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1 Letícia Marques P8 Afogamento INTRODUÇÃO DEFINIÇÃO DE AFOGAMENTO: • É a aspiração de líquido causada por submersão ou imersão. O termo aspiração refere-se à entrada de líquido nas vias aéreas (traqueia, brônquios ou pulmões). • No afogamento, a função respiratória fica prejudicada pela entrada de líquido nas vias aéreas, interferindo na troca de oxigênio (O2) - gás carbônico (CO2). Caso este não seja interrompido, esta redução de oxigênio levará a parada respiratória que, consequente, em segundos ou poucos minutos, provocará a parada cardiorrespiratória. EPIDEMIOLOGIA: • A população de maior risco de morte por afogamento é de jovens entre 15 e 19 anos. • A incidência de afogamento é trimodal: o O maior pico é em crianças com menos de 5 anos; o O segundo pico é naquelas com idade entre 15 e 24 anos; o O terceiro pico está em idosos. • Mesmo em áreas costeiras, a maioria dos afogamentos ocorre em águas quentes e de água- doce (especialmente piscinas). FISIOPATOLOGIA: • A pessoa que está se afogando não consegue manter as vias aéreas livres de líquido, a água que entra na boca é voluntariamente cuspida ou engolida. • A resposta imediata é tentar segurar a respiração, mas, após um minuto, a água é aspirada para as vias aéreas e a tosse ocorre como uma resposta reflexa. • A água nos alvéolos provoca a inativação do surfactante. • Em raras situações pode ocorrer laringoespasmo, mas o principal dano ocorre por asfixia com hipóxia do sistema nervoso central. • A grande maioria dos pacientes que chegam ao hospital com sinais cardiovasculares estáveis e função neurológica alerta, desperta e sobrevive com incapacidade mínima. • Aqueles que chegam com função cardiovascular e coma apresentam desfechos ruins por causa da provável lesão hipóxico-isquêmica. Este último grupo representa de 15 a 20% dos pacientes. • A aspiração de substâncias como material estranho contaminado, bactérias, vômitos ou irritantes químicos pode afetar a eventual recuperação pulmonar. • A aspiração de água salgada e água doce provoca um efeito osmótico na membrana alvéolo-capilar, rompendo parcialmente a sua integridade, aumentando a sua permeabilidade e, por consequência, a sua função. • As alterações na membrana alveolar-capilar cursam com edema pulmonar, que diminui a troca de oxigênio. • As anormalidades eletrolíticas raramente são significativas e geralmente são transitórias, exceto se houver hipóxia significativa, depressão do sistema nervoso central, lesão renal por hemoglobinúria ou mioglobinúria. • Os valores hematimétricos são normalmente normais, a menos que haja hemólise maciça, que é mais comum nos afogamentos em água doce. • A maioria dos casos de afogamento acontece pela incapacidade da vítima de manter a sua via aérea acima da superfície da água, mas outras condições que podem ter levado a vítima a afogar-se devem ser ativamente pesquisadas: ✓ Incapacidade de nadar; ✓ Comportamento de risco; ✓ Hiperventilação: a necessidade urgente de respirar é devida principalmente ao aumento da PaCO2. A hiperventilação diminui a PaCO2, mas não aumenta a PaO2. Portanto, a hiperventilação pré- mergulho leva a diminuição da necessidade de respirar, mas com o consumo de oxigênio, a hipóxia cerebral pode levar a perda de consciência e afogamento; ✓ Falta de supervisão adulta; ✓ Hipotermia; ✓ Intoxicação alcoólica (observada em até 70% dos casos); ✓ Infarto agudo do miocárdio; ✓ Arritmia; ✓ Hemorragia subaracnóidea; ✓ Acidente vascular cerebral (AVC); ✓ Epilepsia (15 a 20 vezes maior risco de afogamento); ✓ Trauma (principalmente se associado a história de mergulho em águas rasas); ✓ Suicídio (adolescentes e adultos) e homicídio (crianças). 2 Letícia Marques P8 CLASSIFICAÇÃO GRAU SINAIS E SINTOMAS PRIMEIROS PROCEDIMENTOS 1 Tosse sem espuma na boca ou nariz 1. Repouso, aquecimento e medidas que visem o conforto e tranquilidade do banhista. 