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1 DIREITOS DA CRIANÇA DO ADOLESCENTE E DO IDOSO 1 FACUMINAS ................................................................................................... 2 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 3 UNIDADE 1 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .................. 6 UNIDADE 2 – ADOÇÃO E GUARDA .............................................................. 10 2.1 Condições que implicam no encaminhamento da criança à adoção 12 2.2 Quem pode adotar e como adotar? .................................................. 17 2.3 Implicações psicossociais da adoção ............................................... 22 2.4 Qual o papel do psicólogo no contexto da adoção? ......................... 23 UNIDADE 3 – RISCO E PROTEÇÃO ............................................................. 25 UNIDADE 4 – FORMAS DE VIOLÊNCIA AO MENOR E AO IDOSO ............. 30 UNIDADE 5 – ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI .......................... 36 5.1 Medidas socioeducativas .................................................................. 39 5.2 Redução da maioridade penal .......................................................... 46 UNIDADE 6 – ESTATUTO DO IDOSO ........................................................... 52 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 60 2 FACUMINAS A história do Instituto FACUMINAS, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a FACUMINAS, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A FACUMINAS tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO Enquanto orientadores, sempre recomendamos a pesquisa de originais, porém, como neste material a temática é bastante recente, optamos por pesquisar artigos científicos e, em algumas situações, recorremos a “apuds” dos clássicos que nortearam os estudos. Bons estudos! Este material é bastante denso e abrangente, pois visa estudar assuntos relacionados à criança, ao adolescente e ao idoso. A partir de dois importantes documentos – o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) e o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) – pretendemos mostrar aspectos referentes à legislação brasileira para esse público alvo. Assim, nossos marcos iniciais tornam-se o ECA e o Estatuto do Idoso. Em “A história social da criança e da família”, Phillippe Ariès (2006) conta em detalhes como a criança era inicialmente deixada de lado, desprotegida, até que, com o passar do tempo, os olhares da sociedade e dos estudiosos começaram a se voltar para essa parcela da população, garantindo a elas maiores possibilidades de sobrevivência e de um desenvolvimento com maior qualidade de vida do ponto de vista biopsicossocial. Até por volta do século XII parecia não haver lugar para a criança num mundo reinado pelos adultos. A arte oferece registros preciosos sobre características antropológicas dos tempos passados e observa-se que, nesse período, a arte medieval desconhecia a criança ou não tentava representá-la. Por volta do século XIII, através da arte, já foi possível encontrar representações das figuras infantis através dos anjos, do menino Jesus e da criança nua (ARIÈS, 2006). Ainda segundo o autor, fatos sociodemográficos da época ajudam-nos a compreender por que só por volta do século XVI as imagens de crianças começaram a aparecer nos túmulos. A mortalidade de crianças era muito grande naquela época e a sociedade encarava as perdas com muita naturalidade. Acreditava-se que “se faziam várias crianças para conservar apenas algumas” (p.21), o que para nós parece chocante, mas, na época, era retrato de uma sociedade marcada por altos índices de mortalidade infantil. As famílias não desenvolviam tanto apego pelas crianças, pois a 4 perda das mesmas era uma realidade bastante esperada, não se acreditava que a criança já era dotada de personalidade, como o adulto. A socialização da criança na idade média não era controlada pela família. Sua educação era garantida através das atividades que realizava juntamente com os adultos (BARBOSA; MAGALHÃES, 2013). O sentimento de infância, de preocupação com a educação moral e pedagógica, o comportamento no meio social, são ideias que surgiram já na modernidade o que nos leva a crer na existência de todo um processo histórico até a sociedade vir a valorizar a infância. Ariès é bem claro em suas colocações quando diz que a particularidade da infância não será reconhecida e nem praticada por todas as crianças, pois nem todas vivem a infância propriamente dita, devido às suas condições econômicas, sociais e culturais. Assim, os sinais de desenvolvimento de sentimento para com a infância tornaram-se mais numerosos e mais significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII, pois os costumes começaram a mudar, tais como os modos de se vestir, a preocupação com a educação, bem como separação das crianças de classes sociais diferentes (BARBOSA; MAGALHÃES, 2013, p.3). Voltando nossa discussão para as políticas públicas em prol da infância, especificamente no Brasil, observa-se que algumas mudanças significativas foram ocorrendo antes da consolidação do ECA, o que significa um grande marco nas políticas de proteção à infância. A preocupação com a infância era considerada um problema econômico e político, por isso por todo o mundo foram buscando definir políticas públicas que visassem recuperar a infância (BARBOSA; MAGALHÃES, 2013). Nesse contexto, como veremos a seguir, a preocupação com a infância já incluía também a adolescência, faixa etária até então desconsiderada pelos estudiosos. Contextualizamos que a ideia de que o desenvolvimento humano acontece além da infância é relativamente nova. No início do século XX, Stanley Hall publicou um livro cuja tradução intitula-se como “Adolescência” (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). 5 Alguns dados históricos referentes a políticas públicas voltadas à infância e à adolescência merecem ser destacados: No Brasil, essa iniciativa se deu por volta 1942 quando foi criado o Serviço de Assistência ao Menor – SAM –, que abrigavam menores considerados em conflitos com a lei, em regime disciplinar. Esse modelo de institucionalização, no entanto, foi criticado por conter ações consideradas repressivas, tanto que com o golpe militar de 1964, o SAM foi extinto, e partir daí até a década de 1970, a discussão em torno da infância passa a ser considerada como prioridade no campo político e social. Já na década de 1980, essas discussões passam a ter influência de caráter normativo internacional (BARBOSA; MAGALHÃES, 2013, p.5). Observa-se, na citação anterior, que as políticas públicas voltadas para a infância e a adolescência eram voltadas para aqueles em situação de risco, mais especificamente para aqueles que pareciam oferecer algum tipo de risco para a sociedade.Em ocasião do regime militar, a criação das FEBEMs visava prioritariamente a proteção do menor, mas o afastamento de um fator de risco – o menor infrator – da sociedade: Concomitantemente, criaram-se também as Fundações Estaduais de Bem-estar do Menor (FEBEMs), que atenderiam a dois grandes grupos: os infratores e os abandonados. ‘O critério implícito utilizado para a medida de internação era, em última instância, o risco que os menores constituíam para a sociedade. Entendia-se por risco os possíveis danos e ameaças físicos e morais que esses menores poderiam causar a ela’ (CONCEIÇÃO; TOMASELLO; PEREIRA, 2003, p. 84 apud ALVES et al., 2009). Em 1990, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, documento que, devido à sua importância, será tratado numa seção exclusiva desse material. Aqui só cabe a nós ressaltar que essa política pública visa a todas as crianças e adolescentes brasileiros, sem nenhum tipo de exclusão, como outrora acontecia. . 6 UNIDADE 1 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Não pretendemos nesta seção, detalhar o Estatuto a Criança e do Adolescente (ECA), visto que o documento é extenso e complexo. O documento é facilmente encontrado na Internet, no endereço listado nas referências, e a leitura e estudo do mesmo se fazem importantes para uma maior compreensão do tema. Limitaremos aqui a fazer uma reflexão sobre o documento e de algumas questões de destaque para a atuação do psicólogo jurídico. O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), promulgado em 1990, dispõe sobre a atenção integral à criança e ao adolescente. Compreende- se criança como o indivíduo de até doze anos incompletos; e adolescente é aquele com idade entre doze e dezoito anos. O ECA sinaliza um grande avanço nas políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente. No Brasil, antes da promulgação do ECA, o Código de Menores apareceu como um precursor. Segundo Silva, Souza e Teixeira (2003 apud BRAMBILLA; AVOGLIA, 2010), diferentemente do ECA, que volta sua abrangência a todas as crianças e adolescentes, o documento anterior aplicava- se somente às crianças e adolescentes que se encontravam em situação irregular – por violarem regras sociais ou por não serem atendidos em suas necessidades básicas. As crianças e adolescentes – os menores – eram tratados como seres incapazes, ou seja, não autônomos, não eram considerados sujeitos de direitos e deveres. Os quadros a seguir elucidam, de maneira didática, o principais pontos abordados em cada parte do ECA, o que pode ser útil para uma breve pesquisa. 