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Formação da cultura filosófica brasileira

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FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA 
DA FILOSOFIA NO BRASIL 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Lucas Lipka Pedron 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta aula abordaremos a formação da cultura filosófica brasileira que 
se constrói a partir da chamada escola uspiana: uma escola filosófica brasileira 
que surge da importação de intelectuais e da cultura francesa, do modo francês 
de fazer filosofia. Seguiremos, principalmente, a obra Um departamento 
francês de ultramar, de Paulo Eduardo Arantes. 
Como disse o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804): não é 
possível ensinar a filosofia, apenas a filosofar. Esta será a tônica sobre a qual 
será construída a maioria de nossos temas, já que a história da formação do 
Departamento de Filosofia de São Paulo pode ser lida, pelo menos em seus 
momentos principais, como um desdobramento dessa concepção sobre o que 
significa ensinar filosofia. Especialmente com base no que foi denominado 
Missão Francesa: a vinda de acadêmicos franceses recém-formados para 
lecionar na USP com o intuito de formar ali uma cultura universitária. 
Ironicamente, se já estavam vacinados contra a ideia de que a filosofia 
pudesse ser resumida a um conjunto de doutrinas que, todas reunidas, 
pudesse ser ensinada passo a passo, essa prudência desembocou num 
método de reflexão baseado nos clássicos. Sendo todos os clássicos europeus 
– e o próprio método francês –, a formação filosófica no Brasil não possuía um 
caráter propriamente nacional. Essa falta de uma cultura filosófica levou 
Arantes a afirmar que não há por aqui uma cultura filosófica que dê corpo e 
continuidade às discussões filosóficas no país. 
Isso certamente resultou de um processo de formação, durante o qual se 
constituiu uma cultura de leitura e interpretação de textos filosóficos clássicos 
da história da filosofia – extremamente competente, diga-se de passagem, 
ganhando destaque inclusive no rol dos grandes debates internacionais. Mas 
com relação ao debate nacional, sempre ocupou uma espécie de sub-lugar no 
contexto de produção intelectual e cultural no país. Mas o que pode resultar de 
uma cultura filosófica fadada à especialização? Ela ainda pode encontrar uma 
ligação com a realidade que a cerca? São as etapas desse processo de 
formação, bem como suas virtudes e seus limites, que veremos nesta aula. 
No primeiro tema passaremos pelas origens francesas e pelos 
intelectuais importados para cumprir tal missão no Brasil. Abordaremos a 
influência de Jean Maugüé, professor de liceu na França (algo comparável ao 
 
 
3 
ensino médio brasileiro) que, como primeiro professor trazido de lá para a 
missão, foi um dos intelectuais mais influentes em solo brasileiro. Tal se deu, 
como veremos, pela forma como inspirou gerações e gerações de professores 
e pesquisadores de filosofia desde a década de 1930. Não por menos, Cruz 
Costa, como o aluno nº 1 do curso de filosofia da USP, não foi só o primeiro 
aluno de Maugüé no Brasil, como posteriormente seria seu assistente. 
Passaremos então ao segundo tema, pensando o método trazido por 
Maugüé para o Brasil, demarcado pelo estudo dos textos e da história da 
filosofia. Como consequência direta, funda-se um dos pilares do estudo da 
filosofia no Brasil – o respeito aos clássicos e o debruçar-se sobre a história da 
filosofia – como principal fonte para o trabalho filosófico. 
Em seguida, no terceiro tema, veremos nos anos 1960 a contribuição 
mais consolidada da Missão Francesa. Tal contribuição pode ser vista com 
base no método estruturalista, trazido de além-mar, para consolidar o método 
de ler, interpretar e escrever filosofia a partir da escola uspiana. Suas 
influências ainda podem ser vistas no Brasil, mais de 50 anos depois, na 
relevância que professores e pesquisadores formados no método estruturalista 
possuem nos debates filosóficos do país. 
No quarto tema passaremos para os resultados mais consolidados da 
Missão Francesa: quando a própria produção filosófica brasileira passa a ser 
internacionalizada, com os intelectuais gestados e formados na missão uspiana 
começam a ganhar mais espaço no exterior. Sem dúvida, o maior expoente, a 
“menina dos olhos” do departamento, será Bento Prado Júnior, cuja obra será 
lida e comentada internacionalmente. 
Por último, buscaremos ver algumas das consequências dessa escola 
nos dias atuais, como a Missão Francesa se expandiu em solo nacional, 
profissionalizando a carreira filosófica brasileira com base no método francês. 
Veremos também como tal enfrentamento se dá com outras escolas de leitura 
que surgem como antagonistas da escola uspiana. 
TEMA 1 – PRIMEIROS CONTATOS 
Durante a década de 1930, no esforço de modernização da cultura 
brasileira, e como forma de embate ao Estado Novo getulista, a elite 
econômica e política paulistana busca uma forma concreta de aprimorar a 
formação cultural da sua elite. A USP é o resultado desse esforço em formar 
 
