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U N O PA R PEN SA M EN TO FILO SÓ FICO E SO C IA L N O B RA SIL Pensamento Filosófi co e Social no Brasil José Adir Lins Machado Claudiane Ribeiro Balan Mariana de Oliveira Lopes Vieira Pensamento Filosófico e Social no Brasil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Machado, José Adir Lins ISBN 978-85-8482-199-0 1. Filosofia - Brasil. 2. Sociologia - Brasil. I. Balan, Claudiane Ribeiro. II. Lopes, Mariana de Oliveira. III. Título. CDD 101 Machado, Claudiane Ribeiro Balan, Mariana de Oliveira Lopes. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S. A., 2015. 180 p. : il. M149p Pensamento filosófico e social no Brasil / José Adir Lins © 2015 por Editora e Distribuidora Educacional S.A Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Presidente: Rodrigo Galindo Vice-Presidente Acadêmico de Graduação: Rui Fava Diretor de Produção e Disponibilização de Material Didático: Mario Jungbeck Gerente de Produção: Emanuel Santana Gerente de Revisão: Cristiane Lisandra Danna Gerente de Disponibilização: Nilton R. dos Santos Machado Editoração e Diagramação: eGTB Editora 2015 Editora e Distribuidora Educacional S. A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041 -100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Unidade 1 | As principais características da filosofia no Brasil Seção 1 - A herança portuguesa 1.1 | A formação do pensamento português 1.2 | O panorama reflexivo no Brasil 1.3 | O itinerário da história das ideias Seção 2 - A existência ou não de uma filosofia brasileira 2.1 | O panorama da reflexão filosófica no Brasil Seção 3 - Características da filosofia no Brasil 3.1 | Traços distintivos do povo brasileiro 3.2 | A contribuição de Gonçalves de Magalhães 3.3 | A contribuição de Raimundo Farias Brito Unidade 3 | Sociologia no Brasil: história e desafios Seção 1 - Sociologia histórica 1.1 | O padrão sociedade 1.2 | O início 1.3 | Os grandes pensadores: Karl Marx 1.4 | Os grandes pensadores: Émile Durkheim 1.5 | Os grandes pensadores: Max Weber 1.6 | Expandindo as fronteiras Unidade 2 | Os pensadores da filosofia brasileira Seção 1 - A influência positivista e a Escola do Recife 1.1 | O positivismo de Auguste Comte 1.2 | A escola do Recife 1.3 | A escola do Recife, o positivismo e demais correntes Seção 2 - A contribuição de Tobias Barreto 2.1 | Tobias Barreto Seção 3 - A contribuição de Farias Brito 3.1 | A formação de Farias Brito 3.2 | A carreira de Farias Brito 3.3 | As realizações de Farias Brito 3.4 | Farias Brito e a política 3.5 | Desfechos familiares e morte Sumário 7 11 11 14 19 25 25 37 37 41 44 57 61 61 64 65 71 71 83 83 85 88 89 91 101 105 105 106 108 112 114 116 1.7 | Conceitos e princípios Seção 2 - Sociologia no Brasil 2.1 | No Brasil 2.2 | Alguns pensadores brasileiros: Octávio Ianni 2.3 | Alguns pensadores brasileiros: Florestan Fernandes 2.4 | O ressurgimento Seção 3 - Sociologia e seus desafios modernos 3.1 | Sociologia e seus apêndices 118 123 123 124 127 127 131 132 Unidade 4 | Valores morais e éticos Seção 1 - Contribuições filosóficas acerca da ética e da moral 1.1 | A ética e moral na história 1.1.1 | Ética grega 1.1.2 | Ética socrática 1.1.3 | Ética platônica 1.1.4 | Ética aristotélica 1.1.5 | Ética helenística: epicurismo e estoicismo 1.1.6 | Ética cristã 1.1.7 | Ética moderna Seção 2 - A ética e a moral na sociologia 2.1 | A contribuição dos Clássicos da Sociologia no debate sobre moral e ética 2.2 | Ética na docência Seção 3 - A sociologia no ensino médio 3.1 | Histórico da disciplina de Sociologia no Ensino Médio: lutas e resistências 145 149 150 150 150 151 151 152 153 154 157 157 166 169 169 Apresentação Olá, pessoal! No livro “Pensamento Filosófico e Social no Brasil” estudaremos na Unidade 1 “As Principais Características da Filosofia no Brasil”, em que estaremos apresentando sua trajetória e as influências na cultura brasileira. Portanto, perpassaremos pela herança portuguesa, e a indagação da existência ou não de uma filosofia brasileira. Na Unidade 2 possibilitaremos a observação sobre a classificação das diferentes concepções de filosofia no país. O objetivo é apresentar as contribuições reflexivas das principais personalidades brasileiras vinculadas à questão da produção filosófica. Neste sentido, apresentaremos a Influência Positivista e a Escola do Recife; a Contribuição de Tobias Barreto e a Contribuição de Farias Brito. Dentro desta perspectiva, estudaremos na Unidade 3 a Sociologia no Brasil: História e Desafios, analisando assim os traços principais das etapas, períodos e evolução de sua institucionalização. Na Unidade 4, correspondente aos Valores Morais e Éticos, perpassaremos pela análise das questões éticas e morais nos campos da Filosofia e da Sociologia. Dessa forma, o conteúdo do livro indica um modo de viver a vida, de observar de forma crítica a relação homem e sociedade com muito mais clareza e satisfação. Os textos apontam caminhos simples e objetivos, dos quais o que se pretende é ampliar os conhecimentos e a forma de observar o mundo e a natureza, enriquecendo desta forma a trajetória acadêmica do aluno e, ao mesmo tempo, ampliando a sua especialização na área profissional. Neste contexto, desejamos um excelente estudo aos nossos estudantes e leitores desta obra, cujos autores alvitram a ampliação dos conhecimentos com base no pensamento filosófico e social no Brasil. Prof. Sergio de Goes Barboza Unidade 1 AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA NO BRASIL A formação da cultura lusitana traz no seu bojo a participação de muitas visões de mundo, por vezes, a princípio, antagônicas, porém dentro de uma convivência pacífica e tolerante, fato que colocaria Portugal em um patamar diferenciado com relação aos demais países europeus. Contudo, próximo da época do descobrimento do território brasileiro, ocorre uma guinada no campo epistemológico, educacional, político e religioso, com a participação mais efetiva da Ordem Jesuítica, e isso terá repercussões até mesmo em solo brasileiro. Pretendemos, nessa seção, possibilitar ao estudante obter clareza na classificação das diferentes concepções de filosofia existentes em nosso país, e, sobretudo, que possa perceber que é bastante comum haver uma confusão acerca da existência da Filosofia em si, com filosofias de vida ou pensamentos com viés ideológico, buscando perpetrar-se em nossa sociedade e dificultando a objetividade na distinção epistemológica do campo filosófico. Seção 1 | A herança portuguesa Seção 2 | A existência ou não de uma filosofia brasileira Objetivos de aprendizagem: Nessa unidade pretendemos apresentar a trajetória do pensamento filosófico no Brasil. Compreendendo primeiramente a formação do pensamento português e a sua posterior influência na formação da cultura brasileira. Faremos uma reflexão sobre a existência ou não de uma filosofia genuinamente nacional, bem como uma abordagem sobre as diversas concepções de filosofia presentes em nosso país, de acordo com a interpretação dos principais estudiosos do assunto no Brasil. José Adir Lins Machado As principais características da filosofia no Brasil U1 8 Apresentaremos uma análise do desdobrar da filosofia em solobrasileiro, passando pelas principais correntes que nos foram legadas pelos portugueses e sofrendo a influência das demais correntes de pensamento que afloraram na Europa durante a Idade Moderna, indo desde a visão cartesiana até ao espiritualismo francês, mas sempre com uma conotação eclesiológica, senão com resquícios da influência teológica remanescente da Escolástica. Seção 3 | Características da filosofia no Brasil As principais características da filosofia no Brasil U1 9 Introdução à unidade Buscaremos apresentar, nesta unidade, as características mais marcantes da história da filosofia no Brasil. Para tanto, já é bom que se diga que há uma grande diferença entre a Filosofia no Brasil e a Filosofia do Brasil, ou filosofia brasileira. Alguns, inclusive, para referir-se à filosofia brasileira, usam o termo “filosofia tupiniquim”. Fato que, por si, já evidencia uma espécie de menosprezo por nossas correntes de pensamento. Se é que elas existem. Diante disso, o primeiro passo talvez seja, justamente, decidir: existe ou não uma filosofia brasileira? Por gentileza, caro(a) estudante, pedimos que não tente responder pelo ímpeto, pois essa questão merece muita reflexão. A coruja é o símbolo da filosofia por ter visão abrangente – girar a cabeça para todos os lados – e por só alçar voo sob o crepúsculo. O que significa dizer que devemos observar tudo, sob todos os ângulos possíveis, ponderar bastante e não tirar conclusões precipitadas. Quem fala antes de pensar, quem fala sem pensar, quem fala e depois se arrepende, demonstra estar bem distante dos ditames filosóficos, pois a filosofia é reflexão crítica e profunda. Rubem Alves dizia ter um profundo desejo de oferecer cursos de “escutatória” ao invés de cursos de oratória, pois escutar é tão ou mais importante do que falar. Quando se chega a essa conclusão, Fonte: Disponível em: <http://commons. wikimedia.org/wiki/File:India_tupi. jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.2 | Existe “filosofia tupiniquim”? Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Coruja.