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Aula 02 - Bento Prado e Paulo Eduardo Arantes

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FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA 
DA FILOSOFIA NO BRASIL 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Lucas Lipka Pedron 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta aula abordaremos a resposta que a filosofia formada pela Missão 
Francesa dá à questão da filosofia nacional; ou melhor, a filosofia nacionalista 
proposta por Cruz Costa. Nossa aula passará pela crítica de dois dos maiores 
intelectuais brasileiros dos séculos XX e XXI: Bento Prado Júnior e Paulo 
Eduardo Arantes. 
Ambos são pensadores do mesmo círculo intelectual uspiano, mas com 
formações bastante distintas. Enquanto Bento era muito mais próximo da 
epistemologia de corte predominantemente francesa – mas não 
exclusivamente dela –, Arantes é um pensador mais próximo da tradição 
hegeliana-marxista da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Apesar das 
diferenças, ambos se preocuparam e se debruçaram sobre problemas da 
cultura e política brasileira, e esta aula visa justamente mostrar um momento 
em que ambos discutiram sobre a filosofia no Brasil e a realidade nacional que 
a concerne: Bento com o artigo “O problema da filosofia no Brasil”, de 1969, 
publicado originalmente na Itália, pela Aut-Aut, Rivista di Filosofia e Cultura; e 
Paulo com o texto “Cruz Costa, Bento Prado Jr. e o problema da filosofia no 
Brasil – uma digressão”, de 1993, publicado no livro A filosofia e seu ensino. 
O primeiro tema de nossa aula trabalhará a caixa de ferramentas de 
Bento Prado Júnior. Isto é, analisaremos os conceitos e as percepções que 
embasam o pensamento e a prática filosófica proposta por ele. Tais conceitos e 
percepções depois serão usadas para compreender sua crítica à então 
chamada filosofia brasileira, de Cruz Costa e Vieira Pinto. O segundo tema 
segue, então, à crítica de Bento à filosofia nacionalista, articulando o primeiro 
tema com uma crítica filosófica de ordem prática e profissional. Como veremos, 
o problema de Bento passa por uma questão de método e abordagem 
profissional para a filosofia. 
O terceiro tema introduzirá o pensamento de Paulo Arantes e os 
principais princípios que norteiam sua prática profissional. Passaremos da sua 
abordagem hegeliana-marxista para a interseccionalidade proposta pela Teoria 
Crítica frankfurtiana; veremos então por que Antonio Candido era seu modelo 
de intelectual. No quarto tema, desenvolveremos a crítica de Paulo Arantes a 
Bento Prado Júnior em seu artigo, e também veremos a diferença na sua 
 
 
3 
abordagem quanto à crítica da filosofia nacionalista de Cruz Costa e Vieira 
Pinto. 
Por fim, no quinto tema, passaremos para alguns detalhes que 
complementam a oposição proposta por Bento e Paulo a Cruz Costa e Vieira 
Pinto, no enfretamento metodológico entre estruturalismo e existencialismo, e 
entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Superior de Estudos 
Brasileiros (Iseb) – conflito permeado por disputas políticas, sociais e culturais 
que trará consequências para nossa compreensão do problema da filosofia no 
Brasil, tal como ela se constitui no país até meados do século XX e como pode 
aflorar na metade final do século para se constituir em diálogos internacionais 
no século XXI. 
TEMA 1 – BENTO PRADO JÚNIOR 
Bento Prado Júnior foi um dos intelectuais de maior destaque na história 
recente do Brasil. Aliava um rigor acadêmico e técnico em leitura a uma análise 
e produção de textos filosóficos impecável; ao mesmo tempo, foi um grande 
ensaísta, dotado de grande criatividade. Atuou na USP entre 1961 e 1969, 
sendo caçado pela ditadura militar e desligado do Departamento de Filosofia, 
Letras e Ciências Humanas da instituição paulista. Tornou-se professor do 
Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências da Universidade 
Federal de São Carlos (UFSCar) em 1977, e professor emérito da USP em 
1998. 
É autor de inúmeras obras, com destaque para sua tese de doutorado 
Presença e campo transcendental: consciência e negatividade no pensamento 
de Henri Bergson, publicada também na França, além de Erro, ilusão, loucura: 
ensaios, e textos póstumos, como A retórica de Rousseau e outros ensaios, e 
Ipseitas. Faleceu em 2007, deixando como contribuição não apenas seus 
diversos textos sobre filosofia e artigos de jornal e revista, como também anos 
de dedicação como professor e orientador de toda uma geração de professores 
de filosofia que atuam hoje no Brasil. 
1.1 O problema da filosofia no Brasil 
Analisaremos aqui o artigo “O problema da filosofia no Brasil”, de Bento 
Prado Júnior, publicado na revista italiana Aut-Aut, Rivista de Filosofia e 
 