2. Não há necessidade de oxigênio ou hospitalização 2 Pouca espuma na boca e/ou nariz 1. Oxigênio nasal a 5 litros/min 2. Aquecimento corporal, repouso, tranquilizar a vítima. 3. Observação hospitalar por 6 a 24 h. 3 Muita espuma na boca e/ou nariz com pulso radial palpável. 1. Oxigênio por máscara facial a 15 litros/min no local do acidente. 2. Posição Lateral de Segurança sob o lado direito. 3 - Internação hospitalar para tratamento em CTI. 4 Muita espuma na boca e/ou nariz sem pulso radial palpável 1. Oxigênio por máscara a 15 litros/min no local do acidente 2. Observe a respiração com atenção - pode haver parada da respiração. 3. Posição Lateral de Segurança sobre o lado direito. 4 - Ambulância urgente para melhor ventilação e infusão venosa de líquidos. 5. Internação em CTI com urgência. 5 Parada respiratória, com pulso carotídeo ou sinais de circulação presente. 1. Ventilação. Não faça compressão cardíaca. 2. Após retornar a respiração espontânea - trate como grau 4 6 Parada Cardiorrespiratória (PCR) 1. Reanimação Cardiopulmonar (RCP) (2 ventilações + 15 compressões cardíaca) 2. Após sucesso da RCP - trate como grau 4 ACHADOS CLÍNICOS LESÃO PULMONAR: • Taquipneia • Desconforto respiratório • Hipoxemia • Cianose • Parada cardiorrespiratória • Aumento da FR • Roncos audíveis, estertores e sibilos • A aspiração do conteúdo gástrico aumenta muito o grau de lesão pulmonar e a probabilidade de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). • A aspiração de contaminantes particulados, como lama, esgoto e bactérias, pode obstruir os brônquios e bronquíolos menores e aumentar consideravelmente o risco de infecção (de natureza bacteriana e fúngica). TGI: • As vítimas de afogamento engolem um volume significativamente maior de água do que o aspirado, e a distensão gástrica da ventilação com pressão positiva durante o resgate é comum. Como resultado, 60% dos pacientes vomitam após um evento de afogamento. SNC: • Varia de leve letargia a coma com pupilas fixas e dilatadas; • Lesão hipóxica ou isquêmica inicial; • Cascata de lesão de reperfusão que segue ao restabelecimento do fluxo sanguíneo cerebral após uma parada; • A liberação de mediadores inflamatórios e a geração de radicais livres de oxigênio no período pós ressuscitação contribuem para o edema cerebral citotóxico, comprometimento da barreira hematoencefálica e aumento da pressão intracraniana. CARDIOVASCULAR: • As arritmias cardíacas podem ser causa de síncope, ocasionando o afogamento ou desenvolver-se como consequência do afogamento. • A hipoxemia, a acidose e, potencialmente, a hipotermia são os principais fatores responsáveis pelas arritmias, desde taquicardia ventricular e fibrilação até bradicardia-assistolia. 3 Letícia Marques P8 • Os distúrbios eletrolíticos raramente são significativos o suficiente para causarem arritmias. OUTROS: • Outras sequelas clínicas de afogamento podem incluir insuficiência renal aguda, que está presente na admissão em aproximadamente 50% dos pacientes como resultado de acidose láctica, hipoperfusão prolongada e, em alguns casos, rabdomiólise. • A coagulopatia como consequência de hipotermia associada ou coagulação intravascular disseminada (CIVD) também pode ocorrer. EXAMES COMPLEMENTARES Em pacientes assintomáticos, os exames complementares são desnecessários. Em pacientes com sintomas pulmonares ou que apresentaram parada cardiorrespiratória: • Devem ser submetidos a monitorização cardíaca e realizar eletrocardiograma (ECG) para determinar a presença de arritmias significativas, prolongamento do intervalo QT ou sinais de isquemia. • A gasometria arterial deve ser realizada em busca de sinais de hipoxemia, hipercapnia e acidose.Repetir a cada 12 horas se insuficiência respiratória. • Devem ser coletados glicemia, creatinina sérica e eletrólitos (Na, K e Ca), embora a concentração de creatinina sérica e os níveis de eletrólitos sejam geralmente normais na apresentação inicial. • O