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.1 | A coruja alça voo no crepúsculo. As principais características da filosofia no Brasil U1 10 começa-se a ser filósofo. Quando os alunos começam a estudar filosofia ou quando conversamos com alguém que não é da área, é bastante comum nos indagar: “existe algum(a) filósofo(a) brasileiro(a)?” A resposta para essa pergunta vai depender de uma contextualização um pouco extensa, não dá para apresentar uma boa resposta de modo superficial. Não existe um sim ou um não e ao mesmo tempo existe um sim e um não. Onde reside a dificuldade em se ter filósofo(a) brasileiro(a)? Grosso modo, filosofia é reflexão sobre a realidade, mas não pode ser sobre a realidade muito recortada, muito pontual ou subjetiva, senão não interessa para ninguém; e também não pode ser sobre uma realidade universal que prescinda do contexto onde nos encontramos, senão pouco acrescenta sobre o que já foi elaborado. Assim como acontece com a história, onde as crianças aprendem a história do mundo antigo antes de conhecer a história da sua cidade, também na filosofia aprendemos a refletir sobre a realidade antiga, sobretudo, mas não aprendemos a refletir sobre o que está acontecendo hoje em dia em nossa cidade e em nosso país. Existem pessoas que são mais propensas a filosofar de modo inato, têm essa verve filosófica: questionam, se posicionam e aprofundam as questões. E existem outras que podem até estudar e se formar em Filosofia, mas nunca aprenderão a fazer filosofia. É como estudar arte e nunca se tornar um artista, ou estudar música e nunca ser um músico. Nesta unidade apresentaremos a questão da herança portuguesa legada à filosofia brasileira e qual o seu impacto em nossa formação e reflexão filosóficas. Posteriormente faremos uma reflexão sobre a Filosofia e as filosofias, numa tentativa de perceber o alcance da nossa maneira de fazer filosofia. E, por último, veremos as características mais presentes no desenvolvimento da filosofia em nosso país. Fonte: Disponível em <http://commons. wikimedia.org/wiki/File:Sisebuto,_rey_ de_los_Visigodos_(Museo_del_Prado). jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.3 | Suevos e visigodos coabitavam em território português. As principais características da filosofia no Brasil U1 11 Seção 1 A herança portuguesa A título de introdução a esta seção, queremos lembrar-lhe que a Filosofia anda muito próxima de diversas outras áreas do conhecimento, e a história é uma delas. Por isso, para se entender a filosofia no Brasil é preciso fazer um resgate da história da filosofia em Portugal. Os portugueses foram os responsáveis por nos inserir na cultura europeia através da língua, da religião, de aspectos culturais e folclóricos, entre outros. Contudo, a formação do pensamento português não se fez sem contradições. Cabe lembrar que contradições bem conduzidas são salutares e podem ajudar no crescimento cognitivo. 1.1 A formação do pensamento português Coabitavam na Península Ibérica povos de diversas tendências, tais como cristãos, judeus e árabes. Além disso, havia também uma forte presença africana decorrente da proximidade desse continente. Fato que, possivelmente, contribuiu para a criação de um espírito de tolerância com o diferente, pois cristãos e muçulmanos, em tempos de paz, negociavam continuamente, se visitavam e até casavam seus filhos misturando as culturas. Chegavam, inclusive, a realizar cultos cristãos e muçulmanos nos mesmos templos, conforme nos relata João Cruz Costa (1904-1978) (1967, p. 17), o qual afirma ainda: Quer nos parece que o humanismo, o realismo que caracteriza a cultura portuguesa explica-se, em parte, pela influência que ela recebeu da cultura árabe e das necessidades originadas desse convívio com povos de religião e tendências diversas. Como é sabido, dos árabes receberam os ibéricos o conhecimento da filosofia grega e, principalmente, a interpretação “física”, que lhe deram os primeiros. Foi sob a sua influência e também sob a influência do senso prático dos judeus que, no alvorecer do Renascimento, os portugueses iniciaram a sua obra náutica. O isolamento em que se mantém a ciência portuguesa leiga – de tendência profundamente empírica – em face do movimento filosófico de inspiração propriamente continental é mais um sintoma assaz sugestivo da influência da cultura árabe em Portugal. As principais características da filosofia no Brasil U1 12 Nessa época a ciência escolástica (dominada pela Igreja com base principalmente nos pensamentos de São Tomás de Aquino) e a ciência leiga (emancipada desde Galileu Galilei e fortalecida com as contribuições de Isaac Newton, sobretudo) estavam se distanciando. Na escolástica predominava um modelo de ensino erudito, mas na Península Ibérica se fazia ciência aplicada enriquecida com a sutileza da argumentação teológico-filosófica. Prefigurando o empirismo e o pragmatismo, reinava em Portugal um espírito positivo em dissonância com os demais países europeus. As escolas náuticas são bons exemplos dessa tendência; auxiliadas por uma visão franciscana que visava aproximar o homem e a natureza, diferentemente da Península Itálica, por exemplo, que primava pela atividade industrial. A descoberta do novo mundo contribuiu muito para ajustes profundos na física, na cosmologia e na geografia da época, e autoridades consagradas das ciências, sobretudo Aristóteles, passaram a ser questionadas e desse modo os navegadores venceram a superstição causada pelos textos clássicos. Afirmarão os lusitanos que “sabe-se mais em um dia agora pelos portugueses, do que se sabia em cem anospelos romanos”. Porém, a partir do século XVI, impulsionada por um modelo político monopolista e teocrático, Portugal entrará em decadência e a riqueza extraída das novas terras irá parar nas mãos dos banqueiros do norte europeu ou dos piratas ingleses. Nesse momento entram em cena os Jesuítas, os quais terão profunda contribuição na formação dos pensamentos Para melhor aproveitamento e enriquecimento dos estudos, sugerimos que você faça uma pesquisa sobre a história de Portugal, a sua formação, suas características, o seu território e, sobretudo, os avanços e retrocessos no tocante ao campo do conhecimento. Pode usar o site http://www. historiaportugal.com/, para essa pesquisa. Figura 1.4 | Símbolo da Ordem Jesuíta. Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Marca_Oficial_Jesu%C3%ADtas_Brasil.png?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. As principais características da filosofia no Brasil U1 13 portugueses e latino-americanos. Enquanto a colonização do território brasileiro se iniciava, os Jesuítas, então à frente da Contrarreforma católica, foram chamados para a Universidade de Coimbra. Portugal começa a se afastar do movimento científico que começou a florescer já no século XVII e o espírito moderno vai definhando. O ex-presidente de Portugal, Teófilo Braga (1843-1924), ao escrever sobre a história da Universidade de Coimbra, dirá que o ensino, nas mãos dos Jesuítas, perdeu a sua base natural e nacional, e o saber converteu-se em erudição livresca. As doutrinas aristotélicas voltaram a se propagar e o espírito renascentista cedeu lugar às humanidades clássicas, envolvidas em uma atmosfera teológica. Os Jesuítas afastavam Portugal da renovação científica moderna, de tal modo que Portugal nunca mais voltou a encontrar os meios para prosseguir nessa empreitada, por conta de um humanismo superficial. Enquanto toda a Europa se debruçava sobre o pensamento de Bacon e Descartes, os portugueses refletiam acerca da contribuição escolástica. Dir-se-á que o pensamento filosófico português esteve apartado das correntes modernas que, na França e na Inglaterra, já haviam superado o tomismo. O universalismo cultural que havia originado os descobrimentos ia lentamente se distanciando no horizonte. Esse universalismo permitiu a libertação ocidental da ameaça islâmica, a navegação em latitude ao invés de longitude e a unificação do globo terrestre, contribuindo para a criação de uma economia mundial. Ao universalizar as ciências naturais, a geografia, a meteorologia e a medicina, os portugueses haviam sido vanguardistas da Idade Moderna e contribuíram significativamente para o colapso das visões de mundo antiga e medieval. Se o Renascimento culminou no humanismo, o universalismo português alcançou avanço ainda maior no campo moral e das ideias. Nessa época, o interesse pela navegação atraía para Lisboa gentes das mais variadas culturas. Os descobrimentos e a fortuna fácil proporcionavam, de um lado, o luxo e, de outro, o relaxamento dos costumes. Ao luxo se ligava à falta de escrúpulos em matéria de moralidade e os portugueses passaram a cuidar apenas de exterioridades; ou seja, Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/ wiki/File:Monumento_a_los_Descubrimientos,_Lisboa,_ Portugal,_2012-05-12,_DD_09.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.5 | Monumento aos navegantes. As principais características da filosofia no Brasil U1 14 como dizemos hoje, “viver de aparências”. O relaxamento dos costumes chegou a refletir até mesmo na vida eclesiástica, conforme atestam documentos da época. Diante dessa derrocada e das mudanças científicas e religiosas da época, a filosofia em Portugal, por influência jesuítica, irá se limitar a uma tentativa de renovação dos pensamentos tomísticos e escolásticos, uma vez que a especulação pura nunca foi o ponto forte da filosofia portuguesa, como o foi o experimentalismo. Enquanto em outros países europeus a filosofia se reaviva com muita intensidade, em Portugal isso só viria a acontecer 200 anos depois e de modo ainda muito tênue. Era esse o panorama reinante em Portugal quando eles aqui chegaram. Deles herdamos a língua, os costumes, a religião, os defeitos e as virtudes; além, certamente, de uma visão de mundo e de ser humano. Assim como a especulação, a contemplação não era forte em Portugal e também não será no Brasil. A convivência pacífica dos mais diversos povos foi e é característica bem marcante em ambos os países. Sobre a herança portuguesa, as duas obras de João Cruz Costa apresentadas nas referências constituem-se em um material de excelente qualidade, apresentando um resgate histórico dentro de uma perspectiva filosófica. 