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saúde mental 04

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MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE 
MENTAL: 
uma análise centrada na cidadania dos usuários 
 
 
 
 
 
 
 
 
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS 
 
 
 
 
 
 
 
UFPI 
TERESINA /2004 
 
 
 
 
 
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MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE 
MENTAL: 
uma análise centrada na cidadania dos usuários 
 
 
 
 
 
 
 
 
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
UFPI 
TERESINA /2004 
 
 
 MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA 
 
 
 
 
 
 
 
A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL: 
uma análise centrada na cidadania dos usuários 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada à Banca Examinadora, da 
Universidade Federal do Piauí, como exigência parcial 
para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas, 
sob orientação da Professora Doutora Simone de Jesus 
Guimarães. 
 
 
 
 
 
 UFPI 
 TERESINA / 2004 
 
 
A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL: 
 uma análise centrada na cidadania dos usuários 
 
 
MARIA JOSÉ GIRÃO LIMA 
 
Dissertação de Mestrado submetida à Coordenação do Curso de Mestrado em Políticas 
Públicas do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí, na 
área de Concentração de Cultura e Identidade. 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 Professora Doutora Simone de Jesus Guimarães 
Universidade Federal do Piauí (UFPI) 
(Orientadora e Presidente) 
 
 
 Professora Doutora Lúcia Cristina dos Santos Rosa 
Universidade Federal do Piauí (UFPI) 
 
 
 Professora Doutora Aglair Alencar Setúbal 
 Instituto Camilo Filho 
 
 
 TERESINA / 2004 
 RESUMO 
 
“A prática do assistente social na área da saúde mental: uma análise centrada na cidadania dos 
usuários” é uma dissertação de mestrado nascida da preocupação de compreender a inserção 
desse profissional nessa área específica, entendendo-se o Serviço Social como uma profissão 
inscrita na divisão sóciotécnica do trabalho e o seu exercício uma unidade dialética inscrita na 
contraditoriedade, singularidade e totalidade históricas da sociedade. Tem, assim, por objetivo 
central, esta investigação, analisar até que ponto a prática profissional do assistente social se 
vincula com a defesa da cidadania e dos direitos dos usuários dos serviços de saúde mental, 
oferecidos pelo Sanatório Meduna, hospital psiquiátrico da rede privada, em Teresina, no 
Piauí, conveniada com o Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo-se em sujeitos do 
estudo os assistentes sociais, os usuários e seus familiares e demais profissionais da equipe 
interdisciplinar do referido hospital. Ademais, busca-se resgatar, nesta pesquisa, a natureza da 
prática do assistente social no Sanatório Meduna, examinando seus vínculos com os direitos e 
a cidadania dos portadores de transtornos mentais e suas famílias, considerando, para isso, as 
múltiplas vivências, falas, discursos, gestos e expressões do cotidiano desses sujeitos. A 
pesquisa se fundamenta em aportes da dialética crítica e foi desenvolvida segundo uma 
metodologia qualitativa que revela a vinculação do assistente social com a questão da 
cidadania e dos direitos dos usuários como uma relação histórica, ampliada e fortalecida no 
país a partir das últimas duas décadas do século XX, sendo norteada, no Brasil e no Piauí, 
pelo arcabouço legal que ampara o exercício desse profissional nos seus diversos espaços 
sócio-ocupacionais. Enfim, a dissertação visa contribuir para o debate reflexivo sobre a 
prática do assistente social na sua interlocução com a área da saúde mental, em particular na 
direção dos interesses e anseios dos segmentos sociais mais empobrecidos, no caso o dos 
portadores de transtornos mentais. 
 
 ABSTRACT 
 
“Social Workers‟ Practice in the Area of Mental Health Care: Na Analysis Centered on 
Citizenship of Mental Illness Patients” is a Master‟s thesis born out of concern to understand 
these professionals‟ insertion in this specific area. Social Service is understood as a profession 
inscribed in the socio-technical division of labor, and is practice as a dialectic unity inscribed 
in society‟s historic contradictoriness, singularity and totality. As its central objective, this 
investigation analyzes to what extent the professional practice of the social worker links itself 
to the defense of citizenship and rights of mental illness patient‟s health care offered by 
Meduna Sanatorium, a private psychiatric hospital in Teresina, Piauí, which has an accord 
with the “SUS”, i.e., the Federal Government Medicare in Brazil. The subjects of this study 
are the social workers, mental illness patients and their families, and all other professionals in 
the interdisciplinary team at said hospital. Beyond that, this research recovers the nature of the 
social workers‟ practice at Meduna Sanatorium, and, considering the multiple life 
experiences, utterances, discourses, gestures and expressions in the everyday life of said 
subjects, it examines the links of social workers to the rights end citizenships of mental illness 
patients and their families. The research is based on approaches of critical dialectic, and was 
developed according to a qualitative methodology that reveals the links of the social workers 
to the citizenship and the rights of mental illness patients as a historic relationship. In Brazil, 
this historic relationship was amplified and made stronger in the last two decades of 20
th
 
century by the legal framework that provides for the practice of said professionals in their 
diverse socio-occupational spaces. Therefore, this thesis contributes for the reflexive debate 
on the practice of social workers in their interlocution with the mental hearth area, in 
particular toward the interests and longings of the more impoverished social segments, 
especially the one of mental illness patients. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A todos aqueles que algum dia desenvolveram o 
transtorno mental, para que consigam vencer todas as 
formas de preconceitos e de exclusão social. E que sejam 
respeitados simplesmente, pelo que são, com seus desejos, 
vontades, delírios, alucinações e comportamentos. 
 
Às famílias e cuidadores, para que continuem a lutar 
incansavelmente, em busca da proteção integral, do 
tratamento de qualidade, do respeito e da efetivação dos 
direitos e da cidadania do PTM. 
 
Aos assistentes sociais que abraçaram essa causa sem 
medo e com obstinação, lutando para compreender e 
 
 
revitalizar as vivências dos PTM e suas famílias na 
esperança de contribuir para o crescimento dessas 
pessoas, que tem suas vidas abaladas pela presença do 
transtorno mental. 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 A Deus pelo direito a vida. 
 Aos meus pais, Felipe e Zildete (Branca) que mesmo distantes sempre me estimularam 
a continuar a lutar, entendendo minha ausência, nos últimos dois anos. 
 À professora Simone Guimarães, minha orientadora, por seu apoio, paciência, 
empenho e dedicação na construção deste trabalho. 
 À CAPES, que me concedeu bolsa de mestrado, durante o período do curso. 
 Aos meus irmãos, em especial Geane e Adriano, que souberam compreender minhas 
ausências constantes, assumindo meus afazeres de forma incondicional. 
 Às amigas do Sanatório Meduna especialmente as assistentes sociais Rose, pelas 
inúmerasconversas que tivemos sobre a implantação do Serviço Social no Meduna, 
Cristina (Cris) e Ana Paula, que incondicionalmente, me apoiaram assumindo as 
atividades, durante minhas ausências no desenvolvimento do curso. 
 Ao Dr. Wilson Freitas, pelo incentivo dado a esta pesquisa, sempre atenciosamente 
atendendo e orientando-me. 
 Aos ex-diretores do Sanatório meduna Dr. Lindomar Freitas e Dr. Alberto Mariano, 
por conceder minha liberação para freqüentar as aulas do mestrado. 
 Ao sr. Raimundo Santos, pelo apoio disponibilizando material, indispensável para a 
pesquisa. 
 Ao Dr. Alexandre Parente e sr. Afonso Lima pelo apoio e compreensão, no 
desenvolvimento deste estudo. 
 
 
 A todos os usuários e familiares que responderam nosso apelo, aceitando participar da 
pesquisa. 
 A todos os profissionais e funcionários do Sanatório Meduna, em especial aqueles que 
participaram da pesquisa. 
 À professora Lúcia Rosa, pelo apoio dado no desenvolvimento deste estudo. 
 Aos meus tios Girão e Eneide, que contribuíram substancialmente para a 
concretização dos meus estudos e para a minha formação. 
 À dona Francisca Monteiro (primeira funcionaria do Sanatório), que gentilmente 
concedeu-me vários depoimentos para a construção da pesquisa. 
 À coordenação do Mestrado, na pessoa da Prof. Rosário Silva, a quem tive 
oportunidade de reencontrar, após dez anos. 
 Aos companheiros do mestrado, José Carlos, Aurenice (Aure), Marysol, Marcos 
Daniel, Zita Vilar, Miguel, Ana Maria Roberto e Marineves, pela oportunidade de 
fazer e construir novas amizades. 
 Aos professores do mestrado Jesuíta, Francisco Júnior, Fabiano, Dione, Alcides e 
Wasghiton Bonfim, pela atenção. 
 Ao amigo João Filho, pelo apoio nas horas difíceis. 
 Ao prof. Airton Araújo, pela revisão da dissertação. 
 Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram de alguma forma para a 
concretização desta dissertação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
ACSM – PI Associação Comunitária de Saúde Mental do Piauí 
AFDM – Associação de Familiares de Doentes Mentais 
AIS – Ação Integrada de Saúde 
AIH – Autorização de Internação Hospitalar 
APL – Academia Piauiense de Letras 
ALMOPISA – Alkool Motor de Piauí 
APM – Associação Piauiense de Medicina 
APP – Associação Piauiense de Psiquiatria 
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial 
CAPs – Caixa de Aposentadoria e Pensões 
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde 
COI – Centros de Orientação Infantil 
COJ – Centros de Orientação Juvenil 
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas 
CNS – Conferência Nacional de Saúde 
CNSM – Conferência Nacional de Saúde Mental 
DATASUS – Departamento de Informática do SUS 
DNS – Departamento Nacional de Saúde 
DINSAM – Divisão Nacional de Saúde Mental 
EUA – Estados Unidos da América 
FMI – Fundo Monetário Internacional 
FMS – Fundação Municipal de Saúde 
FUNRURAL – Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural 
HAA – Hospital Areolino de Abreu 
HGV – Hospital Getúlio Vargas 
HPAA – Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu 
IAH – Instituto de Assistência Hospitalar 
IAPAS – Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social 
 
