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Contents Imprint Marco Aurélio Sobre o projeto Estoicismo Hoje Sumário Contribuidores Prefácio Introdução O que é o Estoicismo Capítulo 1: Teoria Estoica A Visão Estoica sobre a Comunidade Humana Os Estoicos Não São Frios! Sobre as Motivações de um Estoico Capítulo Dois: Adaptando o Estoicismo aos Dias Atuais Uma Abordagem Simplificada e Moderna do Estoicismo O Que os Estoicos Podem Fazer por Nós? Capítulo Três: Conselhos Estoicos Gratidão e Encantamento Felicidade à Venda – O Que Sêneca Diria? Veja como um Estoico: Uma Técnica Antiga para Consumidores Modernos Capítulo Quatro: Histórias de Vida Ser Um Advogado Estoico O Prefeito Estoico A Maior de Todas as Lutas O Médico Estoico Reflexões de uma Mulher Estoica Sobre Gambás, Chucrute e Estoicismo Capítulo Cinco: Estoicismo para Pais E Professores Paternidade e A Aceitação Estoica Elogie o Processo Estoicismo no Ensino e Controle Estoico Levando a Filosofia Prática para a Sala de Aula Capítulo Seis: Estoicismo e Psicoterapia Um Esboço das Influências Estoicas na Logoterapia de Viktor Frankl Meu Retorno à Saúde Mental com a TCC e o Estoicismo Capítulo Sete: Estoicismo e Atenção Plena A Atenção Plena do Estoicismo e a Atenção Vazia do Budismo Existia uma “Atenção Plena Estoica”? Capítulo Oito: Literatura Estoica e o Estoicismo na Cultura Moderna O Clube de Epiteto: Excerto The Phoenix Cycle: Ficção Científica Estoica Sócrates no clube Saracens “Acho que toda criança deveria aprender filosofia estoica”: Uma Conversa com John Lloyd Estoicismo e Star Trek Sua classificação e suas recomendações diretas farão a diferença Notizen O Estoicismo Hoje: Sabedoria Antiga para a Vida Moderna Patrick Ussher Traduzido por Taís Paulilo Blauth “O Estoicismo Hoje: Sabedoria Antiga para a Vida Moderna” Escrito por Patrick Ussher Copyright © 2015 Patrick Ussher Todos os direitos reservados Distribuído por Babelcube, Inc. www.babelcube.com Traduzido por Taís Paulilo Blauth “Babelcube Books” e “Babelcube” são marcas comerciais da Babelcube Inc. ~ “Sê como o promontório onde quebram as ondas: mantém-te firme e reúne as águas para que descansem.” Marco Aurélio, Meditações, 4.48. ~ Sobre o projeto Estoicismo Hoje A equipe do projeto Estoicismo Hoje (Stoicism Today) é composta por acadêmicos das universidades de Exeter, King's College, University of London e Queen Mary e por psicoterapeutas do Reino Unido e Canadá, que trabalham juntos para produzir recursos relacionados ao Estoicismo com foco nos dias atuais. O grupo já organizou duas Semanas Estoicas internacionais (em novembro de 2012 e 2013). Cerca de 2.200 pessoas participaram do evento em 2013, no qual receberam um livreto de 38 páginas contendo exercícios e conselhos para prática diária. Houve também uma reunião pública em Londres, que contou com a participação de mais de 200 pessoas. A Semana foi mencionada em diversas publicações, entre elas os jornais Toronto Globe & Mail e The Daily Telegraph, o programa Channel 4 Online e a revista The Spectator. Foi citada também em rádios como a BBC Radio 4, a BBC Wales e a BBC World Service. Cerca de 2.500 pessoas participaram da Semana Estoica 2014 (realizada entre 24 e 30 de novembro), que foi citada na revista Newsweek e na ABC Radio da Austrália. Há também o blogue do Estoicismo Hoje (ver link abaixo), de onde foram selecionados os artigos para este primeiro volume. O blogue teve quase 600 mil acessos nos primeiros dois anos. Haverá uma nova edição da Semana Estoica no final de novembro de 2015. Jules Evans, Gabriele Galluzzo, Gill Garratt, Christopher Gill, Tim LeBon Donald Robertson, John Sellars e Patrick Ussher são os membros do projeto Estoicismo Hoje. Ao adquirir este livro, você está contribuindo para um fundo de apoio aos projetos da equipe do Estoicismo Hoje. Referências da Internet: Blogue: http://blogs.exeter.ac.uk/stoicismtoday/. Canal do Youtube: https://www.youtube.com/user/StoicismToday Twitter: https://twitter.com/StoicWeek Grupo no Facebook: https://www.facebook.com/groups/Stoicism/ http://blogs.exeter.ac.uk/stoicismtoday/ Sumário Contribuidores Prefácio Stephen J. Costello Introdução Patrick Ussher O que é o Estoicismo – John Estoicismo Capítulo 1: Teoria Estoica 'Ideias Centrais da Ética Estoica em Marco Aurélio' - Christopher Gill 'A Visão Estoica sobre a Comunidade Humana' - Patrick Ussher 'Os Estoicos Não São Frios!' - Donald Robertson 'Sobre as Motivações de um Estoico' - Michel Daw Capítulo Dois: Adaptando o Estoicismo aos Dias Atuais 'Qual Estoicismo?' - John Sellars 'Uma Abordagem Simplificada e Moderna do Estoicismo' - Donald Robertson 'O Que os Estoicos Podem Fazer por Nós?' - Antonia Macaro Capítulo Três: Conselhos Estoicos 'Sobre a Aceitação da Morte' - Corey Anton 'Gratidão e Encantamento' - Mark Garvey 'Felicidade à Venda - O Que Sêneca Diria?' - Laura Inman 'Uma Técnica Antiga para Consumidores Modernos' - Tim Rayner Capítulo Quatro: Histórias de Vida 'Minhas Experiências com o Estoicismo' - Helen Rudd 'Ser um Advogado Estoico' - Paul Bryson 'O Prefeito Estoico' - Jules Evans 'A Maior de Todas as Lutas'- Kevin Kennedy 'O Médico Estoico' - Roberto Sans-Boza 'Reflexões de uma Mulher Estoica' - Pamela Daw 'Sobre Gambás, Chucrute e Estoicismo' – Eric Knutzen & Kelly Coyne Capítulo Cinco: Estoicismo para Pais e Professores 'Estoicismo para Lidar com Crianças Pequenas' - Chris Lowe 'Paternidade e Aceitação Estoica' - Jan Fredrik-Braseth 'Elogie o Processo' - Matt Van Natta 'Estoicismo no Ensino e Controle Estoico'- Michael Burton 'Levando a Filosofia Prática para a Sala de Aula' - Jules Evans Capítulo Seis: Estoicismo e Psicoterapia 'O Estoicismo Funciona? Estoicismo e Psicologia Positiva' - Tim LeBon 'Um Esboço das Influências Estoicas na Logoterapia de Viktor Frankl' - Stephen J. Costello 'Meu Retorno à Saúde Mental com a TCC e o Estoicismo' - James Davinport Capítulo Sete: Estoicismo e Atenção Plena 'Virtude com Atenção Plena: Meditação Oriental para a Ética Estoica' - Ben Butina 'A Atenção Plena do Estoicismo e a Atenção Vazia do Budismo' - Aditya Nain 'Existia uma Atenção Plena Estoica?' - Patrick Ussher Capítulo Oito: Literatura Estoica e o Estoicismo na Cultura Moderna 'O Clube de Epiteto: Estoicismo na Prisão' - Jeff Traylor 'The Phoenix Cycle: Ficção Científica Estoica' - Bob Collopy 'Sócrates no Clube Saracens' - Jules Evans 'Uma Conversa com John Lloyd' - Jules Evans 'Estoicismo e Star Trek' - Jen Farren Contribuidores Corey Anton (Ph.D., Purdue University, 1998) é professor de Estudos da Comunicação na Grand Valley State University. Entre seus livros publicados, estão Selfhood and Authenticity (SUNY Press, 2001) e Sources of Significance: Worldly Rejuvenation and Neo-Stoic Heroism (Duquesne University Press, 2010). Jan-Fredrik Braseth é norueguês, filósofo, e possui mestrado em Filosofia e formação em aconselhamento filosófico. Vive em Oslo e trabalha como conselheiro, atendendo pessoas desempregadas em decorrência de problemas de saúde. Website: www.janfredrik.no. Paul Bryson é advogado e vive e trabalha na área metropolitana de Columbus, Ohio. Interessa-se pela filosofia estoica desde que a conheceu nos trabalhos de Sêneca, durante as aulas de latim do segundo grau. Blogue: stoiclawyer.wordpress.com. Michael Burton é canadense e professor em uma escola secundária no Reino Unido. Conheceu o Estoicismo quando era aluno de filosofia na escola secundária e desde então tem sido inspirado por essa filosofia. Escreve sobre questões de filosofia e educação em: burtonsblogs12.blogspot.co.uk/. Bem Butina trabalha na área de treinamento e desenvolvimento. É mestre em Aconselhamento e está cursando doutorado em Psicologia. Além do Estoicismo, interessa-se por filosofia e religião oriental. Vive com sua mulher e filhos em Latrobe, Pensilvânia. Blogue: approximatelyforever.com. Bob Collopy é autor, piloto, diretor de marketing/ gerente de sucursal em uma empresa de corretagem imobiliária e parceiro de uma nova start-up fundada pela Arizona State University,que tem por objetivo criar e comercializar um novo tipo de computador apropriado para mergulho. É também escoteiro Eagle. Stephen J. Costello é fundador e diretor do Instituto Viktor Frankl da Irlanda. É filósofo, logoterapeuta/ analista existencial e escritor. Leciona http://www.janfredrik.no/ http://burtonsblogs12.blogspot.co.uk/ filosofia e psicologia há mais de 20 anos na University College Dublin, na Trinity College Dublin e, mais recentemente, na Dublin Business School. É o autor dos livros The Irish Soul: In Dialogue (The Liffey Press, 2002), The Pale Criminal: Psychoanalytic Perspectives (Karnac Books, 2002), 18 Reasons Why Mothers Hate Their Babies: A Philosophy of Childhood (Eloquent Books, 2009), Hermeneutics and the Psychoanalysis of Religion (Peter Lang AG., 2009), The Ethics of Happiness: An Existential Analysis (Wyndham Hall Press, 2011), What are Friends For?: Insights from the Great Philosophers (Raider Publishing International, 2011), Philosophy and the Flow of Presence (Cambridge Scholars Publishing, 2013), e The Truth about Lying (The Liffey Press, 2013). Kelly Coyne é coautora, juntamente com seu marido, Erik Knutzen, de The Urban Homestead: Your Guide to Self-Sufficient Living in the Heart of the City (Process, 2010) e de Making It: Radical Home Ec for a Post Consumer World (Rodale Press, 2011). Website: www.rootsimple.com. James Davinport é um pseudônimo. Ele vive e trabalha em Londres. Michel Daw é professor de adultos há mais de 20 anos. Escreve, fala e posta em seu blogue sobre todos os assuntos relacionados ao Estoicismo. Coordena, juntamente com sua esposa, Pamela Daw, uma série de workshops sobre o Estoicismo em sua comunidade, que se reúne regularmente no Canadá. Blogue: livingthestoiclife.org Pamela Daw é mãe de três crianças adultas e é casada com Michel Daw há 28 anos. Ao lado de seu marido, coordena uma comunidade estoica que se reúne regularmente no Canadá. Blogue: musingsofastoicwoman.blogspot.com. Jules Evans é o autor de Philosophy for