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Apostila de Redação do ENEM
PREFÁCIO
Uma boa ideia faz uma boa redação. Dividir os parágrafos, usar português correto e citar filósofos que morreram três mil anos atrás são recursos que ajudam a valorizar a sua ideia, mas antes de valorizá-la você precisa ter uma. Não adianta saber escrever — é preciso saber o que escrever.
Não acredita em mim? Dá uma olhada em como as redações do ENEM são corrigidas:
Os 1000 pontos são divididos em cinco critérios chamados competências. Duas das cinco competências testam o seu português. A primeira, chamada Domínio da Escrita Formal, avalia sua ortografia, concordância, pontuação, etc — o básico. A menos que a internet tenha corroído o seu uso do plural e da vírgula, como fez comigo, ou que você comece a sua redação com “Olha, eu penso o seguinte”, não é muito difícil pegar uma boa pontuação aqui.
A segunda competência que avalia o seu português é a de Mecanismos Linguísticos, que confere se as suas frases fazem sentido juntas. Essa é mais complicada, mas também não é muito difícil pegar o jeito. Começar o terceiro parágrafo com “Nesse sentido,” e a conclusão com “Assim,” já faz milagres pela tua redação.
Agora é que o bicho pega. A próxima competência é a de Estrutura e Conhecimentos. Metade da pontuação aqui tem a ver com seguir direitinho a fórmula da redação do ENEM: um parágrafo de introdução, dois ou três de desenvolvimento e o último concluindo e propondo uma intervenção. Essa é a Estrutura. A outra metade da pontuação é de Conhecimentos; ter uma argumentação que não seja previsível, nem senso comum, nem que fuja do tema, e que não se baseie só nos textos motivadores.
Veja que até agora as competências estavam avaliando só os aspectos formaisda sua redação, da forma dela, o jeito com que ela é escrita. A partir dessa terceira competência, nós passamos a avaliar o conteúdo da redação, que é o que você tem a dizer.
E a coisa não para por aí. A quarta competência é de Argumentação, que, como o próprio nome já diz, analisa o seu argumento. Você não pode ficar em cima do muro, falando sobre o tema sem se posicionar a respeito, nem apresentar argumentos contraditórios; e quanto mais criativo e distante do senso comum o seu raciocínio for, melhor.
Já a última competência é a da Proposta de Intervenção, que tem 200 pontos dedicados só a ela. A gente tá tão acostumado a escrever qualquer coisa na conclusão que acaba perdendo um monte de ponto aí, porque ela precisa ser específica, detalhada e bem amarrada na argumentação do texto. Se você explicou a violência contra a mulher dizendo que é produto do machismo, então sua proposta precisa atacar o machismo. Parece óbvio, mas se fosse óbvio eu não estaria escrevendo essa apostila. Eu tenho mais o que fazer.
Então o português e a estrutura, as coisas com que a gente mais se preocupa na hora de estudar redação, somam uns 500 pontos; metade da nota. Mesmo que você gabarite esses critérios usando direitinho a vírgula e aplicando o vocabulário de um imortal da Academia de Letras, uma redação de nota 500 não te ajuda em muita coisa. Você precisa de uma boa ideia — um bom argumento.
Da primeira vez em que eu tentei o vestibular, no último ano do ensino médio, minha nota na redação foi 580. Eu tirei uma nota boa em exatas e três notas mais ou menos no resto, e eu queria Direito, então esse 580 me enterrou e eu não passei em nenhuma faculdade pública do país.
Quatro anos depois, eu resolvi tentar de novo. Minha química, física e matemática tavam enferrujadas e eu não me sentia capaz de decorar quem foi o Marquês de Pombal na mínima chance de que caísse na prova. O problema das questões objetivas do ENEM é esse, você tenta enfiar um montão de coisa na cabeça sabendo que não vai cair quase nada, e isso te desestimula a estudar, porque é como se você estivesse aprendendo aquilo “à toa”.
Já a redação não é como as outras matérias, tipo português, biologia e história, que escolhem conteúdo no sorteio. A redação é um teste de habilidade; ela avalia a sua argumentação e a sua construção de texto. Sempre. Não existe chance de não cair proposta de intervenção, ou de não pedirem argumento. Você sabe exatamente no que vai ser avaliado e todo segundo que passa treinando redação ajuda sua nota.
Quando eu prestei vestibular de novo todas as minhas notas foram menores do que antes, menos a redação, na qual eu tirei 920. E eu passei em Direito na USP.
Se você, como eu, não fez ensino médio num colégio particular, não pode pagar cursinho e não tem muito tempo e memória livres, a sua melhor chance de passar na faculdade é tirar mais de 900 na redação — sabendo argumentar e apresentar seu argumento. E é isso que eu vou ensinar nesta apostila.
Então vamos começar pelo básico. O que é argumentar?
Filisteus. Basquiat, 1982
O QUE É ARGUMENTAR?
Se o autor faz alguma afirmação, procurando convencer o leitor da verdade do que se está afirmando, estamos diante de um argumento.
A partir dessa definição do Mortari, a gente sabe que argumentar é tentar convencer alguém de que uma afirmação é verdadeira. Não é só afirmar; é afirmar pra mudar a ideia do outro.
Digamos que uma mãe mande a filha desligar a tevê porque está na hora de dormir, e a filha diga que pode assistir desenho até tarde. Essa é uma afirmação: “eu posso assistir desenho até tarde”. Olha, eu não sei como você foi criada, mas lá em casa minha mãe tacaria um chinelo na minha cabeça por falar assim com ela. Então eu teria que ser mais diplomática: eu posso assistir desenho até tarde porque amanhã não tem escola.
A diferença entre uma afirmação e um argumento é o porquê; a justificação. Nós justificamos uma afirmação pra que ela seja mais convincente. Você precisa comer verduras porque faz bem pra saúde. A escravidão é injusta porque liberdade é um direito humano. Eu prefiro dar três exemplos porquemelhora o ritmo do parágrafo.
A fórmula mágica do argumento
Seguindo essa lógica de que explicar uma afirmação torna ela convincente, quanto mais se explica uma afirmação, mais convincente ela é. Você precisa comer verduras porque faz bem pra saúde. Ok. Mas por que faz bem pra saúde? Porque verduras são ricas em nutrientes, como fibras e vitaminas. Agora a minha afirmação é mais convincente ainda. E dá pra continuar explicando: fibras e vitaminas fazem bem pra saúde porque são nutrientes essenciais ao bom funcionamento dos órgãos. Quanto mais fundo você for, mais convincente é a afirmação original — “você precisa comer verduras”.
