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45 4. FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO Partindo da ideia de direito como conjunto de normas jurídicas válidas num determinado lugar, quando tratarmos de fontes do direito estaremos, necessariamente, nos ocu- pando da análise do fenômeno de introdução e transforma- ção dessas normas. Para o direito tributário, em particular, esse tema tem es- pecial relevância, pois permite o exame de toda a cadeia nor- mativa necessária à instituição do tributo – com o estabeleci- mento de todos os critérios da regra-matriz de incidência em lei (decorrente da legalidade e tipicidade em matéria tribu- tária) – e às atividades de fiscalização e cobrança praticadas pela Administração Pública para determinar se foram exer- cidas dentro dos parâmetros previamente estabelecidos pelo próprio sistema jurídico. A expressão “fontes do direito”, assim como muitas ou- tras expressões empregadas pelos estudiosos do direito, apre- senta variadas acepções.48 48. Em trabalho aprofundado sobre o tema, Tárek Moysés Moussallem destaca al- guns sentidos: “(1) o conjunto de fatores que influenciam a formulação norma- tiva; (2) os métodos de criação do direito, como o costume e a legislação (no seu sentido mais amplo, abrangendo também a criação do direito por meio de atos judiciais e administrativos, e de transações jurídicas); (3) o fundamento de validade de uma norma jurídica – pressuposto da hierarquia. (4) o órgão credenciado pelo ordenamento; (5) o procedimento (atos ou fatos) realizado pelo órgão competente para a produção de normas – procedimento normativo; (6) o resultado do procedimento – documento normativo.” (MOUSSALLEM, 46 ROBSON MAIA LINS Quando, na linguagem coloquial, utilizamos a palavra “fonte” referimo-nos àquilo que dá origem a algo, ou seja, ao nascedouro de alguma coisa. No entanto, para estabelecer a adequada definição de fon- te do direito é preciso considerar o conceito de direito estipula- do acima. Como já destacado, compreendemos a norma jurídi- ca, em sentido estrito, como o juízo condicional construído pelo intérprete após o exame do direito posto. As normas jurídicas, portanto, nem sempre coincidem com os artigos enunciados em que o legislador distribui a matéria, no corpo escrito da lei. Enquanto juízo hipotético, as normas enlaçam uma con- sequência à relação condicional de um fato, esta ligação en- tre antecedente e consequente dá-se pelo princípio da cau- salidade do dever-ser. Assim, para afirmar quais são os modos de produção do Direito, primeiramente, é preciso efetuar um corte, fixar um ponto de partida. Estamos observando nosso objeto sob o pon- to de vista estático ou dinâmico? Estamos falando de fonte de enunciados positivos ou fonte de normas jurídicas em sentido estrito? Como é criado o direito? Qual a sua fonte? O direito se opera pela criação de normas jurídicas, das de grande abrangência às de maior concretude. Diariamente, leis são editadas, sentenças são proferidas e contratos são assinados. Na investigação de como estes diplomas são criados, a aná- lise deve se restringir ao plano dos enunciados do sistema do direito positivo. É que muitas normas jurídicas (ideias) se mo- dificam ou surgem por conta de mudanças culturais na socieda- de. Isto é, os textos enunciados permanecem os mesmos, mas a construção de sentido modifica-se ao longo do tempo e diferen- tes construções normativas surgem. A elas temos acesso, porém, apenas por meio de novos enunciados (sentenças, acórdãos etc.). De fato, não temos acesso ao que permanece nas mentes das pessoas. Somente percebemos alterações na atribuição de senti- do ao texto quando tal alteração estiver devidamente enunciada. Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 120). 47 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Assim, quando tratarmos das fontes do direito, voltaremos nossa análise para as fontes de enunciados jurídicos – ou das nor- mas em sentido amplo –, mesmo sabendo que, ao afirmar que dado enunciado é jurídico, já estamos emitindo um juízo de valor e efetuamos um mínimo de contato hermenêutico com o texto. Focar no direito positivo nos dá, ainda, segurança, uma vez que o suporte físico é comum a todos e, quando a ele atri- buímos sentido por meio da interpretação, certamente estare- mos adentrando no mundo da subjetividade. Diante dessas considerações, podemos afirmar que fon- te do direito é a atividade psicofísica de ponência de enun- ciados prescritivos no sistema, cuja atividade se atribui o nome de “enunciação”. Na linha tradicional, aponta-se como fonte do direito a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência. Tal posicionamento não é equivocado se o corte estabelecido é distinto. A partir das pre- missas fixadas nesse trabalho, no entanto, a postura é no sentido de considerar ser “fonte” a atividade humana de produção dos enunciados prescritivos. Sabemos, porém, que, na teoria tradi- cional, a preocupação recaiu sobre o substrato do mundo que influenciou a atividade de enunciação, como, por exemplo, um clamor social ou uma mudança da jurisprudência, dentre outros. Maria Helena Diniz,49 por exemplo, divide as fontes do direito em fonte material e fonte formal, considerando a pri- meira como os fatores sociais e naturais que motivaram a ati- vidade criativa, enquanto a segunda corresponderia aos veí- culos por meio dos quais novos enunciados são introduzidos. As fontes formais, ainda, comportariam uma subdivisão em estatais e não estatais, nestas se incluindo os costumes, por exemplo, e naquelas a jurisprudência. Paulo de Barros Carvalho,50 baseado nas lições Lourival Vilanova, critica a clássica distinção entre fontes formais e 49. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 8ª ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1995. 50. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 7ª ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 438. 48 ROBSON MAIA LINS fontes materiais. Na sua concepção, as fontes materiais seriam as fontes do direito, enquanto as fontes formais em verdade seriam regras jurídicas, ou seja, o próprio direito. As normas que regulamentam a produção normativa ele denomina “veí- culo introdutório de normas jurídicas” e delas as normas in- troduzidas retiram seu fundamento de validade. Sob tal perspectiva, a lei e a jurisprudência não são fon- tes, mas sim o produto, ou seja, são o próprio Direito, uma vez que normas não criam normas, direito não cria direito. Por sua vez, os costumes e as práticas, não seriam por si só “fontes do direito”; são dados extrajurídicos que somente integram a linguagem do direito mediante atividade legiferante. A crítica de Paulo de Barros Carvalho é procedente. Já sem um corte teríamos um regresso ao infinito e seria considerado como fonte do direito até aquele documentário amplamente divulgado na mídia sobre determinado crime ou o abaixo-as- sinado, uma vez que o legislador leve em consideração esses eventos da sociedade. Este tipo de investigação foge ao objetivo do cientista do direito, por se tratar de momento pré-jurídico, interessa aos políticos, aos sociólogos, economistas etc. Identificar, pois, a escolha do corte mais adequado vai da preferência do cientista. “Fonte do direito” pode ser a ativi- dade de enunciação, mas também pode ser de onde o homem que enuncia busca o conteúdo da norma ou o que o motivou a produzir o enunciado. Um exemplo sobre o assunto esclarece nossas reflexões a respeito da importância de estabelecer um corte: ao imaginar “a torneira é a fonte da água”, logo questionamos: “mas a água veio da subestação de tratamento”. Em seguida pensamos: “mas antes ela estava nos rios ou até foi reaproveitada”. Voltando mais um pouco, pensaríamos: “antes a água do rio veio da chuva, que, por sua vez, veio da evaporação da água do mar etc.” Assim como ocorre com o ciclo da água, também o ciclo de produção do Direito pode ser estudado em diversas camadas, cabendo ao intérprete realizar o corte para definir até onde seu estudovai alcançar. Sem critérios muito bem delineados, o 49 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO cientista, seja ele das ciências naturais ou do direito, se perde naquela infinidade de fatores e detalhes. Buscar, por exemplo, aquilo que pode ter influenciado o legislador é um problema, dada a complexidade da investigação das razões que motivam qualquer decisão, além de fugir do nosso campo especulativo. A tarefa, portanto, não é fácil. Ao tentar estabelecer qual a fonte de outro sistema, por exemplo, o da medicina, o da matemática ou o das regras de engenharia, e pensar como são originados, requer a identificação do momento em que se entende por existente os elementos de cada uma dessas ciências. E, não obstante, ao final sempre teríamos a ativida- de humana como responsável pela introdução da norma ou do argumento vencedor, já que todos esses objetos têm em comum sua origem marcada por um ato de vontade humana – próprio dos objetos culturais. A comparação do ciclo da água com o ciclo de positivação do direito e deste com o de outras ciências é pertinente, uma vez que sob o ponto de vista do movimento do giro linguístico, tudo é linguagem, desde a água até as leis da engenharia e os conceitos da medicina. O exemplo do ciclo da água, por sua vez, permite que vi- sualizemos a diferença entre o veículo e a efetiva fonte daque- le produto. A torneira não é fonte, mas “veículo introdutor” de água. Permite nosso acesso a uma água já produzida, mas não produz “água nova”. Fonte, portanto, é todo processo que resulte em água nova (mar, rio, degelo, chuva etc.). Transpondo tais considerações para o Direito, e conside- rando que é um sistema normativo criado pelo homem para regular condutas intersubjetivas, identificaremos sua fonte como a enunciação de novos textos prescritivos. Muitas vezes, no direito