Life and Other Dangerous Situations (Rider, 2013). É diretor de políticas no Centre of the History of Emotions, no Queen Mary College da Universidade de Londres. Mais recentemente, desenvolveu e coordenou um curso de filosofia prática na penitenciária Low Moss, na Escócia, e no clube Saracens no Reino Unido. Website: philosophyforlife.org. http://www.rootsimple.com http://livingthestoiclife.org http://philosophyforlife.org Jen Farren é uma escritora freelancer que vive nos Bálcãs. Escreve sobre a arte, cultura e ideias antigas e atuais dos Bálcãs em seu blogue: gotirana.wordpress.com. Sua carreira é em pesquisa, análise, escrita e comunicação para o metrô, a polícia e a administração de Londres. Já escreveu para o Teatro IROKO, o projeto Royal Docks e o Heritage Lottery Fund. Mark Garvey é autor de Stylized (Touchstone, 2009), Come Together (Thomson, 2006), e Searching for Mary (Plume, 1998). Seus artigos e ensaios já figuraram em publicações como The Wall Street Journal, The Oxford American, Writer's Digest, entre outras. Ele mora em Cincinnati, Ohio, e mantém o blogue OldAnswers.com. Christopher Gill é professor emérito de Pensamento Antigo na Universidade de Exeter, no Reino Unido. Tem diversas publicações sobre filosofia antiga, entre as quais os livros The Structured Self in Hellenistic and Roman Thought (Oxford University Press, 2006), Naturalistic Psychology in Galen & Stoicism (Oxford University Press, 2010). Escreveu também a introdução e notas para Epictetus: Discourses, Fragments, Handbook e Marcus Aurelius: Meditations, ambos da série de clássicos da Oxford World's Classics. Laura Inman é pesquisadora independente, escritora freelancer, tutora e advogada aposentada. Seu trabalho como pesquisadora de Brontë inclui The Poetic World of Emily Brontë (Sussex Academic Press, 2014) e artigos sobre Emily Brontë nas publicações Brontë Studies e Victorians: Journal of Culture and Literature. Seus artigos sobre literatura e Estoicismo e seus contos já figuraram em revistas e blogues online, incluindo seu próprio blogue, thelivingphilosopher.com, um guia estoico e literário para a vida. Possui um doutorado profissional pela Escola de Direito da University do Texas em Austin, graduação em Francês pela Universidade do Arizona e mestrado em Educação Inglesa pelo Manhattanville College em Purchase, Nova York. Kevin Kevin é um historiador, escritor e guia turístico germano-americano que vive e trabalha em Potsdam, na Alemanha. Sua especialidade é a história http://gotirana.wordpress.com moderna inicial da Prússia, Alemanha e Europa Central, mas ele se interessa também por estudos urbanos, filosofia e, é claro, Estoicismo. Erik Knutzen é coautor, junto com sua esposa Kelly Coyne, de The Urban Homestead: Your Guide to Self-Sufficient Living in the Heart of the City (Process, 2010) e de Making It: Radical Home Ec for a Post Consumer World (Rodale Press, 2011). Website: rootsimple.com. Tim LeBon é terapeuta registrado no UKCP (Conselho de Psicoterapia do Reino Unido) e trabalha no Sistema Nacional de Saúde no IAPT (projeto de melhoria de acesso às terapias psicológicas), usando a Terapia Cognitivo- Comportamental em associação com sua prática privada como conselheiro e coach de vida no centro de Londres. É o editor fundador do periódico Practical Philosophy e autor de Wise Therapy (Sage, 2001) e de Achieve Your Potential with Positive Psychology (Hodder, 2014). Website: www.timlebon.com. Chris Lowe vive em Halifax, Nova Escócia. Seu interesse pelo Estoicismo começou no final de 2013. Ele estuda os clássicos de Epiteto e Marco Aurélio paralelamente às filosofias orientais de base semelhante. Chris é um autodidata do Estoicismo e mantém um blogue: stoicism.ca. Antonia Macaro tem um background em psicoterapia e aconselhamento no campo de drogas e álcool, com registro no UKCP. Tem mestrado em filosofia e está envolvida com o movimento de aconselhamento filosófico desde o seu início no Reino Unido. Escreveu Reason, Virtue and Psychotherapy (Wiley- Blackwell, 2006) e, com Julian Baggini, The Shrink and the Sage (Icon Books, 2012). Em novembro de 2013, participou da mesa redonda no Dia do Estoicismo para a Vida Diária em Londres. Website: antoniamacaro.com. Aditya Nain é mestre em Filosofia pela Universidade de Puna, na Índia, e tem especialização em Finanças pela Universidade de Londres. Paralelamente ao seu trabalho como professor assistente na SSLA (Symbiosis School for Liberal Arts) em Puna, está cursando doutorado no Indian Institute of Technology em Bombaim, no programa para professores de faculdades, na área de Filosofia do Dinheiro. Blogue: adityanain.com. http://www.timlebon.com/ http://stoicism.ca/ http://antoniamacaro.com Tim Rayner é cofundador e diretor do projeto One Million Acts of Innovation (Austrália). Lecionou Filosofia nas Universidades de Sydney e de New South Wales, na Austrália. É autor do manual de transformação Life Changing: A Philosophical Guide (2012) e do premiado curta-metragem Coalition of the Willing (2010). Website: timrayner.net. Donald Robertson é psicoterapeuta cognitivo-comportamental, treinador e escritor e especializado no tratamento da ansiedade e no uso da TCC e da hipnoterapia clínica. É autor de Teach Yourself Stoicism and the Art of Happiness (Teach Yourself, 2013), Resilience: Teach Yourself How to Survive and Thrive in Any Situation (Teach Yourself, 2012) e de The Philosophy of Cognitive Behavioral Therapy: Stoic Philosophy as Rational and Cognitive Psychotherapy (Karnac Books, 2010). Blogue: philosophy-of- cbt.com. Helen Rudd sofreu uma lesão cerebral traumática em 2006 e ficou em coma por três semanas. Caiu em profunda depressão quando percebeu o quanto sua vida havia mudado, principalmente porque deixou de ser fisicamente apta. Por meio do Estoicismo, entretanto, sua vida se abriu e ela agora aproveita ao máximo cada dia. Roberto Sans-Boza graduou-se na Universidade de Cadiz, na Espanha, em 1991. Completou sua formação em neurofisiologia clínicano hospital da Universidade de San Carlos, em Madri, e uma formação complementar nas subáreas de eletrocorticografia e videotelemetria no Montreal Neurological Institute (Canadá). O Dr. Sans-Boza assumiu seu primeiro cargo de Consultor em 1998 no Walton Centre em Liverpool e no Glan Clwyd Hospital em North Wales. Entrou para o departamento de Neurofisiologia Clínica em Derriford em 2013. John Sellars é pesquisador em King's College, na Universidade de Londres. Tem dois livros sobre filosofia estoica: Stoicism (Routledge, 2006) e The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of Philosophy (Bloomsbury Academic, 2013). Website: www.johnsellars.org.uk. http://philosophy-of-cbt.com Jeff Traylor tem uma vasta experiência com o sistema prisional que inclui desde a implementação do programa de licenças da penitenciária de segurança máxima de Ohio até sua atuação como instrutor de habilidades em uma unidade correcional comunitária. Trabalhou na faculdade do Michigan Judicial Institute e treinou centenas de profissionais, desde fiscais de condicional até assistentes sociais. Graduou-se pela Ohio State University e é autor de uma série de livros de viagem sobre Ohio chamada Life in the Slow Lane (King of the Road Press). Patrick Ussher é doutorando na Universidade de Exeter e faz pesquisa sobre o desenvolvimento ético estoico. Sua dissertação de mestrado compara o Estoicismo e o Budismo 'ocidental'. Ele edita e gerencia o blogue do projeto Estoicismo Hoje. Matt Van Natta é estoico praticante e blogueiro (immoderatestoic.com). É também marido, pai e profissional de gerenciamento de emergências. O Estoicismo o ajuda muito em cada um desses papéis. Prefácio Stephen J. Costello, Ph.D. Este livro reflete e representa uma ampla gama de tópicos e temas, desde a ética estoica e as emoções até a paternidade, os sentimentos e Viktor Frankl, de prefeitos de orientação estoica e atenção plena até a filosofia prática, a criação dos filhos, a psicoterapia e as penitenciárias, de Star Trek e Sócrates a advogados, à literatura e ao viver estoico em geral. Assim, há algo para todos nesta eclética compilação. Há dois significantes no título deste livro: “Estoicismo” e “hoje”. Isto sugere que o Estoicismo ateniense antigo (escola de filosofia prática helenística) tem ainda algo a nos dizer nos dias de hoje. Os estoicos lutavam contra o sofrimento; desejavam sujeitar sua vontade ao mundo e cultivar a virtude a fim de florescer. Acreditavam que o comportamento do indivíduo era mais importante do que suas palavras. Viam a filosofia menos como uma disciplina arcana, acadêmica, teórica e difícil e mais como um modo de vida para os que amavam a Sabedoria (sophia) e o Bem (agathon). Desde o início, a filosofia mostrou-se popular. E isto porque era prática, mas também profunda. Foi bem recebida até mesmo por um imperador, Marco Aurélio, que se tornou ele próprio estoico e redigiu as famosas Meditações. Entretanto, outro imperador, Justiniano I, fechou essas escolas “pagãs” de filosofia em 529 a.C. porque eram vistas como incompatíveis com o cristianismo de Constantino (Constantino, o Grande, havia promovido o primeiro Concílio de Niceia em 525 a.C.). Mas as ideias estoicas permearam a espiritualidade de S. Inácio de Loyola, para citar apenas um dos líderes religiosos que cristianizaram antigos exercícios espirituais estoicos, como viriam a fazer muitos outros. Então, qual o grande encanto dessa filosofia? Os estoicos querem que pratiquemos a força ante os reveses do destino; que desenvolvamos o autocontrole, sobretudo sobre as emoções destrutivas e negativas; que aumentemos nosso bem-estar moral e espiritual; que alinhemos nossas vidas com o logos divino que permeia toda a criação. Querem que sejamos apaixonadamente e alegremente pacíficos, sábios, corajosos, disciplinados e justos. Que examinemos nossas vidas e pratiquemos disciplinas diárias (exercícios espirituais) que, tornando-se hábitos do coração, nos auxiliem no aqui e agora. Que sejamos indiferentes às coisas indiferentes