Quando se diz que um argumento é senso comum, o que se quer dizer é que ele não está muito bem explicado. Em geral, os argumentos que mais caem no senso comum são os que explicam um fenômeno (como a violência contra a mulher, ou a escravidão) com base em um preconceito (machismo, racismo), porque é muito fácil parar por aí e se dar por satisfeito. Não tou dizendo que não é preconceito, claro que é, mas se eu digo que a violência contra a mulher é fruto do machismo porque o machismo oprime a mulher, eu não expliquei direito minha afirmação. Como o machismo oprime a mulher? O que leva o machista a agredir uma mulher? Nada disso foi explicado. Aí eu meto um pedido de “conscientização” no último parágrafo e pronto, fica uma redação clichê, nota 520.
O jeito de fugir do senso comum é explicando tudo que você afirma, principalmente o que te parecer óbvio. Óbvio é tudo que nós aceitamos sem explicação. Argumentos que não explicam o óbvio são argumentos ruins, que se apoiam no que já está estabelecido. Todo mundo sabe que a causa da violência contra a mulher é o machismo, então não precisa explicar mais nada.Claro que precisa! Que o machismo tem um papel na violência contra a mulher todo mundo sabe. Não é a resposta que interessa, é a explicação! O vestibular examina sua redação justamente pra conferir se você sabe explicar o que pensa.
Depois a gente tira esses PORQUEs pro texto não ficar estranho. Por enquanto, eles ajudam a marcar explicações — todo “porque” é uma explicação.
Veja que eu não mudei o argumento, que é explicar um fenômeno a partir de um preconceito. Eu sóusei mais porquês. E eu poderia ter explicado de um jeito totalmente diferente; poderia ter dito que é porque o machismo valoriza comportamentos agressivos, e faz o homem se sentir mais homem quando bate na mulher. Ou que o machismo estimula o controle da mulher, tanto por vias econômicas e psicológicas quanto físicas.
Existem infinitas maneiras de explicar qualquer afirmação, infinitos argumentos. O ENEM não está procurando o argumento certo; está procurando um argumento convincente. E você convence explicando.
Então vamos exercitar isso.
EXERCÍCIO DE ARGUMENTAÇÃO — I — CRIAR DOIS ARGUMENTOS
Este primeiro exercício começa com uma afirmação bem simples: “Não-sei-o-quê é bom”. Pode ser qualquer coisa: viagem ao espaço, Bolsa Família, acordar às duas da tarde. Pro meu exemplo, eu vou usar “Maçãs são boas”. Essa é minha afirmação original:
AFIRMAÇÃO: Maçãs são boas.
Pra construir um argumento a partir da minha afirmação eu preciso explicá-la, dar um porquê; do contrário, eu estou só afirmando, não argumentando.
Maçãs são boas PORQUE fazem bem à saúde.
Essa é a minha primeira explicação: Maçãs fazem bem à saúde. Nossa afirmação já virou um argumento, mas ele ainda é bem senso comum. Pra que ele fique mais convincente, precisamos aprofundá-lo. Por que maçãs fazem bem à saúde?
ARGUMENTO 1: Maçãs são boas porque fazem bem à saúde porque combatem o tártaro e são ricas em nutrientes.
Ótimo! Já temos um argumento mais desenvolvido. Agora eu vou construir um segundo argumento a partir da afirmação original. Como nós vimos, pra construir um argumento é só explicar a afirmação — dar um porquê.
Maçãs são boas porque são gostosas.
E aprofundamos o argumento:
ARGUMENTO 2: Maçãs são boas porque são gostosas porque têm um gosto doce.
Pronto! Ao fim desse exercício, temos dois argumentos. E dois é o número perfeito de argumentos pra uma redação!
Agora é sua vez. Vou sugerir quatro afirmações, mas você pode criar uma sua, se preferir.
AFIRMAÇÃO 1. Energia elétrica é boa.
ARGUMENTO 1: Energia elétrica é boa porque…
ARGUMENTO 2: Além disso, energia elétrica é boa porque…
AFIRMAÇÃO 2. Ônibus são bons.
ARGUMENTO 1:
ARGUMENTO 2:
AFIRMAÇÃO 3. Hospitais públicos são bons.
ARGUMENTO 1:
ARGUMENTO 2:
AFIRMAÇÃO 4. Democracia é boa.
ARGUMENTO 1:
ARGUMENTO 2:
Dante, Virgílio e Caronte atravessando o rio Estige. Gustave Doré, 1861
COMO ARGUMENTAR NA REDAÇÃO DO ENEM?
Agora você já sabe o básico de como discutir em mesa de bar, mas o nosso objetivo aqui é melhorar sua nota no ENEM — e é claro que não dá pra chegar escrevendo que “respeitar a religião do outro é bom”. Seu argumento precisa ser mais sofisticado. Então como é que faz pra argumentar na redação?
Eu preciso te dar um método, que é uma ferramenta, uma técnica de como abordar um objeto. A professora de artes não larga a aluna em frente a uma folha e deixa a coitada desenhar de qualquer jeito; ela ensina a segurar o lápis, a montar o rosto. Com a redação é a mesma coisa. Eu não posso te dar o tema e os textos motivadores e falar “toma, escreve uma redação aí”. Senão você senta do lado da janela, fica quinze minutos olhando a rua, abre a prova e não sabe nem por onde começar, aí eu pego a folha pra corrigir e tá lá “Com o advento da globalização…”
O meu método de argumentação é específico pro ENEM. Ele usa quatro perguntas:
Qual é o problema?
Por que isso é um problema?
Por que esse problema existe?
Como eliminar o problema?
Vamos começar pelo começo. Qual é o problema?
1. QUAL É O PROBLEMA?
A primeira coisa que você precisa fazer quando recebe a proposta de redação é identificar o problema — algo que você queira resolver porque gera efeitos negativos.
Toda redação do ENEM gira em torno de um problema. Pode ser umproblema explícito, tipo a intolerância religiosa e a violência contra a mulher; ou pode ser um problema implícito, tipo a exclusão educacional de surdos (ligada à formação educacional de surdos), o consumismo infantil (ligado à publicidade infantil), a xenofobia (ligada ao movimento imigratório) e a escravidão (ligada ao papel do trabalho na construção da dignidade).
De um jeito ou de outro tem que ter algum problema, alguma questão polêmica que gera impactos negativos e que divide opiniões. Do contrário, o tema da redação seria “Desafios ao enrolar pra estudar pro ENEM”, e você entregaria a folha em branco.
