Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Mariana Oliveira Arantes História da América Pré-Colombiana AULA 11 Os Estados Unidos No primeiro capítulo do livro História dos Estados Unidos, publicado em 2007, o historiador Leandro Karnal lança a incômoda pergunta: Por que os Estados Unidos são tão ricos e nós não? Por esse caminho, iniciamos nossa aula sobre a colonização da América do Norte. Destino manifesto Desde o século XIX, a explicação dos norte-americanos para seu “sucesso” diante dos vizinhos da América hispânica e portuguesa foi clara: havia um “destino manifesto”, uma vocação dada por Deus a eles, um caminho claro de êxito em função de serem um “povo escolhido” (KARNAL, 2007). Colônias de povoamento x exploração No Brasil sempre houve desconfiança sobre a ideia de um “destino manifesto” que privilegiasse os Estados Unidos. Porém, muito curiosamente, criou-se aqui uma explicação tão fantasiosa como aquela. A riqueza deles e nossas mazelas decorreriam de dois modelos históricos: as colônias de povoamento e as de exploração. Colônias de povoamento x exploração Famílias bem constituídas, pessoas de alto nível intelectual e sólida base religiosa: tais seriam os colonos que originaram o povo norte-americano. Há uma ideia associada a essa que versa sobre a qualidade dos colonos. Para as colônias de exploração espanholas e portuguesas, as metrópoles enviariam o “refugo”: aventureiros sem valor que chegariam aqui com olhos fixos no desejo de ascensão. As colônias de povoamento receberiam o que houvesse de melhor nas metrópoles, gente de valor que, perseguida na Europa, viria com seus bens e cultura para o Novo Mundo trazendo na bagagem apenas a honradez e a Bíblia (KARNAL, 2007). Colônias de Povoamento x Exploração O problema dessa interpretação do processo de colonização das Américas é que, em ambos os exemplos, os sujeitos deixam de ser agentes históricos para serem submetidos ao peso insuperável da vontade divina e da carga do passado. Essa explicação da história apaga os sujeitos históricos dos processos. - Outro aspecto que teria influenciado a diferenciação dos processos de colonização seria o fator geográfico. Leandro Karnal esclarece que nos Estados Unidos haveria facilidades como as planícies imensas e rios excelentes para a navegação, como o Mississipi. A natureza norte-americana, ao contrário da brasileira, teria facilitado em muito o trabalho do colonizador. No Brasil, a Serra do Mar e os rios encachoeirados dificultariam a ação colonizadora (KARNAL, 2007). Outro aspecto diferenciador dos processos de colonização no Norte e no Sul da América estaria ligado a questões religiosas. Nos Estados Unidos, ocorreu a proeminência de religiões protestantes que, antes de pregar a salvação das almas no paraíso, teriam incentivado o trabalho nesta vida como algo que levaria ao progresso. De maneira oposta, a proeminência da religião Católica na América hispânica e portuguesa teria valorizado a aceitação das condições terrenas e a espera pela outra vida. Perspectivas de análise mais atuais sobre os processos de colonização na América estabelecem que as diferenças entre a América anglo-saxônica e a ibérica são frutos de “escolhas políticas”, ou seja, a forma como as elites locais conduziram a construção das nações americanas possui um papel muito importante. Na verdade, só podemos falar em projeto colonial nas áreas portuguesa e espanhola. Só nelas houve preocupação constante e sistemática em relação às questões da América. A colonização da América do Norte inglesa foi assistemática. No século XVII, quando a América espanhola já apresentava universidade, bispados, produções literárias e artísticas de várias gerações, a costa inglesa da América do Norte era um amontoado de pequenas aldeias atacadas por índios e rondadas pela fome (KARNAL, 2007). Tais afirmações questionam a suposta “qualidade dos colonos” das Américas. Imaginar o Brasil povoado só por ladrões