tributário, a lei é apontada como única fonte. No entanto, esta afirmação não se coaduna com a definição por nós defendida. A lei, na realidade, é o produto, sendo a atividade de enunciá-la a fonte propriamente dita. 50 ROBSON MAIA LINS 4.1 O direito positivo como conjunto de normas: as introdutoras e as introduzidas Como destacado no item precedente, entendemos ser a fonte do direito aquela atividade produtora de normas jurí- dicas denominada “enunciação”. Diante do significado ado- tado, Paulo de Barros Carvalho51 conclui que para que haja o ingresso52 da regra jurídica no sistema do direito positivo, é preciso que outra norma a introduza. A esta norma daremos o nome de “veículo introdutor de normas”. Ao falar em “normas introduzidas” e “normas introduto- ras’’, por sua vez, aponta-se a característica de que as normas jurídicas entram sempre aos pares, já que nenhuma regra (enunciado-enunciado) é inserida no sistema sem um veículo introdutor previsto no próprio ordenamento. Frequentemente, confunde-se a regra jurídica com os veí- culos introdutores de regras no sistema. Estes são, sem dúvida, normas do direito positivo. Seus enunciados, no entanto, for- mam o conteúdo de outra norma, distinta daquela introduzida. Antes de analisarmos a estrutura do veículo introdutor normativo, nos deparamos com um problema: a atividade de ponência de enunciados no sistema jurídico se esvai no tempo e espaço. Por isso é tão importante diferençar o produto, ao qual temos acesso direto, do processo, que é efêmero. Nosso foco é, sempre, o direito posto, o qual é analisado sempre levando em consideração a linguagem das provas, a qual permite recompor o processo de enunciação para inves- tigar o cumprimento do adequado procedimento e aferir a competência do agente. No texto (o produto), encontramos enunciados que se re- portam à enunciação (o processo) e outros trazem a regulação de condutas. Distinguir uns dos outros é de grande importância. 51. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 29. ed. São Paulo, Sa- raiva, 2018, p. 84. 52. Frise-se que este ingresso se dá sempre mediante atividade humana. 51 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Inserido no documento normativo, separa-se aquela por- ção que remete às marcas do processo de produção do direito. Ressalte-se que muitos episódios da atividade de enunciação não dão origem a enunciados prescritivos. É o caso, por exem- plo, da discussão de um projeto de lei que não prospera. Estas situações, porém, não serão alvo de nossas preocupações. Se temos o enunciado, pressupomos a sua produção. Essa produção, no entanto, deve obedecer a determinadas regras. As emendas constitucionais, as leis, os decretos, têm seu processo de criação regulado pelo ordenamento. Mas não é essa regulação que cria o direito, daí a crítica às cha- madas “fontes formais”. De fato, todo o ciclo de positivação do direito, seja ele pra- ticado pelo Poder Legislativo, pelo Poder Judiciário ou pelo Po- der Executivo, bem como quando produzido por particulares, é totalmente controlado. Em alguns casos, de modo mais rigoroso e detalhado, como no art. 103-A53 da Constituição Federal. Tudo isto, no entanto, visa a assegurar a observância do princípio da segurança jurídica e do princípio do devido processo legal. A fiscalização da correção da enunciação, por outro lado, se dá exatamente pelo exame do conjunto de marcas que fi- cam gravadas no documento ou pelo resgate e posterior cons- trução de linguagem que demonstre não terem sido obede- cidos os procedimentos previstos pelo ordenamento. Com efeito, constatado o problema na enunciação por meio de pro- vas, teremos a inconstitucionalidade formal. 53. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela EC 45/2004). 52 ROBSON MAIA LINS Ao falar dessas marcas, ou dêiticos54 destacam-se: (i) o dêitico de forma e conteúdo, é o nome do documento (por exemplo, “lei”). Indica, assim, o veículo introdutor e reve- la, também, qual a norma superior que regula a sua cria- ção, como os arts. 61, 64, 65 e 66 da Constituição Federal; (ii) o dêitico de publicidade, por sua vez, remete à ideia de segurança jurídica e de legalidade, ao demons- trar que o enunciado foi levado ao conhecimento dos seus destinatários; (iii) o dêitico de espaço mostra o local onde a enunciação ocorreu, e possibilita verificar se o lugar foi adequado; (iv) dêitico de autoridade, indica o agente, possibilitando que seja auferida se a autoridade que produziu o enunciado é competente para tanto. Ademais, este dêitico, muitas vezes, traz indiretamente o âmbito de vigência espacial da norma (pressuposta a partir da autoridade indicada); (v) dêitico de tempo, que é um dos mais importantes, traz a indicação do momento da produção daquele docu- mento, o que acarreta inúmeras implicações quanto à produção de efeitos da norma (observância, por exem- plo, ao art. 150, III, “b”, da Constituição da República). Por outro lado, a análise dos veículos introdutores permite, além da assimilação dos diversos fatores inerentes e consectários ao pro- cesso produtivo de normas, a identificação da hierarquia normativa. Nessa nova forma de perceber o modo de produção do direito, com a secção do documento normativo e a análise do veículo intro- dutor, é possível evitar a noção de fonte como o próprio direito e, 54. Dêixis na tradição greco-latina significa “apontar”, “indicar”, “demonstrar”. Rodolfo Ilari/Unicamp, em seu livro “Introdução à semântica: brincando com a gramática”, explica que dêiticas são chamadas as palavras ou expressões que (sic) referem-se a elementos do contexto “extralinguístico” em que ocorre a fala. Nesse sentido, preceitua“a dêixis diz respeito principalmente às pessoas que participam da interação verbal, ou a lugares e tempos que são localizados a partir da situação de fala. Ela realiza uma espécie de “ancoragem” da fala na realidade.” No direito, assim como em qualquer contexto comunicacional é de enorme relevância a informação de tempo, espaço, agente, entre outros, sua ausência ou incorreção influi inclusive na eficácia, na validade e na vigência normativa. In: ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica. Brincando com a Gramática. São Paulo: Contexto, 2001, p. 55 e ss. 53 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO indo além, permite encontrar critério sólido para estabelecer a hie- rarquia do ordenamento, solucionando conflitos em muitos casos. Vamos trabalhar um exemplo para que eventuais dificul- dades sejam amenizadas. Tomemos o Código Tributário Na- cional, que é uma Lei Ordinária, produzido sob a vigência da Constituição de 1946, mas que foi recepcionado pela Consti- tuição de 1988 com status de Lei Complementar.55 55. Neste caso específico, há duas enunciações para um mesmo conjunto de enun- ciados: a primeira, regular do direito, que introduz o CTN na vigência da CR de 1946, como Lei Ordinária e a outra, o atual sistema constitucional, que recepciona o CTN como Lei Complementar. 54 ROBSON MAIA LINS Como se percebe, a enunciação-enunciada corresponde às partes do enunciado que fazem referência ao processo de criação e introdução dele no sistema. Dizem respeito àqueles que o produziram, quando o fizeram e de que forma isso ocor- reu, permitindo a construção da norma introdutora. Os enunciados-enunciados, em oposição, servem de supor- te para a produção das normas jurídicas introduzidas, as quais tratam, propriamente, de matérias afeitas ao direito tributário. 4.2 Distinção: veículo primário e secundário Considerando o poder do veículo introdutor de normas de inaugurar ou não o ordenamento jurídico, ou seja, de ino- var o sistema vigente, é possível classificá-los em instrumen- tos introdutórios primários ou secundários. No que tange aos veículos introdutores primários, o pro- fessor Paulo de Barros Carvalho ensina que estes são creden- ciados a inserir no sistema jurídico regras inaugurais. Por ou- tro lado, os instrumentos secundários estão limitados pelas disposições dos primários, de modo que as regras por eles in- troduzidas não têm força para inaugurar o sistema. Frise-se que essa inovação diz respeito ao poder para dis- por sobre materialidades ou aspectos diferentes dos já estabe- lecidos, de modo que os veículos secundários não podem tra- tar sobre direitos e deveres não antes cuidados pelo direito, significa dizer, não podem disciplinar determinada matéria de modo diverso do que foi previsto nos veículos primários, que lhe são hierarquicamente superiores. Dentre os veículos introdutores primários, destacam-se: lei constitucional, lei complementar, Lei Ordinária, lei delega- da, medida provisória, decreto legislativo, resolução do senado. Eles compõem o conjunto das leis em sentido amplo que estão aptas a inovar o ordenamento em vigor e que servirão como fundamento de validade dos instrumentos introdutórios se- cundários, como, por exemplo, portarias, instruções, decretos 55 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO regulamentares, ordens de serviço, entre outros, não apresen- tam o poder de alterar as estruturas do mundo jurídico-positivo. Paulo de Barros Carvalho expressa serem esses coman- dos responsáveis por realizar aquilo que a lei autorizou, na precisa dimensão que lhes foi estipulada. Daí porque todo “ato normativo infralegal, que extrapasse os limites fixados pela lei que lhe dá sentido jurídico de existência, padece da coima de ilegalidade, que o sistema procura repelir”.56 Desta feita, identificar o veículo introdutor segundo a ca- pacidade inovadora é de suma relevância para determinação da hierarquia das normas no sistema e para a realização do controle de constitucionalidade e legalidade. Os vários veícu- los serão analisados detalhadamente no capítulo seguinte. 