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1 UNIVERSIDADE INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES – URI CAMPUS SANTIAGO TANISE PINTO FERREIRA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NOS ACIDENTES DE TRABALHO Santiago 2015 2 TANISE PINTO FERREIRA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NOS ACIDENTES DE TRABALHO Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus de Santiago, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Esp. Angélica Chechi Santiago 2015 3 TANISE PINTO FERREIRA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NOS ACIDENTES DE TRABALHO Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus de Santiago, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel. COMISSÃO EXAMINADORA ______________________________________________ Prof. Esp. Angélica Chechi Orientadora _______________________________________________ Prof. Me. Astrid Heringer Examinador _______________________________________________ Prof. Me. João Érico Lucas Coelho Examinador Aprovado em 31 de outubro de 2015. 4 RESUMO O presente trabalho apresenta a evolução histórica e o novo conceito de empresa à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Após, busca-se expor os direitos e deveres dos empregados e empregadores no cumprimento do contrato de trabalho, previstos na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho. Discute-se, também, as teorias acerca da responsabilidade civil do empregador nos casos de acidente de trabalho, adotadas pelo Código Civil de 2002, e seus reflexos da Previdência Social. Por fim, realiza-se um paralelo entre as decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região acerca do assunto. Desta forma, aborda-se um entendimento legal, doutrinário e jurisprudencial concernentes ao tema. Palavras-chave: Código Civil. Constituição Federal. Responsabilidade civil do empregador. Acidente de trabalho. Jurisprudência. 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 6 1 A EMPRESA ................................................................................................................ 7 1.1 O CONCEITO DE EMPRESA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E SUA FUNÇÃO SOCIAL ....................................................................................................................................................... 7 1.2 A LEGISLAÇÃO PROTETIVA DO EMPREGADO ............................................................... 12 2 RESPONSABILIDADE CIVIL........... ......................................................................... 18 2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................ 18 2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA ................................................... 24 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR FRENTE AO ACIDENTE DE TRABALHO .................................................................................................................. 28 3.1 ACIDENTE DE TRABALHO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR28 3.2 JURISPRUDÊNCIAS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO ............................................ 33 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 39 6 INTRODUÇÃO Devido à evolução mercantil ocorrida nas últimas décadas, o Código Civil, Lei 10.406 de 10 de janeiro do ano de 2002, passou a disciplinar desde a concepção, a estrutura até a extinção da empresa, atendendo às novas necessidades no âmbito trabalhista. O presente trabalho, em um primeiro momento, traz a noção de empresa e sua função social, bem como os direitos e obrigações dos empregados e empregadores e, perante a crescente demanda de litígios trabalhistas, ressalta a legislação protetiva do trabalhador. Em um segundo momento, analisa-se o instituto da responsabilidade civil, salientando seu conceito, evolução histórica e pressupostos, tais como: conduta, nexo de causalidade, dano e culpa, sob a ótica das relações laborais. O instituto da responsabilidade civil, movida pelas constantes transformações no cenário trabalhista, visa amparar o trabalhador, no sentido de não deixar as vítimas sem a devida reparação do dano sofrido. Nesse sentido, o Código Civil, em seu artigo 186 em concomitância com o caput do artigo 927, instituiu a responsabilidade subjetiva, ou seja, a responsabilidade decorrente de dolo ou culpa do empregador ao praticar ato ilícito. Já a responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 927, parágrafo único, obriga a reparação do dano independente de culpa, quando a atividade por si só implicar riscos à saúde do trabalhador. Isto posto, é necessário questionar: a responsabilidade objetiva se aplica indiscriminadamente ao empregador em razão da Teoria do Risco Criado? Por fim, será realizado um paralelo entre as disposições, pertinentes ao assunto no Código Civil, em confronto com as leis protetivas dos trabalhadores, bem como os reflexos previdenciários e jurisprudenciais no ordenamento jurídico brasileiro. O presente trabalho se dará pelo procedimento monográfico e, diante das pesquisas doutrinárias, normativas e jurisprudenciais acerca do tema, obtém-se, pelo método indutivo, a aplicação da norma mais benéfica ao trabalhador, ou seja, aplica-se a melhor norma para todos os casos após a análise de casos específicos. 7 1 A EMPRESA O Código Civil de 2002, com a finalidade de atender às diversas transformações ocorridas no cenário econômico e social nas últimas décadas, surgiu em substituição ao Código Comercial existente desde 1850. O novo Código passou a regulamentar sobre os direitos e deveres concernentes à atividade empresarial, bem como sua função social inerentes ao interesse público e privado. 1.1 O CONCEITO DE EMPRESA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E SUA FUNÇÃO SOCIAL A empresa exerce grande importância, pois suas atividades são voltadas para o interesse da produção, trazendo vantagens sócio econômicas na região em que a mesma se estabelece e repercutindo no cenário nacional, quando recolhe os tributos. A evolução do Direito Comercial pode ser dividida em quatro fases: a primeira; denominada primitiva, havia troca de produtos entre os indivíduos pertencentes a grupos sociais. Nessa fase, as atividades comerciais eram regidas, basicamente, pelos costumes. Na segunda fase; denominada corporativa, os mercadores e artesãos organizavam-se em corporações de ofício, transformando os costumes em normas escritas, os Estatutos.1 O terceiro período; do ato do comércio, iniciou-se após a Revolução Francesa e de acordo com ele, somente era considerado comerciante quem praticava um dos atos enumerados pelo Código Comercial francês de 1807. Essa codificação foi adotada em vários países, inclusive no Brasil, anos mais tarde. Com a expansão econômica promovida pela Revolução Industrial, o período do ato do comércio deu lugar à última fase, a teoria da empresa. O art. 16 da Lei Federal do Trabalho do México, determina que: Art. 16. Para os efeitos das normas trabalhistas, a empresa, uma unidade econômica de produção ou distribuição de bens ou serviços e do estabelecimentoda unidade técnica como uma sucursal, agência ou forma semelhante, é parte integrante e contribuir para a consecução dos objetivos da empresa. 1 MEDEIROS, Luciana Maria de. Evolução histórica do Direito Comercial. Disponível em < http://jus.com.br/artigos/18219/evolucao-historica-do-direito-comercial > Acesso em: 20 abr. 2015. 