7 Quadros 1 e 2: ECA Fonte: Chaves (2010). Conforme Cruz; Hillesheim; Guareschi (2005, p.47), 8 [...] embora o ECA possibilite um prisma diferente sobre a infância em relação às leis que o antecederam, esta continua sendo compreendida no singular, delineando modos de viver, sentir e agir e posicionando crianças e adultos como sujeitos em suas comunidades, a partir da determinação de direitos e deveres para uns(as) e outros(as). O ECA surge para modificar esse paradigma do “menor” enquanto ser incapaz, ao mesmo tempo em que sua abrangência se amplia para além dos menores em situação de risco. Aspectos de destaque que apareceram como novidade na época da criação do ECA, podem ser observados na citação a seguir: Como resultado de toda essa articulação, foi sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual estabeleceu o caminho para a intervenção popular nas políticas de assistência, traçando as diretrizes da política de atendimento: criação de conselhos municipais, estaduais e nacionais dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurando- se a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais. Inicia-se aqui uma nova fase, desinstitucionalizadora, caracterizada pela implementação de uma nova política que amplia quantitativa e qualitativamente a participação da sociedade na elaboração, deliberação, gestão e controle das políticas para a infância, o que é fundamental para a garantia da implementação da Lei (BRASIL, 1990 apud CRUZ; HILLESHEIM; GUARESCHI, 2005, p.46). O ECA apregoa a proteção integral às crianças e adolescentes ao mesmo tempo em que os considera sujeitos de direito, ou seja, há um ambiguidade marcada pela ênfase na autonomia ao mesmo tempo em que apregoa um enfoque intervencionista e tutelar (BRASIL, 1990 apud CRUZ; HILLESHEIM; GUARESCHI). O ECA é de suma importância, pois, além de garantir às crianças e adolescentes seus direitos e de deixar explícita a proteção das mesmas de qualquer 9 fonte de violência, é a lei que norteia a ação da equipe multidisciplinar do meio jurídico, dentre eles o psicólogo. Em linhas gerais, os aspectos evidentes na citação a seguir mostram a relevância do ECA para o psicólogo: De maneira geral, evidencia-se que o ECA se constitui num aliado para mudanças no cenário da atuação do psicólogo, uma vez que também colabora com a ampliação de sua atuação, diagnosticando e intervindo em conflitos de natureza humana que, consequentemente, atingem as problemáticas individuais. Desse modo, fortalece a construção de políticas públicas que consolidem ainda mais uma rede integral de atenção não apenas às crianças e adolescentes, mas à população como um todo, assegurando o exercício democrático da cidadania no país (BRAMBILLA; AVOGLIA, 2010, p.120). Após essa breve apresentação do ECA, encerra-se esta seção, porém outras partes do documento serão apresentadas e discutidas ao longo do material. 10 UNIDADE 2 – ADOÇÃO E GUARDA Para discorrer acerca dessa temática, faz-se necessário retornar ao ECA, já que alguns artigos versam explicitamente sobre a questão da adoção e guarda de menores. Convém destacar que, após a instituição do ECA, a adoção em caráter pleno, irrevogável e irretratável é possível quando ocorre antes de o menor completar os 18 anos, ou, após essa idade, somente quando a convivência entre ambas as partes (adotado e adotante) tenha se iniciado antes da maioridade (CAMPOS; COSTA, 2004). A adoção é irrevogável (nem a morte dos adotantes restabelece o pátrio poder aos pais biológicos) e dá ao adotado os mesmos direitos sucessórios de um(a) filho(a) natural. No registro civil do adotado, constarão os nomes dos pais adotivos e seus ascendentes e nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões. As leis anteriores eram bem mais restritivas que a atual, o que acabava estimulando as adoções ilegais (CAMPOS; COSTA, 2004, p.96). Importante destacar que atualmente, a expressão “pátrio poder” não é mais utilizada, visto que pai e mãe possuem a mesma proporção de poder / responsabilidade sobre seus filhos. O Estatuto deixa claro que é direito da criança ser criada pela própria família, entretanto, quando isso não se faz possível – por exemplo, em caso de morte de todos os familiares ou quando a família não possui condições de garantir a segurança do menor – a criança ou adolescente pode ser encaminhado para família substituta. Importante destacar que, como se vê no artigo a seguir, isso só ocorre em casos excepcionais, visto que a prioridade é a manutenção dos laços familiares: 11 Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (BRASIL, 1990). Nos casos em que realmente há a necessidade de colocação da criança em família substituta há as seguintes opções: guarda, tutela ou adoção. Essas três modalidades visam proporcionar à criança convivência em meiofamiliar e social. O ECA define guarda e tutela como: [...] guarda (Art. 33 a 35) destina-se a regularizar a posse de fato; obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente e confere ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos genitores. A guarda é revogável a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público. A tutela (Art. 36 a 38) é deferida nos termos da lei civil, pressupõe previamente a perda ou suspensão do pátrio poder e implica necessariamente o dever de guarda e, em geral, é requerida nos casos em que a criança/ adolescente possui bens. A colocação em família substituta é uma das medidas específicas de proteção à criança ou adolescente aplicável sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados (CAMPOS; COSTA, 2004, p.96). A adoção, como já mencionamos anteriormente, é irrevogável e consiste na colocação da criança ou adolescente menor de 18 anos em família substituta, ou seja, o adotado passa a ser legalmente filho. Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação [...] Art. 39. § 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa [...] 12 Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Vale destacar que, na cultura brasileira, a adoção também acontece por caminhos não-oficiais. Há os chamados “filhos de criação” – crianças que foram recebidas, devido a uma série de motivos, por determinadas famílias que passam a ser responsáveis pelo cuidado das mesmas, mas, para isso, não recorreram à justiça (MARIANO; ROSSETI-FERREIRA, 2008). A partir da definição de adoção surgem as seguintes questões: O que pode levar uma criança a ser encaminhada para a adoção? Quem pode adotar? Qual o papel do psicólogo no contexto da adoção? Quais as implicações psicossociais da adoção para o adotante e o adotado? Tentaremos responder essas e algumas questões a seguir. 2.1 Condições que implicam no encaminhamento da criança à adoção Como já foi possível perceber, o ECA deixa evidente que toda criança e adolescente deve ser criado prioritariamente pela sua própria família. Em casos onde não se é possível manter o vínculo familiar, a criança é encaminhada para família substituta. Segundo Gomide, Guimarães e Meyer (2003), o ECA determina que as crianças institucionalizadas devem ser encaminhadas para sua família de origem ou família substituta, quando não houver condições de permanecerem juntas aos seus genitores e outros familiares. Ainda segundo as mesmas autoras, há situações em que a família – pai e mãe – perdem o poder familiar sobre seus filhos. Não se fala mais em pátrio poder, já que, atualmente, homem e mulher passam a ter o mesmo poder sobre seus filhos. Em síntese, os pais ou aqueles que detenham a guarda da criança têm obrigações e responsabilidades para com sua educação, segurança e bem- estar. Dentre essas obrigações podem-se citar: 13 [...] dirigir a criação e a educação dos filhos, tê-los em sua companhia e guarda, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem, nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver ou não puder exercitar o poder familiar, representá-los até os 16 anos nos atos da vida civil e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição (GOMIDE; GUIMARÃES; MEYER, 2003, p.42). Entende-se perda ou destituição do poder familiar como a mais grave sanção aplicada aos pais que faltarem com os deveres – materiais, educacionais e morais - em relação aos seus filhos. É uma medida extrema, a qual deve ser muito pensada pelo juiz e aparece como o último recurso frente a atitudes nocivas dos pais em relação aos filhos (TORRES et al, 2012). A destituição do poder familiar pode acontecer devido a algumas situações, as quais incluem morte, maioridade, violência por parte dos pais. Na tabela a seguir, compilamos alguns dados presentes em leis brasileiras que explicitam situações em que possa ocorrer a destituição do poder familiar. Compreende-se que em determinadas situações a criança pode ser encaminhada para a adoção. 