 
4 
elites dirigentes, sendo fundada e financiada pelo Estado e pela burguesia 
paulistana em 1935 – ano da união das diversas faculdades estaduais de São 
Paulo. A necessidade de formar a elite se deu pela importação de intelectuais 
estrangeiros, em particular franceses. Paris era a capital cultural do planeta, e 
sua influência já era grandemente sentida no Brasil – desde a Primeira 
República houve um esforço em modernizar a cultura do país pelo 
espelhamento da cultura francesa. Dentre os vários professores que 
poderíamos citar nesse período, Jean Maugüé é certamente o que mais 
influenciou a escola uspiana de filosofia. 
1.1 Jean Maugüé 
Maugüé não era apenas um professor – era uma maneira de andar e 
falar, que alguns de nós imitavam afetuosamente com perfeição; era 
um modo de abordar os assuntos, hesitando, como quem ainda não 
decidiu por onde começar e não sabe ao certo o que tem a dizer; e 
por isso se perde em atalhos, retrocede, retoma um pensamento que 
deixara incompleto, segue as ideias ao sabor das associações. Mas 
esse era o momento preparatório no qual, como um acrobata, 
esquentava os músculos; depois, alçava voo e, então, era inigualável. 
(Mello e Souza citada por Arantes, 1994, p. 66) 
Essas palavras sobre Maugüé exemplificam que tipo de professor foi 
esse francês, que participou, de maneira essencial, na formação de uma 
cultura filosófica no Brasil. Para entendermos isso, precisamos, contudo, falar 
da fundação daquela que foi por muitos anos o centro gravitacional ao redor do 
qual orbitou a filosofia no Brasil durante o século XX: a USP. 
A USP é resultado da união, em 1934, da recém-criada Faculdade de 
Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) e diversas outras faculdades com cursos já 
existentes e em funcionamento há algum tempo, sendo a mais antiga a 
Faculdade de Direito, fundada em 1827. A informação é mais do que mera 
curiosidade, pois aponta para uma peculiaridade essencial à compreensão de 
como viriam a se constituir esses novos cursos, dentre eles o de filosofia: como 
não havia no Brasil docentes formados nessas áreas para ministrar as aulas, 
buscou-se a solução pelo que se denominou oficialmente de Missão Francesa. 
Com o objetivo de preparar professores para ensinar no curso 
secundário e superior, investiu-se na importação de “mão de obra 
especializada”, isto é, acadêmicos de diversas áreas formados na França. 
Entre os nomes mais conhecidos que atravessaram o Atlântico, estão o 
antropólogo Claude Lévi-Strauss; o historiador da Escola dos Annales Fernand 
 
 
5 
Braudel, o sociólogo Roger Bastide; e – este que realmente nos interessa aqui 
– o filósofo Jean Maugüé. 
Maugüé chegou ao Brasil em fevereiro de 1935 (onde ficou até 1944) e 
foi logo encarregado de estabelecer as condições do ensino de filosofia a ser 
posto em funcionamento no curso recém-estabelecido. Na bagagem, o 
professor, que tinha passado uma temporada na Alemanha, trouxe a 
advertência de um dos mais conhecidos filósofosdaquelas terras, Immanuel 
Kant: não se ensina a filosofia, apenas a filosofar. Isso significa, em poucas 
palavras, que a filosofia não possui um objeto próprio em torno do qual seria 
possível erigir um conjunto de conhecimentos objetivos, capazes de ser 
transmitidos como um saber positivo. Paulo Arantes se propõe a expor e a 
refletir sobre os desdobramentos da Missão Francesa no Brasil. 
Lembrar, na esteira da modernidade trilhada pelos pós-kantianos, que 
não se ensina filosofia mas apenas a filosofar, era lembrar antes de 
tudo que a filosofia não possui objeto próprio e que, portanto, essa 
disciplina invisível e inapreensível não pode se apresentar como um 
conjunto de conhecimentos objetivamente transmissíveis, o que só 
agrava a carga de inventiva exigida do professor posto assim em 
disponibilidade. Noutras palavras, filosofia não é matéria que se 
ensine; ao contrário do saber positivo, ela não dispõe de um corpo de 
verdades, constituídas de tal sorte que dispense o talento do 
professor, tolerado nestes casos como um mero acidente, quando 
existe. […] Visto que a filosofia não tem objeto, ela se confunde com 
o filósofo, o seu ensino vale o que anda pela cabeça daquele que a 
ensina. (Arantes, 1994, p. 64) 
A maneira de o filósofo francês lidar com isso era, justamente, algo da 
ordem de uma personificação da filosofia. Ao se dedicar às suas exposições, 
isto é, ao modo como os assuntos filosóficos seriam tratados em sala de aula, 
Maugüé se propunha a gerar, digamos, “uma experiência de reflexão filosófica”. 
Uma ilustração disso podemos encontrar nos relatos sobre suas aulas, a 
começar pelo fato de ele sempre iniciá-las com uma menção a filmes, notícias, 
exposições etc., que eram comentadas e analisadas filosoficamente. Se a 
filosofia não possui domínio próprio, não podendo ser ensinada como doutrina, 
então ela poderia, talvez, ser ensinada por alusões. 
Não se trata, portanto, de abordar a filosofia a partir de um sistema 
fechado que se constrói de maneira autorreferente, mas de filosofar por uma 
reflexão viva sob a forma do ensaio, o qual, pelo menos desde o jovem Lukács 
(1885-1971), constrói-se pela intersecção com a cultura que lhe serve de 
material. Segundo os relatos apresentados por Paulo Arantes – relatos das 
mais variadas figuras do pensamento nacional, como Oswald de Andrade, 
 