8 Logo, a empresa não se confunde com o estabelecimento, pois este é parte daquela. Estabelecimento é o “conjunto de bens operados pelo comerciante, sendo uma universalidade de fato, ou seja, objeto e não sujeito de direitos. Compreende as coisas corpóreas existentes em determinado lugar da empresa, como instalações, máquinas, equipamentos, utensílios etc, e as incorpóreas, como a marca, as patentes, os sinais etc”.2 Portanto, não se pode confundir a empresa com o local onde ela exerce suas atividades. O art.1.142 do Código Civil considera estabelecimento como sendo “todo complexo de bens organizados, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. O essencial de qualquer empresa é sua obtenção de lucro por parte do empresário, a exceção à regra, são as associações beneficentes, as cooperativas, os clubes, entre outros, podendo a empresa ter a obtenção de outros fins. O art. 966 também do Código Civil define o que seja empresário: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Assim, todas as empresas que se enquadrarem nessa conceituação, qualquer que seja o seu gênero de atividade, inclusive as prestadoras de serviços, serão consideradas empresárias e terão a inscrição obrigatória no registro mercantil, conforme artigo 967 do Código Civil. No entanto, o parágrafo único do art. 966 diz que a profissão intelectual não é empresarial por não possuir fatores de produção, porém, pode constituir elemento de empresa por denotar caráter econômico. Completa, afirmando que não basta a contratação de auxiliares ou colaboradores para configurar a existência jurídica de uma empresa. Para isto, é necessário um outro elemento, o estabelecimento, o conjunto de bens. Como elemento essencial para o exercício da atividade empresarial tem-se a figura do empregador. O art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho prevê que: Considera-se 2 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.34. 9 empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoas do serviço. Ou seja, o empregador deve arcar com os lucros e perdas do empreendimento, tem a obrigação de assalariar o trabalhador, respeitar o serviço, o contrato e os direitos. CARRION fala que “empresa é o conjunto de bens materiais, imateriais e pessoais para a obtenção de certo fim. Juridicamente, a empresa é uma universalidade, compreendendo duas universalidades parciais, a de pessoas e a de bens, funcionando em direção a um fim”.3 A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe sobre a Previdência Social e prevê em seu art. 14, inciso I: Art. 14. Consideram-se: I – empresa – a firma individual ou sociedade que assumo o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional; Este conceito de empresa no Direito Previdenciário não é o mesmo do Direito do Trabalho, pois aqui não importa se a atividade é lucrativa ou não e nem se o empreendimento econômico é rural ou urbano. O que realmente importa é o empresário assumir os desafios da atividade econômica, tonando-se sujeito passivo de obrigações fiscais. A empresa é empreendimento humano visualizável sob vários prismas. Do ponto de vista previdenciário, interessam apenas os econômicos e jurídicos, em particular, o condutor da exploração mercantil, o empresário. Hoje, é sinônimo da organização, corporação, associação, atividade humana voltada para a produção de bens e serviços, entidade necessária diante do crescimento da população e desenvolvimento da tecnologia.4 A empresa desempenha papel importante na sociedade contemporânea, tendo em vista sua influência na fixação do comportamento de outras instituições, envolvendo interesses públicos e privados. Sendo assim, “a função social da empresa representa um conjunto de fenômenos importantes para coletividade e é indispensável para a satisfação dos interesses inerentes à atividade econômica”.5 3 CARRION, Valentin. op. cit. p.34. 4 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social: Plano de Custeio. 7 ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 160. 5 ALMEIDA, Maria Christina de. A Função Social da Empresa na Sociedade Contemporânea: 10 A função social da empresa não visa lucro, mas sim os reflexos que suas decisões têm perante a sociedade, voltadas para a coletividade ou para o empresário e todos aqueles que colaboram para alcançar a sua finalidade. Nesse sentido, ZANOTI fala que: A empresa cumpre a sua função social quando se limita a atender a todas as exigências positivadas nos textos legais, em benefício da sociedade. Por outro lado, somente será considerada uma empresa socialmente responsável se, além de cumprir plenamente a sua função social, proporcionar, por mera liberalidade, porém, sem imposição coercitiva, e de forma regular, perene, uma gama de benefícios sociais para a sociedade, com o intuito de se promover a valorização da dignidade da pessoa humana, comprometendo-se, inclusive, com a eficácia da aplicação desses recursos financeiros e/ou materiais, bem como com os resultados sociais que se pretende atingir.6 Ao empresário é facultado utilizar todos os meios para alcançar a finalidade da empresa, desde que observe as normas legais. A função social da empresa deriva da função social da propriedade, prevista no art. 5º, XXIII, da Constituição Federal, onde “a propriedade atenderá sua função social”. Assim, o objetivo final daquela não é apenas o lucro, mas também deve observar o interesse da sociedade, tendo em vista a predominância dos interesses coletivos. A empresa está inserida no ambiente social e dele depende para sua existência, devendo contribuir para que o princípio da dignidade humana continue soberano no ordenamento jurídico. O art. 5º da Declaração dos Direitos Humanos de Viena prevê que “todos os direitos humanos são universais, independentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase”. Desta forma, os trabalhadores representam este princípio no Direito do Trabalho, onde as normas legais dos sindicatos e associações devem reger as atividades empresariais de modo a obter uma sociedade mais justa e igualitária. [...] a realização do direito ao trabalho fará com que a dignidade humana assuma nítido conteúdo social, na medida em que a criação de melhores condições de vida resultar benéfica não somente para o indivíduo em seu Perspectivas e Prospectivas. São Paulo: Unimar, 2003. Disponível em <http://www.unimar.br/biblioteca/publicacoes/pos/Direito_vol_03.pdf> Acesso em: 20 abr. 2015. 6 ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. A Função Social da empresa como formade valorização da Dignidade Da Pessoa Humana. 2006. Disponível em <http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/e8922b8638926d9e888105b1db9a3c3c.pdf> Acesso em: 30 abr. 2015. http://www.unimar.br/biblioteca/publicacoes/pos/Direito_vol_03.pdf 11 âmbito particular, mas para o conjunto da sociedade.7 Os direitos do trabalhador são indisponíveis por serem direitos fundamentais, e as condições dignas para efetivação do trabalho devem atender, no mínimo, para a conservação do princípio da dignidade humana. GABRIELA DELGADO afirma que: [...] os direitos indisponíveis do trabalhador estão previstos em três eixos: o primeiro diz respeito às normas e tratados internacionais ratificados pelo Brasil; (...) o segundo eixo trata dos Direitos Fundamentais elencados no art. 7º da Constituição Federal; (...) e o terceiro encontra-se em normas infraconstitucionais, e dizem respeito às normas de saúde e segurança do trabalho, bem como identificação profissional e proteção contra acidentes de trabalho.8 O art. 170 da Constituição Federal dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. A proteção à saúde do trabalhador encontra-se em maior evidência, devido à aceleração tecnológica, que potencializou os riscos no ambiente de trabalho. Nesse sentido, é que o princípio da dignidade humana age como norma, pois é preciso dar tratamento adequado aos trabalhadores por meio de regras que efetivamente assegurem seus direitos. Conforme MANCUSO, conceitua-se o ambiente de trabalho, como sendo: O meio ambiente do trabalho vem a ser o ̳habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema. A contrario sensu, portanto, quando aquele ̳habitat se revele inidôneo a assegurar as condições mínimas para uma razoável qualidade de vida do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente do trabalho.9 O ambiente de trabalho é onde as pessoas desenvolvem suas atividades laborais, tornando-se imprescindível a aplicação de normas jurídicas a fim de garantir o pleno desenvolvimento das atividades e a dignidade daquele que labora. No art. 196 da Constituição Federal o legislador salienta o dever do Estado: Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante “políticas sociais” e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua 7 LEDUR, José Felipe. A realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 98. 