e nos concentremos no que podemos controlar e escolher, desapegando-nos daquilo que não podemos controlar e escolher. Que vivamos em harmonia e permaneçamos em um estado de felicidade, para ajudarmos uns aos outros e vivermos no amor. Isto porque o que nos afeta não são as coisas, mas a interpretação que nossa mente faz delas, a visão delas que adotamos. E não são esses ideais dignos de se buscar, ter e ser? Em resumo, os estoicos querem que vivamos de modo mais significativo e menos descuidado. Fundado por Zenão, o Estoicismo atraiu homens da estatura do advogado Sêneca, do ex-escravo Epiteto e do imperador Marco Aurélio. Estes se destacaram como as primeiras estrelas novas do movimento. Seus escritos, sejam as Cartas de Sêneca, os Discursos de Epiteto ou as Meditações de Marco Aurélio, inspiram, elevam, enobrecem. Convencem e gentilmente repreendem, ao mesmo tempo que encorajam. Em última análise, nada pode realmente tocar nossa alma, nossa cidadela interna. Muito se encontra sob nosso poder e alcance. E o resto? O resto a Deus pertence. É problema Dele, não nosso. A questão não é quanto tempo vivemos, mas com qual grau de nobreza: viver diz respeito à profundidade, não à duração. Isto também era ensinado no antigo e nobre pórtico (stoa). Você não deseja ser livre? Pare de ser um escravo, então. Os estoicos nos mostraram um caminho e acenderam lanternas para iluminar a escuridão dos nossos tempos. Cabe a nós segui-los. Ou não, conforme for. Dublin, julho de 2014. Introdução Sendo uma robusta filosofia e modo de vida, cuja principal proposição é a de que o cultivo da virtude permite tanto uma superação bem-sucedida dos desafios da vida quanto uma vida estruturada, dotada de propósito e que contribui para o bem comum, é fácil perceber por que o Estoicismo tem atraído um interesse crescente. Pois enquanto surgir a pergunta “Como posso viver bem?”, o Estoicismo estará sempre contente em fornecer respostas. Muitas dessas respostas são apresentadas neste volume, conforme compreendidas por aqueles que seguem, ou já fizeram uso, do caminho estoico nos tempos atuais. Como um todo, a teoria estoica e os conselhos e histórias de vida associados a ela constituem o cerne deste livro (caps. I, III, IV). Você conhecerá exemplos significativos do viver estoico, desde formas de lidar com a adversidade (e virá-la do avesso), de basear a própria profissão na ética e nos valores estoicos, de superar o medo da morte e, finalmente, fará também reflexões sobre a natureza da própria felicidade. Por todo o livro, fica claro que o Estoicismo não tem receio de ser uma filosofia realista – não foge das difíceis realidades da vida – mas, partindo dessa base, oferece respostas para como viver em face dessas dificuldades. Numa cultura em que “sentir-se bem” é frequentemente a regra (algo não tão fácil quando as coisas não vão bem), chama atenção a ideia de perseguir uma concepção do “bem”, ou de ter um caráter exemplar que permita enfrentar essas dificuldades de frente, assim como a ideia de estruturar a própria vida, como um todo, em torno de um conjunto coerente de valores. Incluem-se também, neste volume, reflexões sobre a criação e a educação dos filhos (cap. V). Para os antigos estoicos, um dos principais objetivos da vida era vivenciar os relacionamentos “adquiridos naturalmente” da melhor forma possível, principalmente no que concerne aos deveres dos pais. Esse relacionamento, que está no cerne da teoria cosmopolita estoica, é explorado refletidamente por um trio de pais de orientação estoica. Porém, os estoicos não tentavam se sobressair apenas em seus papeis “naturalmente” adquiridos, mas também nos papeis assumidos perante a sociedade. Nesse mesmo espírito, o cap. V leva em conta também o que o Estoicismo tem a oferecer em sala de aula. Pensar o Estoicismo e suas aplicações ao mundo moderno não é sempre fácil, e algumas das questões que se apresentam são discutidas no cap. II. “Adaptar” o Estoicismo seria correr o risco de criaruma versão superficial, um sistema que enfocaria apenas as técnicas no lugar da ética e dos valores? No processo de adaptação, quais aspectos da filosofia antiga deveriam ser mantidos, quais abandonados e por quê? E é mesmo preciso “adaptar” o Estoicismo – não estaria bom tal como é? Não há respostas definitivas a essas questões, nem deveria haver, mas deve-se certamente levantá-las. As tradições filosóficas (ou mesmo religiosas) frequentemente dialogam consigo mesmas e, de fato, esta pode ser uma condição necessária para que sejam postas em prática de modo satisfatório. Quando se fala em adaptações, é difícil não pensar também na adaptação de certas práticas budistas em voga no ocidente nas últimas décadas, na forma de “meditação da atenção plena”, ou a capacidade de manter a atenção focada no momento presente. Com efeito, muitos dos que se deparam com o Estoicismo já praticaram a meditação da atenção plena ou alguma forma de Budismo e, comumente, se espantam com as semelhanças entre as duas filosofias. Ainda resta muito a ser feito para definir essas semelhanças, bem como das diferenças entre os dois sistemas (que, creio, são bastante substanciais), mas, para começar, apresentam-se no cap. VII três artigos que exploram a “atenção plena” das perspectivas estoica e budista. Trata-se de abordagens bastante diferentes. O primeiro artigo defende que a meditação da atenção plena pode ajudar ou fundamentar a prática estoica, enquanto o segundo argumenta que existe uma dicotomia intrínseca entre o Estoicismo e o Budismo, tal que a prática da “atenção plena” em um sistema não pode funcionar com o outro. E o terceiro, diferentemente, tenta investigar se no próprio Estoicismo clássico não haveria algo similar ao que chamamos hoje de “atenção plena”. Uma das dívidas do mundo moderno para com o Estoicismo, bastante citada, é a influência de ideias estoicas na psicoterapia moderna, em particular na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e na Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC). A afirmação de Epiteto de que “o que preocupa as pessoas não são as coisas em si, mas seu julgamento acerca delas” (Manual, cap. 5) foi particularmente influente, mas há também diversas outras semelhanças apontadas recentemente por Donald Robertson (ver The Philosophy of Cognitive-Behavioural Therapy, 2010). No cap. VI, faz-se uma reflexão sobre como a TCC e o Estoicismo, juntos, podem auxiliar o retorno à saúde mental. Há ainda algumas áreas de similaridade menos exploradas entre o Estoicismo e outras abordagens psicoterapêuticas. Por exemplo, um dos artigos explora um trabalho que vem sendo desenvolvido à luz da “Psicologia Positiva”, ramo da psicologia que se preocupa com valores, forças e a busca do sentido, com o intuito de medir cientificamente o grau de eficiência real do Estoicismo no auxílio às pessoas. Outro artigo trata da Logoterapia, terapia desenvolvida por Viktor Frankl, sobrevivente dos campos de concentração do Holocausto. Enquanto a relação entre a TCC, por exemplo, e o Estoicismo fica particularmente clara na prática de “desafiar as impressões” (ou “pensamentos”) para obter um pensamento mais equilibrado e preciso, as semelhanças entre o Estoicismo e a Logoterapia existem em um nível mais profundo e filosófico, em especial no que concerne ao objetivo de buscar o sentido, seja quais forem as circunstâncias. Nesse sentido, não surpreende que uma filosofia que prega ser possível manter a nobreza mesmo durante uma “tortura na roda” se pareça tanto com uma terapia filosófica fundada por um sobrevivente do Holocausto. A última parte do livro traz algo um pouco diferente: explora manifestações do Estoicismo na cultura moderna. Nesse capítulo, você saberá como o clube de rugby Saracens, da Inglaterra, fez uso do Estoicismo (com o objetivo de jogar bem e com ética, não apenas de ganhar), como Epiteto ajudou prisioneiros a retomar suas vidas e como o Estoicismo pode surgir em locais pouco prováveis, como um livro de ficção científica e em Star Trek. Mas tente, se puder, não se transformar no Spock. Duas questões editoriais: primeiramente, dada a natureza de um trabalho que inclui tantas opiniões pessoais, a interpretação do Estoicismo apresentada ao longo da obra não é uniforme. Isto se deve parcialmente à natureza do tema, mas é também traço de círculos acadêmicos: os pontos-chave da ética estoica, por exemplo, ainda são objeto de muitos debates. Mesmo os próprios estoicos tinham pontos de desacordo entre si. Em segundo lugar, a maior parte das traduções de Epiteto, Marco Aurélio e Sêneca citadas neste livro provém das traduções inglesas feitas por W. A. Oldfather, C.R. Haines e R.M. Gummere, respectivamente. Em algumas instâncias, a linguagem foi levemente adaptada para se adequar melhor ao público moderno. Quando foram utilizadas traduções mais recentes, tomou-se o cuidado de citar os créditos devidamente. Finalmente, gostaria de agradecer sinceramente a todos que contribuíram para este volume, que, espero, venha a ser o primeiro de uma série. Encorajamos os leitores que desejem relatar sua experiência pessoal com o Estoicismo a entrarem em contato conosco pelo website do projeto Estoicismo Hoje (Stoicism Today). Espero que esta coletânea de artigos seja de interesse tanto para acadêmicos que se preocupam com as aplicações modernas do Estoicismo quanto para todos aqueles que desejam fazer uso dessa filosofia em sua própria vida. Patrick Ussher Exeter, setembro de 2014. ____________________ 1 N.T.: Exceto quando mencionado, as citações desses autores gregos foram traduzidas para o presente volume em português a partir das traduções inglesas apresentadas no original desta obra. Os títulos das obras gregas, quando citadas no corpo do texto, aparecem em português, mas as referências dadas ao final de cada artigo permanecem sendo as das traduções inglesas, já que a tradução em português foi feita a partir delas e não das traduções brasileiras existentes. O que é o Estoicismo John Sellars O Estoicismo era uma das quatro