 
6 
Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido –, Maugüé era capaz de conduzir o 
discente nas aventuras da reflexão apaixonante, como se lhes ensinasse a 
filosofia em ato, de maneira contagiante. 
Mas se essa verve marcante de Maugüé também podia ser interpretada 
como algo um tanto generalista, carente de rigor e de técnica – especialmente 
se comparada à “técnica” acadêmica que posteriormente viria a se desenvolver 
ali mesmo, na USP, como veremos –, é preciso ressaltar que o conteúdo das 
aulas não advinha do mero improviso ou teatralidade, nem se baseava nas 
produções culturais do momento. Havia já desde o primeiro momento da 
Missão Francesa, encabeçada por Maugüé, a aplicação de dois preceitos que 
seriam seguidos à risca, e criariam raízes profundas, mantendo-se vivos até a 
mais recente história da filosofia no Brasil: o ensino deve ser principalmente 
histórico e feito pela leitura dos textos clássicos de filosofia. 
O impacto dessas diretrizes não será pequeno em terras nacionais. 
Acontece que o consumo das grandes novidades europeias era, especialmente 
antes da chegada dos franceses, entusiasmado e constante por aqui – certo 
filoneísmo, como diria Cruz Costa –, mas isso era feito, de maneira geral, sem 
muita organização ou sistematicidade, o que não permitia uma assimilação 
enraizadora, que servisse à construção de uma cultura filosófica brasileira. Daí 
Paulo Arantes se pôr a imaginar o desconforto de Maugüé diante do “apetite 
verdadeiramente macunaímico com que pilhávamos as grandes marcas 
filosóficas internacionais” (Arantes, 1994, p. 72). 
Eis a necessidade, segundo o francês, de estabelecer métodos 
rigorosos e modernos para estudar filosofia no Brasil, propriamente os mesmos 
que serviam como fundamento para seu ensino na França, ao ponto de Michel 
Foucault, quando de sua visita à USP em 1965 – momento em que o método 
importado na Missão Francesa já se encontrava mais do que consolidado –, 
afirmar ter encontrado aqui um “departamento francês de ultramar”. 
TEMA 2 – UMA QUESTÃO DE MÉTODO 
Tal “departamento francês de ultramar” é a melhor expressão do método 
com que se ensinava a pensar filosofia. Era uma questão, primeiramente e 
sobretudo, de método. Maugüé propunha uma cartilha a ser seguida: o primeiro 
passo seria incutir uma certa disciplina intelectual, um método de leitura 
paciente. Por segundo, havia a necessidade de um domínio mínimo da história 
 