8 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. p.214. 9 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos. Revista de Processo, São Paulo, vol. 93, RT, 1999. p. 161. 12 promoção, proteção e recuperação. O art. 7º, inciso XXII, também da Constituição Federal, prevê, no mesmo contexto, que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. A manutenção de um meio ambiente saudável é direito do trabalhador e um dever do empregador, sendo obrigação deste o fornecimento de equipamentos de segurança e condições físicas adequadas para a efetivação das atividades laborais Com o intuito de reduzir os acidentes de trabalho no Brasil, na qual são registrados cerca de 700 mil casos por ano, conforme dados oriundos do Anuário Estatístico da Previdência de 201310, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) instituiu normas para que a saúde e integridade do trabalhador possa ser preservada conforme se abordará na sequência do presente estudo. 1.2 A LEGISLAÇÃO PROTETIVA DO EMPREGADO Durante a Primeira Guerra Mundial, inúmeras manifestações dos trabalhadores levaram à criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, por meio do Tratado de Versalhes, que deu ao trabalhador proteção no que diz respeito às normas de segurança, garantindo sua integridade física. A OIT é dotada de convenções, dentre as quais destaca-se a Convenção nº 155, que trata da Segurança dos Trabalhadores, assim como a Convenção nº 161, que diz respeito aos Serviços de Saúde do Trabalho. A primeira, em seu art. 3º, definiu que “a saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente ligados com a segurança e a higiene do trabalho”. Desta forma, impôs aos Estados a criação de uma política nacional que garantisse a proteção, a segurança e saúde física ou mental do trabalhador, em todas as áreas da atividade econômica. Essa convenção também coloca o empregado como parte na elaboração das normas que regulamentam 10 BRASIL, Previdência Social. Anuário Estatístico da Previdência Social. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/aeps-2013-anuario-estatistico-da-previdencia-social- 2013/aeps-2013-secao-iv-acidentes-do-trabalho/> Acesso em: 30 abr. 2015. 13 o ambiente de trabalho, e ainda o informa dos riscos da atividade exercida. Já a segunda Convenção é uma complementação da primeira, pois fazem parte dela os médicos especialistas na área, ergonomistas, enfermeiros e todos aqueles que estejam relacionados à saúde no meio ambiente de trabalho. A Convenção nº 187 surgiu em decorrência dos altos números de acidentes de trabalho, no início do século XXI, cuja principal ideia era “promover a melhoria contínua da segurança e saúde do trabalho”, ou seja, observar constantemente as normas de prevenção e criar métodos para combater riscos.11 O capítulo V, da Consolidação das Leis do Trabalho, trata das especificações no que tange às normas de Segurança e de Medicina do Trabalho, devido a tutela da saúde do trabalhador, MARTINS define como [...] o segmento do Direito do Trabalho incumbido de oferecer condições de proteção à saúde do trabalhador no local de trabalho, e de sua recuperação quando não estiver em condições de prestar serviços ao empregador.12 A Norma Regulamentadora (NR) -7, que trata da medicina do trabalho estabelece que: 7.1 Do objeto 7.1.1 Esta Norma Regulamentadora – NR- estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional -PCMSO, com o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores. Da mesma forma, a NR-9 dispõe sobre a segurança, nos seguintes termos: 9.1.Do objetivo e campo de aplicação 9.1.1 Esta Norma Regulamentadora – NR- estabelece a obrigatoriedade da elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, visando à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais. Para cumprir as normas concernentes à segurança do trabalho, foi instituída a NR-4, em virtude do art. 200 da CLT, que criou os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), composto esse órgão por 11 GENEBRA, Organização Internacional do Trabalho.Convenção nº 187. Disponível em <http://www.gso.org.br/files/file_id266.pdf > Acesso em: 30 abr. 2015. 12 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 711. 14 profissionais ligados à saúde e segurança do trabalho, possuindo função preventiva e educativa. Sua dimensão depende da gradação do risco da atividade laboral e do número total de empregados existentes no estabelecimento. O art. 163 da lei consolidada também obriga a constituição de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), regulada através da NR nº 5, que deve ser instituída em empresas que tenham número igual ou superior a cinquenta (50) empregados. A CIPA tem por objetivo observar e relatar as condições de risco, nos ambientes de trabalho, e solicitar as medidas para reduzir ou eliminar os riscos existentes, discutindo os acidentes ocorridos e solicitando medidas que os previnam, assim como orientando os trabalhadores quanto a sua prevenção. É composta por representantes da empresa e dos empregados, com mandato de um ano, permitida a reeleição, porém, os representantes dos empregadores não poderão ser eleitos por mais de duas vezes consecutivas. A CIPA não poderá ter seu número de representantes reduzido, nem ser desativada antes do término do mandato de seus membros, ainda que haja redução do número de empregados da empresa ou reclassificação de risco, salvo em caso de encerramento da atividade do estabelecimento.13 Os membros da CIPA, por força do art. 165 da CLT, não poderão sofrer despedida arbitrária, salvo em casos econômicos, financeiros, técnicos ou disciplinares. Ou seja, os empregados eleitos para a Comissão têm estabilidade no emprego, desde o registro da candidatura até 1(um) ano após o final de seu mandato, com determinação do art. 10, inciso II, alínea ‘a’ do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Entre as obrigações cabíveis à empresa, prevê o art. 157 da Consolidação das Leis do Trabalho: [...] I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes de trabalho ou doenças profissionais; III – adotar as medidas que lhe sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. Os empregados deverão observar as normas de segurança e medicina de trabalho, inclusive as instruções ou ordens de serviços, quanto às precauções no local 13 MARTINS, Sérgio Pinto. op. cit. p. 715. 