 
4 
Cultura, em 1969. Ele começa com alguns questionamentos: há de fato uma 
filosofia brasileira, para se poder falar dela? Faz sentido pensar em filosofia 
com nacionalidade, ou isso seria contrário ao espírito universalista da própria 
filosofia? Como resposta, o autor nota que o que se entendia por filosofia 
brasileira até então sofria com dois preconceitos: o psicologismo e o 
historicismo. Psicologismo, segundo ele, é a ideia de uma filosofia como 
expressão de um pensamento nacional que permaneceria idêntico com o 
passar do tempo, isto é, um determinado modo de pensar que, independente 
da época, seria reconhecido como brasileiro. Já o historicismo seria a visão de 
que a filosofia, ao contrário, seria uma certa expressão de época, mas sem 
uma história própria. 
A conjunção de ambos os preconceitos dificultaria a diferenciação entre 
uma filosofia com nacionalidade, brasileira ou não, e uma mera ideologia. Em 
contraposição, Bento pensa um modelo para uma “filosofia brasileira” baseado 
na literatura brasileira por Antonio Candido. Para nosso autor, a investigação de 
Candido consegue mostrar a diferença entre expressões literárias e literatura 
de fato, sendo que a segunda produz um sistema articulado que ultrapassa a 
mera coleção de expressões literárias. Para Bento, haveria no Brasil 
expressões filosóficas, mas não um sistema filosófico de assinatura brasileira. 
E mesmo essas expressões seriam ainda muito superficiais perto de uma 
filosofia europeia. 
1.2 Psicologismo 
Psicologismo é a concepção filosófica que coloca a psicologia como 
ciência fundamental; seria com base nela que todas as outras derivam. Assim, 
todas as formas científicas seriam expressões do espírito humano. Lógica, 
epistemologia, estética, metafísica e outras áreas do saber poderiam ser 
explicadas em seus fundamentos pela análise dos processos mentais dos 
seres humanos relativos a essas disciplinas. Essa concepção pode ser 
remontada a uma certa leitura que se fez de Descartes e sua epistemologia: 
tudo que o sujeito constitui são formas de pensamento, inclusive os 
sentimentos e afecções; e o critério para a verdade, entendida como certeza do 
sujeito, passa a ser a clareza e evidência. Assim, uma ciência que estuda 
justamente essa dimensão do sujeito, concebida como psiquê (alma ou mente), 
deverá ser, por assim dizer, a epistemologia originária. 
 
 
5 
O problema clássico apontado sobre essa abordagem vem do fato de 
que, nessa ciência, sujeito e objeto se confundem. Isto é, seria uma psiquê 
que, como sujeito de conhecimento, tem por ser objeto outra psiquê, tratada 
como objeto pela primeira psiquê, justamente por ser o sujeito do 
conhecimento. Ou seja, para o psicologista, tudo se passa como se a mente 
fosse transparente para si mesma, e ela pode reconhecer as formas do seu 
pensar e conhecer no seu processo de desenvolvimento, de modo direto, puro, 
sem projeções do próprio sujeito sobre si mesmo. 
Dessa impossibilidade de uma análise neutra do eu sobre si, os críticos 
exigem uma liberdade para as faculdades do espírito, e que o objeto de cada 
uma tem papel preponderante na sua formação. Outra questão que deriva 
dessa crítica é que, usando o psicologismo para explicar a formação de uma 
sociedade, o psicologista acaba por falsear a história, escolhendo 
arbitrariamente fatos que servem para compora visão do espírito no presente. 
1.3 Historicismo 
Enquanto o psicologismo buscava reduzir tudo a fatos psicológicos e 
explicar a realidade com base na psicologia, historicismo é uma corrente de 
pensamento que estabelece uma diferença de natureza entre as ciências 
humanas e exatas, defendendo a ideia de que as humanas não devem se 
inspirar nem copiar os modelos de produção de conhecimento das exatas para 
trabalhar com suas questões. Para o historicista – que, num certo sentido, vai 
além do psicologista –, o ser humano é um ser histórico e, logo, é na história 
que deve buscar os fundamentos do desenvolvimento de suas possibilidades. 
Tudo que é humano seria possível de ser fundamentado historicamente: 
a sociedade, a política, as ideias, a economia, as artes etc. Num sentido mais 
radical, os próprios indivíduos – os sujeitos do psicologismo – não passariam 
de um vetor resultante de forças históricas. O primeiro problema que qualquer 
crítico do historicismo aponta é a possibilidade de liberdade dos indivíduos, 
pois, se são completamente levados por forças da história, como poderiam agir 
livremente? 
Mas o ponto que gostaríamos de destacar – e que vai ser o alvo da 
crítica de Bento – é que o historicismo carrega consigo uma visão da história 
como um progresso teleológico. Isto é, como se toda mudança na história 
ocorresse em vista de um fim posto de antemão. 
 