Além do problema, a proposta também pode te dar um enfoque, um lugar e uma época. Por exemplo: “Movimento imigratório para o Brasil no século 21”; “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Esses recortes te ajudam a abordar o problema, como se fossem o modo de preparo numa receita: pegue o movimento imigratório e corte as partes que não são do Brasil e não ocorreram no século 21. Assim você não fica muito perdida tentando contar toda a história do movimento imigratório — “Desde os primórdios da humanidade…”
EXERCÍCIO DE ARGUMENTAÇÃO — II — IDENTIFICAR O PROBLEMA
O objetivo deste exercício é separar o problema do seu modo de preparo: o enfoque, o lugar e a época.
Não se esqueça de que o enfoque, o lugar e a época podem ou não estar presentes, dependendo do humor do MEC naquele ano. O que sempre aparece é o problema.
Lugar e época são fáceis de identificar. O que traz mais dificuldade é saber o que é enfoque. Na dúvida, problema é o que dá pra ter opinião a respeito: religião, imigração, gênero. Enfoque são termos como caminhos, desafios, efeitos, persistência. Você consegue discutir com seu tio sobre “caminhos”? Depende do tio, mas eu imagino que não.
PROPOSTA 1. Caminhos para combater o racismo no Brasil
ENFOQUE: Caminhos para combater
LOCAL: Brasil
ÉPOCA: (vazio)
PROBLEMA: Racismo.
PROPOSTA 2. Os direitos dos animais na atualidade.
ENFOQUE: Direitos
LOCAL: (vazio)
ÉPOCA: Atualidade
PROBLEMA: Maus-tratos a animais.
Outra dificuldade é quando o problema está implícito; isto é, quando não é uma das palavras na proposta. Às vezes a gente dá sorte e vem um “intolerância religiosa”, daí nem precisa pensar pra descobrir o problema. Outras vezes, o tema é “o trabalho na construção da dignidade humana”, e você fica com vontade de enfiar o lápis no olho.
Quando for esse o caso, dá uma conferida nos textos motivadores. Essa proposta do trabalho, por exemplo, incluía um texto sobre escravidão, o que já te dá uma dica. Se os textos não ajudarem, leia o tema e pense: o que é que essa discussão quer evitar? Quais são os males ligados a esse assunto? O que é que se deve combater? Se você pensar em mais de um problema, escolha o que você pensar por último — esse é o mais original.
Agora é sua vez.
PROPOSTA 1. A violência na sociedade brasileira.
ENFOQUE:
LOCAL:
ÉPOCA:
PROBLEMA:
PROPOSTA 2. Aumento da dependência química no Brasil e o papel do Estado
ENFOQUE:
LOCAL:
ÉPOCA:
PROBLEMA:
PROPOSTA 3. O desafio de se conviver com as diferenças.
ENFOQUE:
LOCAL:
ÉPOCA:
PROBLEMA:
PROPOSTA 4. O desafio da mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras.
(Cuidado, mobilidade urbana não é um problema! Ela pode sofrer problemas, tais como…)
ENFOQUE:
LOCAL:
ÉPOCA:
PROBLEMA:
PROPOSTA 5. O poder de transformação da leitura.
ENFOQUE:
LOCAL:
ÉPOCA:
PROBLEMA:
Agora que você já sabe identificar um problema, você precisa entendê-lo. Pra isso, eu uso duas perguntas: Por que isso é um problema? e Por que esse problema existe?
2. POR QUE ISSO É UM PROBLEMA?
O que faz do problema um problema é o seu efeito negativo. Um problema é algo a ser resolvido; e ele precisa fazer mal a alguém, de alguma forma, pra que você queira resolvê-lo. Então, pra responder por que isso é um problema?, eu preciso saber quais são os efeitos negativos desse problema.
Finge que eu escrevi no quadro.
Se eu passo um produto de limpeza na pia do banheiro, esse produto tem o efeito positivo de limpar a pia, então não é um problema. É ótimo. Eu não quero resolvê-lo. Agora, se você tá meio bêbada e com raiva do seu namorado e resolve vomitar na pia dele, isso tem o efeito negativo de entupir a pia, e também o efeito negativo de acabar com o relacionamento, então é um problema. Esse é um exemplo queeu inventei e que não aconteceu comigo. Enfim — pra uma coisa ser um problema ela precisa ter efeitos negativos, que você queira evitar.
Digamos que o tema da redação seja “mobilidade urbana”. Você, que veio prestando atenção, identificou o problema implícito — o congestionamento, um excesso de carros nas ruas. Mas pra que isso seja um problema, ele precisa de um efeito negativo. Qual é o efeito negativo do excesso de carros? O que ele prejudica?
Como já dito, não existe só um argumento correto. Você pode argumentar a mesma coisa de várias maneiras; um mesmo problema tem vários efeitos negativos. O importante é que você aprofunde o seu argumento, seja lá qual for. Escolha o efeito negativo mais original que você puder, ou o que você entenda melhor, e use no seu argumento.
Pra facilitar nossa vida, vamos considerar que um problema possa prejudicar a sociedade de oito maneiras diferentes: afetando a saúde, cultura, segurança, renda, educação, inovação, meio ambiente ou moral.
Problemas que afetam a saúde têm efeitos negativos sobre o bem-estar físico e psicológico de algumas pessoas. São problemas que causam doenças, transtornos, traumas — que prejudicam o corpo e a alma. Um exemplo óbvio seria o problema da obesidade infantil; um exemplo menos óbvio, o do vestibular.
Problemas que afetam a cultura têm efeitos negativos sobre a produção, adaptação e preservação da cultura em qualquer das suas formas — livros, pinturas, música, religião, língua, costumes regionais, prédios tombados. A intolerância religiosa tem efeitos negativos sobre a cultura, já que as religiões discriminadas são parte da cultura dos povos afetados. Quando a intolerância se volta contra o candomblé, por exemplo, ela prejudica a cultura afro-brasileira.
Problemas que afetam a segurança geram mais mortes. A diferença entre um problema de saúde e um de segurança pública é a diferença entre o câncer e um acidente de carro, ou entre a depressão e um assassinato. Um exemplo criativo de problema de segurança pública é a ausência de ciclovias, que coloca em perigo a vida de ciclistas.
Problemas que afetam a renda de uma pessoa fazem com que ela ganhe menos dinheiro e tenha mais dificuldade de se sustentar e de viver uma vida digna. Eles também tendem a tornar a pessoa dependente, seja de um patrão ganancioso, seja de um marido abusivo.
Calma, tá quase acabando. Mais quatro. Problemas que afetam a educaçãoprejudicam o aprendizado e excluem a pessoa do convívio social e de todo tipo de oportunidade. Quanto menos educação, mais exclusão. E educação não serve só pra arranjar emprego; ela te dá as ferramentas pra se desenvolver como indivíduo.
Problemas que afetam a inovação têm efeitos negativos sobre o progresso tecnológico — invenções de eletrônicos, vacinas para doenças, novos meios de transporte. A burocracia brasileira é um impedimento à inovação, mas o desmatamento também pode ser, caso se percam espécies de plantas que poderiam ser transformadas em remédios, por exemplo.