15 de trabalho. Inclusive, considera-se falta grave do empregado quando este não observa as instruções do empregador e também quando não usa os Equipamentos de Proteção Individual que lhe são fornecidos pela empresa, culminando com a interdição do estabelecimento ou equipamento. Conforme preconiza o artigo 166: Art. 166. A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados. Tal obrigação também está incorporada à NR-6, que dispõe sobre os Equipamentos de Proteção Individual. As Delegacias do Trabalho apontadas no art. 156 da CLT deverão promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho nas empresas, adotando as medidas necessárias, determinando obras e reparos que, em qualquer local de trabalho, sejam exigíveis e impondo as penalidades pelo descumprimento de tais regras. A importância e a tutela da saúde, vem disposta no artigo 168 da CLT: Art. 168. Será obrigatório exame médico, por conta doempregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho: I – na admissão; II - na demissão; III – periodicamente. § 1º O Ministério do Trabalho baixará instruções relativas aos casos em que serão exigíveis exames: a) por ocasião de demissão; b) complementares. § 2º Outros exames complementares poderão ser exigidos, a critério médico, para apuração da capacidade ou aptidão física e mental do empregado para a função que deva exercer. § 3º O Ministério do Trabalho estabelecerá, de acordo com o risco da atividade e o tempo de exposição, a periodicidade dos exames médicos. § 4º O empregador manterá, no estabelecimento, o material necessário à prestação de primeiros socorros médicos, de acordo com o risco da atividade. § 5º O resultado dos exames médicos, inclusive o exame complementar, será comunidade ao trabalhador, observados os preceitos da ética médica. Constatada doença profissional ou produzida em virtude de condições especiais do trabalho, ou se dela se suspeitar, a empresa deverá encaminhar o empregado imediatamente ao Instituto Nacional da Seguro Social (INSS). O art. 20, da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e conceitua acidente de trabalho e as doenças advindas da seguinte 16 forma: Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I- Doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar à determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social; II- Doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função das condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. A doença profissional é aquela característica de determinada profissão ou atividade, já a doença de trabalho resulta de condições especiais em que o trabalho é desenvolvido e com ele se relaciona. Em ambos os casos, a legislação brasileira exige que as doenças constatadas se encontrem previstas na relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, conforme o artigo acima citação, incisos I e II. Porém, diante da dificuldade em elencar todas as doenças profissionais ou do trabalho, dispõe os parágrafos 1º e 2º do referido artigo 20: [...] § 1 Não são consideradas como doença do trabalho: a) Doença degenerativa; b) Inerente a grupo etário; c) A que não produza incapacidade laborativa; d) A doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. § 2 Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. Ambas as doenças ocasionam a interrupção temporária da prestação do trabalho, restando ao empregador pagar a remuneração relativa aos 15 (quinze) primeiros dias após o afastamento do trabalhador. O empregador arcará com os gastos referentes a medicamentos, próteses e tratamentos médicos. Após o 16º (décimo sexto) dia, o empregado segurado passa a receber o auxílio-doença da Previdência Social e o empregador continua depositando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço daquele. Além da responsabilidade indenizatória, o acidente de trabalho pode gerar estabilidade acidentária, prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91, que dispõe: Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente. 17 O segurado que sofreu acidente ou doença ocupacional passa a ter direitos perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Primeiramente, o auxílio-doença pago ao empregado diretamente pela Previdência Social, corresponde a 91% do salário-benefício, estendendo-se durante o tempo em que o acidentado permanecer na condição de enfermo, conforme preconizado no artigo 59 e seguintes da Lei nº 8.213/91. Enquanto o auxílio-acidente previdenciário, visa ressarcir o empregado em razão do acidente ou da doença ocupacional que provoque a redução da sua capacidade laborativa, tendo cunho indenizatório. O valor corresponde a 50% do salário-benefício e se estende até à aposentadoria ou falecimento do segurado (art. 86 e seguintes da referida Lei). Em se tratando de aposentadoria por invalidez, a sua concessão ao trabalhador depende do mesmo ser considerado incapaz de laborar e insuscetível de reabilitação (nos termos do art. 89 da Lei) para voltar a exercer suas atividades, independentemente, de estar ou não recebendo o auxílio-doença e perdurará enquanto permanecer nessa condição. Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive. Parágrafo único. A reabilitação profissional compreende: a) o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários à habilitação e reabilitação social e profissional; b) a reparação ou a substituição dos aparelhos mencionados no inciso anterior, desgastados pelo uso normal ou por ocorrência estranha à vontade do beneficiário; c) o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário. Por fim, a pensão por morte derivada do acidente de trabalho, encontra-se regulada no artigo 74 da Lei nº 8.213/91: Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste; II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto do inciso anterior; III – da decisão judicial, no caso de morte presumida. Diante dos direitos elencados pelo trabalhador que sofreu danos em razão de 18 doença profissional, doença do trabalho ou acidente de trabalho, o capítulo seguinte tratará da responsabilidade civil do empregador frente aos acidentes. 19 2 RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil sofre constantes mudanças para sanar as necessidades da sociedade atual. Com o final da 2ª Guerra Mundial, desencadeou-se uma onda de cidadania, da dignidade da pessoa humana, com vista a levar em consideração o homem-pessoa, valores reforçados com a promulgação da Constituição Federal de 1988. 2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual ou negocial, e em responsabilidade civil extracontratual, também denominada responsabilidade civil aquiliana, diante da Lex Aquilia de Dammo, do final do século III a.C. Os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual, vem afirmados por TARTUCE, citando Venosa “ao conferir à vítima de um dano injusto o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro do seu causador (e não mais a retribuição do mesmo mal causado), independentemente de relação obrigacional preexistente”.14 A Lei Aquiliana surgiu no Direito Romano,no momento em que a responsabilidade civil sem culpa era a regra, onde o causador do dano era punido com a pena de Talião (olho por olho, dente por dente) prevista na Lei das XII Tábuas. Surge, então, a necessidade de comprovação de culpa. Mais tarde, foi introduzido na interpretação da Lex Aquilia o intitulado “dammun injuria datum” que substituiu a multa fixada por uma pena proporcional ao dano causado. Nesse sentido, DIAS fala que [...] a indenização permanecia substituindo o caráter da pena, sendo que os textos relativos a ações de responsabilidade se espraiaram de tal forma que, em último grau do direito romano, já não mais faziam menção apenas aos danos materiais, mas também aos danos morais.15 A partir de então, a responsabilidade mediante culpa passou a ter regra em todo 14 TARTUCE, Flávio (2014) apud VENOSA, Silvio de Salvo. p. 305. 15 DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. vol. 2. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 26. 