 
6 
Tal forma de concepção do mundo leva o historicista a cometer um erro 
muito similar ao do psicologista: olhar para a história e selecionar 
arbitrariamente os fatos para analisar somente o que lhe convém. Ele só 
considera como históricos os fatos que contribuem para confirmar a visão de 
mundo que pretende asseverar como verdadeira. Tanto o psicologismo quanto 
o historicismo acabam por falsear a história que pretendem contar, a fim de 
confirmar uma visão parcial da realidade por meio de uma seleção arbitrária de 
elementos que constituem o recorte ideológico da realidade com a qual 
operam. 
TEMA 2 – A CRÍTICA DE BENTO PRADO JÚNIOR À “FILOSOFIA 
BRASILEIRA” 
Diante desse dilema do pensamento nacional, Bento Prado Júnior se 
propõe a pensar uma formação da filosofia brasileira que escape dessas 
premissas claudicantes. O modelo a que Bento recorre é inspirado no livro 
Formação da literatura brasileira (1959), de Antonio Candido. Muito além de 
crítico literário e professor da USP, e ao lado de Gilberto Freyre, Sérgio 
Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, entre 
outros grandes nomes, Candido foi um dos maiores pensadores e intérpretes 
do Brasil. Ainda que tivesse formação em ciências sociais e uma leitura 
marcada pela sociologia, elaborou suas pesquisas sobre literatura brasileira. E 
é justamente a ele que devemos uma visão das expressões literárias 
brasileiras como formadoras de uma literatura nacional consolidada, 
sistemática. 
O que chama a atenção na obra de Candido é a forma como ele 
consegue montar um quadro para a literatura brasileira sem partir de um ponto 
de chegada, que seria a situação atual dessa forma de cultura e de sociedade 
brasileira de sua época. Isto é, ele respeitou a forma histórica, o tempo próprio 
de cada obra e a forma como elas e seus autores se relacionavam 
internamente, produzindo um sistema capaz de dar forma a uma literatura 
brasileira sem o filtro do nacionalismo ou da realidade nacional. 
Assim, partindo de Antonio Candido e desse modelo de pensar a 
produção literária brasileira, Bento Prado Júnior direciona sua crítica às obras 
de João da Cruz Costa e Álvaro Vieira Pinto (analisadas anteriormente). Mas 
 
 
7 
tal crítica se direciona de maneira diversa, levando em conta também a 
dicotomia de perspectiva entre o psicologismo e o historicismo. 
Para Vieira Pinto, filosofia é a conversão de uma atitude ingênua para 
uma consciência crítica; mas, como observa Prado Júnior, a natureza dessa 
conversão proposta seria ética ou existencial, e não epistemológica. Sem 
definir um estatuto teórico para o que se pretende com “filosofia brasileira”, 
torna-se muito difícil distingui-la da mera ideologia. Há de se ponderar que uma 
ideologia pode ter valor filosófico, como no caso do marxismo, mas a 
superposição da psicologia existencialista em Vieira Pinto impede o 
distanciamento científico que a perspectiva marxista carrega. Assim, Bento 
considera que as complexidades de formular deliberadamente uma visão não 
científica de mundo se multiplicam no programa filosófico de Pinto. Bento critica 
também a intenção nacionalista desse programa, pois, 
se a consciência “autêntica” é uma consciência nacional, se a nação 
é um universal concreto, a essência da política emigra para o espaço 
que separa as nações, nas suas relações de dependência ou de 
contestação: esses “organismos” desconhecem toda contradição 
interna. Toda crise interna só poderá ser entendida como a 
interiorização da relação de subordinação que a nação suporta em 
relação ao exterior, e uma ideia como a de classe social não pode 
receber significação política essencial. (Prado Júnior, 1969, p. 8) 
O que Bento levanta contra Vieira Pinto – e em certa medida também 
contra Cruz Costa – é a crítica clássica ao nacionalismo como categoria 
política. Se é verdade que a nação é a realização máxima da política, isso 
direciona o debate ao choque ou confronto entre nações e a apagar, 
geralmente de forma simbólica e materialmente violenta, as contradições 
internas dentro da mesma nação ou Estado. Tal forma de compreender a 
política foi uma ferramenta fundamental na instauração dos totalitarismos do 
século XX. Não à toa, Pinto foi um dos intelectuais do movimento integralista 
brasileiro. 
A questão para Bento é que Pinto alia o universalismo hegeliano a um 
perspectivismo nacional, fazendo assim uma leitura contemporânea de Hegel 
eivada de existencialismo e marxismo. Desse caldo surge a ideia de nação 
como universal concreto para mim, dependendo, portanto, da finitude da 
consciência tal como compreendida pelo existencialismo sartreano e 
heideggeriano (duas influências de Vieira Pinto). No entanto, sob essa 
concepção, o universal concreto seria de fato a situação do pensador que 
compreende a realidade nacional em sua gênese histórica, como prescreve o 
 