Problemas que afetam o meio ambiente prejudicam a qualidade do ar, do solo e da água e a biodiversidade. Indústrias poluentes, como a da mineração, contaminam os rios e lençóis freáticos, isso a gente sabe — mas você sabia que a criação de bitcoin consome mais energia do que a Irlanda inteira?
Finalmente, problemas de efeito negativo moral são problemas porque representam uma injustiça; eles são errados. É o caso dos homicídios de jovens negros nas mãos da polícia. Esse é um tipo especial de problema, tão injusto e chocante que basta apontar a injustiça e o choque que você compõe seu argumento.
Voltando ao nosso exemplo, o problema excesso de carros nas ruas precisa de um efeito negativo.
Pronto! O efeito negativo do excesso de carros nas ruas é o aumento da poluição. Mas por que esse efeito é negativo? Isto é — por que isso é ruim? Eu poderia dizer, por exemplo, que o excesso de carros é ruim porque a poluição prejudica a saúde pública, ou porque prejudica o meio ambiente. São várias opções; o importante é que eu explique muito bem o que eu quero dizer.
É aqui que entra a argumentação que a gente aprendeu no capítulo anterior. Lembre-se: se você não explicar o que diz, você não está argumentando. Se precisar, vai lá e dá uma relida e aí volta pra cá, porque eu não vou explicar de novo!!!
AFIRMAÇÃO: O aumento da poluição é ruim.
Por que esse efeito é ruim?
ARGUMENTO: O aumento da poluição é ruim porque a poluição faz mal à saúde pública porque causa diversas doenças, como o câncer.
Certo, então está explicado por que o aumento da poluição é um efeito negativo. Mas esse é um efeito negativo de diversos problemas — das fábricas poluentes, da queima de lixo… Então eu preciso que você me dê uma segunda explicação, que vai encaixar com a explicação acima igual os elos de uma corrente. Eu preciso que você me explique por que o problema tem esse efeito.
AFIRMAÇÃO: O excesso de carros nas ruas tem como efeito o aumento da poluição.
Por que o problema tem esse efeito?
ARGUMENTO: O excesso de carros nas ruas tem como efeito o aumento da poluição porque o carro polui mais do que um ônibus porque consome mais combustível fóssil por pessoa do que um ônibus.
Não se preocupe se você levar algum tempo montando esse raciocínio. O resultado parece óbvio, porque faz sentido, mas chegar nessa explicação dá um pouco de trabalho, ainda mais agora que você está só começando. Quando você estiver bem acostumada vai cuidar disso em poucos minutos.
Como eu disse, essas duas explicações se encaixam, igual uma corrente. Vamos ver o que acontece quando eu junto as duas com uma estatística e reescrevo um pouquinho, pra ficar mais natural:
Como o carro é um meio de transporte mais poluente, já que consome mais combustível fóssil por pessoa do que um ônibus, o excesso de carros nas ruas tem como efeito o aumento da poluição. Em São Paulo, estima-se que os carros sejam responsáveis por 73% da emissão de gases poluentes, mesmo transportando apenas 30% da população. Essa é uma estatística assustadora, já que a poluição faz um grande mal à saúde pública, causando diversas doenças; entre elas, o câncer.
Sabe o que é isso? É um parágrafo de desenvolvimento. Eu não tou te ensinando esse método inteiro à toa. Uma vez que você aprenda a argumentar, fica MUITO mais fácil montar um parágrafo. Repara que só o que eu fiz foi juntar os dois argumentos com uma estatística no meio, pra mostrar conhecimento, e dar um tchan no estilo. O tchan eu ensino depois. Vamos aos exercícios.
EXERCÍCIO DE ARGUMENTAÇÃO — III — EXPLIQUE O EFEITO NEGATIVO
O objetivo deste exercício é explicar o efeito negativo de um problema, usando as duas perguntas acima — por que esse efeito é ruim? e por que o problema tem esse efeito?.
Como um mesmo problema tem muitos efeitos negativos que você pode trabalhar, eu listei seis opções. Algumas são mais voltadas pra biologia, outras têm a ver com cultura. Não se preocupe em explicar todas as seis, se não conseguir. O importante é explicar pelo menos uma — você só precisa de uma.
> PROBLEMA: Desmatamento da Floresta Amazônica.
EFEITO NEGATIVO 1: Perda de biodiversidade (extinção de espécies).
Por que esse efeito é ruim? A perda de biodiversidade é um efeito negativo (é ruim) porque…
Por que o problema tem esse efeito? O desmatamento da Floresta Amazônica tem a perda de biodiversidade como efeito porque…
EFEITO NEGATIVO 2: Assoreamento dos rios.
Por que esse efeito é ruim?
Por que o problema tem esse efeito?
EFEITO NEGATIVO 3: Empobrecimento dos solos.
Por que esse efeito é ruim?
Por que o problema tem esse efeito?
EFEITO NEGATIVO 4: Elevação das temperaturas.
Por que esse efeito é ruim?
Por que o problema tem esse efeito?
EFEITO NEGATIVO 5: Etnocídio das nações indígenas.
Por que esse efeito é ruim?
Por que o problema tem esse efeito?
EFEITO NEGATIVO 6: Perda da identidade nacional.
Por que esse efeito é ruim?
Por que o problema tem esse efeito?
Agora que nós já sabemos explicar por que o problema é um problema, o próximo passo é: por que esse problema existe?
3. POR QUE ESSE PROBLEMA EXISTE?Lembra daquele negócio de geração espontânea, de uns caras achavam que larva aparecia do nada em carne podre, aí descobriram que não é bem assim? Então. O problema é igual a essa larva aí, ele não aparece do nada. Pra que o problema exista, alguma coisa precisa existir antes — a sua causa.
A causa vem antes do problema e o efeito negativo vem depois. Pensa nessas setinhas como partos. A causa é mãe do problema; ela gera o problema, que não existiria sem ela. Da mesma forma, o problema é mãe do seu efeito negativo. Todo problema precisa ter pelo menos uma (1) causa, senão ele não existe, porque não aconteceu nada pra que ele existisse.
Voltando ao nosso exemplo da mobilidade urbana, agora que nós já entendemos por que o excesso de carros nas ruas é um problema, nós precisamos entender o que o causa. O que gera o problema? Qual fato contribui pra que ele exista?
Vamos usar as mesmas áreas que usamos nos efeitos: renda, moral, meio ambiente, educação, cultura, inovação, segurança e saúde. Não se preocupa, demora um pouquinho mesmo pra decorar. Eu mesma passei dois minutos ali tentando lembrar “saúde”.