20 o Direito, influenciando a legislação francesa, como o Código Civil de Napoleão, em 1804 e, mais tarde, em 1916, o Código Civil brasileiro. Em suma, o que a doutrina generalista da responsabilidade civil costuma sublinhar é a límpida separação entre a esfera do direito civil e penal, uma conquista dos ordenamentos modernos, como resultado de uma lenta, mas constante evolução, no curso da qual, progressivamente, se atenuou o caráter originariamente sancionatório da reação contra os fatos ilícitos.16 A responsabilidade civil é definida no Direito Civil como “obrigação de reparar danos que infringimos por nossa culpa e, em certos casos determinados pela lei; em direito penal, pela obrigação de suportar o castigo”.17 Todo aquele que está submetido a essa obrigação de reparar ou se sofrer a pena é responsável. Há, então, o acoplamento entre duas obrigações, a de agir em conformidade com a lei e a de reparar o dano ou cumprir a pena. Conforme SILVA, a responsabilidade civil denomina-se: [...] dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção.18 A responsabilização está ligada a ideia de uma contraprestação, encargo e obrigação, porém, vale salientar que a obrigação é sempre um dever jurídico originário, ao passo que a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação da obrigação. Maria Helena Diniz afirma que o objeto da responsabilidade civil é, invariavelmente, uma prestação de ressarcimento por inexecução contratual, de forma mais ampla e consentânea com o Código Civil, poderia se dizer negocial e por lesão a direito subjetivo. Conforme a autora, o objeto da obrigação é uma prestação que não 16 TARTUCE, Flávio. Direito Civil 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2014. p. 32. 17 RICOEUR, Paul. O Justo 1: A justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p.33. 18 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico conciso. Rio de Janeiro. Forense, 2008. p. 642. 21 decorre de tal situação necessariamente, pois pode advir não apenas de um ilícito por natureza (teoria na culpa, na responsabilidade subjetiva) ou por resultado (teoria do risco, na responsabilidade objetiva), mas decorre de uma norma jurídica ou de negócio jurídico.19 Necessário conhecer a função da responsabilidade, pois garante o direito lesado e serve como sanção civil. Tal sanção atua como uma segurança jurídica, aplicando uma contraprestação ao causador do dano. Assim, LISBOA leciona que são duas as funções da responsabilidade civil, sendo elas: a) a de garantir o direito lesado, prevenindo-se a coletividade de novas violações que poderiam eventualmente ser realizadas pelo agente em desfavor de terceiros determinados ou não (titulares, portanto, dos interesses difusos e coletivos) e b) servir como sanção civil, decorrente da necessidade de segurança jurídica que a vítima possui, para o ressarcimento dos danos sofridos; a sanção decorre da ofensa à norma jurídica imputável ao agente causador do dano, e importa em compensação em favor da vítima lesada.20 Se o agente dos negócios e atos jurídicos, por ação ou omissão, pratica ato contra o Direito, com ou sem intenção manifesta de prejudicar, mas ocasiona prejuízo, dano a outrem, situa-se no campo dos atos ilícitos. O ato ilícito pode constituir-se de ato único, ou de série de atos ou de conduta ilícita. A ação ou omissão pode acarretar dano indenizável. Essa mesma conduta pode ser punível no campo penal.21 No campo do Direito Civil, a conduta ilícita gera efeito exclusivamente reparatório na recomposição patrimonial. Significa, destarte, saber se o ato ilícito desencadeou dano a ser indenizado. Pondera Sérgio Cavalieri Filho que o ato ilícito, tal como o lícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, só que contrária à ordem jurídica. Observa que, todavia, enquanto os atos jurídicos podem se restringir a meras declarações de vontade (...) o ato ilícito consistirá numa simples declaração de vontade. Importa dizer que ninguém pratica ato ilícito simplesmente porque promete a outrem causar-lhe um prejuízo.22 O Código Civil de 2002 traz, em seu artigo 186, o conceito de ato ilícito: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar 19 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010 p. 256. 20 Idem. 21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 561. 22 GONÇALVES, Carlos Roberto (2009) apud CAVALIERI FILHO, Sérgio. p. 454. 22 dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. A infração à norma pode sofrer reprimenda penal, consistente em pena corporal ou multa, correlatamente a indenização civil ou tão somente indenização civil, caso a norma violada não tenha cunho penal. O artigo referido menciona tanto o dolo como a culpa, assim considerados no campo penal. Fala o dispositivo em “ação ou omissão voluntária”. O Código Penal define dolo como a situação em que o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo (art.18, I). (...) A culpa, vem estatuída da expressão negligência ou imprudência. O Código Penal, no artigo 18 acrescenta a imperícia. Na conduta culposa, há sempre ato voluntário determinante do resultado involuntário. O agente não prevê o resultado, mas há previsibilidade do evento, isto é, ele é objetivamente previsível. O agente, portanto, não prevê o resultado.23 Portanto, a responsabilidade civil denota uma conduta humana, o nexo causal, a culpa e o dano. [...] assim sendo, a conduta humana pode ser causada por uma ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia, modelos jurídicos que caracterizam o dolo e a culpa, respectivamente. 24 O agente é aquele que pratica a conduta, qualquer pessoa física ou jurídica, pode agir de forma a lesionar o interesse alheio, reputando-se assim, como sendo ato ilícito a conduta que contrariar o ordenamento jurídico. A responsabilidade decorrente de ato ilícito traz a ideia de culpa, ao mesmo tempo em que a responsabilidade sem culpa se baseia na teoria do risco criado. Na esfera civil, a existência do dano é essencial para que haja deverde indenização e ressarcimento, como argumenta CAVALIERI FILHO: O ato ilícito nunca será aquilo que os penalistas chamam de crime de mera conduta; será sempre um delito material, com resultado de dano. Sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum a praticamente todos os autores, de 23 VENOSA, Sílvio de Salvo. op. cit. p. 565. 24 TARTUCE, Flávio. op. cit. p. 359. 23 que o dano é não somente o fato constitutivo, mas, também, determinante do dever de indenizar.25 Portanto, o dano é elemento essencial para obtenção de reparação, independente de se tratar de responsabilidade subjetiva ou objetiva. Existirá a obrigação de reparar o dano, seja ele moral ou material. No que se refere à indenização, esta deve ser fixada de acordo com o grau de culpa dos envolvidos, ou seja, segundo sua contribuição causal (artigos 944 e 945 do Código Civil26). Dessa forma, havendo dolo, por regra, deverá o agente pagar indenização integral, sem qualquer redução. Isso porque, em casos tais e na grande maioria das vezes, não se pode falar na culpa concorrente da vítima ou de terceiros, a gerar a redução por equidade da indenização. Por outro lado, se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.27 É necessária a presença de alguns requisitos para que a indenização seja devida: a violação de interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica. A violação de interesse jurídico patrimonial é aquela que causa diminuição ou destruição de um bem de valor econômico, também chamado de material; já o extrapatrimonial, chamado de moral, diz respeito a um bem que não tem caráter econômico e que não pode voltar ao estado anterior. Ou seja, são bens relacionados à pessoa humana, como o direito à vida, integridade moral, psíquica ou física. FERNANDO NORONHA esclarece que: A reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um ‘preço’, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento afligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou a integridade 25 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008. p. 71. 