 
8 
método materialista histórico marxista, e que pode, assim, encarnar uma 
perspectiva nacional. Politicamente, isso coloca o filósofo como um 
vanguardista da cultura nacional, único apto a dirigi-la, tal como a caricatura do 
rei-filósofo de Platão. De qualquer forma, a história do espírito nacional seria 
sempre vista pelo filtro do nacional-desenvolvimentismo. Ou seja, Pinto 
conseguiria unir ao mesmo tempo as deficiências de ambos os preconceitos 
(psicologismo e historicismo) a sua leitura da filosofia brasileira. 
Já em Cruz Costa, o que Bento identifica de mais problemático é uma 
teleologia entre um futuro esperado e o passado do Brasil – onde tal futuro 
proposto acaba por justificar todo o passado. Uma espécie de anacronismo ou 
justificação post factum, que recobre possíveis descontinuidades históricas e 
deixa de lado acontecimentos e interpretações que contradigam a visão de 
mundo meramente ideológica do autor, perdendo a objetividade de sua análise. 
Assim, para além da crítica à visão política nacionalista e seus perigos, 
há também, por parte de Bento, uma defesa da filosofia vista pelo ideal 
científico de neutralidade. Uma reflexão pura, que deve ser, por princípio, 
desinteressada em relação aos problemas práticos mais imediatos, ainda que 
esse princípio de neutralidade e desinteresse assuma um sentido equívoco: 
princípio como fundamento e como começo, pois é o início de uma reflexão 
que pode, em seu desenvolvimento, chegar ao trato dos problemas práticos. 
TEMA 3 – PAULO EDUARDO ARANTES 
Já tendo sido caracterizado como intelectual destrutivo, Paulo Arantes 
segue como um dos pensadoresmais ativos do Brasil e um dos maiores 
intelectuais marxistas da contemporaneidade, não só no Brasil como no 
mundo. Graduou-se em filosofia em 1967 na USP, e obteve seu doutorado em 
1973 na Universidade de Paris X, com a tese Hegel e a ordem do tempo, 
publicada em francês, no original, e traduzido para o português por Bento 
Prado Júnior. É autor de uma vasta obra, com importantes contribuições ao 
estudo de várias áreas, em especial a literatura e a filosofia, com seus textos 
“O sentimento da dialética” e “Ressentimento da dialética”. Sua obra mais 
recente é a coletânea de ensaios e entrevistas O novo tempo do mundo, em 
que demonstra a incrível capacidade de pensar o sistema atual partindo do 
ponto de vista da periferia do capitalismo. 
 
 
9 
Atualmente é professor aposentado do Departamento de Filosofia, 
Letras e Ciências Humanas da USP, coordena a coleção Estado de Sítio, da 
editora Boitempo, e colabora com a Escola Nacional Florestan Fernandes, 
centro de formação e educação popular do Movimento dos Trabalhadores 
Rurais sem Terra (MST). Foi aluno de Bento Prado Júnior, a quem dirigiu 
diversas críticas, mas que, ao mesmo tempo, sempre se referiu como “mestre”, 
por quem nutria intensa admiração. Assim como Bento, além de sua obra e 
intervenções no cenário cultural e político do Brasil, é responsável pela 
formação de toda uma geração de professores de filosofia política. 
Um dos pontos de interesse nessa história é a vocação da USP no 
contexto da cultura filosófica nacional, de modernização do pensamento 
brasileiro. É na USP que os problemas da formação brasileira se tornam mais 
abrangentes: é a especialização no pensamento e a consequente 
transformação da filosofia em assunto, antes de tudo, acadêmico; com a 
ressalva de que a simples entrega ao tecnicismo importado não garante o 
encontro do assunto perdido. Essa busca na intersecção de outras fontes, 
como literatura, sociologia e história, costuma dar bons frutos. 
A USP, de certa forma, era fruto tardio de uma vocação que se instaura 
na filosofia a partir dos séculos XVII e XVIII pelo mundo ocidental – sua 
transformação em uma disciplina acadêmica cada vez mais restrita ao âmbito 
universitário, e menos interventora na cultura geral dos países. Além disso, 
temos o fato de a USP ter sido criada pela elite paulista para se opor ao 
getulismo e, sem dúvida, ecos dessa rivalidade são sentidos nas críticas ao 
nacional-desenvolvimentismo. 
Paulo Arantes, muito próximo da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, 
tinha na interseccionalidade de saberes o modo de construir uma crítica social 
concreta. Talvez a angustiante falta de assunto da filosofia brasileira, que 
convida sempre o pensador a começar do zero (e pensar em uma formação, 
como veremos no próximo tema), seja, em boa verdade, sintoma da tecnização 
acadêmica da filosofia no mundo, e não uma particularidade brasileira. Mas 
Arantes acredita ser possível ver, nesse movimento da cultura filosófica 
brasileira geral, um movimento análogo ao da vida intelectual de Antonio 
Candido: um elã de busca da identidade de sistema próprio, seguido de um 
acúmulo de conhecimentos técnicos e, por fim, a construção ou concretização 
do sistema intencionado de princípio. 
 