A seta é essencial ao aprendizado
Vamos usar o mesmo estilo de argumentação que usamos pros efeitos, mas dessa vez a pergunta é uma só: por que essa é uma causa do problema?
Note que eu disse “uma causa”, e não “a causa”, pra você não se confundir e dizer que essa é a única razão do problema existir. Todo problema é complexo e tem múltiplas causas, mas uma redação exige argumentos simples. Então vamos focar em só uma.
TESE: A cultura do automóvel como símbolo de status causa o excesso de carros nas ruas.
ARGUMENTO: A cultura do automóvel como símbolo de status causa o excesso de carros nas ruas porque faz com que as pessoas prefiram comprar um carro a usar o transporte público porque andar de carro é mais respeitável porque sinaliza poder econômico.
Aqui eu usei três porquês pra desenvolver melhor o argumento, já que a pergunta é uma só. Se você preferir pode usar dois, ou quatro. Menos de dois é pouco e mais de quatro é complicado demais, dá vontade de gritar PORQUE SIM!
EXERCÍCIO DE ARGUMENTAÇÃO — IV — EXPLIQUE A CAUSA
O objetivo deste exercício é explicar a causa de um problema, usando a pergunta acima: por que essa é uma causa do problema?
No exercício anterior eu te dei várias opções prontas de efeitos negativos, porque eu sou muito boazinha contigo. Dessa vez eu não vou te dar causas prontas, mas sim tipos de causas, aí você escolhe e inventa uma. Olha o exemplo:
PROBLEMA: Maus-tratos a animais.
CAUSA — RENDA (LUCRO): Criação de aves em escala industrial.
Por que essa é uma causa do problema? A criação de aves em escala industrial é uma causa dos maus-tratos a animais porque criar um animal em uma granja apertada é mais barato porque o empresário pode criar mais animais em uma mesma granja, aumentando sua rentabilidade
Atenção: cuidado para não confundir as causas com os efeitos negativos. A ideia não é dizer por que a causa é ruim, ou o que ela causa de ruim. Você só precisa explicar como a causa leva ao problema.
Por exemplo: digamos eu esteja usando de causa a criação de cachorros de raça pra venda. Aí eu escrevo: “a criação de cachorros de raça pra venda é uma causa dos maus-tratos a animais porque os animais sofrem crescendo em cativeiro porque são expostos a doenças”. Tá errado. Veja bem, a causa é o que vem ANTES do problema. Um animal não pode ser exposto a doenças ou sofrer em cativeiro ANTES de receber maus-tratos, certo? Esses SÃO os maus-tratos; são efeitos negativos. A causa seria:
A criação de cachorros de raça para venda é uma causa dos maus-tratos a animais porque criar um animal em condições cruéis é mais barato porque o infrator economiza em remédios, ração, limpeza e tempo.
Entende a diferença? Esses são fatores que vêm ANTES dos maus-tratos, que dão origem aos maus-tratos.
Agora é sua vez.
PROBLEMA: Maus-tratos a animais.
CAUSA — RENDA:
Por que essa é uma causa do problema?
CAUSA —INOVAÇÃO:
Por que essa é uma causa do problema?
CAUSA — CULTURA (RELIGIÃO):
Por que essa é uma causa do problema?
CAUSA —CULTURA (TRADIÇÃO REGIONAL):
Por que essa é uma causa do problema?
CAUSA — SAÚDE (PROBLEMAS PSICOLÓGICOS):
Por que essa é uma causa do problema?
Agora que nós já sabemos explicar por que o problema é um problema (seu efeito) e por que o problema existe (sua causa), tá na hora de acabar com essa merda.
4. COMO ELIMINAR O PROBLEMA?
Depois de todo esse esforço no desenvolvimento é muito fácil chegar na conclusão cansada e propondo qualquer coisa pra se livrar da redação. Ah, o problema é congestionamento? Conscientiza o motorista. O problema é intolerância? Conscientiza o intolerante. O problema é o apocalipse? Conscientiza Deus aí. Pede mais uma chance pra nois.
É aí que a nota afunda. O último parágrafo da redação vale sozinho 200 pontos, considerando a conclusão e a proposta. Bota uma proposta qualquer e tu perde 120 pontos, fácil. Sorte que a sua já tá pronta:
A proposta de intervenção ataca a causa e o efeito. A causa é o machismo? Ataca o machismo. O efeito é o trauma da mulher? Ataca o trauma da mulher. Você já sabe o que precisa resolver — agora é decidir QUEM e COMO.
Vamo voltar praquelas oito áreas (saúde, cultura, etc). Você escolheu uma causa da área de cultura? Então a proposta vem da cultura também. Por exemplo, digamos que a causa do bullying seja padrões estéticos — a criança chama a outra de gorda porque existe um padrão estético que diz que é ruim ser gorda. Olha a proposta:
Emissoras de televisão devem se afastar dos padrões estéticos inserindo atores de aparência “imperfeita” em suas novelas, especialmente naquelas voltadas ao público jovem, como Malhação.
Ótimo. E o efeito do bullying? A criança gorda acha que ser gorda é mesmo ruim, desenvolve vários complexos e chega até à anorexia. Efeito sobre a saúde pede proposta de saúde:
Escolas devem submeter seus alunos a exames médicos periódicos, de forma a detectar estresses e traumas derivados do bullying, assim como flutuações de peso indicativas de transtornos alimentares. Uma vez diagnosticado, o jovem receberá acompanhamento psicológico até que supere o problema.
Pronto. Eu defini o QUEM (emissoras de televisão e escolas) e o COMO(diversificando atores e examinando alunos) e tá pronta a proposta.
> Tá, mas como eu escolho o QUEM?
O QUEM, que é o agente da proposta, tem a ver com quem cria o problema e quem sofre com o problema. Vamo pegar esse último exemplo aí. A vítima do bullying é a criança, o adolescente. Quem é que tem influência sobre criança e adolescente? Eu disse que as escolas devem submeter os jovens a acompanhamento médico, mas eu poderia muito bem ter dito que esse papel é das famílias.
Da mesma forma, pra resolver a causa, eu posso pedir que emissoras de televisão exibam pessoas fora do padrão estético em suas novelas, ou que anunciantes usem essas pessoas em comerciais — porque jovem assiste TV.
Já naquela proposta dos canudos de plástico, várias pessoas pediram que o governo desenvolvesse canudos melhores; mas faz mais sentido pedir isso do fabricante, que é quem cria o problema (o canudo de plástico).
Por falar em governo, toma cuidado na hora de escolher agentes governamentais. Cada um dos três Poderes tem seu papel. O Poder Legislativo, que é o Congresso (Câmara dos Deputados e Senado Federal), cria as leis. Se você pede uma lei ou quer que algo vire ou deixe de ser crime, recorra ao Congresso.