26 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 27 TARTUCE, Flávio. op. cit. p. 362. 24 física.28 O dano patrimonial divide-se em lucros cessantes e danos emergentes. Dano emergente é aquele que se refere efetivamente ao que a vítima perdeu em razão da lesão, já o lucro cessante diz respeito ao que a vítima deixou de ganhar em decorrência do dano, ou seja, deixou de lucrar. Nesse sentido, o art. 402 do Código Civil prevê: Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. Os lucros cessantes são também conhecidos pela teoria da perda de uma chance, assim, trata de um dano certo quanto à sua existência, porém no que concerne à sua delimitação, o que deve ser analisado no decorrer da instrução processual, à semelhança do que sucede com os demais prejuízos juridicamente possíveis.29 Ou seja, a indenização baseia-se no lucro que, por razão do dano sofrido, a pessoa deixará de perceber. O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre a conduta praticada e o resultado. Para que se possa caracterizar a responsabilidade civil do agente, não basta que o mesmo tenha praticado uma conduta ilícita, e nem mesmo que a vítima tenha sofrido o dano. É imprescindível que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente e que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito30. Em vista disso, o nexo de causalidade é pressuposto para qualquer espécie de responsabilidade civil. A quebra do vínculo causal, entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima, importa na inexistência de responsabilidade civil da pessoa tida como causadora do dano. Conforme PABLO SANTOS [...] a culpa não é definida e nem conceituada na legislação pátria. A regra geral do Código Civil Brasileiro para caracterizar o ato ilícito, contida no artigo 186, estabelece que este somente se materialize se o comportamento for culposo. Neste artigo está presente a culpa lato sensu, que abrange tanto a dolo quanto a culpa, em sentido estrito. Por dolo entende-se, em síntese, a conduta intencional na qual o agente atua conscientemente de forma que deseja que ocorra o resultado antijurídico ou assume o risco de produzi-lo. Já na culpa stricto sensu não existe a intenção de lesar. A conduta é voluntária, mas o 28 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 569. 29 LISBOA, Roberto Senise. op. cit. p. 284. 30 SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. Disponível em < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875> Acesso em: 30 jun. 2015. 25 resultado alcançado não. O agente não deseja o resultado, mas acaba por atingi-lo ao agir sem o dever de cuidado. A inobservância do dever de cuidado revela-se pela imprudência, negligência ou imperícia.31 Isto posto, na responsabilidade civil basta que no momento da conduta, o sujeito cause prejuízo intencional à vítima, no caso do dolo ou, ainda, causou prejuízo sem observância do dever de cuidado, no caso da culpa. Desta forma, o artigo 186 do Código Civil indica a culpa como sendo condição necessária para o ato ilícito e, consequentemente, da responsabilização. 2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA Os quatro pressupostos (conduta humana, o nexo causal, a culpa e o dano) se amoldam à teoria subjetiva da responsabilidade civil que provém da prática do ato ilícito. Entretanto, na teoria objetiva, sobejam banidos da obrigação de indenizar os pressupostos do ato ilícito e da culpa, concentrando-se a atenção dos civilistas nos pressupostos do risco da atividade, nexo causal e dano.32 A responsabilidade subjetiva é aquela baseada na culpa do agente, a vítima deve comprovar tal culpa para que então seja devida a indenização. Desta forma, não se pode responsabilizar o agente sem que haja culpa do mesmo. Nesse sentido, RODRIGUES ensina que: [...] se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na ideia de culpa, e que de acordo com o entendimento clássico a concepção tradicional, a responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposamente ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.33 Entende-se, pois, que a responsabilidade do empregador depende da constatação de culpaou dolo para o efetivo dever de indenizar. No mesmo sentido, PEREIRA afirma: A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na 31 SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. Disponível em < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875> Acesso em: 30 jun. 2015. 32 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. vol. 3. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 123. 33 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 11. 26 pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta, que a ordem jurídica reveste de certos requisitos ou de certas características. Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.34 Portanto, deve-se observar, inicialmente, se houve descumprimento de norma legal por parte do empregador, criando o nexo de causalidade e, então, é criada a presunção de culpa. O agente, ao descumprir uma norma legal, ou seja, ao cometer ato ilícito, como já visto, age com dolo (imperícia) ou culpa (imprudência ou negligência), características da responsabilidade subjetiva previstas no caput do artigo 927 do Código Civil. Cabe, nesse momento, confrontar a Teoria do Risco, prevista no parágrafo único do mesmo artigo: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A teoria do risco criado tem como fundamento o fato de que todo dano é indenizável e deve ser reparado, independentemente de culpa. Assim, não se faz necessária a prova de culpa do empregador, pois esta é estabelecida por lei. A responsabilidade civil desloca-se na noção de culpa para a ideia de risco, ora encarado como “risco- proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável; ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.35 Segundo essa teoria, todo aquele que desempenha atividade cria risco de dano para terceiros, devendo reparar o dano, mesmo que o agente não tenha atuado com culpa. A obrigação de reparação é proveniente do risco do exercício que determinada atividade causa a terceiros, em função do proveito econômico auferido pelo agente causador. O fato do agente se beneficiar de sua atividade gera obrigação de suportar os 34 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense,1990. p. 35. 35 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 22. 