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MEDCURSO: Hematologia 13/05/2020 Aula 5: Distúrbios da Hemostasia 1. Definição É o processo fisiológico encarregado de parar o sangramento, ao mesmo tempo em que inicia o reparo dos tecidos. Didaticamente, a hemostasia é descrita em duas etapas que acontecem ao mesmo tempo no organismo: hemostasia primária = aquela que estanca o sangramento e hemostasia secundária = aquela que evitar o ressangramento. Hemostasia Primária Hemostasia Secundária Principal ator Plaquetas Fatores de coagulação Tem como função final colocar uma proteção no tampão plaquetário (para que a corrente sanguínea não “lave” o tampão) Função Fazem o paciente parar de sangrar, pela deposição de um “tampão plaquetário” Impede o paciente de VOLTAR a sangrar “rede de fibrina” Locais de sangramento Locais superficiais como pele e mucosas · Pele: petéquias < púrpuras < equimoses · Mucosas: gengival, nasal Sangramentos mais profundos, como subcutâneo e SNC · Hematoma pós-vacina · Hemartrose Modo de sangramento O paciente NÃO PARA DE SANGRAR O paciente para, mas depois VOLTA A SANGRAR 2. Hemostasia primária 2.1 Fisiologia e Fases A formação do tampão plaquetário no sítio de injúria vascular requer a integridade de 3 sistemas: adesão, ativação e agregação. a) Adesão Para que a plaqueta consiga se aderir, ela precisa de “ganchos” que são as glicoproteínas. · Glicoproteína VI se liga ao colágeno exposto, sendo uma ligação frágil: o colágeno entra como o principal substrato para a adesão plaquetária · Sabendo que a primeira ligação é frágil, o endotélio produz um “cimento” para ser colocado em cima do colágeno para fazer uma ligação mais forte: glicoproteína Ib se liga ao Fator de von Willebrand (que é o cimento) – o fator de von Willebrand consegue modular o seu tamanho (ele tem como se fosse uma tesoura) para se adequar ao tamanho correto da lesão endotelial e assim a glicoproteína Ib se ligue de forma correta · Inicia-se a formação de um tapete de plaquetas para em seguida se formar o tampão, sendo necessárias novas plaquetas. A ideia de convocar novas plaquetas é chamada de ativação plaquetária b) Ativação · As plaquetas mudam sua conformação e degranulam, liberando substâncias para convocar novas plaquetas, formar o tampão e promover vasoconstrição · Agonistas plaquetários: inicialmente o próprio colágeno, mas também epinefrina e trombina · Tromboxano A2: a estimulação dos agonistas também induz a sua produção – sua principal função é recrutar as plaquetas ainda “em repouso” que estão passando pela área da lesão · ADP: é um mediador localmente liberado no processo de ativação · No processo de ativação chega um fator de coagulação para preparar as plaquetas para a agregação = trombina – deixa a plaqueta mais “espinhosa”, para facilitar a agregação e fixação da rede de fibrina O processo de ativação plaquetária participa diretamente da cascata e coagulação (hemostasia secundária). c) Agregação A formação de um trombo firme, bem aderido, e com várias camadas compactas de plaquetas, consegue estancar o sangramento em curto espaço de tempo. · A glicoproteína IIb/IIIa é o terceiro gancho para realizar a ligação plaqueta com plaqueta · Existe uma “corda” que liga as glicoproteínas IIb/IIIa entre a plaqueta que está chegando e a plaqueta já presa, que é o fibrinogênio 2.2 Hemostasia primária na prática a) Problema na quantidade de plaquetas = trombocitopenia · Exame: redução da contagem de plaquetas · Valor de referência: 150.000 – 450.000 / mm3 1- Causas · Púrpura trombocitopênica imune (PTI) · Idiopática · Por heparinas (secundária) · Púrpura trombocitopênica trombótica b) Problema na qualidade/função = disfunção plaquetária · O paciente vai sangrar por mais tempo, pois a função da plaqueta foi comprometida · Exame: aumento do tempo de sangramento (TS) – só avalia função plaquetária se PLAQUETOMETRIA NORMAL (contagem de plaquetas) · Valor de referência: 3-7 minutos 1- Causas · TS > 10 minutos com plaquetas normais: hereditárias e adquiridas · Hereditárias: Glanzmann (falta da glicoproteína IIb/IIIa) e Bernard Soulier (falta da glicoproteína Ib – macroplaquetas) = transfusão de plaquetas · Adquiridas: uremia, drogas antiplaquetárias = tratar a causa · Doença de von Willebrand (vWB) 2.3 Púrpura Trombocitopênia Imune Idiopática É a principal causa de plaquetopenia isolada, sendo muito comum. a) Fisiopatologia Opsonização por IgG + lise esplênica · Há uma guerra imune e não se sabe o motivo · Há liberação de anticorpos que se ligam às plaquetas, ou seja, há opsonização de plaquetas por IgG · A