Agora, se o que você quer é uma política pública ou um plano de governo, seu caminho é o Poder Executivo, e aí você recorre aos governos municipais, estaduais e ao federal. Aproveita e aprende aqui o nome dos ministérios. Minhas alunas só conhecem o MEC e isso porque é o que cuida do ENEM.
Já os casos em julgamento ficam ao cargo do Poder Judiciário, composto pelos juízes e desembargadores e pelos ministros do STF. Só lembra que não é papel do Judiciário encontrar criminoso; isso aí é com a polícia.
> E o COMO?
O COMO precisa ser minimamente original. Não pode conscientizar e não pode dar palestra.Ninguém nunca aprendeu nada com palestra. Pra isso que serve puxar a proposta da mesma área que veio o argumento; se a causa é de saúde, dá pra resolver distribuindo vacina e preservativo, enviando agentes de saúde às casas mais afastadas, organizando mutirões pra limpar pneus. Não precisa ficar conscientizando.
E mesmo se você quiser muito conscientizar alguém dá pra fazer isso sem apelar pro clichê. Quer ver um bom exemplo de proposta de conscientização? Dá uma olhada nesse vídeo.
Além de original, o COMO também precisa ser viável. Já tive aluna querendo resolver vício em internet disponibilizando atendimento psicológico gratuito pra todos os brasileiros. Sem condições. Agora, disponibilizar atendimento pros jovens que já têm o vício é muito mais viável, porque é uma parcela pequena da população.
EXERCÍCIO DE ARGUMENTAÇÃO — V — ELIMINE O PROBLEMA
O objetivo deste exercício é eliminar o problema montando uma proposta nos moldes acima — articulando um quem e um como. Pra isso, eu vou te dar um desenvolvimento pronto, com um parágrafo tratando da causa e outro dos efeitos. É só partir dos argumentos trabalhados e enfiar a bota na cara do problema.
A cultura jovem é disseminada online. Adolescentes de todas as partes do país se unem para criar e compartilhar memes, imagens humorísticas que são reproduzidas e referenciadas à exaustão até comporem parte do repertório cultural de milhões de jovens brasileiros. Assim, a sensação de se conectar à internet é a de pertencer a um grupo cultural — sensação essa que pode se revelar viciante.
De fato, o vício em se manter conectado afasta os jovens de atividades offline essenciais ao seu desenvolvimento. Como dizia Durkheim, o indivíduo tem um dever perante a sociedade. Ao preterir atividades comunitárias no mundo real — como o teatro ou o trabalho voluntário — para dedicar todo seu tempo à internet, o jovem descumpre o seu dever social e reprime o desenvolvimento da sua personalidade.
Terminou o exercício? Beleza. Agora você já sabe identificar o problema, analisá-lo pelos ângulos da causa e do efeito e propor uma intervenção adequada. Tá na hora de escrever sua redação.
Jaqueline com flores. Picasso, 1954
COMO ESCREVER A REDAÇÃO DO ENEM?
Lembra lá atrás, no começo da apostila, quando eu disse que um argumento é uma afirmação seguida de uma explicação? Esse é o esquema que a gente vai usar pra cada parágrafo do desenvolvimento, só que com uma alteraçãozinha:
Ué, mas não é pra começar o texto pela introdução? NÃO. Não dá pra introduzir um texto que tu não escreveu ainda. Como que você vai dizer pro leitor do que o texto se trata se nem você sabe? Vamos deixar a introdução pra depois e começar pelo desenvolvimento. E o desenvolvimento a gente monta assim:
PRIMEIRO PARÁGRAFO: EFEITO
SEGUNDO PARÁGRAFO: CAUSA
Pode inverter a ordem se quiser, mas essa ordem aí é a ideal porque primeiro estabelece a importância do problema, através dos seus impactos negativos, e captura a atenção do leitor. Agora ele sabe que o problema é importante e grave e merece mais entendimento. Aí sim você explica daonde ele surge, analisando a causa.
Vamos começar nosso rascunho aplicando a argumentação que aprendemos na seção anterior:
TEMA: Violência policial em questão no Brasil.
Qual é o problema? Violência policial.
Por que isso é um problema? Porque agrava a marginalização da população negra.
Por que esse problema existe? Por conta do racismo institucional na polícia.
Como eliminar o problema? Julgando casos de violência policial com condenações mais frequentes e severas, de forma a desinstitucionalizar o racismo, e construindo um museu em homenagem às vítimas da violência policial.
Esse é o esqueleto da nossa argumentação. Pra montar o primeiro parágrafo do desenvolvimento, é só pegar a segunda resposta e usar de afirmação. Assim:
A violência policial agrava a marginalização da população negra.
Agora vem a explicação. Por que a violência policial agrava a marginalização da população negra?
Imagina que o seu argumento é uma corrente. O primeiro elo é o problema (a violência policial) e o último é o efeito (a marginalização da população negra). Uma corrente de dois elos não é bem uma corrente, né? Você precisa de mais elos entre o primeiro e o último — e quanto mais elos, melhor.
A violência policial agrava a marginalização da população negra. Ao sofrer brutalidades por parte da polícia de maneira desproporcional, o negro se sente excluído da sociedade.
Agora nós temos mais dois elos. Entre a violência policial e a marginalização existe a vitimização desproporcional de negros (muito maior que a de brancos) e a sensação de que se é excluído da sociedade. Isso ainda não é suficiente. Vamos acrescentar mais um:
A violência policial agrava a marginalização da população negra. Ao sofrer brutalidades por parte da polícia de maneira desproporcional, o negro se sente excluído da sociedade. Isso porque a missão da polícia é servir e proteger; se a sociedade está sendo protegida do negro, é porque o negro não é considerado parte dela.
Nosso primeiro parágrafo de desenvolvimento está pronto. Mas pera — e a conclusão? Fácil. Na hora de passar a limpo, joga a afirmação pro fim do parágrafo. Assim:
Ao sofrer brutalidades por parte da polícia de maneira desproporcional, o negro se sente excluído da sociedade. Isso porque a missão da polícia é servir e proteger; se a sociedade está sendo protegida do negro, é porque o negro não é considerado parte dela. Assim, vemos que a violência policial agrava a marginalização da população negra.
Agora é sua vez.
EXERCÍCIO DE ESCRITA — I —PARÁGRAFO DE DESENVOLVIMENTO
O objetivo deste exercício é praticar o esqueminha acima, montando um parágrafo de desenvolvimento a partir da pergunta “por que isso é um problema?”. Lembre-se de adicionar vários elos e de jogar a afirmação pro final do parágrafo!