1.2 O panorama reflexivo no brasil Como vimos, o descobrimento do Brasil coincidiu com a decadência de Portugal, que ajudou a proporcionar novos rumos ao mundo da época, mas logo se afastou da condução da sociedade do seu tempo e passou para um mundo escuro, inerte, pobre e ininteligente. Apesar dos descobrimentos se encontrarem na raiz fecunda do capitalismo moderno, os portugueses tiraram pouco proveito dessa empreitada, pois na época o comércio era monopólio entregue pelo rei a quem melhor lhe retribuísse a concessão. Alemães e povos nórdicos foram os maiores beneficiados, ficando aos portugueses e espanhóis apenas o transporte das mercadorias das colônias para as metrópoles. O ouro escoava-se para os países do norte. Portugueses e espanhóis apenas representavam no comércio com as colônias o papel de “transportadores” (rouliers), pois eram os outros países da Europa que enviavam para as colônias ibéricas os objetos manufaturados de que eles tinham necessidade. [...] Consideráveis prejuízos também causariam a Portugal e à Espanha o fanatismo religioso. À Holanda As principais características da filosofia no Brasil U1 15 Segundo Bento Prado Júnior (1937-2007), Cruz Costa (1904-1978) “insiste no caráter mimético do pensamento brasileiro, de como o pensamento brasileiro imita sistematicamente o pensamento metropolitano, de como as ideias vinham através de navios e de como a cultura no Brasil era puramente simbólica, como um adorno da classe dominante” (PRADO JR, 1986, p. 110). Machado de Assis dirá que a nossa cultura é uma “cultura de casca”, sinalizando que ela não tem profundidade, é apenas de superfície. E, certamente, esse é um elemento constitutivo da nossa maneira de lidar com a filosofia. Porém, uma das características mais marcantes do pensamento filosófico é justamente ter profundidade e ser crítico-reflexivo. A filosofia, desde o seu início, busca compreender e analisar o mundo de modo sistemático, não condescendendo com reflexões superficiais e preconceituosas. Éramos profundamente (talvez sejamos até hoje) influenciados pela realidade europeia, vivíamos uma realidade aqui no Brasil, mas refletíamos sobre outra, principalmente sobre a realidade europeia. É como se cultura e realidade estivessem alienadas, separadas, pois ao mesmo tempo em que escrevíamos livros baseados no liberalismo europeu, por exemplo, a nossa sociedade era escravagista. Produzíamos ideias fora do nosso contexto, ou melhor, não produzíamos, apenas reproduzíamos. levariam os judeus expulsos da Península a sua atividade de traficantes, sua habilidade comercial e as suas riquezas. A Holanda e, logo depois a Inglaterra, seriam as verdadeiras sucessoras do patrimônio colonial ibérico (CRUZ COSTA, 1967, p. 30). Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Egg#mediaviewer/File:Huevo_Quebrado.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.6 | Cultura de casca, frágil e superficial. As principais características da filosofia no Brasil U1 16 Uma nação tem o direito de exercer influência sobre outras? E hojeem dia, quantas nações não mantêm outras sob sua influência, por vezes, sem que isso seja claramente percebido? A moda, a música, os filmes, são bons exemplos de como nos deixamos levar por influências de outros povos. Faça uma análise sobre a(s) cultura(s) que mais influência exerce(m) sobre o nosso país atualmente. Contudo, pode haver um aspecto positivo nisso, pois os europeus acabavam se expondo mais a equívocos e nós, teoricamente, tínhamos mais tempo para perceber isso e evitar tais erros. Por outro lado, parecia que não fazíamos filosofia propriamente, mas apenas brincávamos de fazê-la. Será que essa característica tem a ver com o legado português? Herdamos uma cultura separada da modernização europeia e muito ínsita numa tradição eclesiológica de um catolicismo pragmático e - por que não dizer? - comercial. Está aí, talvez, uma explicação superficial para as nossas romarias e nossas práticas de promessas, quase com um pé numa certa modalidade de paganismo. Desse modo, não é exagero afirmar que “a história das ideias no Brasil é a história das interpretações do mundo e do Brasil” (Ibidem, p. 117). Outra razão dessa reprodução de ideias seria o fato de não se escrever para um público brasileiro, pois, praticamente, não havia esse público; escrevia-se para um público europeu, sobretudo. Nesse caso a produção foi provocada pelo consumo. Cruz Costa (1959, p. 13) lembra que “temos simplesmente glosado o pensamento europeu e não contribuímos até hoje para o patrimônio da Filosofia com nenhuma criação”. Na sequência ele cita Raimundo Farias Brito (1862-1917), o qual havia O legado colonial é o legado de uma cultura, da cultura portuguesa, que no momento mesmo em que faz, em que inicia a experiência da colonização, se fecha para a Europa e se fecha para a ciência. Você tem aí a presença dos jesuítas como uma presença que dá o nome próprio desse tipo de experiência cultural, ou desse tipo de tradição cultural. Então, grosso modo, você tem o seguinte: cultura livresca por oposição à cultura moderna científica, o respeito pela autoridade e não o respeito pela razão, a conservação da estrutura social ao invés da mobilidade e da transformação social (PRADO JR., 1986, 115). As principais características da filosofia no Brasil U1 17 sustentado que ainda não produzimos nenhum filósofo e apresentava como razão para isso a nossa curta história, pois ainda somos um país muito recente. Segundo Farias Brito: Se não produzimos nenhum filósofo, poderíamos nos perguntar: “então não existe uma filosofia brasileira?”. Para Cruz Costa não existe e nem deveria existir, pois a filosofia tem de ser uma experiência da coletividade humana e não de nações isoladas. A filosofia deveria buscar ser universalmente válida e não ser válida apenas nacionalmente. Contudo, temos algo de próprio em nossa experiência e em nossa vivência, embora os livros não relatem. Os homens que migraram para o Brasil eram motivados pela aventura e pelo lucro. Os aventureiros visavam o útil e imediato e, normalmente, agiam baseados na crença de que aqui tudo era permitido, nada era pecado. Também vinham para cá religiosos buscando conquistar almas para a cristandade. Próximo de 1530 os jesuítas já estavam instalando aqui o Colégio da Companhia de Jesus. Nesses colégios estudavam os filhos dos abastados senhores de engenho, de usineiros ou plantadores de cana-de-açúcar; ou, então, os filhos dos funcionários dos administradores do Reino Português. E a educação recebida era de base humanista, prioritariamente. De modo imitativo se buscava aprender a escrever e pensar utilizando-se uma cultura livresca de origem europeia. Tudo não passava de simples reprodução de Atendendo bem às nossas circunstâncias especiais, não é isto para estranhar quando é certo que, estendendo um pouco esta afirmação e olhando mais ao largo, poder-se-ia dizer a mesma coisa de toda a América [...]. Somos uma nação de ontem e para a elaboração de grandes construções filosóficas, originais e fecundas, é indispensável o concurso do tempo (FARIAS BRITO, apud CRUZ COSTA, 1959, p. 13). Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/ wiki/Category:Adventurers#mediaviewer/File:Nikolai_ Leontyev.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.7 | Aventureiros migraram para cá. As principais características da filosofia no Brasil U1 18 ideias, característica muitas vezes presente até hoje no nosso sistema educacional. Começava ali a admiração por tudo quanto fosse estrangeiro, como se isso fosse sinônimo de intelectualidade. Aliado a isso, herdamos de Portugal um pensamento acentuadamente voltado para a prática. A soma desses dois aspectos logo reduziu a nossa cultura ao comentário. O progresso científico havia se estagnado em Portugal e aqui não foi diferente. O resultado disso será que os colégios brasileiros focarão no ensino da escolástica, corrente que os países europeus mais avançados já consideravam ultrapassada. Ainda no período colonial os estudiosos brasileiros, principalmente os mineiros, acabaram sendo influenciados pelos Enciclopedistas, levando o governo português, em 1790, a tomar medidas contra os leitores das obras dos filósofos franceses, chegando, inclusive, a colocar na prisão alguns acusados pelo crime de enciclopedismo. Assim fomos, aos poucos, nos distanciando da influência portuguesa e nos aproximando mais do pensamento francês. Parecia estarmos direcionados para a nossa emancipação educacional e a primeira manifestação em prol da nossa independência eclodiu em Minas Gerais. Os intelectuais brasileiros, em grande parte maçons, se inspiravam nos livros dos franceses Diderot, D’Alembert, Voltaire e Montesquieu, entre outros, juntamente com o genebrino Rousseau. Estava lançada a semente que originaria o fim da colônia e o surgimento de uma nova nação independente. De qualquer modo, deixamos de ser influenciados por um país europeu e passamos a ser influenciados por outro, ou seja, a cultura brasileira é filha da contribuição de estrangeiros. Tanto é verdade que não nos é possível estudar a nossa história prescindindo da história das imigrações ao nosso país. Há quem se oponha a essa influência, mas dificilmente poderíamos nos livrar dela, pois a América é filha da Europa, somando-se a ela contribuições também de índios, africanos e asiáticos, entre outros. Assim, a filosofia no Brasil, mesmo rudimentar, foi um luxo para os mais afortunados e, infelizmente, de certo modo, ela ficou elitizada. Inclusive, as pessoas que recebiam a educação humanística eram consideradas pessoas de classe. Quando Portugal, no tempo de D. Maria I, dormitava no emperramento e na imobilidade, tentando levantar nas fronteiras uma barreira que obstasse a entrada das ideias revolucionárias, os estudantes brasileiros agitavam-se em Paris e sua palavra passando os mares, ia ecoar em nossos sertões... A França, com as suas turbulências então para a liberdade, era a nossa iniciadora; vira-se o mesmo nos Estados Unidos. A América estava cansada do jugo. E, assim, desde os fins do século XVIII o pensamento português deixava de ser o nosso mestre; fomos nos habituando a interessar-nos pelo que ia pelo mundo (CRUZ COSTA, 1959, p. 27). As principais características da filosofia no Brasil U1 19 Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Salon_de_Madame_Geoffrin.