plaqueta com IgG passa devagar pelo baço = lise esplênica b) Quadro clínico · Quadro agudo, autolimitado e assintomático · Normalmente o paciente tem um quadro infeccioso 1 mês antes – geralmente viral · Clínica + exames de plaquetopenia E MAIS NADA c) Tratamento 1- Observação: maioria dos casos 2- Prednisona · + imunoglobulina IV: naqueles pacientes com uma plaquetopenia um pouco mais grave; geralmente os pacientes melhoram · + trombopoietina: estimula a formação de novas plaquetas · + esplenectomia: 3- Plaquetas? · Desde que se tenha iniciado o tratamento e o paciente tenha um sangramento MUITO grave Por Heparinas Uma das principais complicações do uso da heparina é a púrpura trombocitopênica. a) Fisiopatologia · É necessária uma exposição prévia à heparina com qualquer dose e qualquer heparina · Heparina não fracionada tende a causar mais · Após 5-10 dias do início da droga formam-se anticorpos contra heparinas que se ligam às plaquetas também, em um sítio específico: fator 4 plaquetário (PF4) · Plaquetas sofrem opsonização e lise esplênica (passou devagar pelo baço, o baço atropela) b) Clínica e exames · Plaquetopenia e trombose – quando o AC se liga ao PF4 ocorre ativação plaquetária e em seguida agregação plaquetária = trombose · TVP e TEP são os mais comuns · Se o paciente já teve exposição prévia a heparina, é MUITO importante solicitar a contagem de plaquetas basal para que se o paciente não estiver melhorando pedir novamente e observar se houve consumo plaquetário c) Conduta · Suspender heparina · Inibidor de trombina (dabigatran) OU inibidor do fator Xa (rivaroxaban) 2.4 Púrpura trombocitopênica trombótica a) Fisiopatologia · Há diminuição do modulador do tamanho do Von Willebrand: redução do ADAMTS 13 (“tesoura”) · Sem essa “tesoura” o fator de von Willebrand fica grande e ultrapassa o tamanho da lesão endotelial · O fator de von Willebrand fica maior que o tamanho da lesão e então mais plaquetas grudam nele, havendo um maior consumo de plaquetas e consequentemente ativação e consumo plaquetários = trombose (trombocitopenia e trombose) · Pode haver anemia hemlolítica do tipo microangiopática: o fator de von Willebrand grande pode fazer lesão capilar – hemólise com esquizócitos · Também pode haver microtrombos com isquemia em SNC b) Clínica e exames · Acontece mais em mulheres entre 20-40 anos · Pêntade da PTT: febre + plaquetopenia + anemia hemolítica (esquizócitos) + redução do nível de consciência + azotemia leve c) Diagnóstico · Atividade do ADAMTS 13 d) Tratamento · Plasmaferese: para retirar o fator de von Willebrand grande, “limpar o sangue” · Corticoide / Rituximab · NÃO PODE DAR PLAQUETA!!! 2.5 Doença de von Willebrand (vWB) É o distúrbio hereditário mais comum da hemostasia. a) Manifestações · Tipo 1 (80%): diminuição leve do FvWB · Exames são normais · Tipo 2 (15%): os níveis do FvWB são normais, o problema é que há redução em sua qualidade (cimento de má qualidade, então a plaqueta não fixa direito) · Aumento no tempo de sangramento · Tipo 3 (<5%): redução importante do FvWB · Há pouco cimento / disfunção de plaquetas · Tempo de sangramento alargado · Se manifesta como hemofilia do tipo A (falta do fator VIII): o fator VIII é o único que não é produzido pelo fígado(é produzido pelo endotélio vascular e precisa ser protegido para não ser degradado) o FvWB protege o fator VIII impedindo a sua degradação na corrente sanguínea há redução do “segurança”, então o fator VIII é degradado (pertence a via intrínseca da cascata de coagulação: PTT alargado) b) Tratamento do sangramento · Leve ou prevenção: desmopressina (DDAVP) – estimula uma maior liberação do FvWB pelo endotélio · Grave: crioprecipitado, fator VIII 3. Hemostasia Secundária A rede de fibrina é produzida a partir da cascata de coagulação. Ela é de suma importância para que o paciente não volte a sagrar. 3.1 Cascata de coagulação VIA INTRÍNSECA E VIA EXTRÍNSECA: servem para, juntas, chegarem a ativação da via comum – responsável pela síntese da rede de fibrina. · Exame da via intrínseca: PTT – se há algum defeito, há alargamento · Exame da via extrínseca: TAP (INR) – se houver algum defeito, há alargamento · Exame da via comum: PTT + TAP (INR) – há alterações de AMBOS a) Via intrínseca – PTT · Fatores importantes: VIII, IX e XI · Se o PTT está alargado o problema está em VIII, IX ou XI · Demora até 35s para fazer a rede de fibrina b) Via extrínseca – TAP (INR) · Via mais importante de ativação da cascata de coagulação e mais rápida · O seu gatilho de ativação é o fator tecidual (mesmo gatilho da hemostasia primária) · O fator VII