 
IAPM – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos 
IAPEP – Instituto de Assistência e Previdência do Estado do Piauí 
 
 
IAPs – Instituto de Aposentadoria e Pensões 
IAPFESP – Instituto de Assistência Previdência dos Ferroviários 
IAPB – Instituto de Assistência Previdenciária dos Bancários 
IAPC – Instituto de Assistência Previdenciária dos Comerciários 
IAPI – Instituto de Assistência do Industriário 
IAPETC – Instituto de Assistência dos Trabalhadores dos Transportes e Cargas 
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social 
INPS – Instituto Nacional da Previdência Social 
IPASE – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado 
IPUB – Instituto de Psiquiatria 
LBA – Legião Brasileira de Assistência 
LBHM – Liga Brasileira de Higiene Mental 
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social 
MPOS – Movimento Popular de Saúde 
MRP – Movimento da Reforma Psiquiátrica 
MRSS – Movimento de Reconceituação do Serviço Social 
MRS – Movimento da Reforma Sanitária 
MS – Ministério da Saúde 
NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial 
OMS – Organização Mundial de Saúde 
OPAS – Organização Panamericana de Saúde 
SENAC – Serviço Nacional do Comércio 
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial 
SESI – Serviço Social da Indústria 
SINDESPI – Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Estado do Piauí 
SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social 
SNDM – Serviço Nacional de Doenças Mentais 
SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde 
SUS – Sistema Único de Saúde 
PIASS – Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste 
PISAM – Programa Integrado de Saúde Mental 
PFL – Partido da Frente Liberal 
PLAMTA – Plano Médico de Tratamento e Assistência 
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
 
 
PPA – Programa de Pronta Ação 
PSMC – Programa de Saúde Mental Comunitária 
PTM – Portador de Transtorno Mental 
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro 
SESAPI – Secretaria de Saúde do Piauí 
UI – Unidade de Internação 
UIF – Unidade de Internação Feminina 
UIM – Unidade de Internação Masculina 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12 
CAPÍTULO I 
DOENÇA MENTAL E ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL .................... 24 
1.1 As Políticas de Saúde no Brasil ................................................................................ 24 
1.2 A Assistência Psiquiátrica no Brasil ......................................................................... 36 
1.3 A Assistência Psiquiátrica no Piauí ........................................................................... 57 
CAPÍTULO II 
SANATÓRIO MEDUNA: FUNDAÇÃO DO HOSPITAL E ESTRUTURA 
FUNCIONAL ................................................................................................................. 78 
2.1 Avanço da Psiquiatria Piauiense: Clidenor de Freitas Santos e o Sanatório 
Meduna .................................................................................................................... 78 
2.2 Os Serviços do Sanatório Meduna e o trajeto do Portador de Transtorno Mental 
e de sua Família ....................................................................................................... 91 
2.3 O Serviço pavilhonar do Sanatório Meduna e sua rotina ............................................ 95 
2.4 O Serviço de Hospital-Dia do Sanatório Meduna ....................................................... 99 
CAPÍTULO III 
O SERVIÇO SOCIAL COMO PRÁTICA PROFISSIONAL....................................... 104 
 
3.1 O Serviço Social no Brasil ........................................................................................ 104 
3.2 O Serviço Social na Saúde Mental ............................................................................ 121 
3.3 A prática do assistente social no Sanatório Meduna .................................................. 134 
3.3.1 O Serviço Social e a preparação da alta Médico-Hospitalar do PTM ........................ 153 
CAPÍTULO IV 
O SERVIÇO SOCIAL E A CIDADANIA DO PORTADOR DE 
TRANSTORNO MENTAL ............................................................................................ 162 
 
4.1 Cidadania e Serviço Social: bases para a compreensão da prática profissional 
junto ao portador de transtorno mental ...................................................................... 162 
4.2 Representações da práticado assistente social no Sanatório Meduna ........................ 184 
4.2.1 A compreensão do Serviço Social pelos assistentes sociais ...................................... 185 
4.2.2 Representação dos usuários e de suas famílias para os assistentes sociais ................. 193 
4.2.3 Representação da prática do assistente social para os usuários e seus familiares ....... 198 
4.2.4 Os assistentes sociais na visão dos outros profissionais ............................................. 207 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 212 
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 218 
ANEXOS 227
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Lima, Maria José Girão 
 
L 732 p. A prática do assistente social na área da saúde 
mental: uma análise centrada na cidadania dos usuários / Maria José Girão 
Lima. – Teresina: 2004. 
233 p. 
 
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) UFPI, 2004 
 
1. Serviço Social – Prática. 2. Saúde Mental – Serviço Social. I 
Título 
 
 
13 
 
 
 
 INTRODUÇÃO 
 
O presente estudo aborda a prática do assistente social na aérea da Saúde Mental e 
tem por objetivos centrais identificar, analisar e refletir sobre essa prática, numa perspectiva 
centrada na cidadania e nos direitos sociais dos usuários. É, assim, uma investigação que 
busca imprimir um sentido reflexivo e analítico ao processo de inserção e interlocução do 
assistente social na saúde mental, em particular no Sanatório Meduna, instituição psiquiátrica 
privada da cidade de Teresina, no Estado do Piauí, estabelecendo vínculos e relações com a 
cidadania e os direitos dos usuários desse serviço, a partir das experiências concretas, vividas 
e experimentadas por esses sujeitos sociais nos nexos cotidianos com esses profissionais. 
Dessa forma, o tema proposto e analisado neste estudo teve como objeto central a 
prática do assistente social na área da saúde mental, interligando-a à cidadania e aos direitos 
dos usuários. A escolha e o interesse por tal temática se fundamentaram no entendimento de 
que o trabalho do assistente social, no âmbito institucional do Sanatório Meduna, vem se 
desenvolvendo sob a preocupação de se engendrar novos rumos e significados a uma prática 
profissional que no, cotidiano, elabora e responde ao conjunto de questões e problemas postos 
pelos indivíduos e grupos sociais. Nesse viés, o profissional é a todo o momento solicitado a 
intervir nas mais diversas situações, marcadas pelos movimentos, contradições e dilemas 
presentes na sociedade em geral e na vida dos indivíduos e grupos com os quais mantêm 
relações profissionais, pelo que dele se exige um posicionamento teórico e metodológico, 
resolutivo e capaz de redirecionar os conflitos e tensões inerentes aos seus espaços 
ocupacionais, na perspectiva dos direitos e da cidadania dos usuários. 
O impulso à pesquisa se deu, então, pelo desejo de compreensão mais clara sobre 
a prática do assistente social na instituição psiquiátrica, observando e analisando até que 
ponto ela está comprometida com a cidadania e os direitos dos usuários, uma vez que leva em 
conta um contexto multidimensional em que estão inseridos a história, a sociedade, a 
instituição psiquiátrica e os sujeitos participantes da investigação, na conjuntura da realidade 
brasileira e piauiense. Na verdade, refletir acerca da prática do assistente social no espaço da 
referida instituição psiquiátrica, observando sua vinculação com a cidadania e os direitos dos 
usuários, mostrou-se uma fonte de motivação que desafia e encanta. Desafia porque se 
 
 
14 
pretende analisar um processo que envolve os próprios sujeitos sociais dessa prática, 
captando, apreendendo e recolhendo as suas falas, discursos, opiniões e vivências objetivas e 
subjetivas, em dados momentos e situações. E encanta porque moveu a pesquisadora a trilhar 
um caminho que se configura como o próprio campo de sua atuação como assistente social, 
há alguns anos como membro da equipe interdisciplinar na área da saúde mental, vivenciando, 
no cotidiano, os movimentos que permeiam a prática profissional dentro de um universo 
social, em contínua transformação e acomodação. 
Assim, a vivência cotidiana na área determinou a escolha da temática, que se vem 
constituindo em interesse da pesquisadora desde as primeiras incursões e experiências, na 
condição de estagiária do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí, no 
Hospital Areolino de Abreu, no início da década de 1990, e depois como assistente social e 
como cidadã que, ao longo desses anos, tem experienciado um conjunto de múltiplas 
situações, ainda pouco trabalhadas, pelo que algumas indagações se firmaram, a exigir 
respostas. Quais têm sido de fato as preocupações centrais da prática do assistente social no 
Sanatório Meduna, em termos de demandas e necessidades dos indivíduos e grupos sociais 
com os quais mantêm relações e vínculos profissionais? Que direções têm tomado essa prática 
na atualidade? Até que ponto a prática do assistente social está mesmo voltada para a 
cidadania e os direitos dos usuários desse serviço de saúde? Quais os limites dessa prática no 
Meduna? De que modo tem ela contribuído no tratamento e recuperação do portador de 
transtorno mental (PTM)? Que representações se constroem entre os sujeitos no Sanatório, 
sobretudo sobre os assistentes sociais, os usuários e as famílias dos usuários? 
Essas e outras interpretações dão um sentido social à reflexão da prática 
profissional do assistente social no Sanatório Meduna, levando em consideração as relações 
sociais tanto no que se refere ao contexto imediato, singular e particular dessa prática 
profissional, quanto às com o contexto mais global da sociedade, pois é na vida cotidiana que 
“se consolidam, se perpetuam ou se transformam, no mundo moderno, as condições de vida 
mais amplas [posto que] [...] é nela e sobre ela que realizamos nossa prática” (CARVALHO, 
1996, p.51). Desse modo, este estudo leva em conta que a profissão de Serviço Social é “aqui 
compreendida como um produto histórico, e, como tal, adquire seu sentido e inteligibilidade 
na história da sociedade da qual é expressão” (IAMAMOTO, 1998, p.203). Disso decorre 
que, historicamente, no contexto da sociedade brasileira, o Serviço Social insere-se e se 
concretiza a partir da divisão social e técnica do trabalho e do conjunto das necessidades dos 
indivíduos e grupos que a ela compõem, sendo uma profissão social e contraditoriamente 
 