hemograma completo é frequentemente normal, mas pode haver leucocitose. Os níveis séricos de etanol e exames toxicológicos na urina podem ser apropriados se existe suspeita do uso de drogas ilícitas. • Os pacientes podem cursar com coagulação intravascular disseminada (CIVD), disfunção renal, disfunção hepática. Assim, é recomendada a dosagem de enzimas hepáticas, bilirrubinas (pode avaliar também hemólise) e coagulograma. • A radiografia de tórax inicial é muitas vezes normal e pode subestimar a gravidade da lesão pulmonar. • Infiltrados ou edema pulmonar podem ser evidentes em questão de horas; portanto, radiografias repetidas são indicadas com sintomas respiratórios persistentes. As radiografias iniciais do tórax geralmente não são dignas de nota, mesmo no cenário de processos patológicos sérios e em evolução. • TC de crânio se suspeita de trauma • O eletroencefalograma pode avaliar se existe atividade convulsiva em vítimas inconscientes. A tomografia de crânio raramente é útil, a menos que se suspeite de trauma significativo ou outra lesão. A ressonância magnética (RNM) do cérebro pode prever o desfecho neurológico após o afogamento, mas seu valor prognóstico não é ideal antes de 3 ou 4 dias. CONDUTA • A abordagem deve seguir o atendimento baseado no ABCDE. • O manejo pré-hospitalar com rápida ressuscitação de uma vítima de afogamento (restauração rápida da ventilação e oxigenação) otimiza o resultado e deve ser iniciado em todos os pacientes com insuficiência respiratória grave ou apneia, com história de menos de 60 minutos de submersão e sem sinais evidentes de morte como rigidez cadavérica. O SUPORTE BÁSICO DE VIDA DENTRO DA ÁGUA: • Em pacientes não respirando e que ainda estão na água, pode-se tentar realizar ventilações boca a boca ou por outro método, mas não se deve fazer se for atrasar a remoção da vítima da água ou se isso implicar diminuir a segurança da remoção. • Com a estimativa de que o tempo de retorno à área seca pode ser de 3 a 10 vezes maior do que o tempo para atingir a vítima, o conhecimento técnico do suporte básico de vida ainda dentro da água, encurta o tempo de hipoxemia restaurando mais precocemente a ventilação e a oxigenação desta vítima. SUPORTE BÁSICO DE VIDA NO SECO - AREIA OU PISCINA: • Após a remoção segura da vítima da água, a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) deve ser iniciada o mais rapidamente possível. • O trauma como causa de afogamento é incomum e lesão da coluna cervical é rara (0,5%) em afogamento, a menos que haja uma história de mergulho, queda de grande altura ou acidente motorizado. Deve-se usar as precauções de proteção da coluna cervical se a história justificar. • Em pacientes que não estão em parada cardiorrespiratória, a prioridade inicial é a via aérea. Deve-se administrar oxigênio com alto fluxo por máscara facial se o paciente estiver respirando ou ventilação com máscara de pressão positiva se o paciente não estiver respirando. Para pacientes que não recuperam o esforço respiratório espontâneo, são necessárias intubação endotraqueal e ventilação com pressão positiva. 4 Letícia Marques P8 • Um acesso venoso deve ser estabelecido se possível na cena do afogamento e o paciente deve ser mantido estável do ponto de vista hemodinâmico, além de aquecimento com cobertores se hipotermia. • Todos os pacientes que na cena do afogamento apresentam amnésia em relação ao evento, perda ou depressão da consciência, ou um período observado de apneia, bem como aqueles que necessitam de um período de ventilação artificial, devem ser transportados para um departamento de emergência para avaliação, mesmo que estejam assintomáticos na cena. • Após a chegada do paciente ao departamento de emergência, as vias aéreas devem ser avaliadas novamente e oxigênio suplementar é oferecido a todos os pacientes com hipóxia. O objetivo é manter a temperatura > 34,9ºC e a oxigenação adequada com SaO2 alvo entre 90 e 95%. • O