14 Tabela 05: Destituição do poder familiar Documento Código Civil (2002) Constituição Federal (1988) ECA (1990) Situação O art. 1635 define as condições necessárias para a suspensão e extinção do poder familiar, ou seja, ele dar-se-á pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único, pela maioridade, pela adoção ou por decisão judicial, na forma do art. 1638. O art. 1638 expressa que perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho, deixar o filho em abandono ou praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. O art. 227, do Capítulo VII da Constituição Federal, diz que “Caso impossível, absolutamente inviável ou não recomendável a permanência da criança e do adolescente em companhia de seus pais, após esgotadas as tentativas que nesse sentido deverão ser obrigatórias e ex vi legis realizadas, a colocação do jovem em família substituta surge como a melhor forma de superar a falta, o abuso ou a reiterada e injustificável omissão de sua família natural, garantindo àquele seu direito fundamental de ser criado e educado no seio de uma família, ainda que não seja a de origem (inteligência da O art. 5º do ECA afirma que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. O art. 23 do ECA ressalta que a pobreza não é motivo para a destituição do pátrio poder. Ele é claro: “A falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente à perda ou à suspensão do pátrio poder”. As famílias nessas condições devem ser obrigatoriamente incluídas em programas oficiais de auxílio. 15 terceira parte do citado art. 19 da Lei nº 8.069/90)” (p.158). Observações A extinção do poder familiar é medida grave. Não é temporária, mas definitiva, o que significa que os pais não poderão reaver seus direitos e deveres, porém, será necessária prova muito significativa e forte para que essa ação judicial seja revertida. Ainda para Fávero (2001 apud AGUERA et al., 2009, p. 79): Não estamos afirmando que situações que levam a destituição do poder familiar, tais como violência doméstica, negligência, abandono e exploração do trabalho infantil são fatores exclusivos de famílias pobres, contudo a pobreza deixa as pessoas vulneráveis a tais situações, compreende esta pobreza como “um conjunto de ausências relacionadas à renda, educação, trabalho, moradia e rede familiar e social de apoio.” (TORRES et al., 2012) Fonte: adaptado de Gomide; Guimarães; Meyer (2003, p.43); TORRES (et al., 2012). Quando há destituição do poder familiar, a criança é encaminhada para tutela ou adoção.Nos casos em que a decisão não é definitiva, a criança deve ser encaminhada para um tutor, porém, nesses casos, os pais biológicos têm obrigação de prestar alimentos. Nos casos em que os motivos que levaram à destituição foram mais graves, a criança pode ser encaminhada para a adoção (TORRES et al., 2012). 16 Como já ressaltamos algumas vezes, a criança deve ser mantida preferencialmente com os pais. Várias medidas podem ser tomadas (até no sentido de reabilitação) para que as crianças possam voltar a conviver com seus genitores. Não iremos entrar em detalhes aqui, mas vale a pena frisar que, dentre as alternativas de ações que visam à restauração e ao restabelecimento dos vínculos familiares, podem-se destacar: orientação, apoio e acompanhamento temporários, matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental, inclusão em programa de acolhimento familiar, requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (TORRES et al., 2002). Observe que várias dessas medidas podem contar com o psicólogo jurídico como membro de equipe interdisciplinar responsável por tentar restaurar os vínculos familiares. Em último caso, pensa-se na família substituta. Como aqui nosso foco é a adoção, iremos nos voltar para essa última alternativa. Anteriormente, levantamos questionamento acerca dos motivos que levam uma criança a ser colocada em família substituta. Como foi possível observar, a colocação da criança em família substituta é a última alternativa e isso pode acontecer devido a atitudes nocivas dos pais em relação à criança. Além disso, existem outros fatores, tais como morte dos pais, vontade dos pais de abandonar os filhos ou incapacidade dos mesmos de criá-los. Como já foi enfatizado, a pobreza em si não pode ser considerada motivo para a destituição do poder familiar, mas vários casos de abandono de crianças são associados às condições de pobreza dos pais (GAGNO, 2002 apud GOMIDE; GUIMARÃES; MEYER, 2003). Mariano e Rosseti-Ferreira (2008) apontam alguns fatores que podem levar os pais biológicos a entregarem seus filhos para a adoção. Dentre os fatores que fizeram mães deixarem seus filhos na maternidade, podem-se destacar conjugação de fatores econômicos e familiares (por exemplo, ausência de companheiro) (FRESTON; FRESTON, 1994); falta de apoio familiar, falta de condições socioeconômicas e habitacionais, criança fruto de relacionamento fortuito (OLIVEIRA, 2002). Importante destacar que a falta de condições materiais aparece como justificativa, nesse sentido, o Estado deveria propiciar melhores condições para que a adoção não fosse necessária. 17 Ainda segundo as autoras, em pesquisa realizada para identificar o perfil dos pais biológicos que entregam seus filhos à adoção e os adotantes, observa- se que o processo de entrega da criança costuma ser silenciado, ou seja, sem intervenção da Justiça e da equipe multiprofissional. Nesses casos, o relato dos pais biológicos pode conter indícios de arrependimento, coação e até de “pagamento” por parte da família adotante pela criança adotada. 2.2 Quem pode adotar e como adotar? A figura a seguir mostra características dos candidatos a adotantes, seu estado civil, faixa etária, região de residência, renda familiar e o perfil esperado da criança que desejam adotar: 3 Figura 01: Perfil dos candidatos a adotantes Fonte: Senado (s.d.). 18 Segundo o ECA, o adotante precisa ser maior de idade e ser pelo menos 16 anos mais velho que o adotado. A adoção só pode ser realizada por dois adotantes quando os mesmos forem casados ou viverem em união estável. Casais divorciados podem adotar em conjunto desde que a convivência com a criança tenha se iniciado antes do divórcio, sendo claro que ambos precisam concordar sobre guarda e visitação. O cônjuge poderá adotar os filhos do outro cônjuge, mantendo os vínculos de filiação entre os respectivos parentes. Por outro lado, avós e irmãos mais velhos não podem adotar neto e irmão mais novo respectivamente (BRASIL, 1990 apud CAMPOS; COSTA, 2004). Vários motivos podem servir como motivadores para que casais ou pessoas sozinhas recorram à adoção. Dentre esses podemos destacar a infertilidade (WEBER, 2003), causa mais comum entre os casais; desejo de adotar um enteado (para poder educar como filho ou para se vingar do pai biológico) (apud MARIANO; ROSSETI-FERREIRA, 2008). Um assunto que vem a tona em várias discussões na atualidade é a adoção por casais homoafetivos. No ECA, não há nenhum artigo explícito que proíba a adoção por homossexuais, porém, como a Constituição Federal de 1988, não considera o casamento entre pessoas do mesmo sexo, compreende-se que a adoção, nesses casos, só pode ocorrer de forma individual, ou seja, por um dos pares (COSTA, 2006 apud ARAÚJO; OLIVEIRA; SOUZA, CASTANHA, 2007). Cabe destacar que no Brasil, os casamentos homoafetivos já são realizados em cartório, assim como também já há registros de casais homoafetivos que conseguiram adotar. Assim como nos demais casos, considera- se que deve-se privilegiar os interesses da criança (SENADO, s.d.). Entretanto, essa questão ainda é bastante polêmica, por ser cercada de tabus, preconceitos, debates religiosos, dentre outros. Ressalta-se, mais uma vez, que, independente do casal adotante, as equipes multiprofissionais devem privilegiar sempre o bem-estar da criança. O ECA (1990) norteia que, no processo de adoção, deve-se considerar como prioridade as reais vantagens para o adotando. Destarte, a adoção, quer por homossexuais, quer por heterossexuais, apresenta-se como uma via real de inclusão e respeito aos direitos da criança e/ou 19 adolescente (ALVES; OLIVEIRA; BARONI; FRANCO; ZACARIAS, 2007 apud ARAÚJO et al., 2007, p.96). Cabe à Justiça da Infância e da Juventude conhecer os pedido de adoção e seus incidentes, assim como os pedidos de guarda e tutela (BRASIL, 1990). Importante destacar que o psicólogo é um dos profissionais que compõem a equipe multidisciplinar que atua no contexto da adoção no Brasil. Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude. Art. 151. Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (BRASIL, 1990). Se uma pessoa ou um casal desejam adotar uma criança ou adolescente é imprescindível que os mesmos atendam aos pré-requisitos explícitos no ECA e que passem por avaliação de uma equipe multiprofissional para que fique comprovado que a família tem condições de adotar. A seguir, explica-se brevemente como os possíveis adotantes devem proceder. O CNA (Cadastro Nacional de Adoção) é um banco de dados que reúne, de um lado, os pretendentes à adoção e, de outro lado, as crianças e adolescentes em condições de serem adotados. Os interessados em adotar precisam procurar a Vara da Infância e da Juventude de sua localidade para que seu cadastro ao sistema seja realizado (CNA, 2004). 20 O CNA elaborou um passo a passo da adoção, o qual está sintetizado na tabela a seguir: Tabela 06: Passo a passo da adoção Passo Descrição 1- Eu quero Após a decisão de adotar o candidato, a adotante procura a Vara da Infância e da Juventude munido de documentos pessoais, atestadoou declaração médica de sanidade física e mental; certidões cível e criminal. 2- Dê entrada Através de uma petição – preparada por um defensor público ou advogado particular – para dar início ao processo de inscrição para adoção (no cartório da Vara de Infância).. 3- Curso Avaliação e O curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção é obrigatório. Após comprovada a participação no curso, o candidato é submetido à avaliação psicossocial com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica interprofissional. Algumas comarcas avaliam a situação socioeconômica e psicoemocional dos futuros pais adotivos apenas com as entrevistas e visitas. O resultado dessa avaliação será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância. 4- Você pode Pessoas solteiras, viúvas ou que vivem em união estável também podem adotar; a adoção por casais homoafetivos ainda não está estabelecida em lei, mas alguns juízes já deram decisões favoráveis. 5- Perfil É possível escolher o sexo, a faixa etária, o estado de saúde, os irmãos, entre outros. Quando a criança tem irmãos, a lei prevê que o grupo não seja separado. 6- Certificado de Habilitação A partir do laudo da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, o juiz dará sua sentença. Com seu pedido acolhido, seu nome será inserido nos cadastros, válidos por dois anos em território nacional. 7- Aprovado Após o certificado de habilitação, o candidato à adotante está automaticamente na fila de adoção do seu estado e agora aguardará até aparecer uma criança com o perfil compatível com o perfil fixado pelo pretendente durante a entrevista técnica, observada a cronologia da habilitação. Importante destacar que algumas pessoas não são aprovadas, pois na entrevista a equipe percebe que os fatores que as levaram a optar pela adoção são equivocados (como para compensar alguma perda, por exemplo), ou quando o candidato leva um estilo de vida incompatível para receber uma criança. 21 8- Uma criança A Vara de Infância indica que existe uma criança com o perfil compatível. O histórico de vida da criança é apresentado ao adotante; se houver interesse, ambos são apresentados. A criança também será entrevistada após o encontro e dirá se quer ou não continuar com o processo. Durante esse estágio de convivência monitorado pela Justiça e pela equipe técnica é permitido visitar o abrigo onde ela mora; dar pequenos passeios para que se aproximem e se conheçam melhor. Não é mais possível visitar um abrigo e escolher a partir daquelas crianças o seu filho, já que essa prática podia fazer com que as crianças se sintam como objetos em exposição, sem contar que a maioria delas não está disponível para adoção. 9- Conhecer o futuro filho Se o relacionamento correr bem, a criança é liberada e o pretendente ajuizará a ação de adoção. Ao entrar com o processo, o pretendente receberá a guarda provisória, que terá validade até a conclusão do processo. Nesse momento, a criança passa a morar com a família. A equipe técnica continua fazendo visitas periódicas e apresentará uma avaliação conclusiva. 10- Uma nova família O juiz profere a sentença de adoção e determina a lavratura do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. A nova família poderá trocar também o primeiro nome da criança. Nesse momento, a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico. Fonte: Adaptado de CNA (s.d.). Autores questionam o passo 7 – aprovado – já que consideram que nem sempre é possível ser tão objetivo na escolha de quem é apto para ser pai e mãe adotivos. Não se deixa de dar créditos à importância da prática dos serviços de seleção visando à qualidade de vida e à proteção do adotado, porém, não se pode deixar de se levar em conta que ao se tornar pais biológicos, o processo é bastante diferente. Nesse sentido, segundo Weber (1999 apud CAMPOS; COSTA, 2004), enquanto a família biológica é socialmente considerada a única responsável pelo seu filho, no caso da adoção, é bastante diferente. A responsabilidade de escolha dos pais ideais – o que inclui a possibilidade de acertos e erros – passa a ser dos técnicos que trabalham no Juizado da Infância e da Juventude. Esses profissionais precisam levar em conta que esse trabalho não é algo tão objetivo, técnico ou neutro. Envolve 22 vários aspectos subjetivos, teóricos, políticos, pessoais, dentre outros diretamente relacionados à escolha de uma família adequada para adotar uma criança. Um dos problemas observados por Weber na obra citada é que nem sempre os técnicos se lembram da possibilidade de mudança e de aprendizagem do ser humano, além de não fornecerem aos adotantes uma proposta de preparação e/ou modificação de atitudes. Seleciona-se simplesmente (p.36). Segundo ela, percebe-se no discurso e na prática dos Serviços de Adoção, uma postura apriorística, herdada historicamente, preconceituosa, dogmática, estereotipada, moralista e alienada em relação à concepção sócio-histórica da família (CAMPOS; COSTA, 2004, p.97). 2.3 Implicações psicossociais da adoção Como já foi mencionado, a destituição do poder familiar e, consequentemente, a adoção, é a última alternativa para as famílias. Quando não há condições da criança ser mantida em sua própria família ela é encaminhada para uma família substituta, já que em instituições, as consequências psicossociais para seu desenvolvimento podem ser ainda mais danosas (vide hospitalismo). A destituição do poder familiar atinge vários direitos da pessoa humana, não apenas dos pais, mas também das crianças que são afastadas do convívio familiar (TORRES et al., 2012). Os autores supracitados elucidam quais são esses direitos: 2.3.1 direito da personalidade (porque pode haver posterior adoção e até troca de nome da criança); 2.3.2 direito natural da pessoa, da constituição de prole e de origem; 2.3.3 direito dos pais de criarem e terem seus filhos próximos a si; 2.3.4 direito dos filhos de serem criados e educados no seio da família natural. Na seção anterior, falamos da importância do apego estabelecido entre mãe e bebê durante o início de sua vida. Quando uma criança é separada de sua mãe e perde a figura materna ela pode desenvolver sentimentos de medo e angústia. Da 23 mesma forma, a criança que é desprezada pelos pais sente-se rejeitada por todos ao seu redor (BOWLBY, 1984 apud GOMIDE; GUIMARÃES; MEYER, 2003). Deve-se levar em consideração que, em casos em que a criança é vítima de exploração e violência, mesmo com os riscos elucidados anteriormente, a adoção surge como a melhor alternativa para oferecer proteção à criança e oferecer à mesma a possibilidade de um desenvolvimento mais saudável. Apenas é preciso tomar cuidado para não considerar que a adoção é a melhor alternativa em casos de pobreza, visto que a convivência com a família biológica pode ser positiva: De acordo com Gagno (2002 apud GOMIDE; GUIMARÃES; MEYER, 2003,p.44), a adoção é a melhor solução para garantir às crianças abandonadas o direito à convivência familiar, porém não é uma boa alternativa para crianças cujas famílias sofrem com a pobreza, visto que é função da sociedade e do Estado proteger essas crianças e apoiar suas famílias. 2.4 Qual o papel do psicólogo no contexto da adoção? Detalhamos anteriormente como acontece o processo de adoção, de acordo com a Justiça, mas não deixamos de levar e consideração o fato de que as adoções informais também existem. O papel do psicólogo enquanto membro de equipe multidisciplinar é de grande relevância para o processo de adoção (de acordo com a lei). Em outra subseção, mostramos o que é o estudo psicossocial, suas vantagens e críticas ao mesmo. Campos e Ghesti (2000 apud CAMPOS; COSTA, 2004, p.96-97) ressaltam que o estudo psicossocial,além de ser um instrumento importante de avaliação do contexto familiar no qual o adotando está ou será inserido, permite inúmeras possibilidades para a transformação deste mesmo contexto, com vistas a torná-lo mais favorável ao desenvolvimento do adotando, por meio de escuta especializada, orientações, aconselhamento terapêutico e encaminhamentos necessários. 