principais escolas filosóficas da antiga Atenas, juntamente com a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles e o Jardim de Epicuro, e lá se desenvolveu por cerca de 250 anos. Tornou-se especialmente popular entre os romanos e atraiu os mais diversos admiradores, entre eles o estadista Sêneca, o ex-escravo Epiteto e o imperador Marco Aurélio. As obras desses três autores chegaram até nós e vêm atraindo admiradores desde a Renascença até os dias de hoje. Embora a filosofia estoica como um todo seja complexa por abarcar desde a metafísica até a astronomia e a gramática, as obras dos três grandes estoicos romanos se concentram em conselhos práticos e orientações para aqueles que tentam alcançar o bem-estar ou a felicidade. Caso este seja seu primeiro contato com o Estoicismo, eis a seguir quatro ideias centrais para ajudá-lo: Valor: a única coisa verdadeiramente boa é um estado mental excelente, que se identifica com a virtude e a razão. Apenas isto pode garantir a felicidade. Fatores externos, como dinheiro, sucesso, fama e coisas do gênero nunca poderão nos trazer felicidade. Embora não haja nada de errado nesses fatores, que inclusive têm algum valor e podem bem fazer parte de uma boa vida, muitas vezes a busca por eles efetivamente danifica a única coisa que pode nos trazer felicidade: um estado mental racional e excelente. Emoções: nossas emoções são produtos dos nossos julgamentos, da ideia de que algo bom ou ruim está acontecendo ou prestes a acontecer. Muitas das nossas emoções negativas se baseiam em julgamentos equivocados, mas, por serem derivadas desses julgamentos, estão sob nosso controle. Mudando os julgamentos, mudam as emoções. A despeito da imagem comum, o estoico não reprime ou nega suas emoções; na verdade, almeja não ter emoções negativas desde o início. O objetivo, portanto, é superar as emoções negativas destrutivas que se alicerçam em julgamentos equivocados pela adoção das emoções positivas corretas, substituindo-se a raiva pela alegria. Natureza: os estoicoscreem que devemos viver em harmonia com a natureza. O que querem dizer com isso, em parte, é que devemos reconhecer o fato de que somos apenas uma pequena parte de um todo maior, orgânico, modelado por processos maiores que, em última análise, estão fora do nosso controle. Não se ganha nada tentando resistir a esses processos maiores, exceto raiva, frustração e desilusão. Embora haja no mundo muitas coisas que podemos mudar, há muitas outras que não podemos mudar. Devemos compreender e aceitar este fato. Controle: como vimos, há coisas sobre as quais temos controle (nossos julgamentos, nosso próprio estado mental) e outras que não controlamos (processos e objetos externos). Grande parte da nossa infelicidade é causada por confundirmos essas duas categorias: por crermos ter controle sobre o que, em última instância, não controlamos. Felizmente esse algo que está sob nosso controle é justamente a única coisa que pode nos garantir uma vida boa e feliz. ~ Capítulo 1: Teoria Estoica ~ Ideias Centrais da Ética Estoica em Marco Aurélio Christopher Gill Um bom motivo para se considerar que Marco foi influenciado pelo Estoicismo é o fato de suas Meditações remeterem a ideias estoicas, apesar da ausência de um vocabulário técnico estoico e de o autor, por vezes, reconfigurar essas ideias de modo próprio. Podem-se identificar ao menos cinco características que, à época, eram tidas como específicas do Estoicismo e que se associam a temas fortemente marcados nas Meditações. Um desses temas é a ideia de que a vida virtuosa é idêntica à vida feliz (que a virtude é tudo de que se necessita para ser feliz). Outras coisas geralmente consideradas boas, como a saúde ou a prosperidade material e até mesmo o bem-estar da família e dos amigos, são vistas como irrelevantes para a felicidade; são “questões indiferentes”, mesmo que naturalmente “preferíveis”. Um segundo tema é a ideia de que as emoções e desejos dependem diretamente das crenças sobre aquilo que tem valor ou é desejável; não formam uma dimensão separada (não racional) da vida psicológica. Entende-se que as emoções e desejos formados pela maioria das pessoas são modelados por crenças éticas equivocadas e, nesse sentido, configuram “doenças” psicológicas. Um terceiro tema diz respeito ao fato de os seres humanos terem uma inclinação natural, inata, a beneficiar os outros. Essa inclinação, se desenvolvida adequadamente, expressa-se tanto em um engajamento dedicado com a família e os papeis comunitários, quanto em uma disposição para aceitar todos os seres humanos, como tais, como parte de uma “irmandade” ou “cidade cósmica” e objetos legítimos de preocupação ética. Essas três ideias criam uma visão altamente idealizada da ética e da psicologia humanas, que antigos críticos consideravam excessivamente idealista e não realista. Não obstante, os estoicos sustentavam que todos os seres humanos são essencialmente capazes de progredir rumo a um estado ideal de completa virtude e felicidade, embora admitissem que talvez ninguém ainda o tivesse atingido inteiramente. Assim sendo, a vida ética, para os estoicos, consistia em um processo ou jornada contínua em direção a esse objetivo, uma jornada assistida pelos métodos de ética prática. Os três temas mencionados, juntamente com ideias relacionadas sobre o desenvolvimento ou progresso ético, se encaixam na esfera da “ética” tal como compreendida no Estoicismo. Já outro tema típico se encaixaria na “física” (o estudo da natureza) e sua interface com a ética. Gerava grandes discussões naquela época a questão de se o universo natural incorporaria um propósito ou sentido inerente ou seria apenas o resultado arbitrário de leis ou processos naturais. Os estoicos, seguindo Platão e Aristóteles, adotavam o primeiro ponto de vista; os epicuristas sustentavam o segundo, que estava ligado à sua teoria da natureza atômica da matéria. A crença estoica no propósito inerente estava associada à visão de que todos os eventos são determinados, e que toda a sequência dos eventos carrega um propósito ou providência divina. Como ilustra esse ponto, os estoicos viam os ramos da filosofia (neste caso, a ética e a física) como interconectados e mutuamente fortalecedores. Assim, sua crença na providência divina pertencia ao estudo da teologia (que, para eles, era parte da física). Mas essa crença também ajudava a fornecer um arcabouço significativo para a ética; enquanto a ética, de outro lado, dava sentido a ideias (como a noção de “bem”) que escoravam a noção de providencialidade e, portanto, sustentavam os princípios da teologia. Assim sendo, os estoicos viam a filosofia como um corpo de conhecimento altamente unificado e sistemático. A capacidade de traçar e compreender as conexões entre diferentes ideias e ramos da filosofia era, portanto, parte importante do estudo do Estoicismo. Uma Leitura Ilustrativa: Meditações 3.11 A relevância dessas ideias para as Meditações pode ser explicada de duas formas complementares. Uma é examinando com certo grau de profundidade uma única passagem, que mostra como Marco aborda essas ideias, costurando-as em uma sequência interconectada. A outra é discutindo em termos mais gerais algumas formas recorrentes – e, por vezes, espantosas e peculiares – com que ele trata cada um dos temas. Primeiramente, analisemos cuidadosamente a seguinte passagem (3.11): “Aos conselhos precedentes, deve-se acrescentar mais um: faz sempre um esboço ou plano do que quer que se apresente à tua mente, com o intuito de visualizar que tipo de coisa é quando despida até a essência, como um todo e em suas partes isoladas; e diz seu nome correto e os nomes dos elementos a partir dos quais foi construída e nos quais finalmente se converterá. Pois nada se revela tão eficaz na criação da grandeza mental quanto a capacidade de examinar com método e veracidade tudo quanto se apresente na vida, e a contemplação de cada coisa considerando-se qual a sua utilidade e em qual tipo de universo, bem como que valor tem para os seres humanos enquanto cidadãos da cidade suprema, da qual todas as outras são apenas lares, e o que vem a ser esse objeto que neste instante me causa uma impressão, e do que é composto, e por quanto tempo persistirá naturalmente, e que virtude se faz necessária diante dele, como a gentileza, a coragem, a veracidade, a boa-fé, a simplicidade, a autossuficiência e assim por diante. Logo, diante da forma com que se apresenta cada caso, deves dizer: isto veio de deus, isto da coordenação e entrelaçamento dos fios do destino e formas assemelhadas de coincidência e mudança, isto de um semelhante a mim, parente e companheiro que, no entanto, ignora o que seria natural para ele. Porém eu não o ignoro e, destarte, tratá-lo-ei com gentileza e justiça, em conformidade com a lei natural do companheirismo, conquanto almeje simultaneamente ao que lhe é merecido no que concerne às coisas que são moralmente indiferentes.” A passagem acima ilustra claramente um dos métodos de ética prática mais característicos de Marco: a elaboração de um “rascunho” ou “esboço” das coisas e seu “desnudamento” até chegar à realidade ou cerne essencial. Embora, de início, possa parecer um procedimento puramente científico ou analítico, o que Marco tinha em mente era chegar ao cerne ético da situação (embora, como fica claro, este esteja também ligado a uma maior compreensão do mundo). O método do “desnudamento” pressupõe o primeiro dos temas-chave do Estoicismo citados anteriormente: a ideia de que nossa felicidade depende apenas de reagirmos às situações com virtude e, jamais, de adquirirmos vantagens materiais e sociais. Assim, o que o método revela é quais virtudes devemos almejar expressar naquele contexto (“que virtude se faz necessária ... como a gentileza, a coragem, a veracidade, a boa- fé, a simplicidade, a autossuficiência”). A passagem também faz alusão, no fim, à ideia tipicamente estoica de que aquilo que não é virtude, como a riqueza material, é “moralmente indiferente” e não afeta nossa