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.8 | Temos influência dos enciclopedistas. 1.3 O itinerário da história das ideias A história da filosofia em território brasileiro deve ser estudada como história das ideias que aqui chegaram e se mantiveram formando o nosso modo de ver o mundo. Não temos uma filosofia natural, espontânea, mas um ecletismo de muitas culturas, povos e ideias. A filosofia não pode ser estudadadesvinculada do nosso contexto histórico, social e político, pois ela não deve ser pura e simplesmente especulação, mas uma reflexão sobre a nossa experiência vivida. Segundo Léon Brunschvicg, “a história é o laboratório do filósofo”, portanto, poderíamos dizer, contrariando o senso comum, que a filosofia não é alheia ao mundo, como pode parecer para muitos. É preciso, porém, não esquecer que a história exclui certas restaurações. Ela não é feita para restaurar, mas para libertar do passado. A filosofia encontra a verdade na sua adequação com a realidade. Esta realidade não é permanente, mas histórica. Não é, pois, possível saltar a barreira da história. Quando muda a história, necessariamente, tem que mudar também a filosofia (CRUZ COSTA, 1967, p. 12). As principais características da filosofia no Brasil U1 20 Dirá Cruz Costa que no perfil do brasileiro se lê claramente a herança indígena em nosso sentimento tanto de rebeldia quanto de resignação; do caboclo se percebe como traço bem característico a desconfiança ao estrangeiro; e dos negros herdamos tanto a sensualidade quanto a abnegação. Mas a maior influência será do branco, sobretudo do branco português, pois por seu intermédio é que nos ligamos à civilização ocidental. Podemos, então, perceber que a nossa cultura, e por extensão o nosso pensamento filosófico, se faz como produto da junção de diversas culturas, com prioridade para duas: a influência vinda pelo Atlântico e a surgida no sertão. Sertão fruto da miscigenação de várias culturas. Além da contribuição genuína, ainda que pequena, dos povos da América, se percebe que um dos nossos problemas é a importação de ideias, bem como a delimitação de até onde assimilamos essas ideias que importamos, pois parece haver um hiato entre pensamento e ação. Fato que nos remete ainda a outra questão, já levantada nesse texto: deveria a filosofia ter aspirações nacionalistas ou universalistas? Para Bento Prado Júnior, a ideia de uma filosofia nacional não coaduna com o ideal de universalidade inerente à disciplina. Segundo Bento Prado Júnior, o apego à história de uma filosofia nacional pode ser fruto de dois tipos de preconceitos: um psicologista e outro historicista. “A filosofia é aí pensada como a expressão de uma alma ou de um espírito cuja natureza permanece inalterada ao longo da História. É a identidade do espírito que garante a continuidade da História e que faz com que as várias filosofias pareçam suceder-se dentro de um mesmo tempo, como as frases sucessivas de um único discurso” (PRADO JR., 1985, p. 174). Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:%C3%8Dndios_Isolados_4.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.9 | Conversamos pouco da cultura indígena. As principais características da filosofia no Brasil U1 21 Não há no Brasil um sistema filosófico próprio, e se percebe isso nos próprios pensadores à medida que assumem essa carência de cultura nacional. É como se aqui a coruja de Minerva alçasse voo ao amanhecer. É como garimpar em um passado não filosófico em busca de traços de uma filosofia que ainda está por vir, por se formar. Temos uma nação buscando formar o seu zeitgeist (termo alemão que significa “espírito da época”, “espírito do tempo”). Para Cruz Costa, é o historicismo que caracteriza a nossa filosofia, pois é preciso recuperar a origem do pensamento filosófico retornando à cultura portuguesa e se apercebendo do aspecto negativo que foi a contribuição jesuítica e a Contrarreforma, os quais foram obstáculos à filosofia, à medida que “fecham o pensamento português ao sopro de renovação que atravessa a Europa. [...] É o humanismo formalista e livresco dessa nova escolástica que domina e cristaliza a cultura da metrópole e que estende a sua hegemonia à nova colônia” (PRADO JR., 1985, p. 178). Disso resultam o formalismo, a retórica, o gramaticismo e a erudição livresca, da primeira metade do século XIX. Se nos voltarmos, com o mesmo espírito, da literatura para a filosofia brasileira, a nossa conclusão será diferente: o seu registro de nascimento ainda não foi lavrado. Há obras, é certo, e nenhuma “escola” filosófica, provavelmente, deixa de estar representada nas “manifestações filosóficas” de nosso país. Sem diminuir o interesse dessas obras – pois há notáveis –, cabe assinalar que resenhá-las não implicaria em nenhuma informação para o leitor europeu; [...] Aqui também se faz marxismo, fenomenologia, existencialismo, positivismo, etc.; mas, quase sempre o que se faz é divulgação (Ibidem, p. 176). Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Templo_Positivista.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.10 | Templo Positivista à Religião da Humanidade, em Porto Alegre. As principais características da filosofia no Brasil U1 22 Ainda hoje é bastante comum encontrarmos tanto professores quanto alunos muito fascinados pela retórica filosófica, por vezes até se esquecendo do seu contexto originário e construindo um mundo imaginário pela retórica e pela erística, fazendo uma filosofia desarraigada da realidade, como se a filosofia se reduzisse ao seu discurso, deixando de ser instrumento de crítica e de decifração da experiência. Somente após a Primeira Guerra Mundial a criticidade começa a emergir. Porém, jamais devemos nos esquecer de que cabe à filosofia ter olhos para a realidade e com ela se preocupar, muito mais do que discursos convincentes. Vale lembrar ainda que o pensamento português antes de ser livresco foi realista, sobretudo focado no útil e no imediato. Na segunda metade do século XIX o Brasil é invadido por um surto de positivismo e de modo antagônico o país ficou sendo governado por burgueses proprietários de terra e respirando uma atmosfera de mudança e de ideias novas (a política era conservadora, mas o pensamento era reformador), até que por volta de 1870 a burguesia, formada por militares, médicos e engenheiros, se apossa da intelectualidade da nação, mantendo uma forte tendência ao positivismo, surgindo em seguida o movimento positivista no Brasil. Com base nesse panorama, Cruz Costa concluirá que o pensamento filosófico brasileiro se fez em torno da dialética entre formalismo e realismo, entre especulação e pragmatismo, entre transoceanismo e erradicação da cultura nacional, e entre metafísica e crítica social. Cruz Costa afirmava que a filosofia autêntica deve estar ligada à ação, porém aqui houve uma inversão, passando a considerar a carência e o vazio cultural como sinal de liberdade diante do peso da tradição. Desse modo, a metafísica ficou impossibilitada de florescer no novo continente e uma das razões disso ter acontecido pode ter sido o pragmatismo que herdamos da cultura portuguesa ter-se transformado numa tendência de filosofia engajada radicada na práxis. Poderia estar aí explicada a preocupação de Cruz Costa em fazer uma análise historicista e não metafísica do percurso das ideias filosóficas no Brasil. Este sistema de oposições define, é claro, não apenas o fio condutor da interpretação do passado, mas projeta também uma concepção da própria filosofia, seu ideal e seu programa. Nesse programa, o trabalho filosófico deve passar necessariamente pela análise crítica da realidade nacional e a reflexão não pode jamais abandonar o seu referente histórico, sob pena de transformar-se em mero galimatias. Necessidade que se revela de maneira mais que evidente nas Américas (PRADO JR., 1985, p. 181). As principais características da filosofia no Brasil U1 23 Voltando à questão do historicismo e do psicologismo, afirma Bento Prado Jr. que pode ser que a filosofia brasileira esteja, de fato, mais associada à inconsistente perspectiva política emergida no golpe militar de 1964. Nessa perspectiva, o Estado diz o que os alunos devemler. Preferencialmente textos técnicos, com pouca tendência ao desenvolvimento do senso crítico. 