 
15 
determinada por múltiplas relações, afirmando-se como especialidade do trabalho em íntima 
vinculação com o processo de formação da questão social, que no Brasil emergiu no final do 
século XIX. Para Cerqueira Filho (1982), nesse período, a questão social que era tratada com 
todo o rigor pela polícia, era ocultada pelas elites oligárquicas da época, que a viam como 
irreal, ilegal e subversiva, em síntese um „caso de polícia‟, cujo tratamento severo ocorria no 
interior dos aparelhos estatais. É que a questão social não sensibilizava os dirigentes desse 
poder oligárquico, encarada que era como fato pontual e excepcional. 
Somente nas três décadas iniciais do século XX, em meio à implantação e o 
fortalecimento do capitalismo, a questão social ganhou um novo significado político, 
tornando-se premente e requerendo do Estado um outro tipo de enfrentamento, que não 
apenas a repressão. Essa época é marcada por intensos processos de urbanização e 
complexificação das relações sociais e da intensificação de protestos, por melhorias urgentes, 
da classe trabalhadora. Em tal contexto, a realidade social passava por fortes mudançasnos 
aspectos econômico, político, social e cultural em razão dos quais o Estado implementava 
medidas estratégicas sob um aparato legal. 
 É assim, nesse contexto de adversidades, que, surgirá, na década de 1930, o 
Serviço Social, no seio do bloco católico, como desdobramento da união de setores da Igreja e 
de grupos estatais ligados a ela, tendo como objetivo principal propagar os ideários da 
Doutrina Social da Igreja e intervir na realidade social para enfrentar a questão social, 
humanizando-a. O Serviço Social nasce, então, para atender a um conjunto de exigências e 
necessidades do processo de industrialização, devendo intervir na questão social sob o 
princípio da visão cristã, embora as medidas levadas a efeitos pela Igreja Católica, baseadas 
na caridade e na filantropia, já não mais davam conta de responder à problemática, que se 
complexificava, sob a égide do desenvolvimento capitalista. Nesse âmbito, serão criadas 
diversas instituições estatais e não estatais onde atuará o assistente social, um profissional 
munido de instrumentos e métodos que o auxiliariam no gerenciamento dos conflitos sociais e 
na “suavização” da questão social. 
Nessa conjuntura de mudança, a profissão de Serviço Social se institucionalizará 
no país, no seio da sociedade brasileira e no interior das grandes instituições, como parte 
constitutiva e constituinte dessa sociedade. Aliás, a ação social do Serviço Social fica 
fortemente atrelada ao Estado, posto que o assistente social atua em face das políticas sociais 
implementadas pelas instituições assistenciais estatais e não-estatais, imprimindo à prática 
profissional uma racionalidade e uma sistematização dentro da lógica prevista por essas 
 
 
16 
entidades, que era a de impor à sociedade, sobretudo à classe trabalhadora, o estímulo e a 
cooperação entre as classes, estabelecendo o consenso para a aceitação das relações sociais 
em vigor. 
Vale ressaltar que em consonância com os objetivos delineados para este estudo, 
interessa uma análise o mais profunda possível do Serviço Social, sobretudo a partir do 
Movimento de Reconceituação (MRSS), ocorrido na categoria na década de 1960, tanto no 
continente latino-americano quanto no Brasil, significando um marco histórico e “decisivo no 
desencadeamento do processo de revisão crítica do Serviço Social no continente” 
(IAMAMOTO, 1998, p.205). Nesses termos, o Movimento de Reconceituação acontece num 
contexto econômico, político, social e histórico das sociedades latino-americana e brasileira, 
marcado por amplos questionamentos e críticas às formas tradicionais e conservadoras de 
intervenção da profissão, tendo como base, até então, os fundamentos do positivismo e do 
funcionalismo. Foi esse um momento fértil, quando se problematizaram a prática profissional 
e os princípios teóricos e metodológicos que a embasavam até então, buscando-se um novo 
posicionamento e imprimindo a ela rumos, direções e práticas que rompessem e superassem a 
postura conservadora que lhe vincava. 
Esse processo amadureceu na década de 1980, quando são fomentadas novas 
discussões e posturas profissionais. Isso se dá num cenário de efervescência política e social 
balizado por uma ampla transformação social e pela redemocratização do país, com a 
superação da ditadura militar e a reorganização dos movimentos sociais, o que culmina na 
promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconhece a todos os brasileiros como 
cidadãos e por isso consolida e alarga os direitos sociais dos trabalhadores, 
independentemente de contribuição, raça, cor, sexo, religião ou credo. Nesse contexto, sob 
uma nova perspectiva e uma atmosfera democrática, nos anos de 1990 o Serviço Social 
engendra novos rumos e direções para a sua prática profissional, balizando-se na defesa dos 
direitos e da cidadania da população e dos grupos sociais mais empobrecidos e destituídos da 
riqueza produzida socialmente. Por isso que a profissão de Serviço Social, como um elemento 
constituinte e constituído pelo conjunto dos vínculos, nexos e processos contraditórios que se 
estabelecem no interior da sociedade capitalista e das relações humanas e sociais, entra no 
novo milênio, postulando novas propostas e assumindo e fortalecendo novos compromissos 
ético-políticos, quer como categoria, quer como um dos protagonistas desse elenco de 
mudanças, no sentido de garantir os direitos e a cidadania dos usuários dos serviços e das 
políticas sociais. 
 
 
17 
É, assim, em sintonia com o conjunto dessas transformações, ocorridas na 
sociedade brasileira e na profissão, que o tema aqui analisado brotou e se desenvolveu, tendo 
como referência a prática do assistente social na área da saúde mental, centrada na cidadania e 
nos direitos dos usuários desse serviço especializado. Na verdade, a procura se dá pela 
apreensão de que a profissão de Serviço Social é um produto de múltiplas determinações, não 
estando determinada aprioristicamente, pois o sentido que os profissionais imprimirão à sua 
prática sofre os reflexos das lutas, contradições e dilemas de uma conjuntura mais ampla, num 
movimento contínuo, dinâmico e contraditório que envolve a sociedade, os indivíduos e os 
grupos sociais. Significa dizer que os processos de inserção do profissional de Serviço Social 
no universo das diversas instituições se faz de acordo com a historicidade e dinamicidade da 
sociedade e de suas relações sociais, podendo assumir diferentes posições, segundo a maneira 
de ver e conceber a realidade social e o agir sobre ela. 
Nessa direção, o estudo busca analisar, os diversos processos que envolvem a 
dialeticidade e historicidade que marcam a profissão de assistente social, ao inserir-se, em 
dadas circunstâncias, nas várias instâncias da sociedade, como o Estado, as instituições, os 
grupos e as classes sociais, que se encontram em permanente movimento de luta, 
estabelecendo múltiplas relações, significados e rumos. Assim, o objetivo é mesmo 
compreender a prática profissional do assistente social na área da saúde mental, dentro de um 
movimento dinâmico em que se estabelecem vínculos e relações com os grupos sociais, 
sobretudo com os mais empobrecidos, tomando como referência uma perspectiva ampla, que 
envolve os nexos, ligações, vínculos e processos que perpassam esse fazer, na concretude de 
cada realidade, evidenciando-se na totalidade e na historicidade de uma dada realidade social, 
institucional e profissional, sob os aportes da dialética crítica. 
A adoção de um percurso metodológico ancorado na dialética crítica se justifica 
na medida em que esta aborda o real no contexto das múltiplas relações sociais e na 
perspectiva dos movimentos da totalidade histórica e da contraditoriedade dos problemas, 
necessidades, lutas e reivindicações sociais, que envolvem práticas e sujeitos concretos. Nessa 
ótica, a sociedade é uma estrutura complexa, multidimensional, contraditória e em 
permanente movimento, na qual os sujeitos que a compõem vivenciam múltiplas experiências 
e sentimentos diversos e dilemáticos, como atores protagonistas da história, de sorte que 
através da dialética crítica é possível adquirir o suporte para se compreender de modo mais 
amplo a totalidade e as nuances da realidade complexa da prática do assistente social em 
dadas instituições e espaços de atuação profissional. Nessa perspectiva, leva-se em 
 
 
18 
consideração, de forma articulada, contraditória e dinâmica, elementos de análises como 
objetividade, subjetividade, totalidade, particularidade, singularidade, transitoriedade, 
historicidade, cultura, ideologia, etc. Aliás, diz Michael Löwy (1985, p.14) que 
 
a hipótese fundamental da dialética é de que não existe nada eterno, nada 
fixo, nada absoluto. Não existem idéias, princípios, categorias, entidades 
absolutas, estabelecidas de uma vez por todas. Tudo o que existe na vida 
humana e social está em perpétua transformação, tudoé perecível, tudo está 
sujeito ao fluxo da história. 
 