24 Como a adoção é uma decisão extremamente séria, por se tratar do estabelecimento de um vínculo irrevogável, a realização de estudo psicossocial se torna importante para garantir o cumprimento da lei, o bom desenvolvimento da criança/adolescente, além de prevenir negligência, abuso, rejeição e/ ou devolução (CAMPOS; COSTA, 2004). Convém destacar que, como já foi mencionado, o abandono e a adoção são fenômenos que podem desencadear uma série de desajustes emocionais na criança em questão. A destituição do poder familiar pode ocorrer devido ao fato de que a criança estava inserida num ambiente extremamente adverso e perigoso, portanto, prevenir que essa criança venha a sofrer situações semelhantes novamente é essencial para que o seu desenvolvimento seja saudável. O processo de estudo social é bastante complexo e gera ansiedade tanto na equipe que o realiza – na qual o psicólogo está inserido – e na família que deseja adotar. A citação a seguir elucida a situação: O processo de estudo psicossocial gera desconforto, temor e ansiedade tanto nas famílias adotantes como nos psicólogos e assistentes sociais que realizam os estudos e acompanham os casos. A responsabilidade pelo acerto da adoção e de ser alguém juridicamente instituído para fazer tais avaliações gera sofrimento. Os técnicos percebem ainda que a subjetividade no processo pode dar margens a abusos de poder. Preconceitos, valores, viéses culturais e de classe social permeiam suas análises. [...] Em função desse caráter subjetivo, e a fim de não cometer arbitrariedades, devem ser tomadas medidas preventivas para buscar entender esta subjetividade, sem negá-la. Não somente os técnicos, mas também os juízes e promotores, têm que estar envolvidos neste processo de reconhecimento da subjetividade que permeia os processos de adoção (CAMPOS; COSTA, 2004, p.103). 25 UNIDADE 3 – RISCO E PROTEÇÃO Na seção anterior, já falamos sobre crianças em situação de risco, porém o conceito de risco ainda não foi definido. Atualmente, o termo “risco” possui algumas definições mais específicas para determinadas áreas do que se buscarmos uma conceituação do termo num dicionário, por exemplo. É um conceito muito estudado na área da saúde (com foco na epidemiologia), como também a partir de um foco mais social, o que mais se aproxima do que pretendemos refletir aqui. A seguir, uma definição de fatores de risco: Fatores de risco relacionam-se com eventos negativos de vida e, quando presentes, aumentam a probabilidade de a pessoa apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais (P.A. COWAN et al., 1996). Diversos autores têm trabalhado com experiências estressoras no desenvolvimento infantil, tais como: divórcio dos pais (EMERY & FOREHAND, 1996), abuso sexual/físico contra a criança (HABIGZANG, KOLLER, AZEVEDO & XAVIER, 2005; LISBOA et al., 2002), pobreza e empobrecimento (CECCONELLO, 2003; LUTHAR, 1999), desastres e catástrofes naturais (COÊLHO, ADAIR & MOCELLIN, 2004; YULE, 1994), guerras e outras formas de trauma (Garmezy & Rutter, 1983) (POLETTO; KOLLER, 2008, p.409). A exposição de crianças e adolescentes a fatores de risco pode aumentar as chances dos mesmos apresentarem problemas no curso de seu desenvolvimento. Além disso, como já elucidamos anteriormente, documentos como o ECA apregoam a necessidade da criança ser protegida por seus responsáveis, pela sociedade e pelo Estado, disso compreendemos, então, que a criança e o adolescente devem ser, na medida do possível, afastados de fatores de risco à sua integridade física, emocional, moral. Segundo Walker et al. (2007 apud HUTZ et al., 1996; POLETTO; KOLLER, 2008, p.410).), uma criança será considerada em situação de risco quando estiver exposta a riscos psicossociais que possam comprometer seu desenvolvimento (violência intrafamiliar, doença mental de um dos pais, negligência, entre outros). A exposição a fatores de risco pode exacerbar condição de vulnerabilidade, potencializando situações de risco ou mesmo impossibilitando que os indivíduos respondam de forma satisfatória ao estresse. 26 Importante destacar que, inicialmente, acreditava-se que a pessoa que era submetida a determinado contexto de risco necessariamente apresentaria consequências do mesmo, hoje em dia já se sabe que nem sempre situações de risco acarretarão em consequências negativas para quem foi exposto (POLETTO; KOLLER, 2008). Os fatores de risco não podem ser considerados de modo isolado. De acordo com a Teoria Ecológica de Bronfenbrenner, parte-se do pressuposto de que o indivíduo encontra-se inserido em diferentes sistemas, todos os quais em interação, podendo resultar em consequências positivas ou negativas para o indivíduo. Disso, conclui-se que tanto os fatores de risco quanto os de proteção são provenientes de várias fontes (por exemplo, família, escola, comunidade) e podem funcionar como fatores de risco ou fatores protetores. Numa outra seção iremos explicar brevemente essa teoria. O que são fatores de proteção? A citação a seguir explicita o conceito. Segundo Rutter (1985), “fatores de proteção referem-se a influências que modificam, melhoram ou alteram respostas pessoais a determinados riscos de desadaptação” (p. 600). A característica essencial desses fatores é a modificação catalítica da resposta da pessoa à situação de risco (RUTTER, 1987 apud POLETTO; KOLLER, 2008, p.409). Quando se realiza uma busca acerca de literatura sobre fatores de risco na infância e na adolescência, observa-se que há diferentes óticas sobre a mesma temática. Os fatores de risco podem dizer respeito à violência intrafamiliar, violência sexual, uso de álcool e drogas, dentre outros. Estudos, como o de Gallo e Willians (2005), relacionam a inserção de crianças e adolescentes em ambientes marcados pela presença de fatores de risco e a realização de atos infracionais na adolescência. Optamos por, na tabela a seguir, não fazer esse tipo de discriminação, visto que é fato que qualquer contexto de violência, seja ele de qual tipo (o que será explícito na seção a seguir), é extremamente prejudicial ao desenvolvimento de crianças e adolescentes. 27 Tabela 07: Fatores de risco e fatores protetores Fatores de Risco Fatores protetores Violência. Condição socioeconômica. Pais alcoolistas. Ausência dos pais (separação e/ ou prisão). Vulnerabilidade devido à falta de apoio social e emocional. Baixa escolaridade (evasão escolar). Identificação com estereótipos negativos. Ideologia da escola (pouca clareza de regras e reforçamento das mesmas; instruções não efetivas). Disciplina pouco consistente e ineficiente imposta pelos pais. Perfil dos pais (em contexto de crime ou contravenção, consumo excessivo de álcool e drogas, que maltratam seus filhos ou praticam violência física, psicológica e sexual com os mesmos e/ou apresentam psicopatologia severa), podem comprometer suas funções parentais no controle, na disciplina e no envolvimento com os filhos. Os adolescentes presos relataram índice excessivamente alto de violência física, de abandono, de negligência e punições severas aplicadas pelos pais. Famílias monoparentais (a mãe lida com o estressor de prover a casa e educar os filhos, o que acaba interferindo negativamente no estilo parental). Ocorrência de violência doméstica. Reforçamentos positivos da Relações familiares positivas, de segurança e de apoio. Aceitaçãoe boa relação com os colegas. Apoio da rede social. Boa autoestima. Frequentar a escola. Crescer em um ambiente livre de violência intrafamiliar, com uma educação apoiada em supervisão, diálogo, afeto e limites é um grande antídoto à criminalidade. Autonomia. Bem-estar subjetivo e orientação social positiva. Competência emocional. Representação mental de afeto positivo. Inteligência. Rede de apoio social, com recursos individuais e institucionais, que encoraje e reforce a pessoa a lidar com as circunstâncias da vida. Coesão familiar, ausência de negligência e possibilidade de administrar conflitos. Presença de pelo menos um adulto com grande interesse pela criança. Presença de laços afetivos no sistema familiar e/ou em outros contextos que ofereçam suporte emocional em momentos de estresse. Possivelmente, para cada fator de risco pode ser identificado um fator de proteção em seu reverso. 