 
10 
Paulo Arantes articula um nacionalismo útil a uma crítica filosófica que 
dispensa esse particularismo da realidade nacional, mas sem deixá-la de lado. 
Ao concordar com a crítica de Bento sobre a falta de rigor conceitual das 
expressões filosóficas brasileiras, ainda ressalta que o tecnicismo conceitual 
uspiano pode não ser suficiente para criar algo como uma “filosofia brasileira” e 
pode nos condenar a “filósofos de rabeira” e eternos comentadores de textos 
europeus. Ele vê a trajetória intelectual de Antonio Candido (e ela mesma para 
além de sua obra) como um modelo para a filosofia que, de forma 
magistralmente dialética, consegue conjugar o impulso por um sistema da 
filosofia nacional com um apego crítico ao rigor conceitual e, juntos, abrem uma 
possibilidade para que algo como uma filosofia sistematicamente brasileira 
possa surgir. 
TEMA 4 – A REALIDADE NACIONAL 
Sob essa perspectiva, o nacionalismo de Cruz Costa, criticado por 
Bento, não seria tão superficial sob a ótica de Paulo Arantes. Possuía, é claro, 
uma dimensão basbaque, como todo “-ísmo”, que deixa a crítica de lado em 
alguns momentos em favor de um dogma. Mas possuía sobretudo uma 
dimensão importante como antídoto ao filoneísmo transoceânico que acometia 
o pensamento brasileiro e que, na prática, era tão ou mais prejudicial que o 
nacionalismo, ao se propor pensar a realidade nacional. Mais do que um 
simples nacionalismo simbólico, tratava-se de uma preocupação material com 
a realidade do Brasil. 
É bem verdade, também, que não era necessário ser um nacionalista 
stricto sensu para negar a neofilia e pensar a problemática da dependência e 
do atraso de um país do terceiro mundo como o Brasil. Porém, o nacionalismo 
de Cruz Costa fazia aparecer essas questões num meio sempre mais 
preocupado com o último filósofo da moda na França ou Alemanha, traço 
herdado de uma característica levantada pelo próprio Cruz Costa – a do 
conhecimento como distintivo de classe social. Um bom exemplo disso é o 
próprio Paulo Arantes: intelectual extremamente ativo, que se propõe a pensar 
o mundo a partir da periferia do sistema capitalista. Isso o faz transcender o 
nível nacional e o coloca como um dos grandes pensadores do mundo 
contemporâneo. 
 
 
11 
Vale ainda lembrar do espírito de época que com certeza marca Cruz 
Costa na esteira do Modernismo, da Revolução de 1930 e de todo o caldo 
cultural do país na primeira metade do século XX, voltado à construção de uma 
identidade nacional pós-colonial e pós-imperial. Mas, se Cruz Costa não tinha 
um método filosófico rigoroso e sistemático, a partir do qual entraria no exame 
da realidade nacional, tinha ao menos a determinação disciplinada de estudá-la 
e a clareza de sua importância. 
Paulo Arantes resume a situação de Cruz Costa da seguinte maneira: 
um pensador com um bom diagnóstico da situação, capaz de afastar as 
questões que lhe trariam problema, mas que ainda tinha uma enorme 
dificuldade no momento propositivo. Alguém muito capacitado em ler sua época 
a partir de uma chave de leitura, mas que não conseguia explicar o que lia com 
tamanha clareza. 
4.1 A crítica à realidade nacional e a Bento Prado Júnior 
Cruz Costa parte de uma história das ideias do Brasil, isto é, das formas 
dominantes de pensamento no país de acordo com cada época. Essa história 
começaria com a nova escolástica portuguesa, filha da Reforma Católica do 
século XVI, que se tornaria uma forma de pensamento crítica e consciente de 
si, e propriamente brasileira, somente a partir do século XIX, e tomaria forma 
de uma filosofia já no século XX. Álvaro Pinto, de forma semelhante, faz uma 
história do Brasil nos moldes de uma fenomenologia do espírito nacional, 
mostrando como as formas de expressão da identidade brasileira foram se 
relacionando ao longo da história até chegarem no século XX, pós-colonial e 
pós-império, e se revelarem como a identidade nacional propriamente dita. 
No entanto, é impossível distinguir essas formas de pensamento 
nacional da mera ideologia. Porque, além dos preconceitos historicistas e 
psicologistas já apontados, ambas as expressões filosóficas estão 
comprometidas previamente com uma visão de mundo nacionalista. Tal 
proceder metodológico não só deturpa a história como desloca a discussão 
política para um campo nocivo: as experiências nacionalistas no século XX 
remontavam ao nazifascismo da Segunda Guerra, à ditadura do Estado Novo 
de 1930 e à ditadura militar de 1964. Foram essas experiências nacionalistas o 
componente afetivo que levou o pensamento político no Brasil e no mundo, 
principalmente depois da metade do século XX, a rechaçar a ideia de12 
nacionalismo como perigosa. Por fim, essa tentativa de pensar um projeto 
ideológico de realidade nacional – a partir da qual surgiria a filosofia brasileira – 
era muito distante do rigor conceitual, de inspiração científica, que se cobrava 
da filosofia para que ela pudesse se profissionalizar. 
Para além de Prado Júnior, Paulo Arantes se debruça sobre a questão 
da filosofia na cultura brasileira. Para ele, Bento deixa de notar a pobreza das 
fontes a partir das quais pensavam Cruz Costa e Álvaro Pinto, apesar de toda a 
efervescência cultural da primeira metade do século XX no país, preocupada 
justamente em compreender o Brasil como país e a cultura brasileira como 
nossa identidade: época do Modernismo, das obras de Gilberto Freyre, Sérgio 
Buarque de Holanda, Celso Furtado, Caio Prado Júnior, o próprio Antonio 
Candido, e muitos outros. Tudo isso ocorre, vale lembrar, tendo como pano de 
fundo a política nacional-desenvolvimentista, modernizadora e nacionalista de 
Getúlio Vargas, e um desdobramento da política modernizadora e nacionalista 
da Primeira República. Mesmo assim, toda essa produção era ainda muito 
nova, e faltava tempo para sua crítica – o que formou uma percepção 
dogmática da identidade nacional em formação, influenciando os pensadores 
que seguiram essa esteira sem o aporte crítico que a filosofia exige. 
Tendo isso em mente, Paulo concorda com Bento sobre a tomada de 
Antonio Candido como modelo de historiador crítico das ideias no Brasil, até 
porque foi o próprio Paulo Arantes que alertou Bento Prado sobre essa 
possibilidade à época do artigo. 
Candido cumpriria muito bem sua missão de investigar a data de 
nascimento da literatura brasileira sem recair nos preconceitos historicistas e 
psicologistas que vitimavam nossos filósofos. Ele foi capaz de compreender a 
causalidade interna entre as obras de nossa literatura, mas também a 
originalidade de cada uma, sem recortar arbitrariamente a história para 
justificar seu ponto de vista atual. Isto é, ele colocou em prática uma visão da 
história que respeitava as expressões em suas relações com os fatos da 
cultura nacional. 
TEMA 5 – ESTRUTURALISMO, NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO, 
DIRIGISMO: USP CONTRA ISEB 
Paulo retoma a crítica de Bento a Vieira Pinto, lembrando a origem 
desta, o artigo de Gérard Lebrun, professor francês radicado na USP, em 
 