paciente hipotérmico deve receber EV isotônicos aquecidos e medidas para aquecimento (p. ex., cobertores, aquecedores aéreos, dispositivos de aquecimento). Lesões traumáticas associadas devem ser abordadas, mas são raras. • Deve ser realizada monitorização cardíaca contínua, oximetria de pulso, monitorização da temperatura e reavaliações frequentes para todos os pacientes. • Deve-se questionar a equipe do atendimento pré- hospitalar sobre o evento que levou ao afogamento, tempo de submersão, possibilidade de trauma associado e história de intoxicação exógena. Na ausência de resposta neurológica satisfatória ou presença de sinal focal na avaliação primária, considera-se a realização de TC de crânio e cervical. • Os pacientes que se apresentam no DE com uma escala de coma de Glasgow > 13 e uma saturação de oxigênio de ≥ 95% e sem achados pulmonares (tosse, roncos, sibilos, retrações, estertores) apresentam baixo risco de complicações, não necessitam de exames e devem ser observados por 4 a 6 horas. O paciente deve ser avisado para retornar se houver febre, alterações no estado mental ou sintomas pulmonares. • Os pacientes que se apresentem ao DE com uma escala de coma de Glasgow < 13 devem ser mantidos em oxigênio suplementar e suporte ventilatório. Se o oxigênio em alto fluxo (fração de oxigênio inspirado de 40% a 60%) não puder manter uma PaO2 adequada (> 60 mmHg em adultos e > 80 mmHg em crianças), pode ser necessária a ventilação invasiva. A maioria dos pacientes demonstra melhora rápida na oxigenação nas primeiras 24 horas. • Pacientes com padrão de aspiração significativo ou colapso cardiovascular são predispostos a desenvolver síndrome do desconforto respiratório agudo. ESTRATÉGIA VENTILATÓRIA EM AFOGAMENTO: 5 Letícia Marques P8 INDICAÇÃO DE INTERNAÇÃO, TERAPIA INTENSIVA E SEGUIMENTO: • Vítimas de afogamento de grau 2 geralmente respondem bem à oxigenoterapia e podem ter alta se assintomáticos após 4-8 h de observação; caso não haja melhora, podem ser admitidos em enfermaria ou unidade de observação. • Deve-se considerar observação por tempo prolongado para pacientes com comorbidades e para aqueles que não obtiveram resposta adequada à terapêutica instituída. • Para os pacientes que necessitam de internação hospitalar, nos casos em que não houve parada cardíaca, espera-se recuperação completa dentro de 48 horas. • Os pacientes que não demonstram recuperação hemodinâmica após 48 horas podem melhorar lentamente na primeira semana, mas são mais propensos a ter danos neurológicos a longo prazo. • Para pacientes sobreviventes de parada cardíaca, a resposta hemodinâmica à adrenalina administrada exogenamente é frequentemente de curta duração, e a maioria exige uma infusão contínua de vasopressores no DE ou UTI. • Embora a aspiração seja comum, só são indicados antibióticos em pacientes com febre e leucocitose que persistem por mais de 48 a 72 horas. • Vítimas com graus 3 a 6 geralmente requerem intubação orotraqueal (IOT) e ventilação mecânica (VM), sendo assim indicada internação em UTI. • A RCP prolongada (> 30 minutos) em vítimas de afogamento indica lesão anóxica ou isquêmica significativa ao coração, ao cérebro e a outros órgãos vitais. • As vítimas que apresentam deterioração do estado cardiovascular e neurológico geralmente evoluem para óbito no hospital • A infecção pulmonar tardia, particularmente entre os pacientes que necessitam de ventilação mecânica, é um risco, e organismos incomuns, incluindo espécies de Aeromonas, devem ser considerados se o tratamento é iniciado. Broncoscopia pode sernecessária para diagnóstico etiológico específico. PROGNÓSTICO RUIM: PREVENÇÃO • < 1 ano: monitorização dos pais durante o banho para evitar a submersão • Pré-escolar: monitorização dos pais e cercas em piscina • Adolescentes e adultos: evitar álcool e drogas ilícitas • Idosos: corrimão em banheiras cercas em piscinas
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