28 sociedade das atitudes delituosas e agressivas. Drogas e álcool. Pobreza. Excessiva permissividade, dificuldades de estabelecer limites aos comportamentos infantis e juvenis e tendência à superproteção. Educação autoritária associada a pouco zelo e pouca afetividade nas relações. Monitoramento parental deficiente. Aprovação do uso de drogas pelos pais. Conflitos familiares sem desfecho de negociação. Envolvimento em grupos de jovens com comportamento perigoso. Fonte: Adaptado de: Gallo e Willians (2005); Euzébios Filho e Guzzo (2006); Habigzang et al., (2006); O profissional, ao investigar fatores de risco e protetores deve ter o cuidado de não refletir uma postura preconceituosa e rotuladora (por exemplo, a pobreza sempre é um fator de risco que irá afetar negativamente as crianças que vivem em determinado ambiente). Por outro lado, também é preciso levar em conta que o que para alguns pode ser considerado fator de risco pode não o ser a partir de uma outra ótica (por exemplo, para nós, normalmente a criminalidade aparece como fator de risco, para pessoas que convivem em comunidades com altos índices de criminalidade essa pode ser a fonte de trabalho e renda para muitos adolescentes). Os fatores de risco potencializam seu efeito deletério para o desenvolvimento de crianças e adolescentes quando aparecem associados (exemplo: adolescente filho de mãe solteira, em situação de pobreza, morador de comunidade com alto índice de criminalidade, que abandonou os estudos). Alguns desses fatores de risco parecem não influenciar a criança ou adolescente quando ocorrem isolados (exemplo: pobreza). 29 Nem todas as crianças e adolescentes expostos a fatores de risco irão necessariamente ser afetados pelos mesmos. Não se pode negar a importância da resiliência – capacidade de lidar com situações adversas e sair fortalecido das mesmas (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). Como expresso na citação a seguir, a criança está inserida em diversos contextos, um pode ser fator de risco, enquanto que outro pode ser fator protetor. Apesar de os fatores de risco contribuírem na determinação de comportamentos agressivos, a literatura sobre resiliência (RUTTER, 1979; WERNER, 1998) informa que, mesmo na presença de vários dos fatores de risco aqui apresentados, muitas crianças e jovens se desenvolvem sem apresentar comportamentos antissociais, sendo adaptados a lidar com os estressores ambientais e familiares. É fundamental, portanto, analisar também os fatores de proteção que dificultam ou neutralizam os fatores de risco, como por exemplo, a escola (GALLO; WILLIANS, 2005, p.91). Importante destacar que é importante que a equipe multidisciplinar tenha condições de identificar fatores de risco nos contextos em que crianças e adolescentes se encontram inseridos de forma a buscar algum tipo de intervenção para prevenir danos. Quando não é possível adotar essa postura preventiva, quanto mais cedo ocorrer a intervenção, mais chances de se promover um desenvolvimento saudável. Ao mesmo tempo, faz-se primordial identificar fatores de proteção (ou contextos de proteção, como, por exemplo, família, escola, grupo de jovens) de forma a buscar promover a resiliência. Em síntese: Diante disso, seja qual for o contexto (família, instituição ou escola), este pode se configurar como risco ou proteção. No entanto, isto dependerá da qualidade das relações e da presença de afetividade e reciprocidade que tais ambientes propiciarem (POLETTO; KOLLER, 2008, p.414). 30 UNIDADE 4 – FORMAS DE VIOLÊNCIA AO MENOR E AO IDOSO Iniciaremos essa seção com a seguinte questão: O que é violência? A violência foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) como o “uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações” (SACRAMENTO; RESENDE, 2006, p.96). A citação seguinte também oferece uma reflexão sobre a violência que merece ser apresentada: Ainda que existam dificuldades para definir o que se nomeia como violência, alguns elementos consensuais sobre o tema podem ser delimitados: a noção de coerção ou força; o dano que se produz em indivíduos ou grupos de indivíduos pertencentes à determinada classe ou categoria social, gênero ou etnia (WAISELFISZ, 2012, p.8). Como este material trata especificamente da infância, adolescente e terceira idade, ao intitularmos a seção, optamos por delimitar o tema especificamente para esse público-alvo, entretanto, já deixamos advertido de que essa seção servirá de base para discussões que surgirão em outros materiais. Não iremos, em outro momento, definir cada tipo de violência, apenas citar, pois fica subentendido que o cursista já acompanhou as definições de cada tipo nesta seção. Só iremos definir, nos outros materiais, os tipos de violência específicos ao tema que será tratado naquele momento e, portanto, que não foram abordados aqui. O que causa a violência? 31 Inúmeras causas são apontadas como fatores que propiciam o aumento da violência, entre eles as imensas desigualdades econômicas, sociais e culturais, a disseminação das drogas, o desemprego, ou mesmo os efeitos perversos da chamada cultura de massa. Embora esses fatores contribuam para o aumento da violência, por si sós não explicam o fenômeno (ARAÚJO, 2005, p.3). O quadro a seguir traça um panorama geral da violência, elucidando tipos de condutas, de dano, de agressor, de vítima e de contexto: Quadro 03: Taxonomia da violência Fonte: traduzido de Iborra (s.d.). O termo violência, de natureza polissêmica, é utilizado em muitos contextos sociais. Como exemplo, podemos pensar que o termo violência pode ser empregado tanto para um homicídio quanto para maus tratos emocionais, verbais e psicológicos. Na esfera conjugal, manifesta-se com frequência através dos maus tratos; ao submeter à mulher a práticas sexuais contra a sua vontade; maus – tratos físicos, isolamento social; ao 32 proibir o uso de meios de comunicação; o acesso aos cuidados de saúde; a intimidação. No ambiente profissional observa- se a presença de assédio moral (SACRAMENTO; RESENDE, 2006, p.95-96). Sabe-se que qualquer pessoa – independente de sexo, idade, condição socioeconômica e etnia – pode, em algum momento da vida, ser vítima de violência, entretanto, alguns grupos, devido às suas características peculiares, podem ser considerados vítimas potenciais de violência. Dentre esses grupos, destacam-se as crianças, os adolescentes, as mulheres, os idosos e os deficientes (em especial as pessoas com deficiência mental). Há leis que visam garantir a proteção a essas pessoas como, por exemplo, o Estatutoda Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha. Nesta apostila, voltaremos nosso foco aos dois primeiros materiais citados. A tabela a seguir compila os tipos de violência, sua definição e os grupos que mais costumam sofrer desse determinado tipo de violência: Tabela 08: Tipos de violência Tipo Definição Potenciais vítimas Violência familiar Fenômeno amplo que acontece em um ambiente privado, dentro do lar. Manifesta-se nas relações interpessoais que ocorrem entre os membros de uma mesma família, através de atitudes, omissões ou ações de caráter físico, sexual, verbal, emocional e moral de uns com os outros, causando prejuízo a um ou mais dos familiares. Mulheres. Crianças. Idosos. Violência física Ações agressivas e brutais que podem ocasionar fraturas, hematomas, queimaduras ou outros danos físicos (FERNANDES & ASSIS, 1999). Idosos. Crianças. Mulheres. Violência psicológica Diversas formas de privação ambiental, social ou verbal; a negação de direitos, as humilhações ou o uso de palavras e expressões que insultam ou ofendem; os preconceitos e a exclusão do convívio social (FERNANDES & ASSIS, 1999). Idosos. Crianças. Mulheres. 33 Abuso financeiro ou violação econômica Apropriação de rendimentos ou o uso ilícito de fundos, propriedades e outros ativos que pertençam ao idoso (FERNANDES & ASSIS, 1999). Idosos. Violência sexual Ato ou jogo sexual, com a intenção de estimular sexualmente ou de usar a vítima para obter satisfação sexual. A agressão sexual por um desconhecido é bastante diversa da mesma agressão cometida por uma pessoa íntima, que se ama (ou amou) e com quem se escolheu conviver, ainda que esta opção seja, algumas vezes, mais próxima do constrangimento. Crianças. Mulheres. Idosos. Violência mulher contra a Sofrimentos especificamente e às agressões mulheres pelo dirigidos fato de Mulheres e meninas. serem mulheres. Negligência Situação na qual o responsável permite que o indivíduo experimente sofrimento. Idoso. Crianças. Fonte: Adaptado de: Fonseca e Gonçalves (2003); Allegri (2005); Milani e Loureiro (2008), Sacramento e Resende (2006). Como falamos anteriormente, não iríamos detalhar todas as formas de violência, apenas as principais que atingem a criança, o adolescente e o idoso. Em relação à violência familiar, essa definição é bastante genérica e num outro momento do curso iremos subdividi-la. Citamos a violência contra mulher – assunto que será pormenorizado em outro material, visto que, em algumas situações, não apenas as mulheres sofrem violência devido a questões de gênero, em certos grupos familiares, é comum as meninas também sofrerem agressões físicas ou psicológicas devido ao fato de serem do sexo feminino. Independente da vítima da violência ser a criança, o adolescente