> PROBLEMA: Intolerância religiosa
Por que isso é um problema?
Monte seu parágrafo:
> PROBLEMA: Bullying
Por que isso é um problema?
Monte seu parágrafo:
> PROBLEMA: Dependência química
Por que isso é um problema?
Monte seu parágrafo:
> PROBLEMA: Pirataria
Por que isso é um problema?
Monte seu parágrafo:
Fez o exercício? Beleza. Vamos ao segundo parágrafo.
O segundo parágrafo do desenvolvimento segue o mesmo esquema do primeiro, com uma diferença importante: o gancho.
> Pra que serve o gancho?
Lembra da segunda competência que o ENEM avalia, Mecanismos Linguísticos? Esses mecanismos são a costura da tua redação. Um texto cujos parágrafos não são conectados entre si não é um texto, porque as partes não fazem sentido juntas; é só um monte de frases no mesmo papel. Sem os mecanismos linguísticos, suas ideias ficam desconexas e incompreensíveis. E é pra evitar isso que a gente usa o gancho.
> E o que é o gancho?
O gancho é a conexão entre o primeiro e o segundo parágrafos do desenvolvimento.
Normalmente, essa conexão é feita por meio de conjunções. Minhas alunas têm o costume de conectar seus parágrafos assim:
Logo, …
Dessa forma, …
Ademais, …
Vale também ressaltar que…
Isso não tá errado, mas também não é excelente — e eu quero que você faça uma redação excelente. Dá uma olhada no exemplo:
Os padrões estéticos são um dos fatores que levam à distorção da autoimagemdos jovens. Ao se comparar com os padrões de perfeição estética, o jovem percebe traços individualizantes da sua aparência, como sardas, sobrancelhas grossas e nariz aquilino, e os considera defeitos, o que o leva a se entender como feio. Dessa forma, o jovem que se enxerga à luz dos padrões pensa menos da sua aparência — e de si mesmo.
Acometido por essa distorção da autoimagem, o adolescente se torna presa fácil de transtornos alimentares — especialmente da anorexia, cujas vítimas se enxergam obesas mesmo à beira da desnutrição. (…)
Viu o gancho? Eu botei em negrito, só não viu se não quis. Ao invés de começar com uma conjunção, tipo “dessa forma”, eu conectei o parágrafo ao anterior por meio do próprio problema — a distorção da autoimagem.
Quando se começa o segundo parágrafo com uma conjunção, a coesão textualé fraca, é só um remendo. Coesão textual de verdade é coesão de ideias. O início de parágrafo acima se conecta perfeitamente ao final do parágrafo anterior; não por conta de um “Ademais”, mas porque os efeitos negativos são decorrentes das causas descritas.
Essa é a maior vantagem do esquema CAUSA-EFEITO (ou EFEITO-CAUSA) de redação, e é o maior diferencial que você levar pro ENEM: um texto em que os parágrafos fazem perfeito sentido juntos. A força da coesão de ideias leva teu texto pros 900. Mesmo que a sua referência não seja tão criativa, mesmo que o argumento pudesse ser mais aprofundado — um texto coeso é um texto excelente. E um texto coeso é fácil quando um argumento é causado pelo outro. Vamos ver outro exemplo:
Ao sofrer brutalidades por parte da polícia de maneira desproporcional, o negro se sente excluído da sociedade. Isso porque a missão da polícia é servir e proteger; se a sociedade está sendo protegida do negro, é porque o negro não é considerado parte dela. Assim, vemos que a violência policial agrava a marginalização da população negra.
Essa violência policial marginalizadora tem suas raízes no racismo institucional. (…)
Agora é sua vez.
EXERCÍCIO DE ESCRITA — II — GANCHO e SEGUNDO PARÁGRAFO DE DESENVOLVIMENTO
O objetivo deste exercício é praticar o gancho, montando um segundo parágrafo de desenvolvimento a partir da pergunta “por que esse problema existe?”. Lembre-se de conectar os parágrafos por meio do problema!
> PROBLEMA: Intolerância religiosa
Por que esse problema existe?
Monte seu parágrafo, conectando-o ao anterior:
> PROBLEMA: Bullying
Por que esse problema existe?
Monte seu parágrafo, conectando-o ao anterior:
> PROBLEMA: Dependência química
Por que esse problema existe?
Monte seu parágrafo, conectando-o ao anterior:
> PROBLEMA: Pirataria
Por que esse problema existe?
Monte seu parágrafo, conectando-o ao anterior:
Espero que você tenha feito esse exercício, porque eu não montei ele de otária não.
> E a proposta?
A proposta você já sabe escrever quase toda — vide a seção Como eliminar o problema?. Só te falta a conclusão.
A conclusão retoma os argumentos em uma frase só, expondo claramente a sua tese. Pense no texto como uma conta — sei lá, 2 + 3. Terminar o texto sem concluí-lo é igual montar a conta e não resolver. Se o primeiro parágrafo é 2 e o segundo é 3, a conclusão precisa dizer que as duas coisas juntas dão 5.
Vamos voltar àquele exemplo lá da autoimagem. A partir do tema “Autoimagem e autoestima entre os jovens brasileiros” eu localizei o problema (jovens têm uma autoimagem distorcida que os leva à baixa autoestima), um efeito negativo (SAÚDE — transtornos alimentares) e uma causa (CULTURA — padrões estéticos). A conclusão não é mais do que juntar esses três elementos. Olha só:
Vemos, assim, que os padrões estéticos distorcem a autoimagem dos jovens e os levam à baixa autoestima, o que resulta em transtornos alimentares.
É só isso. Eu juro por deus que é só isso. CAUSA + PROBLEMA + EFEITO = CONCLUSÃO. Aí é só juntar a conclusão com a proposta e você tem o seu parágrafo final.
Vemos, assim, que os padrões estéticos distorcem a autoimagem dos jovens e os levam à baixa autoestima, o que resulta em transtornos alimentares. Para evitar esse problema, emissoras de televisão devem se afastar dos padrões estéticos inserindo atores de aparência “imperfeita” em suas novelas, especialmente naquelas voltadas ao público jovem, como Malhação. Além disso, escolas devem submeter seus alunos a exames médicos periódicos de forma a detectar flutuações de peso indicativas de transtornos alimentares, e então providenciar acompanhamento psicológico aos que precisarem. Por meio dessas medidas, poderemos reescrever a história de Narciso e salvar nossos jovens da beira do rio.
Peraí, Narciso? Isso mesmo. O finzinho da redação retoma o início. A proposta eu já te ensinei a escrever, e agora o desenvolvimento também. Tá na hora da parte mais divertida do texto — a introdução. Mas pra que ela serve?
> Pra que serve a introdução?