 
7 
da filosofia com base na leitura dos clássicos. Por último, e somente então, as 
novidades poderiam ser filtradas quanto à sua relevância e acomodadas sobre 
a sólida camada histórica acumulada que daria a ela um sentido aproveitável e 
mais duradouro. Nessa medida, a Missão Francesa tinha a princípio, segundo 
Antonio Candido, “menos uma função específica, de formar especialistas em 
filosofia, do que a função genérica de criar uma atmosfera favorável ao espírito 
crítico” (citado por Arantes, 1994, p. 80). 
O que o filósofo de além-mar esperava trazer para cá era justamente o 
que ele teve oportunidade de aprender em seu país natal, a saber: ler através 
dos filósofos, de várias épocas e territórios, o seu próprio país e época. Não há 
dúvida de que, ao se propor a criar uma cultura análoga por aqui, o francês foi 
fundamental para todo o desenvolvimento da filosofia no país, mesmo que 
estritamente produzido na e para a academia – para “consumo próprio”, diria 
Paulo Arantes. São vários os pensadores e as pensadoras que descendem 
dessa visão de Maugüé, geração após geração que, uns mais e outros menos, 
tentaram realmente pensar seu país e sua época com base na leitura e 
interpretação dos clássicos – como veremos. 
Daí surgiram, por exemplo, Cruz Costa, que foi assistente de Maugüé e 
estava na sua primeira turma no curso de filosofia. Posteriormente, nomes 
como José Arthur Giannotti, Ruy Fausto, Oswaldo Porchat e Bento Prado 
Júnior formaram uma geração de notáveis filósofos, que marcaria a entrada 
inconteste da produção filosófica brasileira no cenário mundial. O Brasil em 
nada ficava devendo em qualidade e novidade com relação às abordagens 
europeias, mas isso era a parte visível e mais brilhante de um trabalho que foi 
iniciado por Jean Maugüé em 1934. 
Tragicamente, Maugüé, em seu retorno à França, não passa no exame 
nacional para ingressar na docência em ensino superior, um concurso nacional 
para a carreira docente do país (e não realizado por instituição ou estado como 
no Brasil). Exercerá então, até o final da vida, a profissão de professor de 
filosofia para o liceu. Sua maior contribuição, porém, é sem sombra de dúvida a 
fundação de uma escola de filosofia, a escola uspiana. Se na França Maugüé 
não pôde contribuir ao ensino superior e à produção acadêmica de filosofia, 
pior para os franceses, como diria Arantes. No Brasil ele foi o responsável pela 
revolução da filosofia na década de 1930, inspirando gerações e gerações de 
intelectuais brasileiros. 
 
 
8 
TEMA 3 – OS ANOS 1960 
Após a saída de Maugüé, a importação dos intelectuais franceses 
tornou-se a importação de uma escola específica francesa: o estruturalismo. Se 
no final do século XIX e começo do XX o Brasil importara o positivismo francês 
de modo tão intenso, o pós-guerra trouxe uma nova perspectiva de lidar com a 
realidade e com o texto filosófico. 
3.1 O método estrutural 
[…] filosofia era matéria de ensino especializado, dotado de repertório 
técnico próprio para cujo domínio se recomendava a leitura isenta dos 
clássicos, assunto portanto sem continuidade com as finalidades 
prático-poéticas davida. (Arantes, 1994, p. 188) 
Não é possível falar sobre a experiência filosófica que se instaurou no 
Brasil nos anos 1960 sem um esclarecimento inicial quanto a um certo 
estruturalismo que ganhou corpo na USP pouco depois da saída de Maugüé 
em 1944. No final dos anos 1940 e começo dos 1950, três intelectuais 
franceses contribuem para disseminar a semente do estruturalismo em terras 
brasileiras. Victor Goldschmidt, orientador de vários filósofos paulistanos, 
mesmo nunca tendo sido professor em São Paulo; Martial Gueroult, que se 
instala no departamento de filosofia entre 1948 e 1950; e Gilles-Gaston 
Granger, que chegou em 1947 e partiu em 1953. Todos eles exerceram grande 
influência sobre os acadêmicos uspianos a partir de uma grande novidade 
conhecida como método estrutural de leitura de textos ou, como diria Gueroult, 
tecnologias de leitura. 
Na definição clássica de Gueroult, uma leitura estrutural diz respeito a 
seguir a ordem das razões do texto, isto é, o que importa na apreensão de um 
texto filosófico não é o conjunto de dogmas que ali podemos encontrar, não 
importa o que o autor estabeleceu como verdade objetiva; antes e 
exclusivamente importa descobrir a maneira como se pode encadear a 
estrutura da exposição dos problemas filosóficos levantados pelo autor. 
Curiosamente, isso dá um caminho e, ao mesmo tempo, justifica a 
máxima kantiana sobre só ser possível “ensinar a filosofar”. Para um adepto do 
método estrutural, a filosofia, já que não possui objeto próprio, não pode 
apresentar uma verdade objetiva sem cair em dogmatismo; mas o que compõe 
seu modo de proceder – o seu filosofar – é a sua estrutura, que pode ser 
 