 
13 
colaboração com o governo da França. Na verdade, o artigo em questão, “A 
‘realidade nacional’ e seus equívocos”, é uma reedição das críticas ao 
existencialismo, corrente de pensamento de origem alemã, cujos principais 
filósofos desse primeiro momento seriam Karl Jaspers e Martin Heidegger 
(ainda que este negasse pertencer a tal escola), inspirados por Agostinho, 
Pascal, Nietzsche, Kierkgaard, Dostoiévski, tendo grande repercussão na 
França, influenciando Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, 
entre outros, que pensavam poder conceber a cultura com base em ontologia e 
ética. Também à fenomenologia, de cunho husserliana e heideggeriana, para 
quem o objeto deve ser analisado em suas aparições para a consciência, isto 
é, em suas expressões de fato. 
Enfim, de certa forma se reinscreveu essa querela europeia – 
estruturalismo contra fenomenologia-existencial – no Brasil, sendo que o 
estruturalismo acusa de anticientífica e obscurantista a filosofia husserl-
heideggeriana e sua prole, tão fecunda na França de Sartre e Merleau-Ponty. 
A crítica acaba por desembocar em nova crença: de que o estruturalismo 
era a superação do suposto obscurantismo fenomenológico-existencialista. O 
método estruturalista se opõe, de certa forma, ao modo como Vieira Pinto e 
Cruz Costa procediam: ao contrário de buscar a explicação da realidade em 
fatos expressos, o estruturalismo defende que tal explicação deve ser buscada 
nas relações subjacentes aos fatos mais do que nos próprios fatos. Isto é, as 
expressões do espírito no tempo não são tão reveladoras quanto as relações 
ocultas aquém e além dessas expressões. 
Não é por acaso que Bento recorre a Michel Foucault como contraponto 
da filosofia da realidade nacional. À época o pensador francês era visto como o 
maior expoente do estruturalismo, com sua teoria das epistemes exposta em 
As palavras e as coisas, defendendo que a história não é linear, mas repleta de 
descontinuidades, e que as expressões do espírito de uma época são frutos de 
relações de saber e discursos que subjazem ao próprio fenômeno. 
Vieira Pinto assumia declaradamente – talvez resquício do integralismo 
de juventude – a intensão dirigista da cultura para o filósofo. Ele fez parte da 
Ação Integralista Brasileira (AIB) na década de 1930, durante o Estado Novo, 
movimento político extremamente nacionalista e próximo do fascismo, e apesar 
de ter rompido com o movimento anos mais tarde, isso ainda permaneceu 
como uma mácula entre seus colegas intelectuais. Tal característica, somada 
 