1. Das nações europeias que tiveram o seu alvorecer, algumas também tiveram o seu declínio. No caso de Portugal isso é bem perceptível, embora o seu apogeu tenha sido em um curto espaço de tempo. Portugal foi vanguardista de um pensamento avançado e de uma tecnologia de ponta, mas por equívocos, principalmente na área da educação, viu o seu declínio surgir rapidamente. Considere: I – A formação da cultura portuguesa sofreu influência de muitas outras raças, dentre elas árabes e judeus, fator que lhe proporcionaria tendência à tolerância. II – O apogeu da cultura portuguesa coincidiu com a descoberta do território brasileiro, porém, logo na sequência Portugal entra em derrocada e assiste a outras nações europeias se destacando no campo do conhecimento. III – O povo português nunca teve tendência a valorizar o útil e o pragmático e por esse motivo a sua cultura sempre serviu de reflexo tardio às demais culturas europeias. IV – A nação portuguesa foi pioneira na valorização do empirismo e o resultado disso pode ser percebido em suas escolas de navegação, porém, logo retornou à Escolástica e isso representou atraso científico. Estão corretas apenas as alternativas: a) I, II e III. b) II, III e IV. c) I, II e IV. d) I, III e IV. As principais características da filosofia no Brasil U1 24 2. Sendo o Brasil um país relativamente novo, fica difícil apontar a tendência filosófica mais presente na nação, inclusive, porque ainda há um ecletismo muito presente em nossa concepção de mundo. Além disso, somos herdeiros de diversas correntes filosóficas. Sobre a filosofia no Brasil e o seu ensino, assinale a alternativa correta: a) Houve pouca influência jesuítica no ensino de Filosofia no Brasil, pois a pedido do rei de Portugal, os Jesuítas se ocuparam da educação em território brasileiro apenas quando Portugal estava em um processo de declínio. b) Por não ter uma estrutura de ensino com condições de pleitear sua autonomia, a Filosofia no Brasil se limitou a reproduzir um aristotelismo mitigado interpretado segundo a visão de Galileu Galilei. c) A verdadeira filosofia brasileira é aquela que resgata o modo de compreender o mundo de acordo com a visão indígena, pois a visão crítica de mundo que eles nos legaram é similar à herança filosófica dos gregos. d) O ensino de Filosofia no Brasil teve diversas tendências, indo desde a influência dos Jesuítas, passando por um espiritualismo e chegando a ser marcado pelas ideias positivistas. As principais características da filosofia no Brasil U1 25 Seção 2 A existência ou não de uma filosofia brasileira Introduzimos a seção lembrando que não existe um consenso quanto a essa questão da existência ou não existência de uma filosofia brasileira. Há até quem afirme que nenhuma filosofia é nacional, ou seja, não existe filosofia específica de nenhum país do mundo, pois a reflexão filosófica é pertinente ao gênero humano como um todo. Discussões à parte, vamos tentar apresentar aqui elementos que te permitam formar uma visão sobre essa questão, de modo a poder posicionar-se mais criticamente sobre o assunto. 2.1 O panorama da reflexão filosófica no Brasil Até por questões políticas e pedagógicas em nosso país, a filosofia deixou de ser ensinada nas escolas brasileiras, e aos poucos está retornando. E nesse retorno, por vezes, percebemos algumas confusões. Há quem acredite que filosofar é ter um pensamento qualquer sobre qualquer coisa. Isso não é filosofar, isso é senso comum; é opinião (doxa para os gregos). Creio ser emblemática para essa questão a frase de Bernard de Chartres, filósofo medieval, falecido próximo ao ano 1130, o qual dizia que “vemos mais longe porque estamos sobre os ombros de gigantes”, ou seja, para filosofar precisamos nos valer daquilo que já foi elaborado por grandes pensadores. Mas não é só isso, pois não podemos apenas reproduzir o que os outros já pensaram, precisamos também refletir acerca da nossa realidade, como já foi dito, valendo-se da contribuição, do legado dos pensamentos que já se encontram cristalizados. Pode ser fatal para um pensamento filosófico genuíno a reprodução acrítica de outras realidades distantes da sua. É como reproduzir um Natal com pinheirinho e neve artificial. O Natal brasileiro é quente, com praia, piscina, cerveja, churrasco, música, alegria e muita festa. O Natal acima do equador é de frio e recolhimento. Mas ao invés de exportarmos o nosso Natal, nós tendemos a importar o Natal deles. Guardadas as proporções, fazemos a mesma coisa com a filosofia. Somos um povo tolerante, acolhedor e alegre. Por trás de tudo isso existe uma filosofia. Poderia ser Filosofia, mas se limita a ser apenas filosofia. A Filosofia, com efe maiúsculo, As principais características da filosofia no Brasil U1 26 equipara-se à Ciência e à Religião. A filosofia, com efe minúsculo, são filosofias de vida; são subjetivas, circunscritas e limitadas. Segundo Tobias Barreto (1839-1889), “não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostre tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no domínio filosófico”. Voltamos à questão já colocada: existe filosofia no Brasil? Cruz Costa, formado na primeira turma de Filosofia da USP, defende que não existe uma filosofia “original”. É preciso determinar a que tipo de filosofia nos referimos, se no plural ou no singular. O primeiro problema a resolver é se existe filosofia nacional; segundo: a questão da originalidade da filosofia, e terceiro, o que se entende por esta filosofia. Antes de ser criada a USP, foi criada a Missão Francesa e a ela foi outorgada a tarefa dessa criação. Por intermédio dela vieram para cá diversos professores. No final do ano de 1934 veio Jean Maugué (1904-1990), e por aqui ficou até 1945. Em um dos seus textos, intitulado O ensino da filosofia: suas diretrizes, Jean Maugué aborda o problema da filosofia no Brasil e afirma que no tocante à sua originalidade esse problema pode ser colocado de duas formas: 1 – Existe filosofia no Brasil? Se existe 2 – Qual o seu sentido? O referido texto estava assim estruturado: I – Considerações gerais sobre o ensino de filosofia, o qual, em suma, trata das condições do ensino de filosofia no Brasil de acordo com a afirmação kantiana de que “a filosofia não se ensina, ensina-se a filosofar”. Nele fica ressaltado que a filosofia não tem um corpo doutrinal unitário e axiomático desvinculado de sua história, assim como as exatas. O ensino da filosofia depende de quem a ensina, O nosso país sempre teve como marca importar, ou copiar, aquilo que se produz nos países do primeiro mundo, com alguns pequenos atrasos no tempo, ou seja, aqui não temos o costume de produzir, mas apenas de reproduzir. Isso tem algum lado positivo? É característica inerente ao nosso modo de ser, ou um dia não mais agiremos desse modo? Isso é sinal de “esperteza” ou de atraso? Fonte: Disponível em: <http://commons. wikimedia.org/wiki/Category:Formulas_in_ physics>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.11 | Não se ensina filosofia do mesmo modo que as exatas. As principais características da filosofia no Brasil U1 27 a filosofia é o filósofo. As ciências particulares têm um movimento de síntese, já a filosofia procura captar a unidade, ou a inteligência do conhecimento produzido fragmentariamente pelos vários domínios da ciência. A filosofia é bastante humilde ao vir depois, pressupondo outros conhecimentos. Ela depende da produção do conhecimento de outras áreas. E ela é bastante orgulhosa por pretender ser o conhecimento que mais se aproxima da verdade total. Por isso o ensino depende muito do professor de filosofia.O filósofo é, ele mesmo, uma cátedra de filosofia. Não se pode ensinar filosofia como as exatas. Devido a isso, seu corpo axiomático compreende outras esferas do saber e não existe um conteúdo específico para ser ensinado em filosofia. II – Condições para o ensino de filosofia: 1ª) “O ensino da filosofia não pode ser anterior à aquisição da cultura” (ciências, artes, letras, etc.), mas deve vir depois ou concomitante. 2ª) A filosofia deve viver no presente e ter um caráter concreto. Não é corajosamente filósofo aquele que cedo ou tarde não manifeste sua opinião sobre as questões atuais. Recordemo-nos de Platão ou Descartes, os quais trataram de questões concretas de suas épocas. Partiram do concreto. 3ª) O ensino de filosofia deverá ser, pois, principalmente, histórico, pessoal e íntimo. Os prolegômenos da filosofia contemporânea são os acontecimentos históricos. Retomam-se os clássicos para ilustrar o presente. Trai-se a filosofia quando não se remete aos filósofos. Maugué ressaltava a necessidade de se aprender filosofia lendo os clássicos e não somente os manuais. III – Traços ideológicos que afetam o ensino da filosofia no Brasil. 1º) Julgar a filosofia pela novidade. Claude Lévi-Strauss (1908-2009) diz, a partir do contato com os estudantes, que eles queriam tudo saber, mas queriam reter só as teorias mais recentes. Não liam as obras originais, tinham entusiasmo só pelo novo. As ideias novas são acolhidas no Brasil com mais entusiasmo que nos países velhos. Tal como os astros são referências para a navegação, os autores clássicos são para se conhecer o grau de conhecimento filosófico. São pontos fixos. Ao orientar-se pelas grandes obras filosóficas e não só pela novidade, se desperta um senso histórico e, ao trazê-los para a atualidade, se estabelece um vínculo com a realidade presente. 2º) Julgar a filosofia por seu aspecto prático/utilitário. O espírito tem pouco a ganhar quando se volta para a utilidade ou o sentido prático das coisas. É no repouso da reflexão, e aí somente, que o espírito se encontra. Para Jean Maugué é só através da reflexão que o estudante de Filosofia adquirirá segurança. Fonte: Disponível em: <http://commons. wikimedia.org/wiki/File:USP-Bras%C3%A3o. jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.2 | No Brasil, a filosofia se fortaleceu pela USP. As principais características da filosofia no Brasil U1 28 Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:NGC2207%2BIC2163.