 
9 
apreendida pela decantação capaz de separar o conteúdo objetivo da malha 
estrutural do pensamento que apreende essa objetividade. 
Desse modo, a verdade – que a filosofia nunca deixou de buscar – 
praticamente se confunde com a busca pela verdade, com o método. Isso 
significa que os sistemas filosóficos – cujos nós o método estrutural ia 
desatando – se mostravam incomensuráveis com a realidade, ao ponto de não 
fazer sentido submeter as razões do texto a um teste de realidade. Com o 
método como sinônimo de verdade, instauram-se “duas realidades”, a prosaica 
da experiência, e a da filosofia, que não tinha por que voltar à experiência para 
receber sua validação. “Uma filosofia não ensinava verdades, era apenas bem 
ou mal construída” (Arantes, 1994, p. 215). Ensinar a filosofar passa a ser, pelo 
menos com essa perspectiva, ensinar a apreender a arquitetônica dos textos. 
3.2 Gérard Lebrun 
Se o início da Missão Francesa, nos anos 1930, confunde-se com a 
figura de Jean Maugüé, seu último capítulo, nos anos 1960, não pode ser 
dissociado da figura de Gérard Lebrun, que na sua primeira passagem pelo 
Brasil, de 1960 a 1966, teve papel fundamental na formação do “estilo franco-
uspiano de mexer com filosofia” (Arantes, 1994, p. 276). Isso se dá porque “a 
tal formação […] de fato se precipitou e só se completou mesmo nos anos 
1960, aliás fortemente impulsionada por outro professor francês, Gérard 
Lebrun” (Arantes, 1994, p. 276). 
E o apreço por Lebrun não pode se confundir com a ideia de que entre 
os dois a presença estrangeira não tenha sido significativa. Mas é que o estudo 
historiográfico dos clássicos, trazido e inaugurado por Maugüé, e o método 
estruturalista trazido pela tríade Goldschmidt, Gueroult e Granger convergiram 
no pensamento e ensinamento de Lebrun de forma mais bem acabada. Além 
disso, como se não bastasse, foi com Lebrun que a herança kantiana 
estruturante da cultura filosófica brasileira ganhou corpo visível, quando da 
publicação de Kant e o fim da metafísica, em 1972. 
A lição que Lebrun tira de Kant – e deixa no departamento francês de 
ultramar – é que a filosofia não é mais juízo de verdade, pelo menos desde as 
três críticas1 escritas pelo alemão entre o final do século XVIII e o início do XIX. 
 
1
 Crítica da razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788) e Crítica do juízo (1790). 
 
 
10 
A quimera metafísica de expor a verdade sobre a totalidade da existência – que 
Kant expunha como um devaneio dogmático do pensamento – deve agora dar 
lugar, pelo menos para toda filosofia que queira embarcar na modernidade, à 
crítica não do conhecimento do objeto, mas da própria capacidade de 
conhecer, isto é, não só do que podemos conhecer, mas também do modo 
como conhecemos. 
Em outras palavras, o que nos resta é a estrutura do pensamento, que 
só pode ser apreendida pelo estudo da história da filosofia; afinal, o que Kant 
havia derrubado era o projeto delirante de uma ciência absoluta. O que Lebrun 
deixou na filosofia brasileira foi a convicção, de raízes kantianas, de que não é 
a resposta que importa, mas a pergunta, ou seja, não importa o sentido da 
objetividade que se conhece, mas o pano de fundo sobre o qual o 
conhecimento é possível. Isso influenciou grandemente quem viria a receber a 
alcunha de “musa do departamento”, Bento Prado Júnior, que certamente é um 
capítulo à parte nessa história. 
TEMA 4 – A MUSA DO DEPARTAMENTO 
Num país como o nosso, onde a cultura filosófica era inexistente, não se 
podia esperar que fôssemos imediatamente produtores de uma filosofia 
nacional, menos ainda em um recém-criado departamento de filosofia à moda 
francesa. Nesse sentido, a Missão Francesa foi, acima de tudo, necessária 
enquanto um período inicial de acumulação filosófica, sem o qual não seria 
possível produzir uma reflexão propriamente nacional. No entanto, 
paradoxalmente, o indispensável confinamento da filosofia na academia 
também a distanciaria da experiência da realidade nacional. 
A figuração de uma vida nacional ganharia corpo, primeiramente, na 
literatura, como havia mostrado Antonio Candido na Formação da literatura 
brasileira, de 1959. Por seu turno, a filosofia, pelo seu próprio modo de ser, não 
se prestava a expor a realidade concreta, muito menos na esteira do método 
estrutural que criou raízes em São Paulo, restringindo a filosofia a assunto de 
profissionais. Nesse sentido, parecia evidente que a filosofia “não teria mesmo 
nada a dizer a um espírito brasileiro em formação. Não contribuindo em nada 
para a descoberta do Brasil” (Arantes, 1994, p. 173). 
É aí que entra em cena Bento Prado Júnior, filósofo que se formou em 
1965, nessa cultura filosófica já bem instituída na USP, mas que nem por isso 
 