Imagina que alguém tá dando uma volta no bairro e tropeça no seu texto. Se essa pessoa pega o papel do chão e lê o primeiro parágrafo, ela vai entender do que a redação se trata? Ou pra redação fazer sentido ela precisaria já saber o tema antes mesmo de começar a ler?
O papel oficial da introdução é apresentar o tema do texto e a sua posição a respeito — isto é, a sua tese. Eu digo oficial porque esse é o papel que o ENEM dá à introdução, e é o papel que o corretor supostamente avalia, mas ela cumpre uma outra função ainda mais importante: a de impressionar.
Apostila de redação da Barbie
Uma redação pode ser introduzida de forma incorreta, correta ouimpressionante. A incorreta te custa pontos e a correta não, mas a impressionante faz com que o corretor tenha vontade de estalar um beijo na tua boca. Ele dá mais crédito aos seus argumentos e à sua escrita do que deveria, porque ele já está convencido de que você escreve bem.
Pra não te deixar perdida na hora de introduzir o texto, eu vou te mostrar os cinco recursos de introdução que eu mais gosto. A introdução te dá liberdade de estilo; você pode combinar esses recursos como quiser, à vontade, desde que eles expressem o tema e a sua posição a respeito. É bom que você experimente todos e escolha o(s) que preferir.
Esta é a argumentação do texto que nós iremos introduzir:
Tema: Autoimagem e autoestima entre os jovens brasileiros.
Problema: Autoimagem distorcida e baixa autoestima
Por que isso é um problema? Transtornos alimentares
Por que esse problema existe? Padrões estéticos
Vamos aos exemplos!
1. DECLARAÇÃO
A baixa autoestima é epidêmica entre jovens brasileiros. Vítimas dos padrões estéticos, que ditam rostos e corpos ideais, esses adolescentes têm sua autoimagem distorcida e chegam a desenvolver transtornos alimentares, ferindo corpo e alma em nome da perfeição.
Esse recurso é bem simples — a chave é começar com um adjetivo forte, que estabeleça a seriedade do problema. A baixa autoestima é epidêmica, a proibição de canudos é ineficaz, o vestibular é um fracasso. A aluna que aperfeiçoa esse recurso pode transformá-lo em uma provocação, que é uma declaração ousada: A proibição do aborto é a sentença de morte da mãe.
2. EXEMPLIFICAÇÃO
Seios rijos, músculos definidos, pele de alabastro. Os padrões estéticos ditam rostos e corpos ideais e frequentemente inalcançáveis aos jovens brasileiros, cuja autoestima sofre. Tomados por um sentimento de inadequação, esses adolescentes chegam a desenvolver transtornos alimentares, ferindo corpo e alma em nome do perfeito.
Outro recurso simples, que consiste em dar vários exemplos concretos. A situação da saúde no Brasil é de salas de espera lotadas, leitos nos corredores, escassez de remédios. O vestibulando tem as mãos trêmulas, morde a tampa da caneta, sua frio. Esse recurso tem o efeito bem legal de estabelecer a seriedade do problema dando imagens bem claras ao leitor. Pode caprichar no drama.
3. INTERROGAÇÃO
Vítimas dos padrões estéticos, que ditam aparências ideais, jovens brasileiros têm sua autoimagem distorcida e chegam a desenvolver transtornos alimentares, ferindo-se para tornarem-se perfeitos. Ao invés de buscar um corpo magro e desejável, não seria melhor um corpo são?
Esse recurso já é um pouquinho mais complexo. A interrogação vem ao final do parágrafo e procura sacudir o senso comum. O corpo perfeito é tido como um corpo bonito, sensual, desejável, então a aluna questiona se não seria melhor do que tudo isso ter um corpo são. O vestibular é tido como indispensável, o crack é tido como um problema a ser resolvido pela força — esses paradigmas também podem ser questionados. Além de instigar o leitor, a interrogação obriga o seu texto a sair do óbvio, o que já garante mais pontos.
4. REFERÊNCIA
A estatueta Vênus de Willendorf, esculpida há 28 mil anos, representa o padrão de beleza feminina vigente no período paleolítico: curvas generosas, associadas à fertilidade. Em contraste, o padrão estético atual exige magreza ao ponto de provocar risco à saúde. Vítimasda estética do seu tempo, jovens brasileiros têm sua autoimagem distorcida e chegam a desenvolver transtornos alimentares, ferindo corpo e alma em nome da perfeição.
A referência é o primeiro recurso, até agora, que demonstra o repertório da aluna. Pra explicar a violência contra a mulher, citamos Simone de Beauvoir, que diz que a mulher não nasce mulher; torna-se. Pra demonstrar o impacto do crack sobre a vida do usuário, recorremos a MC Carol: Larguei minha família, a escola, você sabe. Vou perder os meus amigos, se prostituir faz parte. Vale referenciar QUALQUER coisa — obras filosóficas, contextos históricos, filmes, músicas, notícias (anime não). O importante é traçar uma relação com o tema.
5. ALEGORIA
No conto Branca de Neve e os Sete Anões, a Rainha Má indaga: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” Seu espelho mágico então responde que ela é a mais bela aqui, mas que a Branca de Neve, que está morando bem longe, é mil vezes mais bela. A obsessão da Rainha em alcançar a perfeição estética, personificada pela princesa, é refletida pelos jovens brasileiros; ao se compararem aos padrões vigentes e constatarem que não são os mais belos, adolescentes colocam sua saúde física e mental em risco em busca da perfeição distante.
O poder da alegoria é o de encontrar em uma história, seja um mito, fábula, parábola ou conto de fadas, um paralelo ao problema em questão. A aluna demonstra repertório, já que é uma referência, mas também comprova seu poder de interpretação e sua compreensão do tema. Esse é o recurso mais complexo e de resultado mais impressionante. Segue outro exemplo, que puxa da mitologia grega:
Na mitologia grega, Narciso se inclina sobre um rio para matar a sede e outra sede o toma: a de olhar a si mesmo. Obcecado por seu reflexo, ele mergulha os braços na água e se frustra ao abraçar o nada, mas persiste às margens do rio até definhar. A morte de Narciso na busca pela perfeição estética espelha as mortes de milhares de jovens brasileiros nas mãos de transtornos alimentares, não por amarem a própria imagem — mas por odiarem-na.
EXERCÍCIO DE ESCRITA — III— PARÁGRAFO DE INTRODUÇÃO
O objetivo deste exercício é escolher um ou mais desses recursos de introdução e escrever um parágrafo de introdução pra cada um dos nossos textos dos exercícios anteriores: violência policial, intolerância religiosa, bullying, dependência química e pirataria. São cinco textos e cinco recursos — experimente todos e veja qual você prefere!