4.2.1 Veículos primários 4.2.1.1 A Constituição da República Federativa do Brasil No Brasil, a Constituição Federal atribui unidade ao or- denamento jurídico e os outros veículos introdutores de nor- mas (art. 59 da CF – emenda constitucional, lei complementar, Lei Ordinária etc.) devem, ao final, encontrar nela seu funda- mento de validade.57 De fato, nela estão contidas as mais importantes normas de produção, ou seja, aquelas que disciplinam como deve-se proce- der quando da inserção de novos enunciados prescritivos no or- denamento, em outras palavras, dispõem sobre as regras do jogo. A Emenda à Constituição, por sua vez, é veículo primário previsto no art. 60 da Constituição Federal e, ressalvadas as cláusulas pétreas, pode a emenda dispor sobre qualquer ma- téria que o Poder Constituinte Derivado entenda relevante. 56. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 29. ed. São Paulo, Sa- raiva, 2018, p. 984. 57. Kelsen dispunha: o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. (Teoria pura, p. 2, 1962). 56 ROBSON MAIA LINS No entanto, exige-se o cumprimento de um processo especial para sua aprovação, com votação bicameral em dois turnos e quorum qualificado de 3/5. No campo do Direito Tributário, a Constituição da Repú- blica de 1988 tem papel especialmente relevante. Isso porque o Sistema Tributário Nacional é tratado de modo detalhado pela atual Constituição, principalmente em seus arts. 145 a 162, onde se verifica um extenso delineamento sobre a matéria, di- versamente do que se dá na maioria dos países, como nas Cons- tituições da Argentina, da Espanha, da França e da Itália, que contêm, no máximo, três artigos sobre o sistema tributário. O cuidado no exercício da exigência de tributos deve-se, dentre outros fatores, ao fato de essa atividade atingir dois direi- tos fundamentais: o direito à liberdade e o direito à propriedade. Por isso, Roque Antonio Carrazza58 afirma ser a Consti- tuição o limite do Poder Público e o fundamento de todo o sistema jurídico, sendo ela veículo introdutor primário de so- breposição e os demais de subposição. Com certo grau de consenso, devemos acrescentar que esses limites constitucionais, embora devam ser objeto de interpretação – que, como tal, é sempre construída segundo os valores jurídicos daqueles que os interpretam – devem ser preservados pelos atos dos Poderes Legislativo (Função Le- gislativa), Executivo (Função Executiva), Judiciário (Função Judicante) e pelos sujeitos passivos tributários que, na condi- ção de contribuintes ou responsáveis, produzem expressiva quantidade de normas individuais e concretas. 4.2.1.2 As Leis Complementares Outro veículo introdutor primário da mais alta relevân- cia denomina-se Lei Complementar. Previsto nos arts. 59, II, e 69, da Constituição da República, tal instrumento normativo 58. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 35-36. 57 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO depende de quorum qualificado para sua aprovação e a ele compete disciplinar as matérias especialmente previstas na Carta Suprema, como, por exemplo, a expedição de normas gerais em matéria tributária (art. 146, III) e a instituição de empréstimos compulsórios (art. 148, I e II). A discussão referente à existência ou não de hierarquia entre Lei Complementar e Lei Ordinária caminha há bastante tempo. Os argumentos favoráveis e contrários a esta tese são múltiplos e se amparam nas ideias sobre norma da qual cada uma retira seu fundamento de validade ou, ainda, na distin- ção entre hierarquia formal e hierarquia material de normas. Este embate será analisado mais detidamente em mo- mento adequado, mas é importante deixar claro, desde já, que somente existirá hierarquia entre tais normas quando a Lei Complementar servir de fundamento para a edição de Leis Ordinárias,como quando aquela estabelece normas gerais em matéria de tributação. Quando as Leis Complementares não exercerem esse papel – como ocorre quando disciplinam, por exemplo, a instituição de empréstimos compulsórios –, não haverá que se falar em hierarquia entre tais normas. É importante ressaltar, ainda, que os estudiosos divergem, também, quanto às funções, ou seja, quanto ao papel que deve ser cumprido pela Lei Complementar em matéria tributária. Com base no que prescreve o art. 146 da Constituição Federal, foram desenvolvidas pelo menos duas correntes de pensamento – denominadas dicotômica e tricotômica – que atribuem competências distintas a este veículo normativo. De acordo com a corrente tricotômica, caberia à Lei Com- plementar: (i) dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária; (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e (iii) estabelecer normas gerais em matéria de legisla- ção tributária. Em oposição, a corrente dicotômica defende que, ao dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributá- ria, a Lei Complementar poderá tratar de conflitos de competên- cia e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. 58 ROBSON MAIA LINS 4.2.1.2.1 O Código Tributário Nacional Obra do renomado jurista Rubens Gomes de Sousa, o Código Tributário Nacional, quando aprovado em 1966, o foi mediante Lei Ordinária da União (Lei 5.172/66), uma vez que inexistia, naquele tempo, o instrumento “lei complementar”. Porém, com as mutações ocorridas na ordem constitucio- nal, a elaboração das normas gerais em matéria de legislação tributária tornou-se privativa de lei complementar. Assim, a Lei 5.172/66 – nosso Código Tributário Nacional – adquiriu eficácia de lei complementar e assim foi recepcionada pela Constituição da República de 1988. 4.2.1.2.1.1 Outras Leis Complementares Tributárias que não o CTN Além do art. 146 da CR, identificamos, no texto constitu- cional, uma série de outros enunciados que conferem à Lei Complementar o papel de disciplinar questões relativas à tri- butação. Podemos citar como exemplo: (i) a instituição de empréstimos compulsórios (art. 148); (ii) a instituição do imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII); (iii) a instituição de impostos de competência residual da União (art. 154, I); (iv) disciplina de questões relativas ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (art. 155, §1º, inciso III); (v) fixação de contribuintes, base de cálculo e outras matérias relacionas ao Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (art. 155, §2º, XII); 59 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO (vi) delimitação dos serviços sujeitos ao Imposto sobre Serviços de qualquer natureza (art. 156, III); (vii) criação de novas contribuições sociais para o custeio da seguridade social (art. 195, §4º); (viii) fixação dos requisitos para gozo de imunidade pe- las entidades beneficentes de assistência social (art. 195, §7º); (ix) determinação do teto para a concessão de anistia ou remissão relativamente às contribuições sociais (art. 195, §11). Esta relação de casos onde o veículo introdutor hábil a inserir comandos normativos é a Lei Complementar não é ta- xativa e cumpre, apenas, o papel de sublinhar a importância deste diploma atribuída pelo constituinte. 4.2.1.3 Leis Ordinárias Mediante processo legislativo de quorum simples, a Lei Ordinária, conforme prescrito no art. 59, III, da CF, é veículo primário apto a inserir no ordenamento os comandos relacio- nados à regra-matriz dos tributos. Corolário do princípio da legalidade tributária (art.150, I, CF), a Lei Ordinária é o ins- trumento eleito para o intento de delinear os contornos da exação tributária, excetuando-se, é claro, as hipóteses reser- vadas à LC citadas no tópico anterior. De fato, com o surgimento dos Estados de Direito, o “po- der de tributar” sofreu diversas limitações, destacando-se a que exige seu exercício por meio de lei. Como salienta Roque Antonio Carrazza,59 criar ou aumentar tributos é uma função típica e privativa do Poder Legislativo, configurando-se um dos principais alicerces de nosso direito tributário. 59. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 265-266. 60 ROBSON MAIA LINS O princípio da legalidade não rege apenas o sistema tri- butário – vem enunciado no art. 5º, da Constituição Federal – mas, em matéria de tributação, teve sua intensidade refor- çada pelo art. 150, inciso I, da CF, tudo com o fito de preservar a segurança das pessoas diante da tributação. Como bem alerta Roque Antonio Carrazza, o Executivo não pode disciplinar, mesmo que autorizado por delegação legislativa, nenhum aspecto essencial da norma jurídica tri- butária e, evidentemente, a lei que tratar dessa matéria de- verá ser editada pela pessoa política competente, nos termos na Constituição. É imprescindível ressaltar, ainda, que, para que as exi- gências do princípio da legalidade sejam cumpridas, não bas- ta que a lei discipline apenas alguns critérios da regra-matriz de incidência tributária (RMIT); é imprescindível que traga, em seu bojo, todos os elementos necessários para a constru- ção dessa norma jurídica. É por esse motivo que, no âmbito tributário, fala-se em princípio da estrita legalidade: os tributos devem ser instituí- dos por Lei Ordinária – ou seja, apenas o Poder Legislativo pode criar exações tributárias (no taxation without represen- tation)60 – e, ao exercer tal tarefa, o ente competente deve dis- ciplinar de forma pormenorizada os critérios necessários para determinação da norma que institui o tributo. Esta é a razão pela qual Paulo de Barros Carvalho e Ro- que Antonio Carrazza apregoam ser inconstitucional a prá- tica, corriqueira no ordenamento brasileiro, de delegação de poderes aos órgãos administrativos para completarem ou ex- pedirem normas relacionadas ao perfil dos tributos.61 60. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Fo- rense, 1999, p. 90 61. “A Lei Ordinária é, inegavelmente, o item do processo legislativo mais apto a veicular preceitos relativos à regra-matriz dos tributos, assim no plano federal, que no estadual e no municipal. É o instrumento por excelência da imposição tributária. E estabelecer um tributo equivale à descrição de um fato, declarados os critérios 61 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Cumpre salientar, ainda, que, por força do princípio da legalidade, também os deveres instrumentais ou formais62 tributários só podem advir de lei lato sensu.63 Este, no en- tanto, não é o posicionamento adotado pela jurisprudência dos tribunais superiores, conforme se verifica na ementa abaixo colacionada: CRIAÇÃO DE DEVER INSTRUMENTAL POR INSTRUÇÃO NORMATIVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. COMPLE- MENTAÇÃO DO SENTIDO DA NORMA LEGAL [...] É cediço que, nos termos do art. 113, § 2°, do CTN, em torno das relações jurídico-tributárias relacionadas ao tributo em si, exsurgem ou- tras, de conteúdo extrapatrimonial, consubstanciadas em um dever de fazer, não fazer ou tolerar. São os denominados deve- res instrumentais ou obrigações acessórias, inerentes à regula- mentação das questões operacionais relativas à tributação, razão pela qual sua regulação foi legada à “legislação tributária” em sentido lato, podendo ser disciplinados por meio de decretos e de normas complementares, sempre vinculados à lei da qual de- pendem. [...] 7. Deveras, o E. STJ, quer em relação ao SAT, IOF, necessários e suficientes para o seu reconhecimento no nível da realidade objetiva, além de prescrever o comportamento obrigatório de um sujeito, compondo o esque- ma de uma relação jurídica. Diríamos, em linguagem técnica, que criar um tributo corresponde a enunciar os critérios da hipótese – material, espacial e temporal – so- bre os critérios da consequência – subjetivo (sujeitos ativoe passivo da relação) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). [...] Assinale-se que à lei instituidora do gravame é vedado deferir atribuições legais a normas de inferior hierarquia, deven- do, ela mesma, desenhar a plenitude da regra-matriz da exação, motivo por que é inconstitucional certa prática, cediça no ordenamento brasileiro, e consistente na delegação de poderes para que órgãos administrativos completem o perfil jurídico de tributos. É o que acontece com diplomas normativos que autorizam certos ór- gãos da Administração Pública federal a expedirem normas que dão acabamento à figura tributária concebida pelo legislador ordinário. Mesmo nos casos em que a Constituição dá ao Executivo Federal a prerrogativa de manipular o sistema de alí- quotas, como no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tudo se faz dentro de limites que a lei especifica”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tri- butário. 29. ed. São Paulo, Saraiva, 2018, p. 87-88). 62. Rechaçamos a expressão “obrigações acessórias” por entender o conceito de obrigação atrelado ao conteúdo patrimonial que sabemos não estarem sujeitos to- dos os deveres tributários, servindo como formalidades a que o administrado está obrigado, na facilitação da fiscalização. 63. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 265. 62 ROBSON MAIA LINS CSSL etc., tem prestigiado as portarias e sua legalidade como integrantes do gênero legislação tributária, já que são atos nor- mativos que se limitam a explicitar o conteúdo da Lei Ordinária. (STJ, 1ª T., REsp 724.779/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, 2006). Com efeito, sendo os deveres instrumentais responsáveis pela operatividade prática e funcional do tributo, não se pode admitir que as autoridades administrativas criem de modo im- prudente e sem critérios novos deveres dessa natureza, deven- do ser conferido exclusivamente, à lei, o papel de discipliná-los. 4.2.1.4 Lei Delegada A Lei Delegada é, também, veículo introdutor primário e está prevista no art. 68 da CF. Este diploma, em contramão à regra geral, é elaborado pelo Presidente da República, que de- verá solicitar a delegação ao Congresso Nacional, o qual pode especificar os termos e conteúdos que poderão ser disciplina- dos pelo Poder Executivo mediante expedição de resolução ou, ainda, determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 68, § 1º, III, da CF. Diante das limitações deste veículo introdutor normati- vo, o Chefe do Executivo tem preterido esta ferramenta, dan- do preferência às Medidas Provisórias, expostas logo a seguir. 4.2.1.5 Medida Provisória Expedida pelo Presidente da República, a Medida Provi- sória é outro veículo introdutor primário de normas, estando inteiramente subordinada aos pressupostos de relevância e ur- gência e devendo, portanto, ser submetida de imediato ao Con- gresso Nacional, nos termos do art. 62 da Constituição Federal. Apesar de sua eficácia limitar-se a 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, tal instrumento tem eficácia idêntica à de uma lei e, exatamente por isso, deveria ser utilizado apenas em situações excepcionais. O Poder Executivo, no entanto, não tem observado os requisitos impostos pela Constituição Federal e tem feito uso 63 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO indiscriminado deste diploma. Por não demandar apreciação prévia pelo Congresso Nacional, como na hipótese de Lei Dele- gada, sua expedição tem sido corriqueira e vem servindo para regrar condutas sem qualquer critério, ou seja, sem respeitar as condições previstas pelo constituinte para sua aplicação. Na atual conjuntura, o emprego desenfreado deste diplo- ma fere, claramente, a separação de poderes, além de obstruir a atuação do Poder Legislativo, o que é incompatível com o sistema tributário constitucional. Desde a sua previsão constitucional em 1988, este instru- mento introdutor suscitou dúvidas, como, por exemplo, se po- deria ser utilizado para instituição e majoração de tributos e se sua eficácia submeter-se-ia ao princípio da anterioridade. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de considerar possível a utilização desse diploma le- gal para instituição e aumento de tributos. No entanto, deixou claro que também neste caso deveria ser integralmente ob- servado o princípio da anterioridade. O debate, contudo, tomou outras proporções com o adven- to da Emenda Constitucional 32/2001, a qual alterou a redação do art. 62 para: (i) vedar, expressamente, a edição de Medida Provisória para disciplinar matérias reservadas à lei comple- mentar; e (ii) deixar claro que a instituição ou majoração de impostos deverá observar o princípio da anterioridade do exer- cício financeiro, exceto nos casos já previsto no art. 150 da CF. Com efeito, é imperioso frisar que, nos atuais termos, a Medida Provisória só é válida para instituição ou majoração de impostos específicos, afastados, de plano, os outros tributos. Ademais, referida emenda, de modo acertado, levanta bar- reira à instituição ou majoração de tributos por Medida Provi- sória sem observância da anterioridade. A despeito disso, ainda é difícil a tarefa de adequar este veículo ao tema da tributação. 4.2.1.6 Decreto Legislativo O Decreto Legislativo, de importante aplicação pelo Con- gresso Nacional – inserido em sua competência exclusiva –, é 64 ROBSON MAIA LINS instrumento primário de introdução de regras tributárias, pre- visto no art. 59, VI, da CR e sua aprovação se dá por maioria simples e deve ser promulgação pelo Chefe do Poder Executivo. Essa espécie legislativa mostra-se fundamental para a inser- ção das disposições dos tratados e das convenções internacionais no ordenamento nacional, consoante dispõe o art. 49, I, da CF. No âmbito estadual, o decreto legislativo cumpre, ainda, papel relevante ao inserir na ordem jurídica os convênios ce- lebrados entre os entes federados, atribuindo-lhes validade normativa. São os casos, por exemplo, dos chamados convê- nios de cooperação, previstos no art. 199 do CTN. 4.2.1.7 Resoluções As Resoluções, apesar de não decorrerem de um processo legislativo próprio, revestem-se de status jurídico de Lei Ordi- nária. De competência do Congresso Nacional e do Senado Fe- deral, são introduzidas no sistema mediante aprovação simples. No direito tributário, ganham maior relevo as resoluções do Senado Federal que, por exemplo, disciplinam as alíquotas dos impostos estaduais nos seguintes casos: (i) alíquotas máximas do ITCMD (art. 155, §1º, IV, CF); (ii) alíquotas aplicáveis às operações e prestações interes- taduais e de exportação do ICMS (art. 155, §2º, IV, CF); (iii) alíquotas mínimas nas operações internas de ICMS (CF, art. 155, §2º, V, “a”) e alíquotas máximas, nas mesmas operações, para resolução de conflito específico que en- volva interesse de Estados (art. 155, §2º, V, “b”, CF); e (iv) alíquotas mínimas do IPVA (art. 155, §6º, I, CF). 4.2.2 Veículos secundários Como já destacado, os veículos introdutores secundários não têm o poder de inserir imposições inaugurais no sistema 65 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO jurídico, o que não significa que seus comandos não são no- vos. Com isso queremos dizer, apenas, que não têm força para criar, disciplinar uma classe de fatos ainda não previstos em instrumentos normativos de hierarquia mais elevada. Tais instrumentos introdutores servem unicamente para dar con- creção às normas de patamar hierárquico mais elevado e, exa- tamente por isso, não inauguram e são, portanto, secundários. Alguns dos atos normativos de caráter secundário abor- dados a seguir, como as portarias e as instruções normativas, estão referidos no Código Tributário Nacional em seu art. 100, na seção das chamadas “normas complementares”. 4.2.2.1 Decretos Regulamentares O Regulamento, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, é veiculado por Decreto, e está previsto no art. 84, IV, daCF, podendo ser utilizado pela União, pelos Es- tados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para cumprir a função de executar as leis. O Decreto Regulamentar não possui autonomia. Limita- do pela disposição da lei, este veículo não pode ampliar ou re- duzir o campo de incidência da norma em que se fundamenta. Nesse sentido, o art. 49 da Constituição Federal dispõe: Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; [...]