Enfim, a dialética leva a pensar a realidade e o sujeitos sociais em permanente 
contradição e dinamicidade, num movimento contínuo de acomodação e transformação. 
Como método de investigação da realidade, insere-se no quadro das abordagens qualitativas 
de estudo, que tentam analisar os objetos investigados numa dimensão de totalidade e 
dinamicidade históricas. Nesse sentido, a escolha por essa abordagem é explicável por 
Minayo (2002, p.21-2) quando diz que 
 
a pesquisa qualitativa responde a questões muitas particulares. Ela se 
preocupa nas ciências sociais com um nível de realidade que não pode ser 
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, 
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais 
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser 
reduzidos à operacionalização de variáveis. 
 
É por essa perspectiva que se pretende, neste estudo, conceber que a profissão e a 
prática profissional do assistente social, que ao assumir rumos e sentidos variados no seu 
processo de inserção na dinâmica societária, enfatiza que isso não está determinado a priori. É 
que, mesmo sendo, em última instância, socialmente determinado pelas relações e pelo modo 
de produção capitalista, o Serviço Social, ao inserir-se historicamente nas sociedades 
brasileira e piauiense, na trama das relações sociais, permeia e é permeado por interesses, 
conflitos, dificuldades, contradições e dilemas, inerentes à essas sociedades, em permanente 
processo de transformação. Dessa forma, é possível que, em dados momentos e circunstâncias 
históricas a direção que os profissionais imprimem a sua prática depende do conjunto das 
forças sociais em luta, podendo engendrar ações no rumo de corroborar, de alguma forma, 
para a defesa e a garantia dos interesses dos grupos mais empobrecidos e excluídos da 
sociedade, ou, ao contrário, assumir, na sua intervenção, os pleitos dos setores mais abastados 
e detentores do poder econômico e político. No entanto, nesse estudo parte-se do 
 
 
19 
entendimento de que, não existe um Serviço Social que canalize suas ações somente aos 
setores mais abastados da sociedade ou que assuma uma posição apenas favorável aos setores 
mais empobrecidos, pois, como já se afirmou, a profissão e os profissionais, no seu cotidiano, 
influenciam e são influenciados, pelo complexo das múltiplas relações sociais em confronto, 
de sorte que, num contexto social mais amplo, os rumos, sentidos e limites que o profissional 
de Serviço Social imprime à sua prática estão relacionados a fatores que lhes são internos e 
externos e lhes influenciam cotidianamente. 
Como exposto anteriormente, a instituição escolhida como lócus é o Sanatório 
Meduna, o que se justifica por se constituir ela num dos centros de referência na assistência 
em saúde mental no Piauí e mesmo para alguns estados vizinhos, como o Maranhão e por ser 
o espaço ocupacional da pesquisadora, onde exerce a prática profissional de assistente social, 
despertando-lhe assim, o interesse de melhor conhecer o Serviço Social do hospital, posto que 
nele também atuam outros profissionais da área. Ademais, o Sanatório Meduna é uma 
instituição ainda pouco explorada por pesquisas acadêmicas, apesar do meio século de 
existência prestando serviços de saúde mental à comunidade, sobretudo a piauiense. 
No geral, o universo da pesquisa se constitui pelo grupo de profissionais de nível 
superior do Sanatório Meduna que compõem a equipe interdisciplinar do setor de Internação 
Integral, ou convencional. A escolha desses sujeitos
1
 está baseada numa amostra intencional, 
estabelecida em função dos objetivos a alcançar, de modo que, no que respeita ao quadro de 
assistentes sociais, que totaliza quatro profissionais, incluindo a pesquisadora, três delas 
foram envolvidas, sem mencionar que dos 16 profissionais que compõem a equipe dos demais 
profissionais do Sanatório Meduna, entre psiquiatras, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, 
educador físico, nutricionista e psicólogos, três destes foram envolvidos na pesquisa. 
Participaram também dois diretores (um clínico e um dos fundadores da instituição que atuou, 
igualmente, como diretor clínico, por várias décadas). Do universo dos usuários, que 
correspondia a 220 na época da realização da pesquisa de campo
2
, formou-se uma amostra de 
pelo menos 5%, o que equivale a onze usuários, com suas respectivas famílias ou 
responsáveis, totalizando, assim, 22 pessoas. Essa escolha dos usuários levou em conta 
critérios como se achar internado no Sanatório entre os meses de novembro de 2003 a janeiro 
de 2004, ter alta médica marcada ou prevista, possuir mais de uma internação no Meduna, o 
grau de interesse em participar das atividades efetivadas sob a orientação da assistente social, 
 
1 Neste estudo, os nomes dos sujeitos participantes serão fictícios, como forma de garantir o anonimato das 
pessoas entrevistadas. 
2 O período da realização da pesquisa de campo compreendeu os meses de novembro de 2003 a janeiro de 2004. 
 
 
20 
como Grupo Informativo, Grupo Terapêutico, Recreação e Festas Comemorativas, e a 
condição psíquica ao tempo da pesquisa, em termos de diálogo e orientação no tempo e 
espaço, etc. São, no caso, trinta o total de sujeitos entrevistados
3
, sempre sob o devido 
consentimento. 
Todos esses sujeitos têm importância e significação no processo de luta, reflexão e 
construção da prática profissional do Serviço Social no Sanatório Meduna. São, aliás, estes 
sujeitos assistentes sociais, usuários, familiares, demais profissionais da equipe 
multiprofissional e representantes da direção que convivem e mantêm uma interação no 
mesmo espaço de trabalho e compartilham das ações voltadas para o tratamento especializado 
do transtorno mental. 
Antes da coleta de dados, realizaram-se junto aos sujeitos envolvidos, inúmeros 
contatos formais e informais, com reiteradas explicações sobre os objetivos e a importância da 
pesquisa, sendo, nessas ocasiões, solicitados o apoio e a cooperação, de acordo com o 
interesse e a possibilidade de cada um. Aproveitou-se principalmente os horários de visitas 
dos familiares dos usuários ao Sanatório Meduna para o contato com eles, embora outros se 
tenham realizado ora por telefone, ora pessoalmente, já que um levantamento prévio dos 
usuários de alta nos meses da realização da pesquisa de campo foi efetivado para um 
planejamento das entrevistas. Esse foi, sem dúvida, um momento de maior aproximação com 
os sujeitos, em particular com as famílias, sondando-se seu desejo e interesse em participar do 
processo de construção do estudo. 
Com essas informações preliminares, elaborou-se um roteiro de entrevista semi-
estruturada, que considerou alguns eixos centrais a fim de atingir os objetivos pretendidos. 
Nesse sentido, toma-se como referência Triviños (1987, p.146) quando diz que “a entrevista 
semi-estruturada [...], ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece 
todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade 
necessária, enriquecendo a investigação”. Esse entendimento deu ao roteiro de entrevista três 
eixos principais: 
 
a) A experiência concreta do assistente social (o que faz; como faz; por que faz; quais 
as dificuldades, possibilidades e limites da prática profissional); 
 
3 O número de trinta sujeitos entrevistados atendeu aos objetivos planejados para este estudo. 
 
 
21 
b) A relação profissional x usuários e suas famílias (como se dá; qual a visão que o 
profissional tem dos usuários e de sua família e que as famílias e os usuários têm 
dos assistentes sociais); 
c) A relação profissional do Serviço Social x instituição e equipeinterprofissional 
(como se dá; como a instituição e a equipe vêem o Serviço Social e quais as 
dificuldades, limites e possibilidades dessa relação na perspectiva dos direitos dos 
usuários). 
 