27 danos que, porventura, outros sofram por sua atividade.36 O dever de ressarcir do agente decorre do risco inerente à atividade exercida pelo empregado, constatado o nexo de causalidade entre tal atividade e o dano sofrido. Sempre que houver risco à vida, à saúde ou à segurança de pessoas que se utilizam da atividade do agente ou, ainda, de quem sequer delas se beneficia, poderá o juiz impor o dever de reparação do dano, justificando a desnecessidade da demonstração de culpa por causa da natureza da atividade exercida pelo réu.37 A responsabilidade civil objetiva tem como finalidade reparar todo o dano causado em relação à atividade que, apesar de lícita, apresenta riscos à saúde e segurança do trabalhador. O empregador, então, deve assumir os riscos do contrato perante a sociedade. FACCHINI NETO pondera que [...] o fato é que a teoria da responsabilidade civil comporta tanto a culpa como o risco. Um como o outro devem ser encarados não propriamente como fundamentos da responsabilidade civil, mas sim como meros processos técnicos de que se pode lançar mão para assegurar às vítimas o direito à reparação dos danos injustamente sofridos. Onde a teoria subjetiva não puder explicar e basear o direito a indenização, deve-se socorrer da teoria objetiva. Isto porque, numa sociedade realmente justa, todo dano deve ser reparado.38 A aplicação do parágrafo único do artigo 927 não exclui a regra prevista na Constituição Federal, sendo possível a adoção das duas teorias. Porém, a tendência da legislação brasileira é, cada vez mais, afastar-se da ideia de culpa, ou seja, da responsabilidade subjetiva, pois há uma grande dificuldade na comprovação do ato culposo atribuído ao empregador. Desta forma, estende-se o conceito de responsabilidade até os atos lícitos que resultarem dano, atribuindo, assim, o dever de indenizar, independentemente da comprovação de culpa na conduta do agente causador. 36SHALLKYTTON, Erasmo. Responsabilidade civil: subjetiva e objetiva. Disponível em < http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/2191012> Acesso em: 30 jun. 2015. 37 LISBOA, Roberto Senise. op. cit. p.363. 38 FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2003. p.160. 28 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR FRENTE AO ACIDENTE DE TRABALHO A Constituição Federal de 1988 preconiza a responsabilidade civil do empregador no ressarcimento dos danos originários de acidente de trabalho. Tal responsabilidade pode decorrer da culpa do empregador, seja por negligência, imprudência ou imperícia, denominada subjetiva ou, ainda, a obrigação de reparar o dano subsiste independente de culpa, ou seja, objetiva, baseada na Teoria do Risco Criado, como veremos neste capítulo. 3.1 ACIDENTE DE TRABALHO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR O art. 19 da Lei 8.213, que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social, traz o conceito de acidente de trabalho típico: Art. 19. Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Acidente de trabalho, portanto, é aquele que ocorre no exercício da atividade laboral ou a serviço da empresa. O artigo seguinte traz o conceito de acidente de trabalho atípico, como já visto, equiparando-se a este as seguintes entidades mórbidas: [...] I- Doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar à determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social; II- Doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função das condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. Não são consideradas doenças decorrentes do trabalho, as doenças degenerativas; as inerentes ao grupo etário; as que não produzam incapacidade laborativa e doenças endêmicas adquiridas por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direito determinado pela natureza do trabalho (§1º). Em casos excepcionais, constatando-se que a doença, não incluídana relação prevista nos incisos I e II deste artigo, resultou das condições especiais em que o 29 trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho (§2º). Equiparam-se, também, ao acidente de trabalho, conforme o art. 21 da mesma lei: [...] I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: Ou seja, aqueles acidentes ocorridos na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa, na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito, em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado e, ainda, no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. O parágrafo 1º deste artigo faz referência aos períodos destinados a refeição ou descanso, ou, para satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local de trabalho ou durante este, na qual o empregado também é considerado no exercício do trabalho. Portanto, os incidentes que acontecerem em decorrência da atividade exercida não são os únicos considerados acidente de trabalho, pois os que ocorrerem no local de serviço, por uma ação externa ou de terceiro, ou também, aquele que acontece fora 30 do local de trabalho, mas em um momento que o empregado estava se locomovendo para chegar ao emprego ou para executar suas funções, também estão incluídos na legislação.39 Faz-se aqui uma observação, o acidente in itinere é considerado como acidente do trabalho somente para fins previdenciários, não implicando em responsabilização civil do empregador em face da inexistência de culpa ou mesmo de nexo de causalidade entre as atividades desenvolvidas e o evento danoso. Tal observação está prevista no art. 21 IV, alínea “d” da Lei 8.213/91. A empresa, com previsão no art. 22 da Lei 8.213/91, deverá comunicar o acidente de trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil, seguinte ao do acidente e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social. [...] para a existência do acidente de trabalho, exista um nexo entre o trabalho e o efeito do acidente. Inexistindo essa relação de causa-efeito entre o acidente e o trabalho, não se poderá falar em acidente do trabalho. Mesmo que haja lesão, mas que esta não venha a deixar o segurado incapacitado para o trabalho, não haverá direito a qualquer prestação previdenciária.40 O doutrinador explica que, para haver caracterização do acidente de trabalho, é necessário o nexo de causa entre a atividade exercida pela vítima e o dano sofrido por esta, caso contrário, não terá direito ao recebimento de qualquer prestação previdenciária. Conforme mencionado, os artigos 186 e 927 do Código Civil trazem a responsabilidade subjetiva e a objetiva, respectivamente, de indenização no caso de violação de direito e cometimento de ato ilícito que cause danos a outrem. Nesse sentido, DINIZ: A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.41 39 SANTOS, Felipe do Prado. A saúde do trabalhador, o princípio da dignidade da pessoa humana e seus reflexos na Previdência Social. Disponível em <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2819/2598> p. 44. Acesso em: 30 jun. 2015. 40 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. São Paulo: Atlas, 1999. p. 399. 41 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 19 ed. São Paulo: 31 Em outras palavras, a responsabilidade civil é parte do direito obrigacional, sendo decorrente da violação de um dever jurídico ou de um direito. DELGADO afirma que: [...] é do empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano moral ou à imagem resultante de conduta ilícita por ele cometida ou por suas chefias, contra o empregado, sem relação com a infortunística do trabalho. (...) Do mesmo modo, não apenas a conduta ofensiva direta cometida pelo empregador poderá ser passível de responsabilização: também será do empregador a responsabilidade pelas indenizações por dano material, moral ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro social, é claro.42 Para que a indenização seja devida, é necessária a verificação dos quatro elementos essenciais já analisados nesse trabalho: ação ou omissão, dano, nexo causal e culpa ou dolo do agente. Esses elementos constituem a responsabilidade subjetiva do empregador, na qual dependerá de culpa deste, seja porque não forneceu os equipamentos necessários para o exercício da atividade, ou porque não realização a manutenção dos mesmos, dentro outros motivos. Porém, devido à grande dificuldade da produção de provas, o art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002 trouxe a ideia da responsabilidade objetiva, na qual independe de culpa “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Portanto, quem pratica determinada atividade perigosa, tirando proveito de um terceiro, responde pelos danos causados, independente de culpa. Com a inserção deste dispositivo legal, muitos juristas adotaram esta teoria. Assim, basta comprovar a existência do acidente do trabalho ou da doença ocupacional do empregado (dano) e a relação dessa com o trabalho por este desenvolvido (nexo causal) para ser o empregador obrigado, a indenizar o trabalhador, por esta teoria. Entretanto, deve-se ter em mente que mencionado artigo do Código Civil relacionou tal ideia ao elemento risco, explicitando que tal obrigação decorrerá quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem. Deste modo, este elemento é imprescindível para tal teoria, que também é conhecida como teoria do risco.43 Com a introdução do parágrafo único do artigo 927, basta relacionar a atividade exercida com o acidente de trabalho para que o empregador fique obrigado a prestar Saraiva, 2005. p. 35. 