está presente a suposta importância de sua chegada, já que não teria sido por acaso que Deus quisera que descobrissem aquelas terras, pois, pelas mãos dos espanhóis, “estas gentes bárbaras” seriam trazidas à fé, ideia explicitada quando Cortéz comenta a prática do sacrifício humano realizada pelos Astecas: “(...) coisa abominável e digna de ser punida, (...) na presença daqueles ídolos os abrem vivos [às crianças] pelo peito arrancam o coração e as entranhas, e queimam as ditas entranhas e coração diante dos ídolos, oferecendo em sacrifício” (CORTEZ, 1519). Os missionários e demonólogos Exercício de imitação introduzia os índios na prática da representação, transformando-se numa importante forma de comunicação intercultural. Esses exercícios de catequese permitiram aos índios a compreensão e manipulação da cultura europeia, o que não necessariamente significou a destruição da cultura indígena, a qual foi preservada, pelos menos em parte, graças à manutenção das línguas, tarefa realizada pela própria Igreja (THEODORO, 1992). Os missionáriose demonólogos “A demonologia foi o maior obstáculo à compreensão em profundidade das sociedades indígenas” e a grande parceira no projeto de invenção de uma América à imagem e semelhança da Europa (SOUZA, 1993). Vertentes historiográficas sobre o tema 1. Perspectiva que relaciona a ideia de descobrimento à história do vencedor, utilizando documentação registrada pelos europeus. • Narrativas pré-moldadas - interesses de quem as redigiu; • Subestimação do outro, de seu mundo e horizontes culturais, o que gerou uma incompreensão da linguagem e de concepções nativas de conceitos como tempo, espaço, transformação, ancestralidade; • Versão dos fatos reconhecida institucionalmente como "oficial". 2. Edmundo O’Gorman, no livro A invenção da América (1958), que, por meio de uma leitura inovadora, buscou entender como surgiu a América na cultura ocidental, ou seja, como foi construída a imagem do então novo continente pelo europeu e incorporado à sua lógica. • Antes de ser conquistada – ou conhecida – a América já tinha sido inventada; • A América começou por ser uma ideia, gerando um nome, que por sua vez originou uma realidade. 3. “História dos vencidos“ (1980) - Documentação produzida por índios e mestiços que procura apresentar o ponto de vista dos americanos sobre o processo de conquista. (...) foi apenas a partir dos anos de 1980, nos marcos de uma renovada produção historiográfica sobre as sociedades indígenas, que a mirada sobre elas veio a ser matizada. Os investigadores, então, passaram a se interessar pelas respostas indígenas aos desafios e novidades introduzidos pelo colonialismo, fosse pela “resistência” que ofereceram a ele, fosse no sentido de reelaborar e traduzir, nos termos das suas culturas, o que era proposto pelos projetos de ocidentalização. Mais ainda, os nativos passam a ser tidos por atores sociais, e não apenas como meros receptores das políticas e iniciativas coloniais (MARTINS, 2012). Vertentes historiográficas sobre o tema 4. “História dos vencidos” A resistência indígena se deu por vários meios: conflitos armados diretos, fugas, trabalho lento durante as horas de trabalho forçado, suicídio e assassinato dos filhos, teimosia em aceitar o modo de vida e crenças dos espanhóis, ou seja, em uma "renúncia voluntária em viver a história do outro“ (BRUIT, 1991). 5. “História dos vencidos” É importante desmistificar a ideia derrotista da conquista em que os indígenas figuravam como resignados, aceitando sem contestar a violência a que foram submetidos. Hector Bruit reafirma esta proposição defendendo a assertiva de que não houve incapacidade racional ou inferioridade cultural. O que houve, segundo ele, foi simplesmente a renúncia voluntária de viver a história do outro, mas simulando vivê-la, o que se transformou em arquétipo de resistência à dominação total (BRUIT, 1991). 6. Leituras numa chave multiculturalista abarcam as duas tendências já descritas – substitui-se a palavra descobrimento por "choque entre culturas". Correntes interpretativas mais recentes propõem-se a desenvolver um meio termo entre os estudos eurocêntricos e nativistas, a fim de alcançar uma neutralidade nas análises. Reflexões Finais Os documentos produzidos pelo descobridor, pelo conquistador e pelos representantes da Igreja Católica nos dão uma boa amostra dos elementos constituintes do imaginário da Europa Renascentista que foram transportados para a América e acomodados à nova realidade. O projeto de América imaginado não desapareceu durante o processo de colonização, ao contrário, tornou-se uma espécie de fantasia atuante no destino dos povos americanos. Referências Bibliográficas BRUIT, Héctor Hernan. América Latina: quinhentos anos entre a resistência e a revolução. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 10, n. 20, p. 147-171, 1991. COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América. 1492. CORTÉZ, Hernán. Cartas de Relación. Madrid: Editorial Castalia, 1993. MARTINS, Maria Cristina Bohn. Índios e jesuítas em tempo de reduções. In: FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira (Org.). História da América. Historiografia e Interpretações. Ouro Preto: EDUFOP, 2012. MILTON, Heloisa C. Narrativas e imaginário na América Espanhola. Revista Itinerários, Araraquara, 15/16: 151-161, 2000. O’ GORMAN, Edmundo. A Invenção da América. São Paulo: Unesp, 1992. SOUZA, Laura de Melo. Inferno Atlântico. Demonologia e colonização - séculos XVI-XVIII. São Paulo: Cia das Letras, 1993. THEODORO, Janice. América Barroca. São Paulo: Edusp, 1992. TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. A questão do outro. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. (1ª ed. 1982). TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. A questão do outro. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. (1ª ed. 1982).