felicidade. Agir de modo virtuosoenvolve o benefício a outros seres humanos; desse modo, a passagem também se refere ao terceiro tema, a ideia de que devemos nos esforçar para ver os outros humanos (em princípio, todos) como “irmãos” e “concidadãos” em uma comunidade ética mundial. Perpassa a passagem, ainda, o quarto tema a associação, do ponto de vista estoico, entre a ética e o universo natural. Marco relembra que o universo é permeado pela providência divina, que molda a forma como os eventos se desenrolam: “diante do modo como se apresenta cada caso, deves dizer: isto veio de deus, isto da coordenação e entrelaçamento dos fios do destino”. De modo mais geral, a passagem como um todo implica que o método do “desnudamento” esclarece a conexão subjacente entre a ordem ética (como devemos nos comportar) e a ordem natural ou cósmica. Em quinto lugar, a passagem acima, como várias outras nas Meditações, mostra a importância de se ressaltarem as conexões entre temas diferentes, porém relacionados, do pensamento estoico, que era famoso por seu caráter sistemático e coeso. Elucidar as ligações entre a ética e a física, como faz a passagem, representa um aspecto desse processo mais amplo. Este excerto, reproduzido aqui, é retirado das págs. xv-xviii da Introdução de Christopher Gill em “Meditations: with selected correspondence Marcus Aurelius”, editado por Hard, Robin & Gill, Christopher (2011) sob permissão da Oxford University Press, com permissão e em associação com o autor, Christopher Gill. A Visão Estoica sobre a Comunidade Humana Patrick Ussher Para a nossa sociedade altamente individualista (ao menos em comparação à maioria das sociedades da História), em que vem ocorrendo uma diminuição gradual dos deveres e obrigações entre as pessoas, a ideia de que a felicidade depende da realização da natureza inerentemente social do ser humano pode parecer incomum. De fato, mesmo a ideia de sermos inerentemente sociais por excelência pode parecer incomum. Mesmo quando falamos, hoje em dia, em beneficiar a si próprio ou aos outros, pensamos em termos de “egoísmo” e “altruísmo”, como se este último implicasse colocar nossas próprias necessidades de lado por um momento para pensar um pouco no outro. “Egoísmo” e “altruísmo”, entretanto, não caberiam na visão de mundo estoica: para eles, o ser humano era fundamentalmente social por natureza, e o que lhe era saudável era ser social. Tal modo de entender o que é bom para o ser humano é uma das razões pelas quais o Estoicismo pode oferecer um antídoto útil contra nossos modelos de pensamento atuais, quer concordemos com sua premissa, quer não. Neste artigo, meu objetivo é explicitar o que significava, para os estoicos, ser fundamentalmente social. A partir da nossa perspectiva mais moderna e científica, algumas das ideias, como a de que a natureza “quer” que sejamos sociais, ou nos “projetou” desse modo, podem parecer problemáticas. Independentemente disso, a teoria estoica certamente nos faz refletir sobre o que deveria constituir uma boa vida. *** O cosmopolitismo estoico desenvolveu a metáfora da raça humana como um “corpo”: da mesma forma que os braços e pernas contribuem para a saúde do corpo, cada ser humano, como um membro, contribui para o corpo da humanidade. A tarefa do estoico é, portanto, realizar a aspiração de contribuir para o bem comum e, além disso, basear seu conjunto de crenças nas implicações de compreender a si mesmo como um civis mundi, ou “cidadão do mundo”. Na prática, como colocou primeiramente Epiteto e depois Marco Aurélio, isto significava: “Não tratar coisa alguma como questão de lucro privado, nem planejar o que quer que seja como unidade isolada, mas agir como o pé ou a mão, que, se possuíssem a faculdade da razão e compreendessem a constituição da natureza, jamais exerceriam a escolha ou o desejo exceto em relação ao todo.” Discursos, 2.10. “Pois somos feitos para a cooperação, como pés, como mãos, como pálpebras, como as fileiras de dentes superiores e inferiores. Agir um contra o outro é contrário à natureza.” Meditações, 2.1. Parece um ideal demasiadamente elevado? Com quase total certeza, mas um estoico provavelmente responderia que, por sermos seres sociais, desses objetivos também depende nossa felicidade. Colocando de outra forma: se somos de fato seres sociais, como poderia o egoísmo, tal como o compreendemos, levar à felicidade? Não poderia! Com efeito, o ser humano só chega ao florescimento cultivando sua natureza social. Como explica Epiteto: “...tal é a natureza do homem animal; tudo o que faz é para si mesmo. Ora, até mesmo o sol age em seu próprio proveito e, inclusive, também o faz o próprio Zeus. Todavia, quando Zeus deseja ser “senhor da chuva”, “provedor das frutas” e “pai dos homens e dos deuses”, podes perceber que não consegue realizar essas obras, ou conquistar essas nomeações, a não ser mostrando-se útil ao interesse comum; e, de modo geral, constituiu ele a natureza do homem animal de tal modo que não pode alcançar seus próprios bens, exceto se contribuir em algo para o interesse comum. Daí se segue que não será mais insocial que um homem faça tudo em seu próprio proveito.” Discursos, 1.19. A analogia com Zeus, que é também “Natureza”, é crucial: a Natureza, apenas sendo ela mesma, contribui ativamente para o bem comum. Quando a Natureza provê a chuva ou as frutas, tudo se beneficia de suas ações. Isto acrescenta uma dimensão social ao significado de “viver em conformidade com Zeus ou a Natureza”: viver de acordo com a natureza é ser social. E, por ser natural, permite que a natureza de cada indivíduo se realize. Marco Aurélio, de modo semelhante, compara o bem natural que a videira oferece apenas fazendo o que lhe é próprio ao ser social benevolente, que realiza uma boa ação após a outra e não busca maior recompensa que a própria execução do ato: “Como a vinha que produz uvas, e nada mais deseja uma vez cedidos seus frutos (...), também o homem bom, tendo bem realizado uma ação, não alardeia o fato, mas volta-se para a próxima boa ação, assim como a vinha se volta para a produção dos frutos na estação devida.” Meditações, 5.6. A afirmação paradoxal de Epiteto de que “não será mais insocial que um homem faça tudo em seu próprio proveito” é, em suma, baseada na observação de que apenas cultivando a boa vontade para com os outros poderá o ser humano encontrar a felicidade. E como se encaixa nesse quadro o aspecto central do Estoicismo, a saber, a aspiração de viver uma vida de virtude? Valorizar a virtude como “o único bem” equivaleria a ficar dando voltas em uma “bolha virtuosa”, como querem algumas caricaturas do Estoicismo? Dificilmente. Para os estoicos, a virtude não é algo que ocorre isoladamente. Para se realizar, a virtude ou “o bem” precisa estar imbricado nas relações sociais do indivíduo. Para o estoico, cabe a ele considerar as relações com os outros como base para a ação virtuosa. É comum as pessoas se assustarem com o Estoicismo ao lerem certas afirmações de Epiteto, do tipo: “Meu pai não é nada para mim! Ele não é um bem!”. Mas esse pânico é infundado, já que o que Epiteto recomenda, na verdade, é que se valorize ser um bom filho para o próprio pai. O que está no cerne dessa distinção? Como todo o resto, ela se relaciona ao foco de Epiteto naquilo que cabe a nós: veja o leitor que seu pai, em si, não está sob seu controle (como o leitor já deve ter notado!), enquanto a sua parte da relação com ele está sob seu controle. E quando essa mudança de atitude ocorrer em todas as suas relações sociais, haverá portanto uma valorização do seu papel como bom amigo, bom pai/mãe e assim por diante. Epiteto caracteriza essa mudança da seguinte maneira: “Pois onde se disser 'eu' e 'meu', para lá se inclinará o ser humano. Se 'eu' e 'meu' se situarem na carne, lá estará seu poder de comando; se se situarem no propósito moral, lá estará o mesmo poder; se estiverem em coisas externas, então lá seu poder de comando se encontrará. Se, portanto, estou onde está meu propósito moral, então, e apenasentão, serei o amigo e filho e pai que devo ser. Pois este será então meu interesse – preservar a boa-fé, o autorrespeito, a tolerância, a cooperação, e sustentar meus relacionamentos com os outros seres humanos.” Discursos, 2.22. É apenas quando se valoriza o “bem” sobre todas as coisas que, paradoxalmente, pode-se ser o melhor pai, amigo, ou filha: apenas então torna-se um interesse do próprio indivíduo preservar a integridade e a boa vontade para com os amigos e a família. E isso, por sua vez, é o que permite que a natureza inerentemente social desse indivíduo floresça da melhor forma possível. A concepção estoica da “virtude” em si é, portanto, fortemente social. Para concluir, alguns estudiosos, como Mary Midgley, consideram que o surgimento da própria moralidade se deve à existência de um “instinto social” nos seres humanos. Os estoicos teriam sido dos primeiros, se não os primeiros, a desenvolver um sistema ético bastante extensivo, universalista, com base nesse instinto. É um dos aspectos mais marcantes do seu pensamento, que nunca cairá de importância. Para finalizar, cito uma das reflexões mais famosas de Marco sobre o cosmopolitismo estoico. Como observei no início, quer concordemos, quer não, com a ideia de que somos todos por natureza fundamentalmente seres sociais, esta passagem nos obriga a considerar um conjunto bastante crucial de questões: o que significa ser um ser humano e o que é bom para este ser? “Toda vez que, ao nascer do sol, te sentires indisposto a levantar, traz à mente este pensamento: 'Levanto-me para realizar o trabalho de um ser humano'. Por que sentir ressentimento, quando estou me levantando para realizar aquilo para o qual nasci, para o qual fui trazido a este mundo? Ou fui feito, ao contrário, para repousar sob estas cobertas, todo aquecido e confortável? 