Sob esses eixos norteadores, em seguida foi feita a formalização das entrevistas 
que, mediante o aval dos sujeitos, foram gravadas em fita K7. Essa gravação possibilitou a 
análise das questões centrais à prática do assistente social na relação com os usuários e suas 
famílias, a instituição e a equipe interdisciplinar, mostrando com mais evidência as lutas, 
contradições e dilemas presentes no cotidiano profissional. 
As entrevistas realizadas com as assistentes sociais duraram em média de 1h30 a 
2h e foram realizadas em novembro de 2003. Na ocasião, as profissionais se mostraram de 
imediato interessadas em apoiar e cooperar com a presente pesquisa, sendo que uma delas não 
aceitou a gravação. De modo geral, no desenvolvimento das entrevistas, tentou-se colher e 
valorizar as falas, as expressões, os gestos, os olhares, enfim, os dados de natureza mais 
qualitativa, por serem carregados de múltiplos significados. 
No que tange aos outros profissionais, foram entrevistados um psiquiatra, uma 
psicóloga e uma enfermeira, tendo-se a preocupação de se escolher aqueles que, além de 
interessados em participar da pesquisa, também se mostraram mais próximos às atividades 
desenvolvidas pelas assistentes sociais. O tempo de duração das entrevistas foi, em média, de 
40 minutos, e foram realizadas no mês de janeiro de 2004. 
Com relação aos membros da direção, foram escolhidos, conforme explicado, o 
atual diretor técnico e o ex-diretor, um dos fundadores do Sanatório Meduna. O primeiro 
representa a possibilidade de se ter uma nova visão na forma de dirigir e administrar o espaço 
institucional, dando um redirecionamento à assistência psiquiátrica e um novo olhar sobre a 
atuação do assistente social. Já o segundo, como sócio e fundador, apresenta uma larga 
experiência, vivência e convívio com a realidade da instituição psiquiátrica, de sorte que, 
como um estimulador da criação do Setor de Serviço Social, enquanto esteve na direção, 
sempre motivou e valorizou os seus profissionais no desenvolvimento de suas atividades. As 
 
 
22 
entrevistas tiveram o tempo médio de 1 hora de duração e foram realizadas no mês de janeiro 
de 2004. 
Já os usuários em internação integral e suas respectivas famílias ou responsáveis, 
num total de 22 que se mostraram interessados em participar da pesquisa, as entrevistas com 
eles duraram em media de 40 minutos a 1 hora e sua realização se deu no período de 
novembro de 2003 a janeiro de 2004, sendo que seis famílias foram entrevistadas pela 
pesquisadora no próprio Sanatório, pois assim preferiram, enquanto as outras o foram em 
casa, após combinados horário e data, de acordo com a disponibilidade de cada uma. No 
geral, em todas as entrevistas se tentou enfatizar os aspectos e dados mais qualitativos, 
havendo, quando necessário, uma adaptação do roteiro, cujos três eixos foram delineados para 
as entrevistas com as assistentes sociais. 
Além da entrevista semi-estruturada, realizada com todos os sujeitos, um outro 
instrumento foi a observação participante, uma técnica com a qual se pode captar os 
fenômenos da realidade social não percebidos através de perguntas. O seu uso requer que o 
pesquisador esteja diretamente no campo, no meio das situações em que o objeto de estudo se 
manifesta, tendo ocorrido no cotidiano da instituição, onde se observaram as diversas 
situações concretas correlatas à prática do assistente social no dia-a-dia de trabalho, bem 
como sua importância e riqueza. Ademais, para entender a prática do assistente social no 
Sanatório Meduna, mesmo com a escassez de dados documentais, garimparam-se 
informações em alguns textos, como os livros de relatórios do Serviço Social, as quais foram 
anotadas em diário de campo, sem mencionar que todo o acervo de dados foi subsidiado e 
enriquecido, pelo aporte de informações apreendidas sobre Saúde Mental e Serviço Social 
constantes nas referências bibliográficas aposta ao final deste estudo. 
Os depoimentos contidos nas entrevistas foram trabalhados numa perspectiva da 
dialética crítica, por meio da organização de temas, questões e experiências que destacaram os 
movimentos, as lutas, as contradições, enfim, a totalidade histórica dessa prática profissional 
na saúde mental, sobretudo do ponto de vista da cidadania e dos direitos sociais dos usuários e 
familiares. Deve-se, porém, reafirmar que a pesquisa enfatiza o momento atual da prática do 
assistente social no Sanatório Meduna, mas entendeu-se necessário e importante, para se 
compreender tal momento, percorrer sinteticamente a prática do assistente social no país 
desde a década de 1970, sobretudo aquela relacionada à saúde mental, interrelacionando-a 
com o contexto mais amplo da realidade brasileira. Por fim, esse longo caminho em que se 
tenta sistematizar e analisar as informações e dados apreendidos, procede-se à análise da 
 
 
23 
inserção do Serviço Social no Sanatório Meduna, tendo-o como um agente construtor e 
propulsor de relações e mediações entre o usuário, a família, a instituição e a sociedade, cujos 
movimentos estabelecem significados, rumos e dinâmicas variados e múltiplos, que, em 
última instância, objetivam estar, cada vez mais, em sintonia com a garantia da cidadania e 
dos direitos do PTM. 
Em termos gerais, as principais dificuldades e desafios ao desenvolvimento desta 
pesquisa foram os concernentes à falta de arquivos documentais acerca da criação do Serviço 
Social na instituição, o que levou a ter como fonte principal de informação as falas, discursos 
e expressões dos sujeitos entrevistados, na construção e reconstrução do processo de inserção 
do profissional de Serviço Social no Meduna. Houve, também, situações em que os usuários 
selecionados, no momento de entrevista, não tiveram condições de participar, por se 
encontrarem com quadro de desorientação, inquietação e discurso fragmentado, sendo 
necessário adiar ou escolher um outro PTM para substituí-lo, sem dizer da escassez de 
literatura que aborde a intervenção do assistente social nessa área, tanto no Brasil quanto no 
Piauí. 
Almejando atender aos objetivos expostos, o resultado do presente estudo 
encontra-se estruturado, neste Relatório, em quatro capítulos. No primeiro, “Doença mental e 
assistência psiquiátrica no Brasil”, reconstrói-se a trajetória das manifestações da doença 
mental no Brasil, em particular no Estado do Piauí, enfatizando as principais medidas 
adotadas pelo poder público na direção do processo de institucionalização da assistência 
psiquiátrica no estado, observando os seus desdobramentos nas sociedades brasileira e 
piauiense. Para isso, desenvolve-se uma análise geral, de caracterização das Políticas de 
Saúde em geral e de Saúde Mental no Brasil, ressaltando-lhes os avanços, dilemas, 
contradições e recuos, ao longo de seu processo de constituição na sociedade brasileira. 
No segundo capítulo, “O Sanatório Meduna: fundação do Hospital e estrutura 
funcional”, examina a trajetória histórica do precursor da psiquiatria piauiense, Clidenor de 
Freitas Santos, enfatizando as principais medidas adotadas no redirecionamento da assistência 
psiquiátrica no Piauí e o processo de fundação e estruturação do Sanatório como uma 
instituição privada que, mantêm convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS) e há meio 
século presta assistência psiquiátrica no Estado do Piauí. Além dos avanços e recuos da 
psiquiatria piauiense, enfoca-se ainda, os serviços oferecidos pelo Meduna e o percurso do 
PTM e família no seu interior, bem como uma análise do funcionamento e estrutura interna da 
instituição. 
 
 
24 
O terceiro capítulo, “Serviço Social como prática profissional”, dedica-se ao um 
estudo mais amplo e profundo do processo de constituiçãodo Serviço Social no Brasil, a 
partir, sobretudo, do Movimento de Reconceituação do Serviço Social (MRSS), que emergiu, 
em 1965, numa conjuntura de inúmeras transformações econômicas, políticas, sociais, 
ideológicas e culturais que floresceram nas sociedades brasileira e latino-americana, 
Movimento esse que, questionou os aportes teóricos, metodológicos e políticos que até então 
sustentavam a profissão. Nesse sentido, faz-se um balanço dos principais aspectos do 
surgimento do Serviço Social e seus desdobramentos como sujeito histórico no processo de 
enfrentamento da questão social no Brasil, bem como se examina o processo de inserção e 
interlocução do assistente social na área da saúde mental na sociedade brasileira, em 
particular no Sanatório Meduna, particularizando-a e articulando-a com a viabilização e a 
garantia da cidadania e dos direitos do PTM. 
O quarto capítulo, “O Serviço Social e a cidadania do portador de transtorno 
mental”, dedica-se à análise, reflexão e ampliação do entendimento do significado do 
processo de constituição da cidadania no Brasil e da relação do Serviço Social com a 
temática. Em sintonia com os capítulos anteriores, a cidadania se demarca pela superação de 
seu conceito clássico por uma nova perspectiva, que a abrange como um processo histórico 
em constante movimento, mutação, consolidação e aperfeiçoamento. Com base nessas 
considerações, discute-se a apreensão das representações construídas acerca da prática 
profissional do assistente social pelo conjunto dos diversos sujeitos protagonistas do estudo, 
tomando como ponto de partida suas falas, gestos, sentimentos, expressões, saberes, desejos, 
vontades, vivências e experiências, evidenciado-se os usuários, a instituição psiquiátrica, a 
família, as assistentes sociais, os demais profissionais, pelo elucidamento das inúmeras 
representações ou “imagens sociais”, da prática do assistente social no Sanatório Meduna, 
notadamente ao estabelecerem relações profissionais. 
Em síntese, esta pesquisa pretende contribuir para o enriquecimento das reflexões 
acerca dos processos de inserção do assistente social nos diversos espaços ocupacionais na 
sociedade brasileira, em especial na área da saúde mental no Sanatório Meduna e no Estado 
do Piauí, fomentando-se novos questionamentos nessa área, protagonizada por assistentes 
sociais, mas ainda carente de análises. Por último, busca este estudo o fortalecimento das 
ações dos assistentes sociais na perspectiva dos direitos e da cidadania dos usuários dos 
serviços sociais, particularmente os de saúde mental. 
 
 
CAPÍTULO I 
 DOENÇA MENTAL E ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL 
 
Este capítulo tem por objetivo contextualizar historicamente as 
manifestações da doença mental no Brasil, sobretudo no Estado do Piauí, 
ressaltando as principais medidas tomadas pelo poder público na área e seus 
desdobramentos nas sociedades brasileira e piauiense. Para isso, será feita, 
primeiramente, uma caracterização geral da trajetória das Políticas de Saúde 
no Brasil, com seus avanços e recuos. 
 