. Na mesma vereda, o Código Tributário Nacional, em seu art. 99, explicita o comando constitucional citado e reitera a limitação dos Decretos Regulamentares: Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com ob- servância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei. 66 ROBSON MAIA LINS Hely Lopes Meirelles64 explica que o regulamento, posto em vigência por decreto, embora não possa modificar a lei, tem a missão de explicá-la e de prover sobre minúcias não abrangidas pela norma geral editada pelo Legislativo. Por todas essas restrições, é o Decreto Regulamentar ins- trumento secundário de introdução de regras. Diante do princí- pio da legalidade, a utilização dos decretos regulamentares fica prejudicada, já que não pode o Chefe do Poder Executivo, a pre- texto de regulamentar determinada matéria, estabelecer novos deveres e obrigações. Assim, no ordenamento jurídico vigente, eles funcionam principalmente para dirigir a conduta dos agen- tes subordinados, disciplinando a fiscalização e a arrecadação. Novamente, é importante ressaltar que não se está afir- mando que os instrumentos secundários se limitam a reprodu- zir a lei. O ponto de destaque é que a inovação trazida por estes veículos introdutores não pode extrapolar os limites das leis. Contudo, auferir até que ponto se está regulamentando ou extrapolando os limites da hipótese de incidência da lei é questão que merece reflexão. Sobre o assunto, Ruy Barbosa defende: “qualquer excesso do decreto, em relação à lei cons- tituirá um vício que pode ser submetido a controle jurisdicio- nal, vício esse denominado ilegalidade”.65 Nesse sentido, a jurisprudência decidiu que contrarie- dade do decreto à lei configura ilegalidade, e não inconstitu- cionalidade, razão pela qual não caberia controle direto de inconstitucionalidade: I. – O regulamento não está, de regra, sujeito ao controle de cons- titucionalidade. É que, se o ato regulamentar vai além do conteú- do da lei, ou nega algo que a lei concedera pratica ilegalidade. A questão, em tal hipótese, comporta-se no contencioso de direito comum. Não cabimento da ação direta de inconstitucionalidade. 64. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 14 ed. São Paulo: Ed. RT, p. 156. 65. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 14ª ed. São Paulo: Sarai- va, 1995, p. 56 67 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO 11 – Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.” (STF, ADIn n. 2.413/SC, Min. Carlos Velloso Inf. do STF n. 27, 2002). Quanto à exigência de decreto para regulamentação de lei não autoexecutável, Leandro Paulsen66 exemplifica algumas passagens do ordenamento jurídico brasileiro, como o caso do art. 195, I, “b”, da CF, e a necessidade de regulamentação do art. 3º, § 2º, III, da Lei 9.718/98 (COFINS), como também o imperativo de regulamentação da imunidade dos proventos de maiores dos aposentados (art. 153, § 2º, II, da CF). 4.2.2.2 Instruções Ministeriais As Instruções Ministeriais são atos administrativos nor- mativos, de competência dos Ministros de Estados, nos ter- mos do art. 84, parágrafo único, e 87, parágrafo único, II, da CF, além dos Secretários Estaduais e Secretários Municipais. Tais instrumentos têm como objetivo traçar uma orienta- ção aos Órgãos Públicos, além de regular a execução das leis e veículos normativos que estejam inseridos dentro de suas competências. São instrumentos secundários, geralmente preteridos por portarias, que são normas de inferior hierar- quia, como veremos a seguir. 4.2.2.3 Portarias Instrumento introdutor secundário, a Portaria é veículo normativo administrativo e, no ordenamento jurídico brasi- leiro, vem cumprindo variadas funções. Os Ministros de Es- tados, por exemplo, preferem utilizá-las a emitir Instruções ministeriais ou decretos regulamentares. Seu objetivo é regrar desde a concretização das leis pelos principais órgãos do Poder Executivo até, por exemplo, dispor sobre questões miúdas internas relativas ao funcionamento do serviço público de determinado Município interiorano. 66. In: Leandro Paulsen. Direito tributário, Constituição e Código Tributário Nacio- nal à luz da doutrina e da jurisprudência, 15ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advoga- do Editora, 2013, p. 868. 68 ROBSON MAIA LINS 4.2.2.4 Circulares As circulares estão no patamar inferior da pirâmide hie- rárquica e são instrumentos secundários utilizados na orde- nação do serviço administrativo, de caráter infralegal, restrin- gindo-se a setores específicos. 4.2.2.5 Ordens de serviço Atingindo elevado grau de concretude, temos as ordens de serviços, as quais conferem a um determinado agente a competência para a prestação de serviço. Longe da genera- lidade característica das leis, são instrumentos secundários aplicáveis aos servidores públicos. 4.2.2.6 Os atos normativos das Fazendas Públicas Limitando a discricionariedade dos atos de seus agentes e visando a empregar uniformidade de entendimento e segu- rança jurídica, as Fazendas Públicas frequentemente emitem pareceres normativos em matéria tributária. São eles veículos introdutores secundários, cuja finalidade é apontar para a in- terpretação normativa que deve prevalecer perante os funcio- nários da administração. 4.2.2.7 As decisões administrativas e judiciais em matéria tributária: estabilização das normas individuais e concretas Este veículo introdutor, assim, como o que veremos no item subsequente, nem sempre é listado pelos doutrinadores. No entanto, sem dúvida, os atos normativos estabelecidos pe- las autoridades judiciais são responsáveis por inserir normas no ordenamento jurídico. Em sua grande maioria, as decisões administrativas e ju- diciais em matéria tributária consubstanciam-se em normas individuais e concretas, veiculando situações ocorridas e re- gulando-as. São exemplos delas, as liminares, as decisões de primeira instância, os acórdãos, entre outros. 69 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO 4.2.2.7.1 Conceitos e associações utilizados pelo STF que permitem identificar o paradigma filosófico utili- zado na construção do conceito de norma jurídica O objetivo deste tópico é mostrar ao leitor aspectos im- portantes semântico e pragmático do processo de construção de normas jurídicas pelo Poder Judiciário, principalmente pelo Tribunal Guardião máximo da nossa Constituição da República: o Supremo Tribunal Federal. Ora, a nossa Carta Magna é riquíssima em enunciados prescritivos que cuidam da matéria tributária, sendo absolutamente normal que vá- rias questões exijam pronunciamento da nossa Suprema Cor- te. Por isso, essa análise que faremos a seguir. A implantação de ação judicial específica de controle abs- trato de constitucionalidade, que ocorreu por intermédio da Emenda Constitucional 18, de 1965, além de contribuir para o avanço do controle de constitucionalidade no nosso sistema constitucional, instigou fortes debates acerca dos paradigmas filosóficos adotados pelo STF em suas decisões. Lembremos que, da Constituição Republicana de 1891 até a referida Emenda Constitucional 18, de 1965, as decisões do STF, em matéria constitucional, eram proferidas em rela- ção apenas aos casos concretos, circunstância que, de certa forma, facilitava o exame da matéria: quando procedente a arguição de inconstitucionalidade, afastava-se a aplicaçãodo ato normativo maculado, decidia-se a causa, emprestava-se à decisão efeitos ex tunc e inter partes. Esta linha de argumenta- ção, ainda hoje majoritária no STF, parte da premissa de que o ato normativo que está em contradição com a Constituição, é um ato nulo. E nulo no sentido em duas acepções: (i) não produzir efeitos ou, se efeitos houver gerado, (ii) que sejam retirados do sistema jurídico. A análise das primeiras representações diretas gené- ricas de inconstitucionalidade contribuiu sobremodo para Corte Maior superar a concepção de norma jurídica como suporte físico, letra da lei, foi cedendo espaço às linhas 70 ROBSON MAIA LINS constructivistas das normas jurídicas. Com isso, pavimen- tou-se o caminho para o reconhecimento do método de in- terpretação sistemático como sendo o mais adequado ao conhecimento científico do direito, porquanto percorre os três planos da linguagem jurídica, quais sejam, sintático, se- mântico e pragmático. Assim, a literalidade textual assume do lugar de ponto de partida dos intérpretes, agentes com- petentes para realizar a incidência, ou mesmo cientistas que pretendem descrever o direito positivo. O aumento da complexidade do sistema jurídico normati- vo, com o disciplinamento de vários temas num mesmo texto normativo, levou o Supremo Tribunal Federal, a pretexto de im- plementar as técnicas de “declaração de inconstitucionalidade parcial sem pronúncia de nulidade” e a “interpretação conforme a Constituição”, a atribuir à interpretação a função de constitu- tiva de normas jurídicas, cuja empreitada parte do suporte físico (S1), passando pelo plano das significações (S2), sistematizadas (S3) em relações de coordenação e de subordinação (S4). Também contribuiu sobremodo para esta evolução a ne- cessidade de se implementar o que o STF vem denominando de “efeitos transcendentes das decisões em controle abstrato de constitucionalidade”, onde se sustenta que não só a parte prescritiva da decisão do STF vincularia as partes, mas tam- bém seus fundamentos. Ainda mais, a técnica de controle de constitucionalidade das leis aplicada correntemente quando havia o prestígio, o método literal de interpretação das normas, que consistia na declaração de inconstitucionalidade com pronúncia de nuli- dade (redução da literalidade textual, efetivada com o risco no suporte físico) foi, juntamente com a inarredável necessidade de implementação do método sistemático, cedendo espaços a outros métodos de controle de constitucionalidade dos atos normativos, onde, em vez de mover-se na literalidade tex- tual, para, só indiretamente, atingir-se o plano significações, mover-se diretamente nos conteúdos de significações, presti- giando umas e excluindo outras do sistema normativo. 