'Bem, é prazeroso fazê-lo!' Mas foste feito para o prazer? Considera o seguinte: nasceste para a passividade ou para ser um homem de ação? Não vês que até mesmo os arbustos, pardais, formigas, aranhas e abelhas fazem todos a sua parte para o bom funcionamento do universo? Por que não fazes tua parte também, realizando teu papel de ser humano?” Meditações 5.1, tradução inglesa do grego feita pelo autor. Referências: Midgley, M., The Origin of Ethics in Ed. Singer, P., 'A Companion to Ethics'. Wiley- Blackwell: 1993. Os Estoicos Não São Frios! Donald Robertson A concepção errônea de que os estoicos são pessoas sem emoção, assemelhando-se a robôs ou ao Dr. Spock de Star Trek, é atualmente bastante difundida e, no entanto, não era compartilhada tão irrefletidamente pelos antigos (ver também o artigo de Jen Farren, Estoicismo e Star Trek, no cap. VIII). Por outro lado, outras filosofias sofriam com essa alegação. Por exemplo, sobre o fundador do Ceticismo grego, Pirro de Elis, dizia-se jocosamente que era tão apático, no sentido de “indiferente ao mundo”, que seus seguidores tinham de correr atrás dele para impedi-lo de cair em abismos ou cruzar o caminho de carroças em alta velocidade. Esse tipo de piada não era feito sobre os estoicos porque estes, ao contrário, eram conhecidos por seu engajamento ativo na vida familiar e política. Da mesma forma, os epicuristas tinham como objetivo de vida atingir a tranquilidade e evitar a dor; não viam qualquer valor intrínseco na solidariedade para com outros seres humanos. Isso os levava frequentemente a se retirarem da política ou da vida familiar e, até mesmo, a viverem em relativa reclusão. Já os estoicos, para quem a tranquilidade só é boa quando acompanhada das virtudes da sabedoria e da justiça, acreditam que a solidariedade para com o resto da humanidade é natural e fundamental para o objetivo da vida, o que implica “viver em concordância” com a razão, com a Natureza do universo e com o restante da humanidade. De fato, o texto seminal do Estoicismo, a República de Zenão, centra-se no “sonho” do autor por uma sociedade estoica ideal, constituída por amigos iluminados e benevolentes vivendo juntos, em harmonia, sob os auspícios de Eros, deus do amor. Para Epiteto, o que derrubara a imagem equivocada dos estoicos como pessoas distantes e não emotivas fora o conceito estoico de “ação apropriada” nas relações familiares e civis, bem como a ênfase na ação justa e filantrópica (Discursos, 3.2). Os estoicos acreditam que somos animais essencialmente racionais e sociais, que experienciamos um sentimento de “afeição natural” para com os mais próximos, e que seria natural e racional estender esse sentimento para o restante da humanidade; isto forma a base de uma atitude que se denomina às vezes de “filantropia” estoica. Entretanto, ao atribuir valor aos outros, mesmo de maneira um tanto quanto desapegada, os estoicos também se abrem a uma variedade de reações emocionais que ocorrem naturalmente, incluindo a inquietação quando algo que valorizam se apresenta sob ameaça. De acordo com os antigos estoicos, mesmo o Sábio perfeito sente afeição natural ou amor por outros seres humanos e não é completamente insensível aos demais sentimentos derivados dessas relações sociais afetuosas. Marco Aurélio certamente amava seu filho notoriamente genioso, Cômodo, mesmo aceitando que estava fora do seu alcance remediar por completo os disparates e o difícil caráter do seu herdeiro. Com efeito, Marco descrevia o caráter estoico ideal, exemplificado por seu professor Sexto de Queroneia, como sendo “cheio de amor, embora livre de paixão”. Para Marco, Sexto era repleto de “afeição natural” ou “afeição familiar” – o tipo de amor que os pais têm para com os filhos. Mas os estoicos não paravam por aí. Também procuravam igualar-se a Zeus, pai da humanidade, estendendo sua afeição natural a toda a humanidade. Isso diluiria a emoção, evitando que se tornasse um arrebatamento por algum indivíduo ou uma “paixão” irracional do tipo de que queriam se livrar. Daí também o foco estoico na apathea, que, nesse contexto, significava a ausência de “paixões” irracionais, patológicas ou excessivas. Como veremos, os estoicos enfatizavam repetidamente que isso não significava uma “apatia” ou completa ausência de sentimento por outras pessoas. Mas vejamos o que os próprios estoicos dizem sobre a apathea. Após descrever a teoria estoica das paixões irracionais, Diógenes Laércio escreve sobre os fundadores do estoicismo, provavelmente referindo-se a Zenão ou Crisipo: “Dizem que o homem sábio é também desprovido de paixões (apathê) por não ser vulnerável a elas. Mas o homem mau é dito 'sem paixão' em outro sentido, o de 'coração duro' e 'insensível'. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, 7.117. Epiteto diz algo bastante parecido – que os estoicos não deveriam ser livres de paixões (apathê) no sentido de serem frios “como estátuas”, mas que deveriam concentrar-se nas “ações apropriadas” e na sustentação de suas relações naturais e adquiridas, enquanto membros de uma família e cidadãos (Discursos, 3.2). Além disso, Cícero retrata o estoico Lélio como autor da afirmação de que seria o maior erro possível tentar eliminar sentimentos de amizade, já que até mesmo os animais sentem afeição por suas crias. Essa afeição natural, compartilhada por todo o reino animal, era vista pelos estoicos também como a base do amor e da amizade humanos (Diálogo sobre a amizade, 13). Ao eliminar a afeição natural entre amigos, estaríamos não apenas nos desumanizando, diz ele, mas nos reduzindo a algo aquém da natureza animal, como um tronco de árvore ou pedra. Da mesma forma, Sêneca argumenta que as virtudes da coragem e da autodisciplina parecem demandar que o Sábio estoico experiencie algo semelhante ao medo e ao desejo – do contrário, não terá sentimentos a superar. Um homem corajoso não é alguém que não experiencia qualquer resquício de medo, mas alguém que age com bravura apesar do sentimento de ansiedade. Um homem de grande autodisciplina ou autocontrole não é alguém isento de qualquer desejo, mas alguém que supera suas urgências ao se abster de agir com base nelas. Sêneca escreve:“Há infortúnios que acometem o sábio – sem o incapacitarem, evidentemente – como dor física, enfermidade, perda de amigos e filhos ou catástrofes em seu país, quando devastado pela guerra. Reconheço que ele é sensível a essas coisas, pois não lhe imputamos a dureza de uma pedra ou do ferro. Não há virtude em suportar o que não se sente.” A Constância do Sábio, 10.4. O ideal estoico não é ser “desapaixonado” (apathê) no sentido de “apático”, “coração duro”, “insensível”, ou “semelhante a uma estátua” de pedra ou ferro. É, na verdade, experienciar afeição natural por si mesmo, pelos entes queridos e por outros seres humanos, além de valorizar o viver em conformidade com a natureza, o que naturalmente abre o ser humano a reações emocionais à perda ou à frustração. Sêneca explica, em outra obra, que, enquanto os epicuristas referem-se a “uma mente imune ao sentimento” quando falam de apathea, essa ausência de sentimento é na verdade o oposto daquilo a que os estoicos se referem (Cartas, 9): “Esta é a diferença entre nós, estoicos, e os epicuristas; nosso sábio supera cada desconforto, mas o sente, o deles nem mesmo o sente.” A virtude do Sábio consiste em ser capaz de suportar sentimentos dolorosos, elevando-se acima deles com magnanimidade, continuando paralelamente a sustentar suas relações e sua interação com o mundo. Outros temas relacionados são tratados em mais detalhes no livro Stoicism and The Art of Happiness: Teach Yourself, de Donald Robertson, publicado pela Hodder & Stoughton em 2013. Sobre as Motivações de um Estoico Michel Daw Na condição de seres humanos, temos necessidades básicas para funcionar. Podemos nos considerar “racionais”, mas na realidade necessitamos de um corpo operante para pensar claramente. Segundo o psicólogo americano Abraham Maslow, é preciso que tenhamos nossas necessidades físicas, sociais, de segurança e outras satisfeitas antes que possamos até mesmo pensar em tentar a tal “autorrealização” da mente racional. Mas, uma vez satisfeitas essas necessidades, quais as motivações de um estoico? Há várias camadas a ser consideradas. A primeira, naturalmente, é a Virtude. Devemos lembrar que a virtude não é algo que simplesmente se possui, mas algo que deve ser feito. Para possuir virtude, devemos ser virtuosos; devemos ser corajosos ante os desafios, justos na distribuição de bens e direitos, moderados nos tratos e nas aquisições e, acima de tudo, sábios nas escolhas das ações a ser tomadas. Em segundo lugar, devemos nos lembrar que, quando os estoicos falam de coisas “indiferentes”, referem-se àquilo que, por sua natureza, não tem valor moral. Entretanto, tem outros tipos de valor. Boa alimentação, bom vestuário, habitação e segurança: estas coisas têm grande valor físico. Relacionamentos, amigos, arte, música: estas coisas têm grande valor emocional. Livros, educação, conversação: estas têm grande valor intelectual. E, embora apenas a Virtude esteja sob nosso controle, essas outras coisas devem ser buscadas e gerenciadas por meios virtuosos. Em terceiro lugar, enquanto estoico, devo lembrar-me de que, ao mesmo tempo que estou no controle das minhas ações, sou também parte de uma família, uma comunidade, um país. Sou humano, e ser humano significa que todas as noções de individualidade são uma ilusão. A comida que ingerimos, as roupas que vestimos, a própria língua que falamos e que estrutura o nosso pensamento são todas heranças da nossa cultura e espécie, que dessa forma são também alimentadas em retorno. Vemos essa ideia expressa nos “círculos concêntricos” de Hiérocles. Nesses círculos, sua mente forma o centro, enquanto o círculo seguinte representa sua família imediata, o seguinte seus irmãos e irmãs, depois tias e tios, até sua cidade, país e, finalmente, toda a raça humana. O objetivo é diminuir a lacuna existente entre você e cada um desses “círculos”. Então, o que é que nos motiva? Apenas isto: a chave é lembrar as três coisas juntas. Não devemos cuidar apenas de nós mesmos, mas garantir