1.1 As Políticas de Saúde no Brasil 
 
Diferentemente do que ocorreu nos países centrais, as políticas de proteção social 
no Brasil, sobretudo as Políticas de Saúde, tiveram, segundo especialistas como Bravo (2000), 
Conh (2001), Faleiros (2000) e Draibe (1990), um desenvolvimento lento, frágil e tardio, além 
de historicamente manter íntima relação com o processo de acumulação capitalista, no sentido 
de que, por um lado, o seu uso e gestão pelo Estado se dá como mecanismo de intervenção na 
sociedade brasileira, objetivando, em última instância, garantir a reprodução das relações 
sociais fundamentais dessa sociedade. Por outro, as políticas de proteção social, nos diversos 
contextos histórico-políticos de constituição da sociedade brasileira, representam também um 
processo de luta e conquista de cidadania do povo, em especial dos setores organizados. Não 
obstante, a efetivação e consolidação das Políticas Sociais, em particular das Políticas de 
Saúde, como conquista da cidadania, não está acabado, pois vem sendo (re) construído e (re) 
efetivado ao longo da história do país, apesar dos avanços, recuos, limites e dificuldades de 
ordem e natureza variadas ainda não plenamente superados e que convivem, ao mesmo 
tempo, com novos desafios e exigências, impostos por uma sociedade em permanente 
mudança. 
Nesses termos, os diversos problemas relacionados à área de saúde no Brasil, nos 
seus diferentes momentos históricos, vêm, desde a década de 1920, sendo postos, pela 
sociedade, como uma questão a ser enfrentada pelo poder público de forma mais 
sistematizada. Na verdade, os problemas sociais e os da área da saúde se agravam por conta 
de um conjunto de alterações nos modos de organização social, econômica e política, tendo, 
 
 
163 
 
 
segundo Bravo (2000, p.105), “como indicadores mais visíveis o processo de industrialização, 
a redefinição do papel do Estado” e outros requerimentos advindos, principalmente, da classe 
trabalhadora, o que fez com que o Estado adotasse medidas mais planejadas para atender aos 
reclamos da reestruturação por que passava a sociedade, à época. 
 Nesse contexto de profundas mudanças na organização econômica, política e 
social, as Políticas de Saúde no Brasil se vêem, no decorrer de sua trajetória, transpassada por 
dilemas e impasses ainda não superados e, às vezes, agravados, como, por exemplo, a falta de 
recursos financeiros próprios para o setor, o incentivo e privilégio aos serviços médicos do 
segmento privado em detrimento da valorização do público e a ênfase nas medidas de caráter 
mais curativo que preventivo. É que, até então, a saúde era compreendida sob a lógica de 
ausência de doenças, deslocada, assim, de uma visão mais ampla, que as vê no interior de um 
processo social, histórico e contraditório, em permanente transformação e acomodação. 
No Brasil, esse entendimento estreito só veio a ser superado, alcançando-se uma 
amplitude mais expressiva, com a Constituição de 1988, porquanto “a proteção social, até 
então praticamente restrita aos contribuintes do sistema previdenciário, foi estendida à 
população em geral [...], bem como se viu afirmada a universalização dos serviços de saúde e 
de assistência social” (COHN, 2001, p.55). É, pois, nessa Carta, que há a tentativa de 
superação do velho conceito de saúde, relacionado à ausência de doenças, agora tida como um 
direito do cidadão e um dever do Estado, que deve gestá-la para todos, sem nenhuma 
distinção de raça, sexo, cor ou classe social. Com efeito, com o Texto de 1988 a saúde passa a 
definir-se sob uma ótica mais ampla, compreendida no contexto das condições sócio-
econômicas dos indivíduos, grupos e classes sociais, inserindo-se nelas a moradia, a 
educação, a alimentação, o trabalho, o lazer e a cultura vivenciados pela população e agora 
um direito universal, independentemente de qualquer contribuição prévia, uma vez que se 
trata de elemento da cidadania dos homens e mulheres do país. A saúde, por esse ângulo, é 
um processo social sempre em construção e maturação e, assim, nunca acabado, podendo-se, 
então, dizer que “o sistema de saúde transitou do sanitarismo campanhista (início do século 
XX até 1965) para o modelo médico-assistencial privatista, até chegar, no final dos anos 80, 
ao modelo plural, hoje vigente, que inclui, como sistema público, o SUS” (MENDES, 1999, 
p.58). 
Na verdade, um dos primeiros sistemas de Política de Saúde adotados no Brasil, 
como forma de enfrentamento da questão social, deu-se no início do século XX, foi o 
“Sanitarista Campanhista”, levado a cabo pelo Estado brasileiro sob dois sub-setores: saúde 
 
 
164 
 
 
pública e medicina previdenciária. A concepção de saúde do modelo campanhista baseava-se 
numa explicação monocausal dos problemas relacionados à área que, segundo Mendes (1999,p.58), “se explicam por uma relação linear entre agente e hospedeiro”, entendendo-se então 
que o combate à doença era possível pelo rompimento dessa relação linear, através de 
medidas intervencionistas de cunho repressivo. A adoção do modelo é uma resposta às 
adversidades da conjuntura dos anos de 1930, cujos acontecimentos principais se vinculavam 
à crise mundial do capital, a chamada “grande depressão”. 
Trata-se de uma conjuntura de franca expansão urbano-industrial do país, marcada 
por forte crise social, com desemprego, baixos salários e migração do campo, o que agravava 
profundamente as condições de vida da população que, nesse momento, organizava-se de 
modo crescente e significativamente, reivindicando melhorias e garantias de direitos, como 
dentre outros, férias e redução da jornada de trabalho. Tal contexto, se comparado a outros 
períodos, conclamava o Estado brasileiro a redirecionar suas ações e a reconhecer os 
problemas sociais e seus reflexos na área da saúde como questão política a ser enfrentada e 
solucionada sob seu comando e direção. São, por isso, elaborados e implementados pelo 
Estado, como resposta, aparatos político-estratégicos de intervenção na saúde, procurando 
canalizar as tensões sociais que, à época, se formavam. 
Assim, a grande preocupação do governo na área da saúde pública, pelo menos no 
início, volta-se para a melhoria das condições sanitárias básicas da população, principalmente 
no setor urbano do país, já que, na área rural, as ações foram tímidas e pouco intensas. Por 
conseguinte, nas décadas de 1930 e 1940, as medidas centrais se referem ao planejamento de 
campanhas sanitárias e à coordenação dos serviços estaduais de saúde, sob o comando do 
Departamento Nacional de Saúde (DNS), que leva para as principais cidades e para as áreas 
rurais o combate às endemias, como malária, febre amarela, gripe espanhola, varíola, dentre 
outras doenças comuns à época. Não obstante, segundo Draibe (1990), Bravo (2000) e 
Faleiros (2000), o principal interesse do governo com as campanhas sanitárias era sanear os 
portos marítimos e as ruas de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, visando proteger o 
comércio e a nascente indústria, de modo a garantir o processo de acumulação do capital. 
O governo também agiu, embora com menos ênfase, no campo da medicina 
previdenciária, implementando-se em 20 de janeiro de 1923, por lei do deputado paulista Elói 
Chaves, as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP‟s), na verdade a primeira forma de 
seguro para os trabalhadores. A CAP‟s pioneira foi a dos ferroviários, criada pelo decreto 
federal 4.682, de 24 de janeiro de 1923, que estendia os benefícios para outras empresas com 
 
 
165 
 
 
mais de cinqüenta empregados em seus quadros, sendo esse tipo de previdência fortalecido 
pelo poder público nos anos de 1960 (COHN, 2001), valendo porém lembrar que, já em 1919, 
tinha sido aprovada, por ações do senador paulista Adolpho Gordo, uma lei de seguros de 
acidentes de trabalho operados por seguradoras particulares. O principal caráter das CAP‟s era 
promover amparo médico assistencial aos formalmente inseridos no mercado de trabalho que 
para elas contribuíam, de modo que o acesso a esses serviços era, assim, restrito, com as 
CAP‟s organizadas por empresas e administrado e financiado o sistema pelo empresariado e 
os trabalhadores. 
Em 1933, foram criados, pelo governo brasileiro, os Institutos de Aposentadorias 
e Pensões (IAP‟s), que abrangiam serviços diferenciados, como aposentadorias, auxílios-
doença e auxílios-funeral, também não estendidos a todas as categorias de trabalhadores, já 
que, num primeiro momento, destinavam-se apenas às ligadas à infra-estrutura de serviços 
públicos e, posteriormente, a outros setores, como os ferroviários e os portuários. Para Bravo 
(2000 p.106), a criação desse sistema “pretendeu estender para um número maior de 
categorias de assalariados urbanos os seus benefícios como forma de antecipar as 
reivindicações destas categorias e não proceder a uma cobertura mais ampla”. 
Na verdade, só tinham acesso a esses benefícios os trabalhadores reconhecidos, 
pelo governo, como integrantes de categorias importantes ao processo de produção que se 
encontrassem em situação ocupacional legitimada pelo vínculo contratual contributivo. 
Nesses termos, só eram cidadãos os trabalhadores com profissão reconhecida em lei como 
atividade laborativa, de modo que homens e mulheres não enquadrados nesse perfil eram 
tidos como pré-cidadãos, condição essa que abrangia larga parcela da população brasileira, 
como os trabalhadores do campo. A carteira de trabalho passa então a ser o principal 
instrumento de exercício e garantia dos direitos sociais, de tal forma que a esse tipo de 
cidadania Santos (W., 1979, p.75) atribui o adjetivo “regulada”, devido ao caráter de 
obrigatoriedade de vínculo formal ao mercado de trabalho. Mas, a partir dos anos de 1940 e 
1950, tem-se um grande desenvolvimento econômico no país e, conseqüentemente, um 
expressivo aumento da massa segurada, fase em que o Estado investiu, sobremaneira, no 
campo da saúde pública, com medidas de melhoria das condições sanitárias das cidades 
(saneamento básico, cobertura vacinal, etc). Embora importantes, tais inversões não 
eliminaram, de forma significativa, o quadro de doenças infectocontagiosas e parasitárias, os 
grandes índices de mortalidade infantil e a mortalidade em geral. 
 