e estupradores é tão falso como supor que apenas intelectuais piedosos foram para as 13 colônias. Decorridos cem anos do início da colonização, caso comparássemos as duas Américas, constataríamos que a ibérica tornou-se muito mais urbana e possuía mais comércio, maior população e produções culturais e artísticas mais “desenvolvidas” que a inglesa (KARNAL, 2007). A solidez das cidades coloniais espanholas, seus traçados urbanos e suas pesadas construções não harmonizam com um projeto de exploração imediata (KARNAL, 2007). Assim, houve maior facilidade dos colonos norte-americanos em proclamarem sua independência. A falta de um efetivo projeto colonial aproximou os Estados Unidos de sua independência. Ao contrário do ocorrido nas colônias espanholas e portuguesas, as 13 colônias nascem sem a tutela direta do Estado. Ignorando as pretensões de outros soberanos, a rainha Elizabeth I da Inglaterra concedeu permissão a sir Walter Raleight para que iniciasse a colonização da América. Sir Walter estabeleceu – em 1584, 1585 e 1587 – expedições à terra que batizou de Virgínia, em homenagem a Elizabeth, a rainha virgem. A Coroa, impossibilitada de promover ela própria a colonização, delega a outros esse direito, reservando para si uma parte de eventuais descobertas de ouro e prata (KARNAL, 2007). Os ataques indígenas aos colonizadores, a fome e as doenças minaram a experiência inicial da Inglaterra. Até o final do século XVI, não houve outras tentativas de colonização sistemática da América do Norte por parte da Coroa inglesa. No início do século XVII, já sob a dinastia Stuart, a Inglaterra reviveu o impulso colonizador. Passado o perigo espanhol imediato, o país estava tranquilo e a necessidade de comércio avançava. A estabilidade alcançada na era Tudor continuava a dar frutos. Mais uma vez, porém, a Coroa entrega a particulares essa atividade. Não mais a nobres individuais, mas a companhias como a de Londres e a de Plymouth. Aqui, ao contrário da América ibérica, define-se uma colonização de empresa, não de Estado (KARNAL, 2007). As 13 colônias originais Nome Fundada por Ano Virgínia Companhia de Londres 1607 New Hampshire Companhia de Londres 1623 Massachusetts John Mason e outros 1620-1630 (Plymouth) separatistas puritanos Maryland Lord Baltimore 1634 Connecticut Emigrantes de Mass 1635 Rhode lsland Roger Williams 1636 Carolina do Norte Emigrantes da Virgínia 1653 Nova York Holanda 1613 Nova Jersey Barkeley Carteret 1664 Carolina do Sul Nobres ingleses 1670 Pensilvânia William Penn 1681 Delaware Suécia 1638 Geórgia George Oglethorpe 1733 O processo de êxodo rural na Inglaterra acentuava-se no decorrer do século XVII e inundava as cidades inglesas de homens sem recursos. A ideia de uma terra fértil e abundante, um mundo imenso e a possibilidade de enriquecer a todos era um poderoso ímã sobre essas massas. Naturalmente, as autoridades inglesas também viam com simpatia a ida desses elementos para lugares distantes. A colônia serviria, assim, como receptáculo de tudo o que a metrópole não desejasse (KARNAL, 2007). Ao longo do século XVII, ocorrem várias rebeliões de servos na América do Norte, reivindicando melhores condições de vida. Os “pais peregrinos” (pilgrim fathers) são tomados como fundadores dos Estados Unidos. Não são os pais de toda a nação, são os pais da parte “WASP” (em inglês, white anglo- saxon protestant, ou seja, anglo-saxão branco e protestante) do país. Em geral, a historiografia costuma consagrá-los como os modelos de colonos. Construiu-se uma memória que identificava os peregrinos, o Mayflower e o Dia de Ação de Graças como as bases sobre as quais a nação tinha sido edificada (KARNAL, 2007). A questão climática favoreceu o surgimento, único no universo colonial das Américas, de um núcleo colonial voltado para a policultura, para o mercado interno e não totalmente condicionado aos interesses metropolitanos, no Norte dos Estados Unidos. As colônias