que os que estão sob nosso cuidado e responsabilidade recebam o mesmo nível de atenção. Devemos fazê-lo por todos nós. Não podemos nos rotular de estoicos sem sermos justos, corajosos, moderados e sábios. E não podemos ser tudo isso se ficarmos parados enquanto nossos irmãos e irmãs não são capazes nem mesmo de vislumbrar as altas esferas racionais com as quais sonhamos para nós mesmos. Tenho consciência de que este ponto de vista não é bem-aceito entre aqueles que veem no Estoicismo apenas uma oportunidade de justificar seu desligamento do resto da humanidade, ou, ainda pior, de sua própria vida emocional. Mas Estoicismo é Alegria, Serenidade, Sentido e Propósito. É ser um membro útil e importante da sociedade. Em suma, é ser um ser humano excelente e fazer parte de uma raça de seres com potencial para a grandeza. ~ Capítulo Dois: Adaptando o Estoicismo aos Dias Atuais ~ Qual Estoicismo? John Sellars O objetivo do projeto Estoicismo Hoje é salientar as formas com que o antigo Estoicismo pode ser útil às pessoas como guia geral de vida, ou oferecendo uma resposta terapêutica a problemas específicos. Alguns críticos podem sugerir que a versão do Estoicismo oferecida aqui pouco se assemelha à filosofia helenística fundada por Zenão e desenvolvida por Crisipo e outros (ver, por ex., Williams sobre Nussbaum (LRB 16/20, 1994, 25-6 e Warren sobre Irvine (Polis 26/1, 2009, 176-9)). Como observa Williams jocosamente, qual a utilidade da teoria lógica de Crisipo para se aprender a viver? O presente projeto, ao contrário, foi inspirado sobretudo pelo estudo de Marco Aurélio. Os materiais preparados para o projeto se baseiam nos trabalhos de Sêneca, Musônio Rufo e Epiteto – todos estoicos romanos posteriores. Isto se deve não apenas ao fato de as obras dos estoicos mais tardios terem sobrevivido, ao passo que as dos estoicos mais antigos de Atenas não; mas ao fato de esses estoicos posteriores se concentrarem no que podemos chamar de “prática estoica”. Eles oferecem uma ampla gama de conselhos práticos que têm por objetivo contribuir para o cultivo da tranquilidade, ou o que Zenão chamava de “um fluxo de vida tranquilo”. É difícil saber até que ponto essas práticas figuravam no Estoicismo mais antigo: sabemos que os antigos estoicos escreveram livros sobre treinamento da mente (askêsis) e também que este era um tópico proeminente no Cinismo, que teve importante influência sobre esses primeiros estoicos. O fato é que as evidências são muito escassas para sabermos ao certo. É possível que essa preocupação com as práticas (que Pierre Hadot chamou de 'exercícios espirituais') não estivesse muito presente no Estoicismo antigo, e que tenha sido um tema pitagórico do Estoicismo posterior introduzido pelo estoico romano Sexto, que influenciou Sêneca. De acordo com essa visão, há uma diferença significativa entre o Estoicismo helenístico antigo e o romano posterior (embora, em meu livro Stoicism, de 2006, eu tenha tentado conscientemente minimizar essa divisão, tratando da antiga tradição estoica como um todo contínuo). Mas, mesmo que adotássemos essa visão, os estoicos romanos posteriores continuariam sendo estoicos – eles se identificavam como tal e eram assim descritos na Antiguidade. Se seu uso de práticas representa uma inovação na história do antigo Estoicismo, isto não os exclui como membros legítimos dessa tradição. O Estoicismo abordado no projeto Estoicismo Hoje é essa versão romana, mais tardia. Dito isso, é possível que a diferença entre as variantes inicial e posterior do Estoicismo não seja tão evidente quanto se possa pensar. Como já observado, é basicamente difícil saber ao certo, dada a natureza fragmentária das evidências do stoa antigo, mas sabemos que os cínicos realizavam práticas similares e pesquisas recentes enfatizam acertadamente a influência cínica sobre todos os estoicos antigos (ver, por ex., Les Kynica du stoïcisme, 2003, de Goulet-Cazé). Se os professores cínicos dos antigos estoicos realizavam essas práticas e, posteriormente,os estoicos romanos também o fizeram, não é incongruente pensar que os estoicos antigos que viveram no período intermediário também o tenham feito embora não possamos afirmar com convicção. Ainda assim, o projeto Estoicismo Hoje se preocupa primordialmente em tomar por base os trabalhos remanescentes dos estoicos romanos posteriores, que descrevem uma série de práticas para o cultivo do bem-estar. O projeto poderia se chamar Estoicismo Romano Hoje, mas Estoicismo Hoje não é de forma alguma um nome enganoso. Há ainda outra questão: até que ponto faz sentido classificar essas práticas de “estoicas”, sendo que são dissociadas do restante da filosofia estoica? Tais práticas são estoicas em sua essência ou o são apenas por acaso, na medida em que os estoicos posteriores as adotaram? Minha opinião é a de que essas práticas só podem ser consideradas filosóficas se realizadas à luz de alguns dos princípios centrais da filosofia estoica – especialmente a teoria de valor e talvez também o determinismo. No entanto, um dos traços notáveis dos estoicos romanos – de Epiteto até certo ponto, de Marco Aurélio ainda mais – é a ideia de que essas práticas possam beneficiar as pessoas mesmo que não estejam totalmente comprometidas com todo o espectro das doutrinas estoicas. O estudante iniciante, sugere Epiteto, pode se beneficiar das práticas antes de ter estudado toda a doutrina estoica, e o estudante ponderado da natureza, diz Marco, pode buscar o bem-estar mesmo que continue em dúvida se ela é governada pela providência ou simplesmente caótica. Em resumo, os estoicos romanos oferecem um modelo útil para se começar a abordar as práticas estoicas, mesmo que não se tenha ainda um comprometimento integral com o sistema filosófico estoico. Pode-se pensar que a adoção de apenas algumas das práticas não seja suficiente para fazer de alguém um estoico se esse alguém não adotar também o restante da doutrina, o que é aceitável: o projeto não se propõe a criar uma nova facção de estoicos doutrinários; seu objetivo, mais modesto, é explorar as práticas estoicas, na medida em que podem ser de auxílio às pessoas em suas vidas cotidianas. Referências: Goulet-Cazé, M-O., Les Kynica du stoïcisme, Franz Steiner Verlag, 2003. Hadot, P., Philosophy as a Way of Life. Blackwell, 1995. Sellars, J., Stoicism. University of California Press, 2006. Warren, J., Review of William B. Irvine, A Guide to the Good Life, Polis 26/1 (2009), 176-79. Williams, B., 'Do Not Disturb', London Review of Books 16/20 (20 Oct. 1994), 25-26. Uma Abordagem Simplificada e Moderna do Estoicismo Donald Robertson Neste artigo, apresento um conjunto simplificado de práticas psicológicas estoicas que podem servir tanto como uma “rotina filosófica diária” quanto como uma introdução bastante concisa ao Estoicismo como modo de vida. Enquanto Crisipo, terceiro líder da escola estoica, escreveu mais de 700 livros fundamentando as ideias estoicas e incrementando-as com argumentos complexos, o fundador Zenão de Cítio expressava suas doutrinas em argumentos notoriamente sucintos e máximas concisas. Neste artigo, meu intuito é apresentar uma versão concisa, mas tenha em mente que há, naturalmente, uma filosofia complexa por trás. Tanto Sêneca quando Epiteto mencionam os Versos de Ouro de Pitágoras, texto que fornece uma boa base para o desenvolvimento de uma rotina diária, iniciada e terminada com as práticas contemplativas da manhã e da noite. Uma ideia estoica central, que respaldava essas práticas e se encontrava também no cerne da filosofia de Epiteto, era a de que: “...educar- se (na filosofia estoica) significa apenas isto: aprender quais coisas nos pertencem e quais não” (Discursos, 4.5.7). A consequência prática dessa distinção é essencialmente bastante simples: “O que, então, deve-se fazer? Tirar o maior proveito do que está em nosso poder e aceitar o restante tal como advém.” (Discursos, 1.1.17) A sequência prática a seguir foi desenvolvida como uma introdução à prática estoica voltada para o século XXI, que pode levar organicamente a uma apreciação mais ampla da filosofia estoica como modo de vida. As instruções pretendem ser as mais diretas e concisas possíveis, ainda que se mantenham razoavelmente fiéis ao Estoicismo clássico. A Sequência Filosófica Básica Fase 1: Preparação Matinal Planeje seu dia tendo em mente a “cláusula de reserva” estoica, isto é: decida antecipadamente quais metas deseja atingir e tome a decisão de tentar alcançá-las, mas com a seguinte ressalva: “se o destino permitir”. Em outras palavras, almeje o sucesso e busque-o com todas as forças, permanecendo ao mesmo tempo preparado para aceitar contratempos ou fracassos com equanimidade, já que estão além do seu controle direto. Tente escolher suas metas com sabedoria, selecionando objetivos racionais e saudáveis. Sua meta primária ao longo das três fases deve ser proteger e aumentar seu bem-estar fundamental, particularmente no que se refere ao seu caráter e à sua habilidade de pensar claramente sobre a vida. Você deve tentar fazer isso cultivando uma maior consciência de si mesmo e uma maior sabedoria prática, o que requer a definição de metas saudáveis para você mesmo. Essas metas deverão ser perseguidas de modo um tanto quanto “desapegado”, sem uma preocupação exagerada com os resultados. Fase 2: Atenção Plena (Prosoche) o Dia Todo Ao longo do dia, preste atenção continuamente ao modo com que faz julgamentos de valor e responde aos seus pensamentos. Esteja plenamente atento, principalmente às respostas que dá diante de emoções e desejos fortes. Quando se vir diante de um pensamento inquietante ou problemático, pare e diga a si mesmo: “Isto é apenas um pensamento e não, de forma alguma, aquilo que pretende representar.” Lembre-se de que não são as coisas que o entristecem, mas seu julgamento sobre elas. Quando for apropriado, ao invés de se deixar levar por suas impressões inicias, tente adiar a resposta por pelo menos uma hora; espere até que seus sentimentos tenham se acalmado e você