 
11 
foi modelado à imagem e semelhança do método estrutural francês. Isso se 
deveu especialmente pela sua veia literária: “em meados dos anos 1960, Bento 
Prado Júnior era uma ilha de literatura cercada de filosofia por todos os lados” 
(Arantes, 1994, p. 170). Além do mero gosto, o tino para a literatura tinha um 
motivo filosófico: para Bento, já era hora de a filosofia procurar públicos mais 
amplos, com uma forma de apresentação que o não especializado pudesse 
compreender e apreciar. 
4.1 Filosofia e literatura 
Como diz Paulo Arantes, “devemos portanto a Bento Prado a invenção 
de um gênero específico, que se poderia chamar de filosofia uspiana da 
literatura” (1994, p. 234). Mas a intersecção entre filosofia e literatura era mais 
do que a divulgação para públicos não especializados e não acadêmicos. Sua 
suspeita filosófica era que o momento expressivo era tão importante para a 
exposição filosófica quanto uma definição conceitual bem armada. Desde essa 
concepção, o filósofo uspiano passou a privilegiar a linguagem como lugar de 
manifestação das questões propriamente filosóficas. A bem dizer, onde se 
poderia encontrar um arcaísmo filosófico, aquele do lugar abstrato do trabalho 
conceitual, ele localizava, estrategicamente, a necessária reflexão sobre a 
linguagem ela mesma que deveria servir de antídoto contra seu uso 
instrumental. 
No entanto, essa linguagem autorreferente de Bento Prado Júnior não 
fala,como poderíamos esperar, meramente de si mesma. Na medida em que a 
linguagem fosse capaz de se libertar da necessidade de signos fixados em 
relações de significação estanques, ela deixaria de ter um uso instrumental e 
poderia expressar a dimensão da experiência concreta, que não se deixa 
capturar de maneira unívoca. É nesse sentido que a linguagem filosófica 
deveria se aproximar da linguagem literária, pois esta é justamente a 
linguagem que não está subordinada à determinação da objetividade e, por 
isso, pode realmente falar da vida sem restrições. 
Não é por acaso que Bento Prado Júnior toma como objeto filosófico de 
análise a prosa de Guimarães Rosa, para quem um único léxico não bastava. 
Nela, a linguagem não era meramente denotativa, nem enxugada sob um 
aparato conceitual. Se a linguagem enquanto mediadora entre humanos e 
coisas só pode falar da realidade de maneira restritiva, limitada à função 
 
 
12 
prática, de significação particular, a prosa de Guimarães Rosa se construía 
como a mediação ela mesma, lugar de condensação da experiência vivida, 
“supressão de todo interlocutor” (Prado Júnior, 2017, p. 177), pois precede a 
linguagem gramatical. A linguagem, então, 
aparece menos como um sistema de signos que permite a 
comunicação entre sujeitos do que como um “elemento”, como um 
horizonte, solo universal de toda existência e todo destino. Não é o 
sujeito “falante” que dá a verdade da linguagem, mas aquilo que ele 
cala, discurso secreto e absoluto que está na raiz de todo e qualquer 
discurso explícito. (Prado Júnior, 2000, p. 196) 
Para Bento Prado Júnior, a literatura, exemplificada na obra de 
Guimarães Rosa, é capaz de falar pela forma o que a filosofia não pode falar 
pelo método, e não custaria nada aproveitar algo disso. 
4.2 A novidade do ensaio 
Essa aproximação entre filosofia e literatura ainda precisaria atender à 
exigência de uma forma filosófica expressiva, que não estivesse presa às 
coagulações inerentes à filosofia entendida como sistema. Essa forma seria a 
grande novidade apresentada por Bento Prado Júnior à comunidade filosófica 
paulista: o ensaio. É claro que o ensaio enquanto gênero literário já existia há 
muito. A inovação ficou por conta de Prado Júnior ter encontrado uma forma de 
fazê-lo florescer no solo da especialização acadêmica que tinha se construído 
com base no intencional afastamento de conteúdos e formas prosaicas. 
Quanto mais avançou nessa ideia, tanto mais o nosso filósofo quis se 
aproximar da “poesia pura”, para usar um termo de Paul Valéry, que lhe era 
caro. Isto é, mais ele buscava teorizar – e agora isso significava construir uma 
forma ensaística expressiva – sobre uma linguagem não maculada pela 
intenção designativa, destituída das coisas mundanas e, por isso mesmo, 
capaz de iluminar o mundo na dimensão do que não cabe na gramática 
normativa. O que importa aqui, mais do que compreender as filigranas do 
argumento do filósofo, é perceber que Prado Júnior encontra, na esteira do 
método estrutural por meio do qual foi formado, um jeito de transformar a 
distância com relação ao mundo – a linguagem pura, no caso – em mergulho 
na experiência concreta. Bem ao estilo de quem entende que “pensar é jogar-
se contra os limites da representação e subvertê-la” (Prado Júnior, 2004, p. 
170). 
 