 
14 
ao nacionalismo dirigista e à filiação existencialista do autor, causava ojeriza 
em seus colegas uspianos, refratários à institucionalização de uma forma de 
filosofar. 
Tal projeto de institucionalização era o que pretendia, em grande 
medida, o Iseb, uma espécie de escola de governo propagadora do nacional-
desenvolvimentismo, do qual fizeram parte diversos intelectuais de renome do 
país. Foi criada em 1955 por Juscelino Kubitschek e extinta em 1964 pela 
ditadura militar, que exilou diversos de seus membros, dentre eles o próprio 
Vieira Pinto. Não é exagero dizer também que parte das motivações que 
levaram os filósofos uspianos a criticar Álvaro Pinto são de motivo não tão 
nobre: antagonizar o que o Iseb representava, especialmente naquele contexto. 
Tratava-se de uma instituição desenvolvimentista, de inspiração getulista – uma 
antítese do que a USP havia sido criada para representar: fundada pela elite 
paulista, sua função era se opor a Getúlio Vargas. 
Contra a vocação dirigista dessas expressões filosóficas nacionais, isto 
é, contra essa tentativa de transformar filósofos em historiadores de ideias – 
que passariam a ditar o que é a cultura brasileira propriamente dita –, o método 
de Bento Prado Júnior, como notará Paulo Arantes, será, pelo menos à época 
do artigo, o estruturalismo. Foi também o estruturalismo, aliado a um fazer de 
história da filosofia, que a Missão Francesa que ajuda a fundar o departamento 
de filosofia da USP trouxe na bagagem. Para eles, Álvaro Pinto recobre seu 
hegelianismo com existencialismo, o que geraria muito mais problemas do que 
soluções para seu modo de pensar. Bento faz referência em seu texto a um 
artigo de Gérard Lebrun, “A ‘realidade nacional’ e seus equívocos”, de 1961, e 
Paulo nota que esse artigo reproduz no Brasil as querelas que já aconteciam 
entre estruturalistas e existencialistas na França. 
O estruturalismo é um método, como já vimos, que busca uma 
explicação para seu objeto de pesquisa não apenas considerando as 
expressões históricas factuais que se relacionam com ele, mas também outras 
relações que não alcançam o nível de fatos consumados e que agem na 
formação do objeto de alguma forma, considerando, assim, a história também 
em suas descontinuidades e as relações destas com os objetos filosóficos em 
questão, evitando – segundo os próprios estruturalistas – que se forme uma 
visão parcial e ideológica da história, e aproximando a abordagem do 
pesquisador a uma maneira mais científica de ver a realidade. Nesse sentido, o 
 
 
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estruturalismo seria um antídoto contra os preconceitos historicistas e 
psicologistas, justificando a escolha de Bento por esse método, ao menos 
naquele momento. 
Por fim, se o apego à técnica refinada da filosofia, como abstração e 
crítica cultural desinteressada, garantia à USP certa dignidade metodológica e 
técnica perante o Iseb, também a afastava do meio político nacional em 
ebulição (do período democrático pós-Estado Novo, entre1945 e 1964), em 
uma participação mais efetiva. Porém, Antonio Candido via nesse espírito 
aparentemente desinteressado dos uspianos um apego à contemplação de 
problemas abstratos da teoria pura, um caldo de cultura que levaria ao exame 
crítico preocupado da realidade de forma mais radical do que aqueles 
expressamente propostos a pensar a realidade nacional. 
NA PRÁTICA 
É comum em nossa prática profissional na filosofia, seja na docência ou 
na pesquisa, nos depararmos com uma dificuldade de análise metodológica 
dos problemas que nos propomos a refletir, explicar e demonstrar. Esta aula 
busca problematizar justamente as consequências dessa dificuldade: quando o 
método para desenvolver a análise não é proposto de maneira dialética, a ser 
pensado na relação entre processo relacional entre sujeito e objeto, 
contemporizada e contextualizada para refletir e expor os problemas inerentes 
a toda escolha feita durante nossas exposições. 
Vimos essa questão no que Bento propôs como psicologismo e 
historicismo: dois preconceitos que permeiam e embasam os textos de Cruz 
Costa e Vieira Pinto. Mas também vimos na exposição de Paulo Arantes, ao 
mostrar o contexto de disputa epistemológica entre estruturalismo e 
existencialismo, algo que não aparece textualmente na crítica de Bento, mas é 
uma chave de leitura da realidade contextual, necessária para compreender os 
interesses e intenções não declaradas, e por vezes não conscientes, de toda 
leitura da realidade. 
Não se trata absolutamente de buscar uma metodologia que seja 
completamente imparcial e neutra, capaz de ler objetivamente todo e qualquer 
problema, situação ou relação sócio-histórica que se apresente ao filósofo. 
Trata-se de saber que tal metodologia, em especial para o trabalho da filosofia, 
é impossível. Conscientes dessa impossibilidade, podemos buscar uma 
 