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.13 | O mundo segue uma ordem. Para Paulo Eduardo Arantes (1942-), esse texto de Jean Maugué pode ser considerado certidão de nascimento da filosofia no Brasil, ou a fundação do edifício filosófico brasileiro, o qual se consolidou na década de 50 com os estruturalistas Granjet e Guéroult. Segundo Arantes, existe sim filosofia no Brasil, mas não se trata de uma filosofia totalmente original, antes, trata-se de uma filosofia europeia de origem francesa. O segundo capítulo do seu livro Um Departamento francês de ultramar (1994) intitula-se Certidão de nascimento, e nesse capítulo Paulo E. Arantes busca fazer um resgate do nascimento da filosofia em solo brasileiro. O nó para o desenvolvimento das ideias de Maugué teria sido a nossa cultura fraca e débil, segundo Paulo Eduardo Arantes. Para György Lukács (1885-1971) e Theodor Adorno (1903-1969), a filosofia parte de uma cultura estabelecida. O trabalho da filosofia é ordenar aquilo que já está estabelecido. Por isto o trabalho de Maugué é ensaísta, ou seja, depende, pressupõe outros conhecimentos independentes da filosofia. A forma ensaísta não prospera no nosso contexto por carências de dados de outras áreas culturais e científicas, mas aqui, infelizmente, vivemos para atender às necessidades imediatas, da mão para a boca. Contudo, temos duas maneiras de interpretar Maugué: essa de Paulo Eduardo Arantes e outra de Marcos Nobre. Para o primeiro, não houve relação entre filosofia e as demais áreas (críticas), e para o segundo houve, sim, filosofia neste diálogo interdisciplinar. Para Marcos Nobre, a filosofia no Brasil aconteceu por um movimento mútuo e simultâneo: uma linha histórico-filosófica e outra discutindo os problemas da filosofia interdisciplinarmente, à luz das artes, ciências e cultura. A filosofia brasileira, nesse sentido, transparece no conjunto de publicações As principais características da filosofia no Brasil U1 29 filosóficas sobre determinados temas. Assim, a filosofia brasileira não é brasileira, mas importada, como a filosofia americana é importada da Alemanha. A nossa filosofia é técnica, acadêmica e se reduz à USP. Não estabelece relação com a cultura. Faz-se separada do contexto em que se encontra. Outra mente importante nesse debate é Victor Goldschimidt, o qual tem a pretensão de dar estatuto de ciência à história da filosofia. Isto já vem do final do século XIX com a tendência, por parte da história, de ser considerada disciplina científica. Com isso ela acaba ficando reclusa à academia, separando-se das esferas políticas, sociais, etc. Goldschimidt propõe maneiras de interpretar a filosofia e elevar a história da filosofia ao status de ciência (com objetividade). A história da filosofia é essencialmente filosofia e vem sendo interpretada de duas maneiras: ou pelo método dogmático, ou pelo método genético. Segundo Goldschimidt, tanto o método dogmático quanto o genético partem dos dogmatas, de um conjunto de verdades. O primeiro procura explicar este conjunto segundo a intenção do autor, aplicando-lhe críticas e entendendo que através dessas críticas se chegaria à verdade, a qual poderia ser oposta àquela original depois de passar por uma purificação num tempo lógico, resgatando a intenção do autor, e suprimindo o tempo. O segundo método, o genético, também parte de um conjunto de verdades (dogmatas), porém procura explicar o sistema a partir de suas causas, seus sintomas, fazer sua etiologia. Aqui se considera o tempo na interpretação, ao contrário do primeiro. Assim não se segue a intenção do autor, mas se vai além dela. Para Goldschimidt, nenhum dos métodos é adequado para interpretar a filosofia, e então ele propõe o método da progressão (método estrutural) do tempo lógico. Ao se considerar a progressão (não se abrevia os movimentos da obra), elimina-se o enquadramento de contradição dentro de um sistema filosófico. Há uma unidade entre forma e conteúdo, ao que ele chama de explicitação do discurso. Descreve-se, encontra-se o esquema, a estrutura da obra e percebem-se nela os passos dados pelo autor e se refaz estes movimentos internos. As verdades não são dadas em bloco, mas são dadas sucessivamente, obedecendo a um tempo lógico. Estão concatenadas. O intérprete deve se colocar como um discípulo fiel do autor. Não se busca julgar o autor, mas compreendê-lo. A contribuição de Cruz Costa sustenta que a erudição é conhecimento teórico, porém desvinculado da vida, erudição pseudofilosófica. O modelo erudito predominava em Portugal e veio para o Brasil, enquanto o resto da Europa já buscava o modelo científico. As ciências naturais não se desenvolveram em Portugal. A cultura era livresca, era cultura de fachada, conforme já assinalamos. Cruz Costa mostra uma antinomia: herdamos dos portugueses (1) o modelo As principais características da filosofia no Brasil U1 30 erudito (e a filosofia dos Jesuítas teve este modelo como base), sendo o outro polo da antinomia também uma herança de outro traço português, (2) uma concepção de vida. Não há vínculo entre teoria e vida, é o chamado espírito prático, imediatismo, simbolizado no aventureiro que se lança às descobertas. A colonização não visava ocupar a terra, mas explorá-la. Cruz Costa se baseia no historiador português Joaquim de Carvalhopara afirmar suas ideias. Até a religião católica no Brasil acabou adquirindo conotação pragmática, com os pagadores de promessas, por exemplo. No século XVII passamos da influência portuguesa para a influência francesa. Isto, porém, não mudou a dimensão prática, a filosofia francesa tinha a política como dimensão prática: emancipação política. A dependência francesa cedeu lugar à dependência inglesa e logo após à americana. Cruz Costa tem uma tese que superaria esta antinomia. Cruz Costa afirma que no Brasil não existem filósofos, mas filosofantes. Para ele, quando se constitui um país, o espírito teórico não tem tanto valor quanto o tem o espírito prático, propiciando infraestrutura: estradas, indústrias, portos, etc. Ele cita Clóvis Beviláqua, que afirma que se um dia a filosofia nascer no Brasil, não nascerá da metafísica, mas da “terra-terra” (do aspecto prático). Para Cruz Costa seria possível uma filosofia no Brasil desde que se unisse teoria e prática. Segundo Bento Prado Jr., a concepção de Cruz Costa sobre história das ideias é muito positiva e mostra que se estabeleceu relação entre a elite intelectual e as ideias, o saber erudito. Para Bento Prado, Cruz Costa era historicista. Em 1968 ele escreveu um artigo onde se autodenominava Estruturaloide, ele afirma que falar em filosofia no Brasil fere o princípio de universalidade. A universalidade é implícita às ideias, pois estas não deveriam refletir a particularidade, a especificidade de uma nação. Em outro texto, de 1982, ele diz que o texto de 1968 (crítica a Cruz Costa) mostra que ele era um idealista, haja vista que defender a existência de filosofias nacionais postula um princípio de psicologismo (alma nacional, caráter da nação) e historicismo (buscar no passado elementos que fundamentem o modelo atual e projetem o futuro). Outras disciplinas não mostram isto, não há matemáticas Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia. org/wiki/File:AnEruditeResearcher.jpg?uselang=pt- br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.14 | A nossa marca seria a erudição ou a pseudoerudição? As principais características da filosofia no Brasil U1 31 brasileiras, francesas, etc. Contudo, Bento ainda mantém a acusação de que Cruz Costa recai num historicismo quando busca explicar o presente com base no passado e quando afirma o caráter prático do brasileiro. Outra crítica: o modelo historicista requer linearidade (reproduzimos um modelo passado e continuaremos produzindo), não podemos ver a história como predeterminada a seguir um caminho traçado, ela é passível de imprevistos, contingências e transitoriedades. Cruz Costa acredita que não havia um consumo nacional daquilo que se produzia aqui e para ele essa defasagem continuaria, pois não haveria público leitor da produção nacional. Mas Bento Prado diz que houve uma mudança e passou-se a se consumir (ler) o que se produz. O modelo de história social demonstrou que surgiu um mercado consumidor para a produção teórica e colocou em xeque o desprezo pelas teorias e o apego ao espírito prático. Paulo Eduardo Arantes diz que a filosofia do Brasil era importada da França, Cruz Costa diz que não há filosofia brasileira, mas há possibilidade. O terceiro a se envolver nesse debate será Antônio Paim (1927-), o qual afirma categoricamente que há uma filosofia com características brasileiras. Ele era marxista, foi estudar na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e se tornou liberal e antimarxista. Uma das referências de Antônio Paim são as filosofias nacionais, e nesse sentido ele se esforçará para mostrar a fundamentação destas filosofias. A princípio parece que as filosofias nacionais são uma verdade inquestionável, mas mais adiante ele diz que é uma hipótese e que esta está sujeita à refutação e às críticas. Para ele, as filosofias nacionais poderiam ser justificadas, primeiramente dando-se a ênfase na linguagem, pois elas se caracterizam por serem expressas na língua, inclusive isso surge em decorrência da formação dos estados nacionais (a ciência torna-se popular, sai da elite e chega ao povo). Ele lembra