 
13 
Para ficarmos com a imagem a que o próprio autor recorreu, podemos 
dizer que Bento Prado Júnior queria expressar o que ele tentou mimetizar sob 
a imagem filosófico-literária do arabesco, propriamente a natureza paradoxal 
própria da literatura: “palavra silenciosa e verdade que não é do mundo: 
somente um arabesco no ar e (efêmera) estrela que arde apenas um instante, 
mas que pesa, no entanto, e que ilumina” (Prado Júnior, 2000, p. 217). Se ele 
conseguiu ou não, pouco importa diante do seu grande feito para a filosofia 
nacional: “simplesmente lhe devemos a invenção do ensaio filosófico 
paulistano” (Arantes, 1994, p. 176). 
TEMA 5 – MISSÃO CUMPRIDA? 
Diante da carência de uma filosofia própria, que era sentida em território 
nacional antes da Missão Francesa, a filosofia aqui produzida pelo menos pôde 
encontrar seu lugar junto às demais produções filosóficas internacionais – 
afinal, compartilhavam a mesma abordagem “tecnológica” dos sistemas 
filosóficos. Daí ser possível falar de um Bergson de Prado Júnior, ou de um 
Espinoza de Chauí, ou de um Hegel de Arantes, ou Heidegger de Benedito 
Nunes. São leituras dos clássicos da história da filosofia, que agora são lidos e 
interpretados por chaves de leitura de intelectuais brasileiros. Mais do que isso, 
hoje são leituras que rivalizam e influenciam a filosofia em discussão 
internacional, colocando a produção filosófica brasileira a par da produção mais 
avançada da filosofia ocidental. 
É certo, portanto, que a Missão Francesa foi um sucesso: talvez não 
pelo seu objetivo original junto às elites paulistanas, mas certamente com o 
legado que deixa para a filosofia em terras brasileiras. O que se pode chamar 
de “cultura filosófica no país” deriva, em grande parte, da semente plantada por 
Maugüé e cultivada não só pelos demais professores franceses que aqui 
desembarcaram, mas também, e especialmente, pelas gerações de estudantes 
brasileiros de filosofia que reproduziram e aperfeiçoaram o método 
entusiasticamente, podendo, inclusive, utilizá-lo para ultrapassá-lo, como o fez 
Bento Prado Júnior. 
Mas é preciso dizer, como vimos até aqui, que se toda essa confusão 
com que a filosofia chega e se instaura no Brasil problematizou grandemente a 
própria ideia de um pensamento constituinte nacional, uma filosofia brasileira, 
tal debate é por muito ultrapassado em sua linha temporal. Os problemas e a 
 
 
14 
realidade social que alimentavam a discussão filosófica até meados da década 
de 1980 no Brasil mudaram grandemente nos dias de hoje. Entre Getúlio, 
Kubitschek, nacional-desenvolvimentismo e os dias de hoje, passamos por 
uma ditadura militar, a instauração da Nova República, dois presidentes 
impedidos desde a redemocratização, além da criação e desenvolvimento (pela 
exportação do modelo uspiano e pelo antagonismo de outras escolas à escola 
uspiana) de várias faculdades de filosofia no Brasil. 
Se não podíamos afirmar sobre uma filosofia brasileira até a primeira 
metade do século XX, em pleno século XXI a valorização do pensamento e dos 
pensadores brasileiros nos mostra uma outra história. Se todo o processo de 
formação da escola uspiana começa com a importação do modelo e do 
pensamento francês, a missão a que se prestava certamente não foi cumprida 
– afinal, a elite paulistana que buscava tomar o poder de Getúlio não foi bem-
sucedida em sua tarefa. No entanto, o legado da Missão Francesa se estende 
para além do próprio alcance direto que a missão possuiu. E que, hoje, volta-se 
em a voga a discussão de uma filosofia do Brasil deve ser o maior atestado do 
legado da missão. 
NA PRÁTICA 
A produção filosófica no Brasil é demarcada, hoje, por várias escolas e 
leituras fundadas em diálogo com a escola uspiana. Compreender o processo 
de surgimento da escola uspiana é compreender como a filosofia, a partir da 
segunda metade do século XX, começa a se disseminar e se desenvolver no 
Brasil. Trata-se de encontrar no passado as chaves de interpretação do 
presente. 
Tais chaves, mais do que abrir o presente, dão sentido a ele. Se hoje o 
ensino e a pesquisa em filosofia, seja na educação básica, seja na superior, se 
volta sempre ao diálogo com os clássicos da filosofia (na velha, eterna e 
sempre crucial pergunta: Por que ler os clássicos hoje?), muito disso se deve a 
um evento que ocorreu há quase 90 anos. 
Compreender o processo de fundação e formação da faculdade de 
filosofia da USP é compreender como e por que a filosofia é retirada como 
disciplina, durante a ditadura militar, da grade curricular do ensino básico; e 
também é compreender como,após seu retorno em 2009, todo marco teórico e 
metodológico para o ensino de filosofia na educação básica retorna à primeira 
 