 
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metodologia de pesquisa, exposição, escrita e docência que assuma os 
problemas contextuais inerentes a toda perspectiva. 
Trata-se de compreender que o filósofo é um ser inserido num mundo. 
Dotado de toda uma história, sua leitura da realidade nunca será pura nem 
objetiva. Aceitar a parcialidade de uma perspectiva nunca é um problema, 
desde que ela seja declarada, e a própria parcialidade seja exposta 
textualmente como problema. Cruz Costa e Vieira Pinto, ao propor leituras da 
realidade nacional, não o fizeram. Bento o fez parcialmente, mas ainda 
escondia, por trás de seu texto, as disputas epistemológicas e entre escolas – 
uma oposição sobretudo política entre a elite paulistana e a elite carioca (então 
capital do governo). 
FINALIZANDO 
Para Bento Prado Júnior e Paulo Arantes, as expressões filosóficas 
brasileiras não se coordenariam sistematicamente para podermos dizer que 
exista uma filosofia propriamente brasileira. Tal foi nosso problema nesta aula. 
Mesmo grandes expressões filosóficas, como as de João da Cruz Costa e 
Álvaro Vieira Pinto, sofreram com premissas bastante questionáveis do ponto 
de vista de uma análise conceitual mais rigorosa. Isto é, ambos os autores 
reconstruíam uma história das ideias brasileiras e da identidade nacional, 
escolhendo de maneira arbitrária as formas de expressão do espírito nacional e 
os fatos históricos de acordo com suas respectivas visões de mundo. Essa 
forma de trabalhar com a história falseia o presente e serve mais para que os 
autores em questão fundamentem um projeto de Brasil e de filosofia nacional 
do que para explicar uma realidade concreta, tal como ela se apresentava. 
Dessa forma, tanto Bento Prado Júnior quanto Paulo Arantes concordam 
que o modelo ideal para buscar tal filosofia nacional seria Antonio Candido, que 
conseguiu, na análise literária, mostrar como as expressões literárias 
brasileiras se articulavam, não apenas se influenciando diretamente, mas nas 
suas diferenciações também. Seu encadeamento monta um quadro sistemático 
de temas e modos de abordar esses temas que eram propriamente brasileiros 
e que foram se relacionando com o tempo até que, a partir do século XIX, 
passamos a poder falar de uma literatura brasileira propriamente dita. 
Isso não se passava com a filosofia. Havia, notam os autores, uma 
carência de assunto filosófico propriamente nacional, o que levava todo 
 
 
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pensador que quisesse formular uma filosofia brasileira a começar a pensar 
essa história do zero, mitigando relações entre as expressões filosóficas 
brasileiras. Isso, aliado a uma admiração pela novidade, principalmente 
europeia, tornava inexistente uma filosofia brasileira. Esta ainda não teria sua 
“certidão de nascimento” lavrada, como nossa literatura teve no século XIX, da 
forma como aponta Antonio Candido. 
Bento Prado Júnior e Paulo Arantes eram filósofos de formação uspiana, 
e isso contribuiu muito para sua visão crítica da tentativa de uma filosofia 
brasileira. Ainda que Cruz Costa também fosse formado pelo mesmo caldo que 
formou Bento e Arantes, isto é, a Missão Francesa na USP, seu caminho era 
muito mais próximo dos membros da cultura nacional ligados ao nacional-
desenvolvimentismo. A USP, especialmente o Departamento de Filosofia, 
Letras e Ciências Humanas, tinha uma vocação muito mais técnica do que 
criativa, por assim dizer. Sua preocupação era muito mais com o apego a um 
rigor conceitual e com uma visão da filosofia como uma contemplação “neutra”, 
de inspiração científica, do que com a do filósofo como projetista da cultura 
local. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
ARANTES, P. E. Cruz Costa, Bento Prado Jr e o problema da filosofia no Brasil 
– uma digressão. In: ARANTES, P. E. et al. (Org.). A filosofia e seu ensino. 
Petrópolis: Vozes; São Paulo: Educ, 1993. p. 23-66. 
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 
1975. 
CRUZ COSTA, J. Contribuição à história das idéias no Brasil. 2. ed. Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. 
LEBRUN, G. A “realidade nacional” e seus equívocos. Revista Brasiliense, 
São Paulo, n. 44, p. 43-62, nov./dez. 1962. 
PRADO JÚNIOR, B. O problema da filosofia no Brasil. In: Alguns ensaios: 
filosofia, literatura e psicanálise. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985. p. 153-
171. 
VIEIRA PINTO, Á. Consciência e realidade nacional: a consciência crítica. 
Rio de Janeiro: Iseb, 1960a. 
_____. Consciência e realidade nacional: a consciência ingênua. Rio de 
Janeiro: Iseb, 1960b.

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