do Sul, porsua vez, abrigaram uma economia diferente. Seu solo e clima eram mais propícios para uma colonização voltada aos interesses europeus. O produto que a economia sulina destacou desde cedo foi o tabaco. A planta implicou permanente expansão agrícola por ser exigente, esgotando rapidamente o solo e obrigando a ampliação de novas áreas de cultivo. O fumo tomou-se um produto fundamental no Sul. A falta de braços para o tabaco em pouco tempo impôs o uso do escravo. Esse trabalho escravo cresceu lentamente, posto que a mão de obra branca servil era muito forte no século XVII (KARNAL, 2007). As colônias centrais teriam sua vida econômica mais ligada à agricultura, principalmente à agricultura de cereais. Nas últimas colônias conquistadas pela Inglaterra predominaram as pequenas propriedades e, a exemplo do Norte, desenvolveram atividades manufatureiras. Nenhum projeto efetivo de catequese aconteceu na América do Norte. As companhias de comércio não estabeleceram práticas para a conversão dos índios ao cristianismo. A atitude tomada diante dos índios nessa fase inicial foi praticamente a mesma ao longo de toda a colonização inglesa na América do Norte: um permanente repúdio à sua integração. O universo inglês, mesmo quando eventualmente favorável à figura do índio, jamais promoveu um projeto de integração. Centenas de tribos indígenas habitavam a América do Norte até a chegada dos europeus. Há uma variedade enorme nessas tribos: só em relação às línguas, encontraram mais de trezentas. Grupos indígenas como os cherokees, iroqueses, algonquinos, comanches e apaches povoavam todo o território, do Atlântico até o Pacífico. Alguns outros grupos deram nome à geografia dos Estados Unidos: Dakota, Delaware, Massachusetts, Iowa, Illinois, Missouri. - A ocupação das terras indígenas por parte dos colonos baseava-se em argumentos de ordem teológica. Os peregrinos haviam se identificado com o povo eleito que Deus conduzia a uma terra prometida. Tal como Deus dera força a Josué (na Bíblia) para expulsar os habitantes da terra prometida, eles acreditavam no seu direito de expulsar os que habitavam a sua Canaã. John Cotton, pastor puritano, fez vários sermões nos quais destacou a semelhança entre a nação inglesa e a luta pela terra prometida descrita no Antigo Testamento (KARNAL, 2007). Dos diversos tratados de paz entre colonos e índios que demarcavam as terras, surgiu a prática das reservas indígenas, áreas que pertenceriam exclusivamente aos índios. A permanência de conflitos mesmo com os índios das “reservas” revela que esses acordos não foram cumpridos em sua totalidade. Um índio descreve a chegada dos brancos: [...] buscaram por todos os lados bons terrenos, e quando encontravam um, imediatamente e sem cerimônia se apossavam dele; nós estávamos atônitos, mas, ainda assim, nós permitimos que continuassem, achando que não valia a pena guerrear por um pouco de terra. Mas quando chegaram a nossos terrenos favoritos – aqueles que estavam mais próximos das zonas de pesca – então aconteceram guerras sangrentas. Estaríamos contentes em compartilhar as terras uns com os outros, mas esses homens brancos nos invadiram tão rapidamente que perderíamos tudo se não os enfrentássemos... Por fim, apossaram-se de todo o país que o Grande Espírito nos havia dado... (KARNAL, 2007). Reflexões Finais Por mais que tenham existido diferenças na forma como os colonos europeus agiram em relação às colônias americanas, podemos afirmar que a desestruturação do modo de vida dos povos nativos da América e o extermínio de grande parte de sua população são fatos que conectam as histórias no continente. Referências Bibliográficas KARNAL, Leandro; PURDY, Sean; FERNANDES, Luiz Estevam; MORAIS, Marcus Vinícius. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007. AZEVEDO, Cecília; RAMINELLI, Ronaldo. História das Américas. Novas Perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2011.
Compartilhar