junto com Cálcio rapidamente ativam o fator X da via comum · Então, se o TAP (INR) estiver alargado, o problema está no VII · Demora até 14s para fazer a rede de fibrina c) Via comum – PTT + TAP (INR) · Vias extrínseca e intrínseca ativam o fator X em Xa · Fator Xa junto com fator V e cálcio ativam a protrombina II trombina IIa · A Trombina IIa prepara a plaqueta e enfileira o fibrinogênio, formando uma trave proteica longa = trave de fibrina · É necessário, ainda, fazer a fixação dessa trave de fibrina e quem será responsável por isso é o fator XIII (funciona como um “prego” no vaso), que é ativado também pela trombina II · A deficiência de fator XIII não altera nenhum desses exames, pois ele só funciona in vivo – então, na deficiência de fator VIII o paciente sangra com TAP e PTT normais INR: é um fator tecidual padrão, que independente do kit utilizado para fazer o TAP será feita a correção e não haverá erro no tempo. 3.2 Hemostasia Secundária na prática a) Problema na via intrínseca: VIII, IX, XI · PTT alargado + TAP (INR) normal · Guardar: hemartroses e hematoma pós vacina 1- Causas · Hemofilias · A: VIII · B: IX · C: XI · Heparina não fracionada: utiliza-se o PTT para avaliar sua atividade (alargamento) Heparina de BPM: sua atividade pode ser vista pela dosagem do fator Xa · Anticorpos contra os fatores · “Hemofilia adquirida” b) Problema na via extrínseca: VII · PTT normal + TAP (INR) alargado · Geralmente são problemas adquiridos 1- Causas · Redução hereditária do fator VII é raríssimo · Drogas: cumarínico – anti-vitamina K (ex.: marevan) · Fatores vitamina K dependente: “II + VII = IX, tirou X” · Por que o cumarínico só mostra a queda do VII? O fator VII tem a meia-vida mais curta e por isso “morre” primeiro que os outros · Hepatopatia · Redução dos fatores: lembrando que o TAP alarga primeiro porque a meia-vida do fator VII é mais curta · O TAP também é colocado em uma tabela para avaliar a gravidade de uma hepatopatia · Colestase · Redução da absorção de vitamina K No caso de um paciente cirrótico, como faremos a diferenciação entre uma hepatopatia grave ou colestase? Administração de vitamina K por via parenteral por 3 dias. Se o INR não normalizou, o fígado não respondeu = hepatopatia grave. Se houver normalização, era apenas colestase. c) Problema na via comum: V, II, X, I (VIIXI maria) · PTT + TAP (INR) alargados · Fazer a dosagem de fibrinogênio: pode ter problema em sua quantidade ou qualidade (como a plaqueta) · Se temos TAP e PTT alargados, o problema é provavelmente no fibrinogênio e além de dosar o fibrinogênio, devemos pedir o tempo de trombina – ele só avalia função se o fibrinogênio estiver normal 1- Causas · CIVD d) Problema na hemostasia secundária · Sangramento secundário + · PTT + TAP (INR) NORMAIS 1- Causas · Deficiência de fator XIII: só age no vivo · PTT e TAP não “enxergam” o XIII · Diagnóstico: teste da solubilidade da ureia positivo 3.3 CIVD a) Fisiopatologia · Liberação do fator tecidual = gatilho para o funcionamento da hemostasia primária e secundária · Há lesão capilar pelo fator tecidual liberado: anemia hemolítica microangiopática = hemólise + esquizócitos · Consumo plaquetário: aumento do tempo de sangramento · Há consumo dos fatores de coagulação por estímulo da cascata · Alargamento de TAP e PTT · Consumo de fibrinogênio e aumento do tempo de trombina (igual o tempo de sangramento alarga quando há consumo de plaqueta) · Microtrombos de fibrina com isquemia sistêmica o corpo tenta responder com fibrinólise, levando ao aparecimento do produto de degradação de fibrina, o PDF = aumento de D-dímero 3.4 Tratamento de problemas na Hemostasia Secundária a) Plasma · Contém todos os fatores de coagulação · Não é muito usado b) Crioprecipitado · Rico em fibrinogênio, fator VIII e FvWB c) Complexo trombínico · Rico nos fatores vitamina K dependentes · II, VII, IX e X Coagulopatia não melhorou com plasma? · = Presença de anticorpo contra os fatores de coagulação / inibidor de fator: hemofilia adquirida, normalmente contra o fator VIII · Conduta: complexo protrombínico 3.5 Problemas com Cumarínicos a) INR > 9-10 e/ou sangramento leve · Suspender + · Vitamina K VO b) Sangramento GRAVE ou reversão imediata do cumarínico em casos de cirurgia · Suspender + · Complexo protrombínico (II, VII, IX, X) ou plasma + · Vitamina K IV 3.6 Problemas com Heparinas a) Sangramentos · Leve: reduzir infusão OU suspender · Grave: suspender e iniciar o antídoto da heparina = sulfato de protamina (cada 1mg antagoniza 100U de HNF ou 1mg HBPM)
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