 
15 
lição da velha cartilha ensinada por Maugüé aos primeiros alunos do curso de 
filosofia da USP em 1935. A história da filosofia é, senão a matéria-prima, 
certamente o instrumento indispensável para a prática filosófica. Se a filosofia é 
de alguma forma uma matéria que não se ensina; se, de fato e na prática, só 
se ensina a filosofar, não é senão pela leitura dos clássicos que tal feito é 
possível. 
No entanto, é preciso ir além da leitura de textos de outros tempos e 
outros lugares. Hoje é preciso (porque indispensável, e porque certeiro), por 
toda a convulsão social brasileira, a leitura não somente dos clássicos 
europeus, mas também dos latino-americanos, dos africanos e dos ameríndios. 
A educação filosófica no Brasil, mais do que um retorno a Kant, necessita 
também dialogar com as obras de autores brasileiros – de Cruz Costa a Chauí, 
de Safatle e Ribeiro a Arantes. Hoje os clássicos não são mais somente 
aqueles estudados nas décadas de 1930, 1950 ou 1960. Hoje, textos de 
autores como Paulo Arantes e Bento Prado Júnior, ou de autores indígenas, 
como Kopenawa e Krenak, ou Fanon, são os clássicos que devem compor uma 
história da filosofia no e do Brasil. 
FINALIZANDO 
Nesta aula acompanhamos o processo de formação, tal como descreve 
Paulo Arantes, de uma das principais escolas de pensamento e produção 
filosófica do país: a escola uspiana. Fundada em meio ao esforço da formação 
intelectual proposta pela elite econômica e política paulista, a escola uspiana 
de filosofia é o maior resultado do que examinamos até este ponto do curso. 
Trata-se da conjunção entre modernidade e marco civilizatório europeu, com o 
projeto de formação de uma cultura e identidade nacional. 
De Jean Maugüé a Gérard Lebrun, passando por nomes como Lévi-
Strauss, Martial Gueroult e Michel Foucault, a Missão Francesa fundou um dos 
pilares do pensamento e da produção filosófica brasileira contemporânea. A 
escola uspiana é o resultado da conjunção entre a leitura minuciosa de textos 
clássicos da história da filosofia, trazida primeiro por Maugüé, e o pensamento 
estruturalista que surge no pós-guerra francês, disseminado por Gueroult e 
Granger, mas também por Goldschmidt, culminando em um dos maiores 
professores e pesquisadores em filosofia no Brasil, Gérard Lebrun. 
 
 
16 
Dessa convulsão surge, como o grande expoente da filosofia no Brasil, 
Bento Prado Júnior. Mais do que ler os clássicos europeus, Bento (agora tão 
íntimo para nós) funda uma filosofia pautada no diálogo direto com a literatura; 
um ensaísta que busca na linguagem da literatura brasileira a forma e o 
conteúdo de uma nova filosofia. Uma filosofia que dialoga com uma realidade 
tão propriamente brasileira, na qual, nas palavras de Noel Rosa, “Tudo aquilo 
que o malandro pronuncia/ Com voz macia é brasileiro, já passou de 
português” (1933). 
Assim, a Missão Francesa cria uma escola filosófica a partir da 
importação cultural, num misto de modernização e processo civilizador, 
conjunto com um desejo neofilista, e cujo legado é o estado da filosofia hoje no 
Brasil. Uma filosofia plural e difusa, hoje com várias influências e diálogos 
quanto pareceria impossível por aqui na década de 1930. Mais do que fundar 
um departamento francês do outro lado do Atlântico, a Missão Francesa fundou 
não a filosofia, mas a discussão filosófica acadêmica e popular no Brasil. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
ARANTES, P. A filosofia e seu ensino. São Paulo: Educ, 1993. 
_____. Um departamento francês de ultramar. São Paulo: Paz e Terra, 1994. 
_____. Fio da meada. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 
NÃO TEM TRADUÇÃO. [Compositor]: Noel Rosa. [Intérprete]: Francisco Alves. 
Rio de Janeiro: [S.n.], 1933. 
PRADO JÚNIOR, B. Alguns ensaios. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 
_____. Erro, ilusão, loucura. São Paulo: Editora 34, 2004. 
_____. Ipseitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

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