 
166 
 
 
Os anos de 1950, 1956 e 1963 são considerados por alguns estudiosos, como 
Draibe (1990) e Bravo (2000), como os de maior aplicação de recursos públicos na área da 
saúde. Nesses períodos, os governantes priorizaram os serviços previdenciários e médicos 
prestados pelos IAP‟s, deixando em segundo plano a compra dos serviços médicos dos setores 
particulares, que por causa disso exerciam uma grande pressão sobre o governo, no sentido de 
fortalecer e expandir o seu atendimento hospitalar, não incentivado, naquele momento. Essas 
estruturas do setor privado que visavam ao atendimento médico hospitalar, montadas a partir 
da década de 1950, foram intensamente valorizadas na década seguinte, já na ditadura militar, 
pela ampliação da política assistencial para alcançar, por esse meio, a legitimação do regime 
de exceção. Instaurara-se, então, no cenário político brasileiro, um governo militar, que 
adotava um discurso desenvolvimentista de integração nacional e propunha a modernização e 
o crescimento do país, com investimentos em setores estratégicos, como transportes, estradas 
e comunicação, de sorte que esse momento, marcado sobretudo pelo enfoque econômico, não 
se refletisse, com a mesma ênfase na esfera social. Mesmo assim, a ditadura, através do golpe 
militar, não representou “para a sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de 
desenvolvimento econômico-social e político que modelou um país novo” (BRAVO, 2000, 
p.107), havendo, nessa fase, um profundo agravamento dos conflitos e problemas sociais e 
uma desmesurada repressão dos movimentos sociais organizados. 
Mas, ainda antes do período ditatorial, havia forte pressão dos trabalhadores, que 
cobram do Estado uma maior eficiência do sistema previdenciário. São formuladas, então, 
várias normas, entre elas a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) que, editada em 1960, 
propôs a uniformização dos benefícios prestados pelos IAP‟s, os quais assumiram a 
assistência médica individual a todos os beneficiários, apesar de a ditadura militar de 1964 
adotar o modelo do “privilegiamento do produtor privado” (idem, 2000, p.105), de modo que 
a Política de Saúde estatal passa, a partir daí, a ser marcada, de um lado, pela valorização 
expressiva da medicina e da previdência privadas, em que a prática médica volta-se mais para 
os interesses da lucratividade, em detrimento da saúde pública, e, de outro, pela ênfase no 
perfil assistencial, com vistas a aumentar o controle do Estadosobre a sociedade, aliviando as 
tensões sociais e assegurando a acumulação do capital e a “paz social”. Nesse sentido, Cohn 
(2001, p.45) assevera que 
 
esse processo de privatização da saúde promovido pela política 
previdenciária é de tal monta, sobretudo a partir da criação do INSS no 
início do regime militar, que no interior da própria Previdência Social, 
 
 
167 
 
 
enquanto imagem pública, inverte-se a relação beneficio/prestação de 
serviços médicos, apesar de os dados orçamentários mostrarem o contrário. 
Essa inversão demonstra a crescente importância que a assistência médica 
vem assumindo no interior da Previdência Social. 
 
Desse modo, o Estado brasileiro, comandado pelos militares, adotou, segundo 
Bravo (2000, p.107), medidas baseadas no “binômio repressão-assistência [...], com a 
finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade [...] e o alijamento dos 
trabalhadores do jogo político, com sua exclusão na gestão da previdência, ficando-lhes 
reservado o papel de financiadores [da política previdenciária]”, o que ocorreu 
concomitantemente ao processo de unificação da Previdência Social, em 1966, como resposta 
ao interesse estatal de incrementar o papel regulador e interventor sobre a sociedade. Aliás, 
esse modelo médico-assistencial, valorizador do setor privado, enaltece a “medicalização da 
vida social” (BRAVO, 2000, p.107), representada por ações de assistência médica curativa 
individual em detrimento das de caráter preventivo, dirigidas à coletividade, por isso que, 
doravante, a ênfase na assistência médica privada impossibilitará o acesso de muitos 
brasileiros aos serviços de saúde, reforçando a exclusão, aumentando as desigualdades sociais 
e agravando a condição de pobreza de expressiva parcela da população. Isso se dava porque 
para os governos do período, a saúde necessitava de características capitalistas, devendo 
incorporar as modificações tecnológicas ocorridas no mundo e, nesse sentido, nada mais 
coerente que a prática médica orientar-se para a lucratividade, favorecendo a capitalização da 
saúde e a hegemonia do setor privado. 
Com tais marcas, as Políticas de Saúde, no plano nacional, apresentam, no período 
da ditadura militar, graves contradições e tensões, como a ampliação dos serviços e a não 
disponibilização suficiente de recursos financeiros para o setor, sem mencionar o jogo de 
interesses provenientes das conexões burocráticas entre o Estado-gestor das políticas, o 
empresariado-médico-executor e as idéias do emergente Movimento Sanitário. Este 
movimento originou-se no Brasil ainda nos anos de 1960, ligado aos trabalhadores da saúde 
que participavam de lutas que a reivindicavam como um direito de todos, exigindo serviços 
descentralizados com qualidade e abrangência a todos os brasileiros, sem distinção, não sendo 
possível deixar de sublinhar que o embate incluía a superação do regime autoritário, idéias 
essas que se fortaleciam e ganhavam força no Brasil de então (TEIXEIRA, 1989). 
A correlação de forças entre os interesses do setor privado e os do Movimento 
Sanitário, diferentes e contrários, levou, como estratégia de sobrevivência do autoritarismo 
 
 
168 
 
 
burocrático, à formulação de propostas de reforma da estrutura organizacional do Estado que, 
ao ter de fazer concessões, não obteve pleno êxito. Na verdade, o Estado não logrou alterar a 
direção da saúde naquele momento, caracterizada fortemente por medidas curativas e pela 
contratação de serviços do setor privado para executá-las. Ademais, a tentativa do Ministério 
da Saúde de adotar medidas de saúde pública, objetivando ampliar e interiorizar as ações, 
através da “implantação de estrutura básica de saúde pública e o aumento de cobertura, 
viabilizadas por programas pilotos” (BRAVO, 2000, p.108), também não se efetivou, por 
serem limitadas e de pouca abrangência. Como exemplo podem-se mencionar os casos do 
Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) e o Programa de Interiorização das 
Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste (PIASS), ambos pouco exitosos. Nessa fase, a 
Política de Saúde apresentava-se, dentro desse arcabouço estatal, como eminentemente 
assistencialista-clientelista, embasada na concessão e na troca de favores, políticos e pessoais, 
estando ausente, assim, qualquer noção de direito ou cidadania. 
Somente no final do período militar o Ministério da Saúde amplia as medidas de 
saúde pública para fora do circuito urbano, levando, para o interior do país, a atenção primária 
e aumentando a cobertura e a estrutura do sistema de saúde, até então frágil e excludente. 
Devido ao fato de o Estado ser o maior financiador do sistema, através da Previdência Social, 
e por ser o maior prestador de atenção médica, o setor privado devia ter, mas não teve, em 
contrapartida, um processo de fiscalização rigoroso da qualidade dos serviços oferecidos à 
sociedade, das prestações das contas apresentadas e dos critérios adotados para as compras de 
serviços de saúde, o que lhe favoreceu o crescimento vertiginoso (COHN, 2001). Na década 
de 1970, acentuou-se a tendência de organização do sistema de saúde, com a cobertura 
previdenciária expandindo-se para a população urbana e parte da rural, sem embargo do 
aprofundamento do aspecto privatista, sendo elaborado pelo governo o Plano de Pronta Ação 
(PPA), que objetivava não só universalizar a atenção às urgências, mas também apresentar um 
novo parâmetro assistencial, denominado de medicina de grupo, viabilizada por convênios 
com empresas, além de reorganizar as relações da Previdência Social com os prestadores de 
serviços, por diferentes formas de pagamento pelos contratos firmados. Outro aspecto 
relevante é que, em 1977, o sistema de saúde se baseará no Sistema Nacional da Previdência e 
Assistência Social (SINPAS), instituído pela Lei Federal nº 6.439, composto pelos Instituto 
Nacional de Assistência Médica de Previdência Social (INAMPS), Instituto Nacional de 
Previdência Social (INPS) e Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social 
(IAPAS). 
 