42 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 578 e 579. 43 MAGALHÃES, Leluana.A polêmica da responsabilidade civil do empregador no acidente do trabalho na visão da jurisprudência do TST. Disponível em <http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/leluana_magalhaes/leluana_magalhaes_responsabilida de_civil.pdf> p. 5. Acesso em: 30 jun. 2015. 32 indenização ao trabalhador. O elemento essencial dessa teoria é o risco, segundo Caio Mário Pereira, citado por SCHIAVI O conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta (...).44 Assim, a responsabilidade civil do empregador seria, em regra, objetiva, devido ao risco e à periculosidade da atividade exercida, somente podendo ser excluída em situações de caso fortuito ou força maior ou, ainda, no caso de culpa exclusiva da vítima. MELO defende essa teoria alegando que: O mais fundamental direito do homem, consagrado em todas as declarações internacionais, é o direito à vida, suporte para existência e gozo dos demais direitos humanos. Mas esse direito, conforme assegura a nossa Constituição Federal no art. 225, requer vida com qualidade e para que o trabalhador tenha vida com qualidade é necessário que se assegurem seus pilares básicos: trabalho decente em condições seguras e salubres. Daí porque assegura o art. 1.º da Constituição Federal, como fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, entre outros.45 O ordenamento jurídico deve fundar-se na valorização do trabalho humano, assegurando condições dignas no ambiente laboral. [...] A doutrina costuma apresentar as mais equívocas compreensões dos dois fenômenos. Ambas as figuras se equivalem, na prática, para afastar o nexo causal. Para alguns autores, o caso fortuito se ligaria aos critérios da imprevisibilidade e irresistibilidade. Assim, o caso fortuito seria aquela situação normalmente imprevisível, fato da natureza ou fato humano a que não se poderia resistir, ainda que possível previr sua ocorrência.46 44 SCHIAVI, Mauro. apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Aspectos polêmicos do acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador pela reparação dos danos causados ao empregado. Prescrição. Disponível em http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/mauro_schiavi/mauro_schiavi_aspectos_polemicos_acid ente_trabalho.pdf> p.5. Acesso em: 30 jun. 2015. 45 MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético. São Paulo: LTr, 2004. p. 37 46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 57. 33 Atribui-se, geralmente, ao caso fortuito, os eventos imprevisíveis, ligados a fato humano e os casos de força maior, seriam os eventos irresistíveis da natureza, como as enchentes. Preconiza o artigo 393 do Código Civil: Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir. Para a configuração de ambos, excluem-se a responsabilidade civil por quebra do nexo causal, salvo se havia responsabilização expressa em contrato para tal situação específica. Diante do exposto, confere-se validade ao artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, nos acidentes de trabalho, pois o inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal deve ser interpretado em harmonia com o caput deste. Não há dúvida de que a garantia de ressarcimento pelos danos sofridos acha respaldo na responsabilidade sem culpa, naquelas atividades desenvolvidas que expõem o trabalhador a um risco considerado anormal. A partir das noções sobre a responsabilidade, suas espécies e efeitos, serão analisadas as jurisprudências dos Tribunais Regional do Trabalho da 4ª Região e do Superior do Trabalho, acerca do assunto proposto. 3.2 JURISPRUDÊNCIAS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO Com o advento da Constituição de 1988, o país foi colocado em patamar avançado de tratamento do problema dos danos sofridos no trabalho, relacionados à doença ocupacional e ao acidente do trabalho. Isso porque tanto a higidez, física como a mental, inclusive a emocional do ser humano, são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela, ainda mais forte e específica, da Constituição 34 Federal que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88).47 Nesse sentido, o julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. 1. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. DIREITO DE DEFESA. CERCEAMENTO. INOCORRÊNCIA. O direito à ampla defesa não é absoluto, cabendo ao juiz indeferir as provas inúteis ou protelatórias. Princípio da utilidade da prova, cuja justificativa incumbe à parte que a requerer. 2. MORTE DE TRABALHADOR. CULPA DA EMPREGADORA ESTABELECIDA. Incumbe ao empregador oferecer as condições de segurança à atividade do empregado, fiscalizar a execução dos serviços dentro dos padrões de segurança necessários e formalizar adequado treinamento visando à prevenção de acidentes. Operário morto por eletropressão ao realizar manutenção de linha de transmissão de energia elétrica. Condição insegura de trabalho. Deficiência de treinamento e supervisão. Responsabilidade exclusiva da empregadora pelo acidente. (Apelação Cível Nº 70047263017, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 28/11/2013).48 O empregador, ao não realizar o fornecimento e a manutenção dos equipamentos, visando a segurança e a saúde do trabalhador, assume os riscos da atividade e será responsável civilmente independente de prova de culpa. Considerando tais argumentos, o Tribunal Superior do Trabalho também decidiu pela responsabilização objetiva do empregador no caso do Embargo em Recurso de Revista nº TST-E-RR-367600-35.2006.5.12.0053: RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 11.496/2007. RECURSO DE REVISTA. EXPLORAÇÃO DE MINAS DE SUBSOLO DE CARVÃO. PNEUMOCONIOSE. I NDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE DOENÇA PROFISSIONAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INFORTÚNIO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. POSSIBILIDADE. Quando a atividade desenvolvida pelo empregador pressupõe a existência de risco potencial à integridade física e psíquica do trabalhador, é possível aplicar a teoria da responsabilidade objetiva, inclusive quando o infortúnio (acidente de trabalho ou doença ocupacional) tiver ocorrido antes da vigência do Código Civil de 2002, diploma legal que reconheceu expressamente tal teoria (parágrafo único do artigo 927), porque, mesmo antes do seu advento, já se sedimentava a responsabilização por culpa presumida e a inversão do ônus da prova ao causador do dano em atividades de risco. Recurso de embargos conhecido e não provido.49 47 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista RR 206006020055050371 20600- 60.2005.5.05.0371. Disponível em < http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23048458/recurso-de-
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