71 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Até aí a interpretação funcionava como mecanismo de extração de significados, como se do ser (suporte físico) se passasse para o dever ser (enunciados); ou, pior, como se a interpretação permitisse extrair dos textos outra realidade do mundo do ser, qual seja, a única interpretação possível. Essa revolução que está por trás da adoção da interpre- tação conforme a constituição, declaração de inconstituciona- lidade parcial sem redução de texto e a concessão de efeitos transcendentes somente foi possível por causa do redimensio- namento do conceito de norma jurídica. 4.2.2.7.2 Norma jurídica stricto sensu e lato sensu, lei, texto de lei, enunciado prescritivo e outros conceitos conexos Anotamos que os conceitos de norma jurídica, em sentido amplo e restrito, de lei, de texto de lei, enunciado prescritivo e fontes do direito também respondem por expressiva parte dos problemas e das evoluções por que passa a Ciência do Di- reito. São conceitos que, para serem bem postos, necessitam de posicionamento em relação à Filosofia do Direito, precisa- mente em relação à adoção dos paradigmas das linhas ditas retóricas, onde a linguagem adquire importância central,67 ou ontológicas, que dispensam, à linguagem, a função descritiva de situações objetivas. Para nosso trabalho, interessa-nos assentar que na de- claração de inconstitucionalidade nem sempre o texto de lei (ou a lei) precisa ser alterado para que a norma jurídica seja declarada inconstitucional. Assim é na declaração de incons- titucionalidade sem redução de texto (adiante retornaremos em detalhes) ou na interpretação conforme a Constituição.68 Intencionalmente, deixamos por último a abordagem de nor- ma jurídica, conceito essencial nos passos seguintes desta 67. Incluímos o pensamento de Vilém Flusser entre as linhas retóricas. 68. PALU, OSWALDO LUÍS. Controle de constitucionalidade, 2001, p. 188 e ss.; MEN- DES, GILMAR FERREIRA. Jurisdição constitucional. Saraiva,1998, p. 202 e ss. 72 ROBSON MAIA LINS empreitada. Ademais, o art. 102, I, a, da Constituição Fede- ral prescreve que é da competência exclusiva do STF julgar ADIn e ADC propostas contra “lei” ou “ato normativo”, o que exige que fixemos o conteúdo semântico dessas expressões. Lei e texto de lei abrigam conotações distintas, notada- mente na jurisprudência constitucional. A palavra lei é predo- minantemente usada no sentido de norma jurídica; ao passo que texto de lei significa a literalidade, suporte físico. Para nosso estudo, estipulamos que lei é uma espécie de norma jurídica. Já a expressão “texto de lei” é usada para co- notar apenas o suporte físico, sem significado. Quando adi- cionamos ao suporte físico um significado atômico, chegamos ao nível do enunciado prescritivo. Ou seja, o enunciado pres- critivo é o texto de lei com significação. Ainda não estamos, contudo, no campo das normas jurídicas em sentido estrito. Norma jurídica, tomada na sua acepção sintática, é uma estrutura bimembre constituída de um antecedente e de um consequente, capaz, minimamente, de regular condutas,69 e se encontra um passo adiante dos enunciados prescritivos. Um conjunto de enunciados prescritivos, desde que hábil a modalizar, deonticamente, uma conduta naquela estrutura hipotético-condicional, compõe o que chamamos de norma jurídica em sentido estrito. De outra parte, o conceito dominante de fonte do direito na jurisprudência do STF oscilou entre dois mundos diversos: o primeiro, aquele recortado pela Sociologia do Direito, onde se sustenta que fatos sociais responsáveis pela movimentação do processo legislativo são as fontes do direito; o segundo pre- ga que a própria jurisprudência é fonte do direito. Esses dois pontos de vista contribuíram sobremodo para dificultar a uniformidade do conceito de norma jurídica na jurisprudência do STF. 69. PAULO DE BARROS CARVALHO. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2008, p. 94 e ss. 73 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO 4.2.2.7.3 O conceito de normas paralelas na declaração de inconstitucionalidade Exemplo bem amoldado ao contexto deste trabalho e que prova a adoção, pelo STF, de concepções relacionadas à filoso- fia da linguagem, dentre elas, aquele que atribui à linguagem a função constitutiva das realidades social e jurídica, diz res- peito às chamadas normas paralelas. Essas espécies de nor- mas são aquelas construídas a partir de diferentes enunciados prescritivos, de competência legislativa de diferentes órgãos, mas que têm seus conteúdos idênticos. Noutro giro linguísti- co, são normas jurídicas introdutoras distintas, até por serem produzidas por agentes competentes distintos, mas que intro- duzem normas jurídicas de idêntico conteúdo normativo. A declaração de inconstitucionalidade de norma jurídica “n1” pode afetar a constitucionalidade de outra norma jurí- dica “n2”, mesmo que o sujeito competente para produzir a norma “n1” seja diferente daquele competente para produzir a norma “n2”, e mesmo que as duas normas jurídicas tenham âmbitos de validade distintos (p. ex.: uma Lei Ordinária pro- duzida pelo Estado de São Paulo (n1) e outra Lei Ordinária produzida pelo Estado do Rio Grandedo Norte (n2). O STF vem entendendo que a declaração de inconsti- tucionalidade de norma “n1”, produzida pelo Estado “E1”, e que foi objeto de ação direta de constitucionalidade, teria o condão de comprometer também a constitucionalidade da norma “n2”, produzida pelo Estado “E2”, mesmo que essa norma não tenha sido objeto do pedido na ação de controle de constitucionalidade. Interessante notar que a questão envolvendo as normas paralelas está associada a dois outros pontos também examina- dos neste trabalho: efeitos vinculantes e efeitos transcenden- tes das decisões em controle abstrato de constitucionalidade. Com efeito, a aceitação no nosso sistema jurídico da afetação de norma paralela “n2” em função da declaração de incons- titucionalidade da norma “n1” é mais uma demonstração de 74 ROBSON MAIA LINS que a concepção de norma jurídica adotada pelo STF está in- serida no paradigma da filosofia da linguagem. 4.2.2.7.3.1 As “técnicas” de declaração de inconstitucio- nalidade: interpretação conforme a Consti- tuição e declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto A retirada da vigência e, eventualmente, da validade de lei ou ato normativo do sistema quando da declaração de in- constitucionalidade, acompanhada da retirada do enunciado prescritivo (artigo, inciso e parágrafo, ou parte dele), que, no entender do STF, serve de suporte físico para a interpretação construtora da RMIT que se deseja espancar. É a chamada de- claração de inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade. Neste caso, nulidade do texto e da norma construída a partir dele. Interessante notar que a declaração de inconstituciona- lidade com pronúncia de nulidade estava em perfeita sintonia com o suposto prestígio do método de interpretação literal. Há hipóteses, contudo, em que pelo menos uma das nor- mas jurídicas construídas a partir da lei (ou ato normativo) arguída de inconstitucional está em consonância com o or- denamento jurídico. Assim, se das interpretações cabíveis na “moldura” da norma, uma delas estiver em consonância com a Constituição, o STF prescreve aquela significação como possível de ser aplicada pelos órgãos competentes e, portan- to, válida. Na mesma linha, se dentre as várias interpreta- ções possíveis, somente uma não guardar consonância com a Constituição, será esta declarada constitucional e as outras inconstitucionais. Na primeira hipótese, temos o emprego da técnica de interpretação conforme a Constituição; na segun- da, a técnica empregada é a da declaração de inconstituciona- lidade sem pronúncia de nulidade (do texto). Portanto, o alcance da interpretação conforme a Constitui- ção e declaração de inconstitucionalidade parcial sem pronún- cia de nulidade não se confunde. São semelhantes, mas não são idênticas. Assim, na declaração de inconstitucionalidade 75 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO parcial70 sem pronúncia de nulidade, em rigor, há efetivamente declaração de inconstitucionalidade das acepções (que são nor- mas jurídicas!) incompatíveis com a Constituição. Na interpre- tação conforme a Constituição, não há declaração de incons- titucionalidade das outras acepções construídas a partir do texto normativo, mas declaração de constitucionalidade de uma acepção (que também é norma jurídica!). Ademais, consoante os ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes,71 ao doutrinar so- bre as distinções entre uma e outra técnica: “A constatação de que uma lei determinada é compatível à Lei Fundamental não significa que apenas naquela interpretação deva ela ser consi- derada constitucional, uma vez que a Corte Constitucional não pode proferir decisão sobre todas as possíveis interpretações.” Interpretações examinadas, mas que não estejam con- templadas na parte dispositiva da decisão como constitu- cional, nem as possíveis interpretações posteriores ao julga- mento, podendo elas serem submetidas à nova aferição de constitucionalidade perante o STF. Por outro lado, na decla- ração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, as acepções incompatíveis com a Constituição são declaradas inconstitucionais, não podendo os órgãos do Poder Judiciário, ou mesmo do Executivo, positivar a RMIT submetida àquelas técnicas de controle, sob pena de dar azo à interposição da ação de reclamação constitucional para o STF, de acordo com o fundamento de garantia da autoridade de suas decisões (CF, art. 102, alínea l), e representação ao órgão competente por crime de responsabilidade.72 70. Reiteremos: a falta de pronúncia de invalidade é em relação ao texto (suporte físico) e não à norma, entendida como significação construída a partir de enuncia- dos prescritivos. 