ou idoso, o fato é que esse tipo de prática acarreta consequências biopsicossociais bastante sérias nas vítimas. Destacam-se, na citação a seguir, os ricos da violência contra a criança, pois, como estudamos anteriormente, a criança encontra-se no ápice de seu processo de desenvolvimento cognitivo, emocional e de sua personalidade, assim, as marcas da 34 violência podem acompanhá-la ao longo de sua vida. Estudos apontam indícios de crianças vítimas de violência doméstica repetirem esse padrão de comportamento, quando adultas, com seus filhos. Quando a criança convive em um ambiente cercado de violência fica vulnerável às piores formas de relação que, provavelmente, marcará de forma definitiva seu desenvolvimento global enquanto pessoa no futuro. Sabe-se que a família é um dos fatores importantes no contexto do desenvolvimento biopsicosocial da criança, do próprio adolescente e do adulto e até mesmo de toda a sociedade. Então, compreende-se a violência contra a criança como uma forma de relação social ligada ao modo pelo qual os indivíduos produzem suas condições existenciais, em nossa cultura, amparados no exercício da própria violência (ALEGRI, 2005, p.310). Por outro lado, como mostra a citação a seguir, não se pode esquecer de que o agressor também precisa ser abordado, visando à reeducação (principalmente quando a violência se dá em âmbito doméstico) e à preservação da imagem dos envolvidos. É certo que não compete somente à estrutura de ensino fornecer todas as respostas às questões que se apresentam, como se fosse possível ditar regras sobre como lidar com uma situação de violência ou abuso infantil. Pensa-se que cada situação apresenta-se como particular e individualizada, além de envolver a questão ética de resguardo e divulgação, justamente para preservar os sujeitos (o agredido e seu agressor), visando possibilitar uma educação/reeducação, que não deixe (ou até provoque) danos ainda maiores e sequelas ainda mais profundas naqueles envolvidos. A situação de violência não pode ser compreendida fora de seu contexto particular (ALEGRI, 2005, p.311). Não apresentamos aqui estatísticas dos tipos de violência e sua prevalência no Brasil, mas a própria mídia mostra que esses números são alarmantes. Como foi mostrado na tabela anterior, a violência intrafamiliar tem o agravante de ocorrer entre pessoas que possuem ou já possuíram algum tipo de laço afetivo. Assim, quando ocorre dessa maneira, normalmente há maior constrangimento, por parte das vítimas, 35 para denunciar e pedir ajuda após sofrerem violência física, sexual ou psicológica, por exemplo. O psicólogo jurídico, junto com a equipe multidisciplinar, deve auxiliar as vítimas, tomando os devidos cuidados para que, após a denúncia, o agressor não cometa ainda mais atitudes violentas contra aquela pessoa. Ao mesmo tempo, como já foi afirmado anteriormente, o agressor também necessita receber algum tipo de ajuda em busca de modificar seus hábitos. Convém lembrar que, caso ocorra denúncia, o agressor irá responder judicialmente por seus atos. 36 UNIDADE 5 – ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Atualmente, a questão do adolescente em conflito com a lei sempre estampa manchetes de jornais de grande circulação em diversas regiões do país. É de suma importância refletir sobre essa problemática, visto que o psicólogo jurídico irá atuar diretamente com esse público alvo e se faz necessário desenvolver estratégias preventivas e também atuar nos casos nos quais já aconteçam problemas. Dois pontos precisam ser levantados: as medidas socioeducativas e a questão da maioridade penal. Tentaremos não redigir um texto que aponte os adolescentes como vítimas ou vilões, não é nosso papel fazer julgamentos, pretendemos abordar a situação a partir de um ponto de vista mais imparcial (mesmo que nem sempre isso seja possível). Antes de iniciarmos essa discussão, é necessário pontuar que a sociedade precisa se submeter a determinadas normas, entretanto, não se pode deixar de se considerar que essas regras são ditadas a partir de um grupo social específico, o qual constrói esses princípios a partir de sua realidade, de seu próprio ponto de vista. O padrão social vigente em cada sociedade serve para delimitar as fronteiras do que é considerado transgressão, assim, deve-se também partir do pressuposto de que o conceito de ressocialização também se encontra amparado nesses padrões, os quais nem sempre condizem com a realidade do adolescente (FRANCISCHINI; CAMPOS, 2005). Parte-se do pressuposto de que somente os adolescentes (12 a 18 anos, não as crianças) são passíveis de cometerem atos infracionais, os quais se caracterizam como transgressões das normas estabelecidas. Entretanto, do ponto de vista jurídico, devido às suas peculiaridades, não se pode caracterizar os atos infracionais enquanto crime (FRANCISCHINI; CAMPOS, 2005). O ECA discorre sobreo ato infracional e a situação do adolescente frente ao delito, como explícito na citação a seguir: 37 Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato (BRASIL, 1990). Recapitulando o que já foi visto em seções anteriores, o ECA postula que todas as crianças e adolescentes, cidadãos, devem ser protegidos e ter a garantia de seus direitos, entretanto, sabemos que nem sempre isso é possível. Assim, muitas crianças (que, futuramente se tornam adolescentes) são criadas em ambientes marcados pela interação de vários fatores de risco, alguns são institucionalizados e, em meio a tantos fatores de risco acabam por se envolverem em situações ilícitas. Como ressaltamos anteriormente, o adolescente é considerado cidadão. Assim, segundo o ECA, ele é socialmente responsável pelos seus atos e, caso cumpra uma infração, deverá responder pela mesma através das medidas socioeducativas elucidadas no artigo 112 (MARTINS, 2010). O convívio em sociedade impõe a necessidade da obediência a algumas regras e, quando o adolescente transgride as mesmas, ele precisa ser responsabilizado por seus atos. Porém, diferentemente do adulto, o adolescente é considerado um ser em desenvolvimento, o que justifica o fato desse grupo ter tutela especial, não isentando-os de suas responsabilidades jurídicas (FRANCISCHINI; CAMPOS, 2005). Tentar traçar um perfil desse adolescente infrator poderia acabar por estigmatizar um determinado grupo, entretanto, a literatura aponta estudos que buscaram investigar características em comum dessa parcela de adolescentes brasileiros. Não pretendemos rotular os adolescentes devido às suas características, porém apresentaremos, a seguir, alguns resultados de uma pesquisa, os quais pareceram bastante relevantes. Notícias veiculadas pela mídia apontam adolescentes envolvidos em diversos tipos de delitos, tais como roubo, contravenção, estupro, homicídio, sequestro, tráfico, dentre outros. Numa pesquisa Priuli e Moraes (2007) investigaram, junto a 38 adolescentes infratores institucionalizados para a aplicação de medidas socioeducativas, os delitos cometidos. O gráfico a seguir aponta as estatísticas: Gráfico 01: Caracterização da população quanto ao ato infracional que levou à internação Fonte: Priuli e Moraes (2007, p.1188). Observa-se que a grande maioria de delitos ocorridos caracterizou-se como roubo, enquanto que a minoria compreendeu casos de roubo seguido de morte. O mesmo estudo também constatou que a maioria desses jovens infratores eram usuários – muitos deles desde a infância – de algum tipo de droga lícita ou ilícita. Muitos dos amigos dos mesmos também são usuários. Quanto às condições socioeconômicas do grupo familiar, os resultados colhidos de nossas análises revelam que 47,9% dos pais são separados, lembrando que no período da internação 31,2% dos adolescentes residiam com suas mães. Podemos supor que o provedor das necessidades da família estava primeiramente sob a responsabilidade da mãe, já que a maioria dos adolescentes não exercia atividade remunerada. Este cenário por sua vez está embutido na estatística global do mapa da fome brasileira, em que 40 milhões de pessoas têm suas 39 necessidades básicas negadas. Embora não se possa atribuir a este contexto de pobreza toda prática de atos infracionais por adolescentes, é a partir deste cenário que qualquer leitura e estudo sobre a violência precisa ser feito (PRIULI; MOORAES, 207, p.1189). Estudos como o de Waiselfisz (2012) apontam a violência como um percentual significativo de mortes de crianças e adolescentes (22,5% do total de óbitos). Importante destacar que, nesse contexto, muitas vezes, os menores não são apenas as vítimas, mas também os autores desse tipo de homicídio. Se compararmos entre os sexos, estatísticas apontam que os jovens de sexo masculino são as maiores vítimas de homicídios. Os homicídios em geral, e os de crianças, adolescentes e jovens em particular, tem se convertido no calcanhar de Aquiles dos direitos humanos no país, por sua pesada incidência nos setores considerados vulneráveis, ou de proteção específica: crianças, adolescentes, jovens, idosos, mulheres, negros, entre outros. Essa grande vulnerabilidade se verifica, no caso das crianças e adolescentes, não só pelo preocupante 4º lugar que o país ostenta no contexto de 99 países do mundo, mas também pelo vertiginoso crescimento desses índices nas últimas décadas (WAISELFISZ 2012, p.47). 