consiga ver as coisas com mais calma e objetividade antes de decidir que atitude tomar. Uma vez que tenha alcançado uma maior percepção do seu fluxo de consciência e a capacidade de dar um passo para trás, afastando-se dos seus pensamentos, comece também a aplicar aos seus pensamentos e impressões o processo simples de avaliação que será explicado a seguir. Após parar para visualizar seus pensamentos a uma certa distância, pergunte a si mesmo se eles se referem a coisas que estão diretamente sob seu controle ou não. A isso deu-se o nome de preceito ou estratégia geral da antiga prática estoica. Se observar que seus sentimentos se relacionam com algo que está fora do seu controle direto, responda tentando aceitar o fato de que esse algo não está em suas mãos, dizendo a si mesmo: “Isto não é nada para mim.” Concentre sua atenção não nesse algo, mas em fazer o que estiver na sua esfera de controle, com sabedoria e da melhor forma possível, independentemente do resultado. Em outras palavras, lembre-se de aplicar a cláusula de reserva descrita acima em cada situação. Encontre formas de se lembrar disso. Por exemplo, a Oração da Serenidade é uma versão conhecida dessa ideia, e que pode ser útil memorizar ou escrever em algum local para ser contemplada diariamente: “Concedei-nos a serenidade para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos, e sabedoria para distinguir umas das outras.” Fase 3: Revisão Noturna Reveja seu dia inteiro, três vezes se possível, antes de ir dormir. Enfoque os eventos principais e a ordem em que ocorreram, por exemplo, a ordem na qual realizou diferentes tarefas ou interagiu com diferentes pessoas ao longo do dia. Algumas perguntas que pode fazer a si mesmo são: - O que fez de bom para o seu bem-estar fundamental? (O que deu certo?) - O que fez de prejudicial ao seu bem-estar fundamental? (O que deu errado?) - Que oportunidades perdeu de fazer algo benéfico para o seu bem-estarfundamental? (O que foi omitido?) Dê conselhos a si mesmo como se estivesse conversando com um amigo ou ente querido. O que pode aprender com este dia e, caso se aplique, como pode fazer melhor no futuro? Cumprimente-se pelo que deu certo e permita- se refletir a respeito com satisfação. Também pode ser útil atribuir-se uma nota simples e subjetiva (de 0 a 10) para medir com qual consistência você seguiu as instruções aqui fornecidas ou até que ponto conseguiu perseguir metas racionais e saudáveis, mantendo-se ao mesmo tempo desapegado das coisas que não estão sob seu controle direto. Entretanto, tente ser conciso em sua avaliação das coisas e chegar a conclusões sem ficar remoendo os fatos demasiadamente. O Que os Estoicos Podem Fazer por Nós? Antonia Macaro O Estoicismo, hoje em dia, não sofre de falta de fãs. Além de pipocar em uma série de livros sobre filosofia popular, não raramente nos deparamos com suas ideias em publicação de ponta de todo tipo – The Guardian, Prospect, Psychologies, sem falar da revista The Philosophers' Magazine. Isto não surpreende, já que os textos mais tardios dos estoicos romanos em especial Sêneca, Epiteto, Marco Aurélio – são repletos de conselhos maravilhosamente coerentes sobre o como viver. Diferentemente das abstrações de algumas filosofias morais, que costumam oferecer pouca assistência para que a pessoa desenvolva uma boa vida, os autores estoicos escreviam sobre preocupações cotidianas e, com isso, adquiriram uma relevância duradoura para muitas pessoas. Entretanto, se começarmos a mergulhar na literatura estoica, poderemos considerar alguns dos conselhos repugnantes, até mesmo chocantes. Em Epiteto, por exemplo, encontramos a seguinte exortação: “Se beijares teu filho ou tua mulher, diz a ti mesmo que é um ser humano que estás beijando; assim não ficarás perturbado se um deles falecer.” (Manual, §3) Quanto a Marco Aurélio, este nos diz que o sexo deve ser visto como “uma fricção no pênis, uma breve convulsão e um liquidozinho esbranquiçado” (Meditações, 6.13). Seria o Estoicismo uma filosofia afirmativa da vida, que realmente pode nos ajudar a viver melhor no mundo moderno, ou uma perspectiva extremamente radical, intrigante, porém remota e exigente demais para que possa ter real relevância para a nossa conduta diária? Ou ambas as coisas? O Estoicismo é uma filosofia complexa que tem a ética como parte integrante de um sistema bem-amarrado, e que inclui também a lógica e o que se chamava antigamente de física, mas que claramente tem mais relação com o que hoje chamamos de metafísica. John Sellars, docente sênior de filosofia e autor de The Art of Living, explica (informação verbal) que a física estoica envolvia a ideia de uma “mente racional divina que permeava toda a natureza, constituindo a alma do mundo, da qual todas as nossas almas individuais seriam fragmentos. Vários argumentos estoicos sobre como devemos responder ao destino e, em especial, à má sorte, partem da ideia de que há uma mente providencial divina organizando todo o processo”. Essas visões metafísicas têm consequências éticas. Nossos corpos e posses são apenas matéria, mas nosso poder de escolha racional tem algo da racionalidade divina. É isso que diferencia os humanos das outras criaturas, e é a única coisa que deveria ser valorizada incondicionalmente. Nas palavras rígidas de Epiteto: “Em nosso poder estão a escolha e todas as ações que dela dependem; fora do nosso poder estão o corpo, as partes do corpo, as propriedades, os pais, irmãos, filhos, o país e, em suma, todos aqueles com quem nos relacionamos. Onde, então, devemos posicionar o bem? A qual classe de coisas devemos aplicá-lo? À das coisas que estão em nosso poder.” Se desejássemos viver uma vida estoica, portanto, teríamos de nos concentrar no exercício da escolha racional, a única coisa que realmente cabe a nós, e aprender a desafiar quaisquer julgamentos iniciais que erroneamente nos guiassem pela aparência de valor. As emoções e desejos fomentados em nós por coisas que cremos erroneamente terem valor são perturbações e impedimentos à condução de uma vida racional, que podem ser evitados e deveriam ser erradicados. Deveríamos nos lembrar constantemente de que o que quer que nos ocorra e que não pertença à esfera da escolha e da ação não está em nosso poder, por isso deveríamos seguir nosso destino sem reclamar. Como um cão amarrado a uma carroça, para citar a analogia de Epiteto, podemos escolher trotar deliberadamente atrás dela ou ser carregados, esperneando e gritando. Porém, ainda nos seria permitido seguir nossas inclinações naturais até certo ponto, já que os estoicos conferiam algum valor ao que chamavam de “indiferentes preferidos” – coisas que preferimos ter a não ter. Richard Sorabji, professor emérito de filosofia e autor de Emotion and Peace of Mind, entre várias outras obras, assinala (informação verbal) que, “à época de Antípatro (séc. II a.C.), dizia-se que era dever do indivíduo fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para garantir esses objetivos naturais para si mesmo e para os outros”. Mas nosso comprometimento primário deve ser sempre com a racionalidade. Epiteto nos lembra que “o bem é, portanto, preferido a qualquer forma de relacionamento. Meu pai não é nada para mim, apenas o bem. És tão empedernido? Tal é a minha natureza e a moeda que deus me concedeu.” Não é de surpreender que o sábio estoico (sophos) fosse mais ou menos uma figura mítica. Então, qual o problema em se adotar o Estoicismo como filosofia de vida moderna? Uma das preocupações é que muitas de suas crenças basilares, como a ideia de que nossa racionalidade é um fragmento da divina, ou de que as emoções são perturbações criadas por atribuições equivocadas de valor, chocam-se com o que de fato sabemos sobre o mundo. Diante disso, qualquer conselho baseado nessas crenças poderia ser equivocado. Descobertas recentes da neurociência, por exemplo, mostram que as emoções, longe de serem sempre uma obstrução à razão, são parte integrante dela. Em nossa evolução, adquirimos emoções por um bom motivo e, sem elas, seria difícil navegar pela vida. É claro que as emoções também podem nos gerar problemas e frequentemente o fazem, mas a solução não é, definitivamente, erradicá-las (mesmo que fosse possível). A teoria estoica do valor foi explicitamente rejeitada por dois acadêmicos de renome da área, Martha Nussbaum e Richard Sorabji. Quando converso com Sorabji, ele logo menciona a “face inaceitável do Estoicismo”, da qual mantém distância. Pergunto-lhe se concorda com o conselho de Epiteto sobre não sentir angústia quando morrem pessoas próximas, ao que ele responde: “Não, é melhor ficar completamente devastado, porque o restante da sua vida, do contrário, teria sido vivido dessa forma desapegada, sempre pensando: 'estou beijando um mortal'. Não pode ser bom. Como pode uma vida ser boa se a maior parte dela for passada com um distanciamento das pessoas mais próximas, apenas para que não se tenha de enfrentar alguns anos de angústia em algum ponto? Não parece uma equação sensata.” Ele reconhece que rejeitar esse aspecto da doutrina estoica o deixa vulnerável à dor como qualquer pessoa, “mas eu pagaria um preço ainda maior se o aceitasse”, diz ele. Estudos de psicologia nos ensinam também que a consciência e o controle que temos sobre nossas atitudes, motivações e intenções são muito mais limitados do que poderíamos esperar, e que o contexto tem grande influência sobre nossas ações. É razoável crermos possuir algum controle e que esse controle possa ser aumentado, mas seria besteira acreditarmos que temos algo como uma racionalidade plena, ou total liberdade de escolha para responder às situações. Na verdade, nossa liberdade talvez seja bastante limitada. Diante do exposto, poderia uma pessoa hoje realmente aceitar o Estoicismo como um sistema completo? Na verdade, sim. Keith Seddon, diretor da Stoic Foundation e autor de Stoic Serenity, é um estoico praticante. E não é o único, pois parece haver na internet
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