71. GILMAR FERREIRA MENDES. In: Jurisdição constitucional, 1998, p. 228. Ain- da sobre a interpretação conforme a Constituição e a impossibilidade de declarar a inconstitucionalidade de eventuais significações futuras, vem bem a lembrança do princípio geral de Hermenêutica chamado de inesgotabilidade dos sentidos. Signifi- ca, em síntese, que, diante do suporte físico de um signo qualquer, os intérpretes podem construir significações infinitas. 72. Essa conclusão é tirada do parágrafo único do art. 28, Lei 9.868/99, que atribui 76 ROBSON MAIA LINS Essas “técnicas” de controle de constitucionalidade espe- lham bem a distinção que o STF estabelece, propositadamente ou não, entre texto de lei ou ato normativo e significação, e su- porte físico (enunciado) e as normas jurídicas (significações). Aquele está no plano físico, fenomenal; estas, no plano da cons- ciência dos intérpretes do direito positivo. Portanto, para con- trolar a constitucionalidade das normas jurídicas, o STF pode ou não expulsar parte do enunciado prescritivo corresponden- te. Advertimos, em tempo, que a retirada dos enunciados pres- critivos que, no entender do STF, servem de suporte físico para construção da norma jurídica incompatível com a Constituição não é condição suficiente, de per si, de expulsão da referida RMIT do sistema. Isso porque, como a norma é a significação construída na mente do intérprete e cuja estrutura é de um juí- zo hipotético condicional, pode ocorrer que outros enunciados (não atacados na ADIn ou ADC) sirvam de fundamento para a constituição da norma que o STF, com simples retirada do enunciado, entendeu ter expulsado do sistema. Para evitar esse tipo de ineficácia da decisão que pronuncia inconstitucionali- dade de RMIT, a parte dispositiva deve trazer, além da retirada do suporte físico, a proibição de que a RMIT seja construída a partir de outros enunciados prescritivos válidos no sistema.73 Apesar de não se referir à seara tributária, convém men- cionar o exemplo da Lei 9.494/97, que foi julgada constitucio- nal por intermédio da ADC no 04, Rel. Min. Sydney Sanches, efeito vinculante e eficácia erga omnes inclusive à interpretação conforme a Consti- tuição e à declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Cabe frisar, no entanto, que o STF, na pena do Ministro Moreira Alves, deixou expresso que: “Essa nova orientação, além de ser mais exata, pois, quando só admitimos como constitucional uma das interpretações possíveis da lei impugnada, estamos, na realidade, declarando a inconstitucionalidade das demais, tem a vantagem de que apenas se admite constitucional a interpretação que impede a procedência to- tal da ação direta de inconstitucionalidade.” ADIn no 581/DF, j. 12.08.1992, in Revis- ta Trimestral de Jurisprudência, RTJ, 144: 154 (grifo acrescido). 73. Cabe anotar que não se está, à evidência, propugnando pela vinculação do legis- lador à decisão de inconstitucionalidade do STF, no sentido que, com a decisão, fi- que o Legislativo proibido de inserir novamente no sistema a norma declarada in- constitucional. Estamos falando de outros enunciados prescritivos já inseridos no sistema ao tempo da decisão do STF. 77 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO j. 10.09.1997, em sede de cautelar, sendo conferida à medida efeito vinculante eeficácia erga omnes. Aquela lei, dentre outras proibições, vedava a concessão de liminares contra a Fazenda Pública que importasse despesas imediatas para o Erário. No entanto, alguns Juízes, inclusive Ministros do STJ, vinham e vêm concedendo liminares que implicam despe- sas imediatas para a Fazenda, sem, no entanto, sequer exa- minarem a supracitada lei. Argumentam que o fundamento da tutela antecipada concedida está diretamente previsto na Constituição, razão porque não haveria infração ao efeito vin- culante concedido pelo STF à cautelar na referida ADC. Sem ingressar no mérito das decisões judiciais, temos que retirar deste exemplo lição sobre a qual já advertimos: é possível, com base noutros enunciados prescritivos não decla- rados inconstitucionais, construir normas jurídicas que foram consideradas inconstitucionais pelo STF. A perplexidade con- tinua no sentido de entender se tais enunciados prescritivos estariam abrangidos pela eficácia subjetiva do efeito vincu- lante do julgamento do STF. Entendemos que o julgamento do STF, declarando cons- titucional ou inconstitucional uma determinada norma, veda que a mesma norma seja constituída a partir de qualquer ou- tro texto normativo, mesmo que não indicado nas petições ini- ciais da ADin e ADC, nem na respectiva decisão, mas desde que postos no sistema até o respectivo julgamento da ação de controle de constitucionalidade. Da mesma forma, se declara- da constitucional determinada norma construída a partir de determinado texto, não será dado ao Judiciário e ao Executivo deixarem de aplicar a norma a pretexto de construir outra, a partir de outros enunciados prescritivos, que discipline a con- duta em sentido contrário à examinada pelo STF. Na doutrina, essa propriedade da decisão da Supre- ma Corte é chamada de efeito transcendente, isto é, o efeito que transcende aos enunciados prescritivos que serviram de base para a construção da norma declarada constitucional ou inconstitucional. 78 ROBSON MAIA LINS Em verdade, tomando a norma jurídica na sua compos- tura de juízo hipotético-condicional, isto é, uma hipótese “H” implicando um consequente “C” (H→C), teremos que os efei- tos transcendente implicarão o trânsito em julgado das duas partes do juízo hipotético-condicional. Tanto a hipótese “H”, quando o consequente “C”, passarão em julgado. Com isso, apenas se a norma jurídica completa – hipótese e consequente – for exatamente igual é que, em princípio, não poderia haver novo exame de constitucionalidade da mesma norma jurídica. Essa estrutura completa – hipótese e conse- quente – é que o STF tem denominado de “conteúdo essencial”. 4.2.2.7.3.2 Efeito vinculante e coisa julgada no controle abstrato de constitucionalidade: a relevância da causa de pedir (efeitos transcendentes) A relevância do exame da causa de pedir nas ações de controle abstrato de constitucionalidade apresenta três di- mensões imediatas: (i) a vinculabilidade dos fundamentos uti- lizados para se decidir o mérito, (ii) a possibilidade de o pró- prio STF não ficar vinculado aos argumentos utilizados pelos legitimados ativos no manejo da Ação Constitucional e (iii) a vinculabilidade do Poder Legislativo às decisões do STF em ações de controle abstrato de constitucionalidade. O exame de mérito da constitucionalidade das normas jurídicas, que deve ser realizado tendo como parâmetro as normas vigentes da Constituição da República, pode implicar declaração de constitucionalidade – hipótese em que a ADC é julgada procedente e a Adin é julgada improcedente – ou de inconstitucionalidade, sendo, neste caso, julgada improce- dente a ADC ou procedente a Adin. Sustemos que a causa de pedir, os escaninhos do contruc- tivismo lógico-semântico, compõe o antecedente da norma ju- rídica posta pelo STF quando decide o mérito das ações dire- tas de controle de constitucionalidade. Por isso, não há como apenas o consequente, vale dizer, a parte dispositiva da decisão 79 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO “passar em julgado”, visto que, aqui, além da parte dispositiva da decisão, que é o consequente da norma introduzida, tam- bém ingressa no sistema o antecedente, os chamados motivos determinantes, gerando efeitos para além daquela decisão. 4.2.2.7.3.3 A inconstitucionalidade por “arrastamento” A chamada inconstitucionalidade por arrastamento de- monstra a inclinação da Suprema Corte em direção aos con- ceitos operados pela filosofia da linguagem. É comum o STF declarar inconstitucional determinada norma jurídica, cons- truída com fundamento no dispositivo “x” da Lei, sendo que os demais dispositivos não são seriam inconstitucionais. En- tretanto, a permanência da “parte constitucional” ou ficaria sem sentido deôntico completo, isto é, não haveria a modali- zação da conduta em obrigado, permitido ou proibido; ou ser- viria para constituir outra norma jurídica que aquela (s) que seria (m) criada (s) se não fosse declarada inconstitucional a parte violadora da Constituição. Numa ou noutra situação não haveria a modalização da (s) conduta (s) disciplinada (s) se fosse mantida a constitucio- nalidade da parte que fora declarada inconstitucional. A solu- ção adotada pela jurisprudência do STF tem sido a declaração de inconstitucionalidade total do diploma normativo pelos se- guintes fundamentos: (i) a parte inconstitucional, por violação da Constituição; e (ii) a parte constitucional, sob o fundamento de que a sua permanência no sistema jurídico não modaliza as condutas que seriam disciplinadas se o ato normativo tivesse sua constitucionalidade mantida ou (iii) porque a parte consti- tucional, mantida sem a fração inconstitucional, serviria para constituir outras normas jurídicas que não aquelas que seriam construídas se fosse mantida no ordenamento a inteireza do ato normativo, isto é, a parte constitucional e a inconstitucional. Vemos, com hialina clareza, que na declaração de incons- titucionalidade por “arrastamento” a parte constitucional do ato normativo que é declarada inconstitucional não viola – per se – a Constituição. Entretanto, a interpretação da parte 80 ROBSON MAIA LINS constitucional constitui outra realidade jurídica, vale dizer, outra norma jurídica distinta daquela que seria constituída se todo o texto normativo fosse, integralmente, constitucional. É bem verdade que, para se chegar a essa compreensão de que há uma parte do ato normativo que, embora constitucional, não serve para construir as normas jurídicas que seriam cons- truídas se todo o texto do ato normativo fosse constitucional, requer-se interpretação não só do ato normativo em si perante a Constituição. É imperioso que as demais normas jurídicas que entram em cálculo com as normas construídas a partir do ato normativo objeto de controle de constitucionalidade sejam exa- minadas, a fim de que essa dependência sistêmica seja atestada. Com isso, dizemos que a declaração de inconstitucionali- dade depende do exame de duas relações de dependência: a primeira é a relação de dependência entre a parte constitucio- nal em relação à inconstitucional; a segunda, é a relação de de- pendência da parte constitucional com o sistema jurídico total. 