que Hegel atribui a Lutero a unificação da língua alemã e futuramente a unificação nacional, pois contribuiu para a identificação da nação. Segundo Hegel, uma ciência só pertence ao povo quando é expressa em sua própria língua, sobretudo a filosofia. Heidegger afirmou que só se pode filosofar em grego ou alemão. A língua nacional será o meio mais próprio para a expressão de uma filosofia. Segundo Paim, o português é sim uma língua adequada à filosofia. Cada língua permite um tipo de representação do mundo. Houve quebra da unidade do latim, enquanto língua destinada à filosofia. Rompendo-se com o latim, a língua oficial da teologia, rompe- se com a autoridade da Igreja. Um segundo aspecto que aponta para a possibilidade de uma filosofia nacional, segundo Antônio Paim, seria a peculiaridade da tradição cultural. Assim como em relação à língua ele se apoia em Hegel, agora também ele cita Hegel por enaltecer a questão das culturas nacionais. Dá o exemplo da Inglaterra, que se preocupou com a filosofia do direito e a desenvolveu. As principais características da filosofia no Brasil U1 32 Portanto, Paim defende que há filosofias nacionais e há filosofia brasileira, isto é demonstrado pela tradição cultural (peculiaridade cultural). A nossa filosofia estaria voltada para o problema do homem: liberdade, consciência e totalidade (tendendo para o aspecto transcendental). Quanto à questão de uma filosofia nacional ferir a universalidade da filosofia, Paim utiliza Miguel Reale (1910-2006) para dizer que nossa filosofia se faz num modelo dialético de complementaridade. Miguel Reale afirma que as civilizações se distinguem por uma questão de valores e, nesse sentido, o valor subsumido pela tradição cultural brasileira seria o positivismo. Teria Pombal (1699-1782) implantado um modelo cientificista no Brasil rompendo com o modelo jesuítico, e esse modelo cientificista pombalino teria a sua continuidade no positivismo, o qual foi introduzido em nosso território pelo brasileiro Benjamin Constant (1836-1891). O positivismo brasileiro tem algumas especificidades: não chegou ao exército e preservou o Estado da questão da educação. Joaquim da Fiori (1135-1202), português do século XII, fala que a humanidade se divide em idade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, o que depois em Augusto Comte (1798-1857) se torna a lei dos três estados, e esse caráter tecnicista do ensino oriundo de Comte permaneceu no Brasil (subsistiram resquícios) tanto em Getúlio Vargas (1882-1954) quanto nos militares. Cruz Costa fará uma crítica a essa visão, defendendo que o positivismo só existiu no Brasil na passagem para o império e ali mesmo acabou. É bom lembrar que Bento Prado criticou Cruz Costa por afirmar o caráter prático da filosofia brasileira e a linearidade da história, traços típicos do positivismo. Se bem que a peculiaridade pode ferir a universalidade da filosofia. Para Marcos Nobre, além de a filosofia ter se desenvolvido num aspecto historicista, também teve um caráter interdisciplinar, em parceria com as ciências sociais e a literatura, por exemplo, servindo de instrumento para interpretação de ideias. Porém, esse modelo interdisciplinar (consórcio com outras ideias) não teve continuidade. Oswaldo Porchat Pereira (1933-) foi orientando do estruturalista Victor Goldschimidt (1914-1981) e o defendeu por 30 anos, ele pergunta se a pesquisa deve ser feita em história da filosofia ou em filosofia. É preciso deixar preconceitos de lado para se entender o pensador. O modelo estruturalista é ótimo quando se quer formar quem conheça história da filosofia, mas para formar quem busca a filosofia em si mesma, talvez não seja um modelo tão eficiente. É bom não esquecerque os antigos fizeram filosofia a partir das discussões, eles não iniciaram diretamente no estudo da história da filosofia. Prezada(o) estudante, pode parecer que o debate sobre a existência ou não de uma filosofia genuinamente brasileira tenha ficado vago, ou inconcluso. Não se As principais características da filosofia no Brasil U1 33 assuste, é assim mesmo. Inclusive, foi por isso que alertei que esse era um assunto difícil de ser abordado e uma pergunta difícil de ser respondida. Nem sempre temos aquiescência acerca das conclusões desse tema, o que, em si, também já passa a ser um fator positivo. O mais importante é que você tenha se inteirado do debate e consiga perceber as suas nuances e as principais colaborações daqueles que se propuseram a abordar essa questão. O Nascimento da Filosofia A filosofia só ganha nacionalidade brasileira a partir do século XIX, mediante um processo simultâneo de assimilação da filosofia moderna e emancipação do próprio uso teórico da razão. As primeiras evidências desse processo histórico começam no final do século XVIII, quando o poeta Sousa Caldas publica uma Ode ao Homem Selvagem (1784), sob a influência da ideia de homem natural em Rousseau. Em 1800, o bispo Azeredo Coutinho funda o Seminário de Olinda, onde foram introduzidos estudos de física experimental, história natural e química. Em 1808, a corte portuguesa se transfere de Lisboa para o Rio de Janeiro em fuga da invasão napoleônica; nesse mesmo ano, Hipólito da Costa começa a publicar, em Londres, o periódico Correio Brasiliense (1808-1822), que passou a divulgar as ideias liberais. Nos anos de 1813 e 1814 são publicados, no Rio de Janeiro, 18 números de O Patriota, periódico dedicado exclusivamente à difusão do conhecimento científico no Brasil. De 1813 a 1816, Silvestre Pinheiro Ferreira organiza e oferece no Rio de Janeiro, onde se encontra como membro da corte portuguesa, um curso ao estilo do empirismo de Verney, as Preleções filosóficas, nas quais ele se serve do sensualismo de Condillac para explicar a natureza do discurso, da linguagem e das ideias. Em 1816, a mudança de um grupo contratado de artistas acadêmicos franceses para a corte do Rio de Janeiro causará, Sobre a filosofia brasileira leia: PAIM, Antônio. Os intérpretes da filosofia brasileira. Londrina: Eduel, 1999. (Disponível em: http://www.institutodehumanidades.com.br/ arquivos/Os%20Interpretes%20da%20Filosofia%20Brasileira.pdf) Leia também o artigo disponível em: http://criticanarede.com/lds_ paim.html As principais características da filosofia no Brasil U1 34 nas décadas seguintes, profundo impacto na vida cultural brasileira. Dez anos após a declaração da Independência (1822), e uma vez consolidada a autonomia do país, Frei Francisco do Monte Alverne, famoso orador e estudioso da literatura francesa, encontra-se a lecionar filosofia em seminário no Rio de Janeiro, onde estimulou o jovem Gonçalves de Magalhães, recém- formado em medicina, a estudar o romantismo de Chateaubriand e o espiritualismo de Victor Cousin, como também a combater o sensualismo introduzido pelo magistério de Silvestre Pinheiro Ferreira. [...] Nessa fase inicial, destacamos o nome de Gonçalves de Magalhães por ter sido ele quem concebeu e implementou um projeto de mudança de método na maneira de pensar. Estabelecido em Paris (1833-1837), ele aprofundou seus conhecimentos de ciências da natureza e humanas na Sorbonne, estudou o espiritualismo francês, frequentou as aulas de Théodore Jouffroy, vivenciou o romantismo, e editou com os amigos Porto-Alegre e Torres Homem a Niterói, Revista Brasiliense (1836), onde publicou o Ensaio sobre a história da literatura do Brasil, no qual ele discorre sobre as condições da cultura brasileira e a necessidade de reforma da literatura, denunciando a doutrina aristotélica dos estilos, então decadente, pela qual se instituíra a imitação como fundamento de uma arte retórica de caráter supraindividual, anônimo e coletivo. Gonçalves de Magalhães inaugurou o romantismo brasileiro (Suspiros poéticos e saudades, poemas, 1836) e promoveu a reabilitação do indígena brasileiro como parte da população nacional. Seus principais textos filosóficos são: Filosofia da religião (1836), Fatos do espírito humano (1858) e A alma e o cérebro (1876). (CERQUEIRA, 2011, p. 176) (Nota: Luiz Alberto Cerqueira, autor deste texto, é coordenador do Centro de Filosofia Brasileira do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Fonte: Disponível em: <http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com. br/> Acesso em: 16 fev. 2015 1. O debate acerca da possibilidade ou não da existência de uma filosofia genuinamente brasileira parece não ter conseguido chegar a uma resposta conclusiva e nem mesmo As principais características da filosofia no Brasil U1 35 2. Para Cruz Costa, o modelo erudito que predominava em Portugal veio parar no Brasil. Enquanto o resto da Europa já buscava o modelo científico, as ciências naturais tinham dificuldades de se desenvolver em Portugal. Lá, a cultura era livresca, era cultura de fachada, uma cultura de casca. Considere: I – Herdamos dos portugueses um modelo erudito (ou pseudoerudito), o qual era fortemente praticado e defendido pelos Jesuítas. II – Legaram-nos, os portugueses, uma concepção de vida onde teoria e vida não têm vínculo, simbolizada no espírito prático e imediatista do aventureiro que se lança às descobertas. III – Explorar a nossa terra era o verdadeiro propósito dos responder se tal questão, de fato, se faz tão relevante para o campo reflexivo, haja vista que nas ciências exatas perdura o universalismo e entende-se que não poderia ser diferente. Sobre o tema exposto, assinale a alternativa correta: a) Raimundo Farias Brito defende que esse tema é insignificante e desde que os temas filosóficos sejam abordados em nossa língua vernácula, temos sim a existência de uma filosofia brasileira. b) Segundo Antônio Paim, não se pode fazer filosofia a não ser na língua grega ou alemã, pois os principais temas relacionados à reflexão filosófica foram amplamente abordados unicamente por filósofos destes dois países. c) Para Tobias Barreto, em nenhum campo da atividade intelectual o espírito brasileiro se mostra tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no campo filosófico, pois as nossas construções filosóficas estão muito aquém do que deveriam, ou poderiam, estar. d) Victor Goldschimidt se autodenominou Estruturaloide, e defendeu que falar em filosofia no Brasil fere o princípio de universalidade, a qual é implícita às ideias, pois estas não deveriam refletir a particularidade e a especificidade de uma nação. As principais características da filosofia no Brasil U1 36 aventureiros que aqui chegaram, e não simplesmente ocupá-la como normalmente se afirma. IV – Construir uma nação livre, soberana e altaneira, na vanguarda da ciência, sempre foi o propósito que Portugal acalentou com relação às terras brasileiras. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I, II e III. b) II, III e IV. c) I, II e IV. d) I, III e IV. As principais características da filosofia no Brasil U1 37 Seção 3 Características da filosofia no Brasil Como introdução ao assunto, informamos que pretendemos, nessa seção, refletir sobre o modo como alguns valores passaram a integrar um rol de atividades tipicamente brasileiras, aclarando, tanto quanto possível, a sua gênese e posterior desdobramento e solidificação como constitutivo do caráter genuinamente nacional. 3.1 Traços distintivos do povo brasileiro É notório que o povo brasileiro tem traços muito típicos que o distinguem da grande parte de outros povos, podendo-se elencar entre eles, de modo positivo, o fato de sermos um povo acolhedor,tolerante, trabalhador, alegre, solidário, complacente, amigável, empático e despojado. É claro que qualquer uma dessas características levada ao seu extremo pode passar a ser uma característica negativa. Além disso, também temos traços que devem ser corrigidos, ou seja, podem ser classificados como negativos. Entre estes podemos destacar pouca preocupação com o futuro (imediatismo), tendência de buscar o próprio bem levando vantagens, por vezes, de modo desonesto, excessiva desigualdade social, uma classe política descompromissada com o bem comum e muito próxima de quadrilhas especializadas e do crime organizado, superficialidade reflexiva e reprodução de ideias externas sem muito critério (deixar-se influenciar), entre outros. Certamente todos os povos têm pontos positivos e negativos, sendo bastante importante a consciência disso, de modo a possibilitar correções ou reforços, dependendo da situação. Nesse intento, se fazem necessários o conhecimento e o estudo da nossa cultura e dos valores subjacentes às nossas visões éticas, principalmente. Mas, por outro lado, há que se ter em mente que somos uma nação relativamente recente e, talvez, ainda em busca de uma identidade cultural. Quando comparados com países com tendências nacionalistas, parece que o povo brasileiro ainda precisa elevar sua autoestima, pois é comum, nós brasileiros, acharmos que o Brasil só tem pontos negativos e é o país com menos valor desse planeta. Habituamo-nos a falar mal do nosso país, o que, infelizmente, é lastimável. Temos de ser críticos, sim, mas também patriotas. As principais características da filosofia no Brasil U1 38 Como dissemos, todas as nações têm seus pontos positivos e negativos, mas muitas aumentam os pontos positivos, enquanto o Brasil, ao invés disso, aumenta os negativos. Alguns exemplos frívolos: existem países que não têm o hábito de enrolar o sanduíche em guardanapo, ou de lavar as mãos antes de comer. Padeiros, feirantes e açougueiros recebem o dinheiro com a mesma mão com que entregam o pão ou a carne. Vendem batatas fritas enroladas em folhas de jornal e, ainda assim, têm ótima freguesia. Em alguns restaurantes de países europeus, se você pedir uma mesa para não fumante, o garçom vai rir de você, pois não existe; lá eles fumam até no elevador. Em algumas cidades e até mesmo em capitais, onde se espera excelência no atendimento, existem garçons conhecidos por seu mau humor e grosseria, enquanto no Brasil qualquer garçom de botequim atende com tanta educação e fineza que poderia ir para lá dar aulas de como conquistar o cliente. Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carnaval_2014_-_Rio_de_Janeiro_(12974238474). jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.15 | A alegria é uma das nossas características. E essa preocupação em atender bem vem se estendendo às empresas. Aproximadamente sete mil empresas brasileiras têm certificado de qualidade ISO 9000, maior número entre os países em desenvolvimento. Também podemos nos orgulhar em dizer que o mercado editorial de livros é maior do que o da Itália, por exemplo, com mais de 50 mil títulos novos a cada ano. As principais características da filosofia no Brasil U1 39 Se não tiver a ver com a Filosofia em si, ao menos deve ter a ver com filosofias de vida, o que já poderia ser o início de uma reflexão sobre a nossa realidade. Para tanto, teríamos de nos aprofundar mais de modo crítico-reflexivo e consciente, o que não é o nosso forte, infelizmente. Teríamos de conhecer e entender como aconteceu o desdobrar da Filosofia aqui no Brasil, bem como as principais correntes que aqui se estabeleceram. O Brasil tem o mais moderno sistema bancário do planeta. As nossas agências de publicidade ganham os melhores e maiores prêmios mundiais. Mais de 70% dos brasileiros, pobres e ricos, dedicam um pouco do seu tempo em trabalhos voluntários. Somos a terceira maior democracia do mundo. O povo brasileiro é um povo hospitaleiro, que se esforça para falar a língua dos turistas, gesticula e não mede esforços para atendê-los bem, enquanto europeus deixam turistas falando sozinho nas calçadas quando estes tentam pedir informações. A alegria é a nossa marca registrada, somos batalhadores e enfrentamos a própria desgraça rindo e sambando. Por fim, vamos lembrar que os brasileiros tomam banho todos os dias, às vezes mais de uma vez por dia, enquanto os europeus tomam banho, em média, uma vez por semana. Apesar disso tudo, parece que o nosso nacionalismo só aflora por ocasião da copa do mundo de futebol. Mas isso tudo tem a ver com Filosofia? Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Padre_vaz.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.16 | O ensino de filosofia no Brasil esteve muito atrelado aos clérigos. As principais características da filosofia no Brasil U1 40 A filosofia no Brasil sempre esteve muito vinculada aos clérigos, desde os Jesuítas até o seu ressurgir na década de 1990, depois de ter desaparecido por conta da influência da educação tecnicista e da tendência da ditadura militar de suprimir estudos que despertassem a criticidade. Mas para compreender isso de modo mais aprofundado é necessário retroagir um pouco mais e, para isso, tomaremos por base a obra de Luiz Alberto Cerqueira, constante nas referências desse trabalho. Sob o espírito de um povo subjaz uma compreensão de mundo que pode ser considerada uma filosofia, embora possa, muitas vezes, carecer de criticidade e profundidade. Nesse sentido, poderíamos entender que o povo brasileiro ainda não possui a reflexão elaborada e estruturada sistematicamente conforme reclamam as filosofias mais bem constituídas em algumas nações onde ela já se encontra presente há muito tempo. Porém, em alguns países, sobretudo do velho mundo, não apenas a religiosidade se encontra em baixo, como também a filosofia. Diante disso, poderíamos nos questionar: teremos uma filosofia brasileira? Precisamos tê-la? O que ela agregaria à nossa maneira de ser e de viver? Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Abeja_recolectando_nectar.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. Figura 1.17 | Fomos marcados pelo espírito contemplativo. As principais características da filosofia no Brasil U1 41 Com o advento da modernidade, a razão emancipou-se e se tornou o paradigma da racionalidade, enfatizando a questão da liberdade frente às determinações religiosas. Já René Descartes (1596-1650) ensinava que a dúvida metódica se fundamenta na liberdade que, de modo claro e evidente, se apresenta à consciência do sujeito pensante, possibilitando-lhe crer somente naquilo que se pode conhecer claramente. Essa tendência filosófica se contrapõe à filosofia praticada pelos Jesuítas, estes priorizavam o caráter contemplativo do conhecimento, enquanto os modernos, desde Francis Bacon (1561-1626), priorizaram a ciência operativa. Deste modo, os modernos entenderão que agir livremente é agir de modo indiferente às paixões e vontades. E ainda que Descartes reconheça a liberdade como indiferença, ele sustenta que esta indiferença não justifica falta de determinação no agir, pois para ele a indiferença deve ser apenas com relação à forma de se conhecer o mundo, o qual deve ser efetivado independente dos nossos sentidos. O padre iluminista português Luís Antônio Verney (1713-1792) foi quem, sob a influência do Iluminismo francês, teve a tarefa de mostrar em seu país a necessidade premente de se assimilar essa doutrina cartesiana da liberdade com base nas leis da razão, mas sem ter que, necessariamente, abrir mão da lei de Deus. Mas como isso veio parar no Brasil? Depois que o Marquês de Pombal expulsou os Jesuítas do Brasil, em 1759, e, consequentemente, ocorreu a supressão da Ratio Studiorum,
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