 
169 
 
 
No final dos anos de 1970, o surgimento de novos atores sociais impulsionam e 
revigoraram os movimentos da sociedade civil, que requerem uma maior eficiência e a 
ampliação da oferta dos serviços sociais, em particular dos serviços de saúde. É nessa 
conjuntura que se fortalece, no Brasil, o Movimento de Reforma Sanitária, que defendia 
melhores condições para os serviços de saúde, que encampava a luta contra a ditadura militar, 
e se aliou aos movimentos mais amplos da sociedade civil, no sentido não só do 
restabelecimento da democracia no país, mas também da articulação de um conjunto de forças 
políticas canalizadoras das exigências e dos anseios de alteração da Política de Saúde 
brasileira. Segundo Bravo (2000, p.113), o Movimento tinha, como idéia central, “assegurar 
que o Estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático 
e de direito responsável pelas políticas sociais e, por conseguinte, pela saúde”. Desse modo, 
as lutas e movimentos levados a efeito, nesse momento histórico, contribuem para que a 
problemática da saúde alcance expressão significativa nos espaços legislativos e na sociedade 
civil organizada, passando a ser considerada, consoante Mendes (1994, p.42), como 
 
um direito universal e suportada por um Sistema Único de Saúde, 
constituído sob regulação do Estado, que objetive a eficiência, eficácia e 
eqüidade e que se construa através do incremento de sua base social, da 
ampliação da consciência sanitária dos cidadãos, da implantação de um outro 
paradigma assistencial, do desenvolvimento de uma nova ética profissional 
e da criação de mecanismos de gestão e controle populares sobre o sistema. 
 
Isto, aliás, é fortalecido nos anos de 1980, com a superação, em meio a uma 
profunda e duradoura crise econômica que ainda hoje se reflete na conjunturado país, do 
regime ditatorial. Mas, a fim de reorganizar os serviços de saúde acontece, em março de 1986, 
em Brasília, a VIII Conferência Nacional de Saúde, na qual “todo o movimento encetado pelo 
projeto contra-hegemônico nos campos político, ideológico e institucional, desde o início dos 
anos 70, vai confluir para esse acontecimento” (MENDES, 1994, p.41), daí ter essa 
Conferência representado um grande avanço em defesa da ampliação e universalização dos 
serviços de saúde, até porque promoveu a mobilização maciça da sociedade civil organizada, 
pela reunião de diversos setores e segmentos sociais. Para Mendes (1994), as conclusões 
dessa Conferência tiveram desdobramentos consideráveis no âmbito da Comissão Nacional da 
Reforma Sanitária, uma vez que os ideais nela defendidos foram reconhecidos e acolhidos, 
constituindo-se o Evento num forte instrumento político e ideológico, com influência sobre 
dois processos que se iniciam em 1987. O primeiro, no âmbito do Executivo, ocorreu em 20 
de julho, com a criação, pelo Decreto 94.657, do Sistema Unificado e Descentralizado de 
 
 
170 
 
 
Saúde (SUDS), resultado de acordos do Ministério da Saúde com os governos estaduais, em 
substituição às Ações Integradas de Saúde (AIS), implantadas na década de 1980 como 
medida de contenção de despesas com assistência médica, até então vista como a causa do 
déficit orçamentário do governo. O segundo se deu no Congresso Nacional, que elaborava a 
nova Carta Magna do país, promulgada no ano seguinte, 1988. 
A VIII Conferência difere das demais em dois pontos principais, sendo o primeiro 
o seu caráter democrático, já que contou com ampla participação das forças comprometidas 
com a temática da saúde. O segundo se expressa na sua dinamicidade processual, pois antes 
de sua realização ocorreram encontros preparatórios nos municípios e estados, até alcançar o 
plano nacional, tendo sido o relatório final da Conferência aprovado nas comissões técnicas 
da Constituinte, em meio a um amplo consenso das forças sociais nela representada. Em 
suma, após muitas discussões e embates, a saúde tem o conceito ampliado na Conferência e 
reafirmado na Constituição de 1988, passando a definir-se como produto das condições de 
habitação, moradia, educação, renda, emprego, lazer e transporte da população, de sorte que 
passa a ser vista a partir da realidade histórica e social da sociedade brasileira. 
 Essa nova concepção de saúde, reorganizada na lógica dos princípios defendidos 
pela Reforma Sanitária, foi incorporada na transição do Sistema Unificado Descentralizado de 
Saúde (SUDS) para o Sistema Único de Saúde (SUS). É que se visava constituir, de fato, um 
sistema de saúde capaz de responder amplamente aos anseios da sociedade brasileira, em sua 
histórica luta pela superação de um modelo altamente comprometido com os interesse 
privados e imediatos dos grupos dominantes. O SUS, em suas idéias basilares, caracteriza-se 
pela descentralização nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e tem como 
prioridade a universalização e a eqüidade dos serviços de saúde para todos os brasileiros, 
independentemente de qualquer contribuição social, com a participação complementar da 
iniciativa privada. Nesse contexto, a saúde é considerada como um direito universal e um 
dever do Estado, conforme preceitua o artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Aliás, 
Mendes (1999, p.62) diz que 
 
a saúde na nova Constituição é definida como resultante de políticas sociais 
e econômicas, como direito de cidadania e dever do Estado, como parte da 
Seguridade Social e cujas ações e serviços devem ser providos por um 
Sistema Único de Saúde, organizado segundo as seguintes diretrizes: 
descentralização, mando único em cada esfera de governo, atendimento 
integral e participação comunitária. 
 
 
 
171 
 
 
O SUS, como sistema de saúde organizado sob essas diretrizes, está amparado 
pela Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990), pelas 
Constituições Estaduais e pelas Leis Orgânicas Municipais (MENDES, 1994), sem mencionar 
a Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõem sobre a participação da 
comunidade no processo de gestão do SUS e sobre os recursos destinados à área. Para a 
sociedade brasileira, essa legislação expressou as conquistas inscritas na Carta Magna de 
1988, reafirmando, de forma concreta, os princípios defendidos pela Reforma Sanitária e a 
esta incorporados. 
As análises anteriores indicam que, a partir dos movimentos da sociedade civil 
posteriores à década de 1970 e à promulgação da Constituição de 1988, as noções de direito e 
cidadania ganham destaque no debate nacional e no processo de formulação e implementação 
das Políticas Públicas, em especial as Políticas de Saúde e, por conseguinte, as de Saúde 
Mental. É, aliás, nesse contexto que tais Políticas, a serem viabilizadas nas três esferas de 
governo, defendem a saúde como direito do cidadão e dever do Estado, numa definição 
eminentemente política, que apregoa a transição para uma cidadania plena
4
, superando os 
aspectos compensatórios, embasadores dos modelos pretéritos. 
Nesses anos, o arcabouço teórico-prático do campo da saúde ocorria, conforme 
Mendes (1999, p.63), “coetaneamente com o avanço inexorável de uma crise fiscal e política 
do Estado, que sinalizava o esgotamento da estratégia nacional-desenvolvimentista e da 
coalizão sociopolítica que a sustentou durante os anos de esforço industrializante e de 
fracassos sociais”. Assim, o Estado, imerso em crise, adquire novas responsabilidades para 
com a sociedade, embora, no final dos anos de 1980, depois da efervescência política da 
transição democrática cujo ápice se dá no Governo Sarney, seja notável a retração na 
implementação dos ideais da Reforma Sanitária, principalmente na defesa da saúde como 
direito, exercido num sistema único e descentralizado que viabilize o atendimento universal. 
De forma que se ter, no final de 1980, a saúde como direito de todos e dever do Estado 
significa palmilhar um processo não acabado, desafio este a ser enfrentado pela sociedade 
brasileira, nos anos de 1990, tendo em vista que essa perspectiva contraria interesses de 
grupos privados, que defendem a continuidade do padrão de capitalização desses serviços 
que, décadas atrás, tiveram vertiginoso crescimento, estimulado pelo próprio Estado, agora, 
 
4 A cidadania é, nesses termos, concebida como uma construção e reconstrução permanente de conquistas de 
direitos, num ambiente democrático, superando as condições de formalidade e legalidade, que assegura a 
Constituição Federal de 1988. Assim, será entendida aqui na sua forma mais ampla, como um processo 
histórico, político e social em permanente movimento e aperfeiçoamento. Nesse sentido, consultar por 
exemplo, Dagnino (1994) e Telles (1994). 
 
 
172 
 
 
em face da realidade do SUS, não querem correr os riscos impostos pelo mercado, no qual se 
dão disputas por melhores preços e maior qualidade. Ademais, os obstáculos à construção do 
SUS, são intensificados, nesta década, em razão do modelo econômico-político do país, 
norteado, a partir de então, pelas propostas neoliberais, surgidas por volta dos anos de 1970. 
Estas idéias, oriundas da Inglaterra e dos Estados Unidos, espraiaram-se pelo mundo, 
sobretudo os de regime capitalista, atingindo fortemente as nações periféricas, como o Brasil, 
já que a base ideológica do neoliberalismo finca-se na contenção severa dos gastos estatais, o 
que afeta preferencialmente a gestão das políticas sociais e, por conseguinte, a Política de 
Saúde Pública. 
Presencia-se então no Brasil e no mundo, nos anos de 1990, a hegemonia do 
discurso e das práticas neoliberais, na verdade um intenso ataque do grande capital, vinculado 
aos grupos dirigentes, às garantias constitucionais, resultando no

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