4.2.2.7.3.4 Ofensa direta e indireta à Constituição e a autonomia normativa A autonomia da norma jurídica revela o grau de deriva- ção em relação à Constituição. Essa gradação da derivação normativa é medida pelo fundamento imediato de validade do ato normativo. Nesta linha, se o ato normativo deriva diretamente da Constituição, por exigência da própria Carta Maior, tem-se configurada sua autonomia, sendo qualquer desconformida- de com a Norma Maior ofensa direta e, portanto, passível de controle via ADIn e ADC. É com fundamento na falta de autonomia normativa que o STF74 não aceita que ADin e ADC sejam propostas contra leis e atos normativos que ofendam, ainda que indiretamente, 74. ADIn-Mca no 1.590-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.06.1997, DJU 15.08.1997; ADIn 360-DF,Rel. Min. Moreira Alves, j. 21.09.1990, DJU 26.02.1993. 81 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO a Constituição. Na seara tributária, seria o caso do regula- mento de execução de RMIT. O regulamento, na hipótese de desbordar dos limites da RMIT, estaria violando diretamen- te a própria RMIT e, somente indiretamente, a Constituição. Seria hipótese de ilegalidade e não de inconstitucionalidade. Apenas quando o ato regulamentar invadir competência re- servada à lei (outra lei que não a veiculadora da RMIT) é que, segundo a jurisprudência do STF,75 ter-se-ia hipótese de regu- lamento autônomo, e, por não ser aceito no nosso ordenamen- to, desafiaria o controle concentrado de constitucionalidade.76 Nem toda norma jurídica, mesmo que abstrata e geral, pode ser objeto de controle de constitucionalidade abstrato perante o STF. Requer-se, além de abstração e generalidade, a impessoalidade e, o que nos interessa mais de perto, a auto- nomia normativa. Norma autônoma ou derivada diz respeito ao seu funda- mento imediato de validade. Sabemos que todas as normas jurídicas, independente do modelo de sistema jurídico que se adote, devem buscar na Constituição da República seu funda- mento de validade. De uma Portaria ou instrução normativa, passando pelos decretos, medidas provisórias, leis ordinárias, leis complementares – apenas para ficarmos nos atos norma- tivos produzidos pelos Poder Público – todos devem ser fun- damentados em normas constitucionais. Entretanto, nem todas as normas jurídicas, mesmo que gerais e abstratas, têm como fundamento de validade direta- mente a Constituição da República. Como, então, saber se determinada norma tem ou não fundamento direito na Constituição? A resposta está na pró- pria Constituição. É que para algumas matérias a Carta Magna 75. ADIn 1396-SC, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 08.06.1998, onde o STF declarou in- constitucional decreto estadual que violava divisão funcional de poder. No mesmo sentido ADIn 360-DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 21.09.1990. DJU de 26.02.1993; ADIn MCA 1590-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.06.1997, DJU de 15.08.1997. 76. ADIn no 1.396-SC, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 08.06.1998. 82 ROBSON MAIA LINS reserva tratamento escalonado, deixando que algumas maté- rias sejam tratadas em termos de normas gerais, pela Lei Com- plementar, e apenas as normas específicas sejam emitidas. Se ela – a Constituição – exigir algum ato normativo, no caso, lei complementar, para que a Lei Ordinária possa prescrever as condutas de forma específica, então a Lei Ordinária não é au- tônoma em relação à lei complementar. Há, nesse caso, posição hierárquica superior da lei complementar em relação à Lei Or- dinária. Se esta disciplinar de forma diferente a matéria trata- da pela lei complementar, haverá ilegalidade direta. Inconstitu- cionalidade poderá existir, mas apenas indiretamente. 4.2.2.7.4 Síntese sobre a produção normativa do STF O STF, de há muito, ao examinar os conceitos de efeito vinculante, nos seus aspectos objetivos e subjetivos, efeitos erga omnes, efeitos prospectivos das normas declaradas in- constitucionais, efeitos transcendentes, declaração de incons- titucionalidade sem pronúncia de nulidade e interpretação, já sinalizava que o conceito de norma jurídica não se confundia com a literalidade textual. A maioria das decisões do STF, envolvendo controle de constitucionalidade, aponta que a Corte Constitucional está atenta aos paradigmas do Giro Linguístico, colocando em foco a atividade linguística do intérprete eleito pelo sistema como agente produtor de sentido por meio de atos de fala. A declaração de inconstitucionalidade parcial sem redu- ção de texto e a interpretação conforme a constituição são duas técnicas empregadas pelo STF nas ações de controle de cons- titucionalidade abstrato que denunciam a forte influência dos paradigmas da filosofia da linguagem nas decisões da Corte Maior. Nelas, não declara inconstitucional (no caso da declara- ção de inconstitucionalidade parcial sem pronúncia de nulida- de) ou constitucional (quando a hipótese for de interpretação conforme a constituição) o suporte fático a partir do qual se constrói a norma jurídica (significação). É a própria significa- ção que é declarada inconstitucional ou constitucional. 83 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Outro exemplo que mostra a proximidade das decisões do STF do Constructivismo Lógico-Semântico é a declara- ção de inconstitucionalidade por arrastamento. Aqui, a parte constitucional do ato normativo, assim reconhecida pelo STF, é declarada inconstitucional, seja porque, isoladamente, não modaliza a conduta que seria modalizada se a totalidade do ato normativo permanecesse no sistema (dependência inter- na), seja porque os outros enunciados normativos do sistema jurídico (dependência externa) não podem, por imposição normativa, ou não servem para modalizar a referida conduta da forma que seria modalizada se a higidez constitucional do ato normativo fosse integralmente mantida. 4.2.2.8 Atos praticados pelos particulares no processo de positivação das normas tributárias Não podemos esquecer, por fim, os atos normativos produ- zidos pelos particulares. Esses possuem as mais diversas for- mas e são veículos secundários lançados por indivíduos a todo instante, como, por exemplo, na emissão de um recibo, nota fiscal, “lançamento” tributário por homologação, contratos etc. Em verdade, esses atos dos particulares vêm ganhan- do cada vez mais espaço não só no direito tributário, mas em quase todos os domínios do direito. No setor tributário, somos chamados a todo momento a fazer a incidência da regra-ma- triz de quase todos os tributos, nos tributos submetidos ao er- roneamente denominado “lançamento por homologação” ou “autolançamento”, além do cumprimento dos inúmeros de- veres instrumentais. Assim, apenas quando o sujeito passivo deixa de realizar a incidência de alguma das normas sobre- ditas, é que vem a atuação da Fazenda Pública na realização do denominado lançamento de ofício, onde ocorre também a incidência da norma sancionatória tributária com aplicação da multa respectiva. Quer dizer, a Fazenda Pública, pouco a pouco após a edição do Código Tributário Nacional de 1965, deixou de exercer a função administrativa de realizar a maio- ria expressiva dos atos de constituição do crédito tributário, 84 ROBSON MAIA LINS naquelas hipóteses de lançamento de ofício e de lançamento por declaração, para exercer o poder de polícia em relação aos atos dos contribuintes no denominados lançamentos “por homologação” ou “autolançamento”. Essa mudança de paradigma no agente competente para constituir o crédito tributário teve e tem sérias implicações que precisam ser melhor explicadas, ainda mais consideran- do que estamos no campo do direito tributário, onde o princí- pio da estrita legalidade tem plena aplicação. A primeira dessas implicações desse nível de responsa- bilidade, que é retirada de um agente público com formação específica para tal desiderato e repassada aos contribuintes, pressupõe que o sistema jurídico seja dotado de altíssimo nível de estabilidade e segurança jurídicas na interpretação das normas gerais e abstratas, de forma que a certeza jurídi- ca sobre a interpretação jurídica possa divisar o contribuinte que erra do contribuinte que sonega, podendo ainda separar o inadimplente do criminoso. Ora, talvez, até o momento, o Brasil não tenha alcançado, malgrado o esforço dos Tribunais de Cúpula do Poder Judiciário, esse grau de estabilidade in- terpretativa das normas pertencentes ao campo tributário. A segunda implicação, que decorre da primeira, que é exatamente a expansão do direito tributário sancionatório, vale dizer, das normas que prescrevem pesadíssimas multas aos contribuintes que porventura venha a interpretar as nor- mas gerais e abstratas, ou mesmo o fato jurídico tributário, de forma distinta da interpretação que já deveria ter sido estabi-
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