5.1 Medidas socioeducativas O que são medidas socioeducativas? A citação a seguir explica claramente: As medidas socioeducativas, na visão de Liberati (2000), são atividades impostas aos adolescentes, quando considerados autores de atos infracionais, sem perder de vista o sentido pedagógico das mesmas, que têm como objetivo maior, a reestruturação desse adolescente para atingir sua reintegração social. “(...) são, portanto, deveres que juízes da infância e da juventude impõem aos adolescentes que cometem ato infracional. O objetivo não é a punição, mas a efetivação de meios para reeducá-los” (CEARÁ, 2007, p. 13 apud MARTINS, 2010, p.166). 40 As medidas socioeducativas visam menos a punição e mais a tentativa de reinserção social, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (FRANSISCHINI; CAMPOS, 2005). Segundo os autores supracitados, deve-se tomar o cuidado de diferenciar medida socioeducativa e pena, pois: [...] muito embora se assemelhe à pena ao considerar o princípio da personalidade na sua aplicação – apenas o autor do crime responde por ele –, ser decorrência de lei e visar à ordem pública, a medida difere daquela em aspectos essenciais. Primeiro, se a aplicação da pena, do castigo, busca estabelecer uma relação entre o ato cometido e o rigor da punição, a aplicação da medida deve buscar uma maior individualização, no sentido da sua adequação à história de cada adolescente em particular (p.269). A pena visa ocasionar o sofrimento do transgressor através da privação de seus direitos – como, por exemplo, o de liberdade, de ir e vir. Já a medida socioeducativa é uma ação pedagógica sistematizada, mesmo quando ocorre em regime de privação de liberdade – o último recurso preconizado pelo ECA (FRANCISCHINI; CAMPOS, 2005). Os artigos 121 e 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, enquanto leis, determinam que a medida de internação seja uma medida de exceção, devendo ser aplicada ou mantida somente quando evidenciada sua necessidade em observância ao próprio espírito do Estatuto. É uma medida considerada grave porque restritiva de liberdade, só sendo recomendável quando desaconselhadas medidas menos gravosas, devendo ser breve e excepcional. A medida de internação, por si só, não tem o propósito de punir a conduta delitiva, mas consiste em uma forma de se criar condições adequadas para concretizar a ressocialização do adolescente (PRIULI; MOORAES, 207, p.1190). Mesmo quando comete algum ato infracional, o adolescente possui direitos, os quais estão expressos no ECA, conforme elucidamos alguns a seguir. 41 Compreende-se que alguns direitos dos adolescentes são diferentes dos direitos do cidadão infrator adulto: Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos. Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontrarecolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata. Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida. Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada (BRASIL, 1990). É importante compreender o caminho percorrido pelo adolescente, iniciando- se no momento em que ele comete a infração até a aplicação das medidas socioeducativas. Como o nome mesmo diz, as medidas socioeducativas possuem um caráter educacional, não meramente punitivo, assim, elas devem visar, antes de tudo, à socialização do menor. Martins (2010) elucida cada passo: 1. Adolescente comete o ato infracional. 2. Conduz-se o menor a uma Delegacia especializada, obrigatoriamente, à Delegacia da Criança e do Adolescente – DCA, onde será ouvido pela autoridade policial, que fará boletim de 42 ocorrência ou auto de apreensão. 3. Encaminha-se o mesmo ao representante do Ministério Público, se a infração for reconhecida ele irá responder pelo ato praticado. 4. Abertura de processo no Juizado da Infância e da Juventude – JIJ; 5. O juiz marca uma audiência para ouvir o adolescente e seus responsáveis e poderá determinar a aplicação das medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do ECA. Em relação às medidas socioeducativas previstas pelo ECA têm-se que: Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições (BRASIL, 1990). Como expresso na citação anterior, a partir de uma gradação elaborada embasada na gravidade do ato infracional cometido, a internação aparece como o ultimo recurso e fica explícito que a instituição precisa apresentar características educacionais, não prisionais. A tabela a seguir pretende explicar brevemente cada uma dessas sanções: 43 Tabela 10: Medidas socioeducativas Medida socioeducativa Descrição Advertência Primeiro encontro do adolescente com o juiz ou representante do Ministério Público. Pode indicar o início da recuperação do adolescente ou o início de sua carreira no crime. Caráter informador (dos direitos e deveres do adolescente na sociedade) e conselheiro (quando a autoridade pode expor as desvantagens das infrações para a vida futura). Obrigação de reparar o dano Ressarcimento do prejuízo causado à sociedade. Visa compensar o prejuízo da vítima. Antes de ser uma medida punitiva é socioeducativa, pois pretende, a partir da reparação do dano, orientar o adolescente a respeito de bens e patrimônio. Prestação de comunidade serviços à Este auxílio consiste na cultivação de atividades gratuitas de interesse geral, junto a órgãos governamentais, programas comunitários, entidades sociais e outros. Medida de caráter comunitário e educativo tanto para o adolescente como para a sociedade. Liberdade assistida Medida coercitiva aplicada quando há necessidade de acompanhamento do adolescente junto à família, à escola e/ou ao trabalho. Intervenção educacional que implica no acompanhamento do adolescente (frequência escolar, inserção no mercado de trabalho) quando houver necessidade de proteção. Inserção em semiliberdade regime de Medida coercitiva e de orientação pedagógica. Visa à integração social do adolescente, fornecendo oportunidade útil e laborativa na sociedade a partir de acompanhamento com equipe especializada. Necessita de instalações adequadas e uma equipe de educadores sociais preparada para realizar um trabalho de acordo com o que é proposto em lei. Internação em Aplicada aos adolescentes que cometeram infrações graves 44 estabelecimento educacional ou que não responderam positivamente às medidas anteriores. Perda total do direito de ir e vir. Deve seguir aos seguintes princípios: brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Fatores que levam à internação: a) quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; b) por reiteração no cometimento de outras infrações graves; c) por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta. Fonte: adaptado de Martins (2010) e Garcia (s.d.). Importante destacar que há diferenças entre dois tipos de instituição: os abrigos – os quais nos referimos nas seções anteriores – e os internatos. Enquanto os abrigos são instituições destinadas a proteger crianças e adolescentes em situação de risco, os internatos são instituições destinadas exclusivamente a recolher – ou seja, há privação da liberdade – adolescentes de 12 a 18 anos que cometeram algum tipo de ato infracional. Convém ressaltar que ambas são instituições de proteção ao menor. Internatos não são presídios, mas sim uma medida socioeducativa. No caso de adolescentes em que há comprovadamente a presença de transtornos de conduta associado a transtornos psiquiátricos a internação se dá em estabelecimento ocupacional, psicopedagógico, hospitalar ou psiquiátrico de finalidade curativa (GARCIA, s.d.). Além disso, convém ressaltar que a internação dos adolescentes só pode ocorrer nesses internatos, ou seja, não se pode internar adolescentes infratores em presídios (GARCIA, s.d.). O Estatuto da Criança e do Adolescente deixa explícitas as características das instituições de internação, a obrigatoriedade de atividades pedagógicas e o direito do adolescente interno: 45 Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas. Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II - peticionar diretamente a qualquer autoridade; III - avistar-se reservadamente com seu defensor; IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; V - ser tratado com respeito e dignidade; VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII - receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos; IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: XIII - ter acesso aos meios de comunicação social; XIV - receber assistência
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