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AULA 6 - Museus e utopias

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Capítulo 6
Museu e utopias
O futurista Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), dentre outras 
polêmicas, proclamava no Manifesto Futurista a destruição dos mu-
seus: “Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as acade-
mias de toda natureza...” ou ainda “um automóvel rugidor, que parece 
correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia”1 
(BERNARDINI, 1980, p. 34). Diferentemente de discursos radicais a res-
peito de exposições, obras de arte, e das instituições que as abrigam, 
nos interessam obras de arte que transformaram e potencializaram a 
ideia de coleção e o acondicionamento delas. Muitos artistas agregam, 
a esse entorno ligado às instituições e espaços expositivos, discursos 
indagadores e inquietantes. Portanto, neste capítulo, abordaremos mo-
dos de questionamento às histórias hegemônicas e ligadas ao poder, 
instituições e coleções, a partir da criação artística.
1 Vitória de Samotrácia ou Nice de Samotrácia é uma escultura que representa a deusa grega Nice (Niké, 
que personificava a vitória, força e velocidade, representada por uma mulher alada). Seus restos foram 
descobertos em 1863 nas ruínas do Santuário dos Grandes Deuses de Samotrácia. Atualmente faz parte do 
acervo Museu do Louvre, em Paris.
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.1 Museu e utopias
No decorrer dos capítulos anteriores, destacamos os processos 
de formação de acervos, surgimento dos museus, o papel do aspecto 
educativo nessas instituições, bem como suas ações junto à escola de 
ensino formal e no campo da acessibilidade para diferentes públicos. 
No entanto, ainda não tangenciamos a produção de arte que questiona 
esses lugares, o modo de exposição das obras e da aura que acompa-
nha esses lugares. 
Nas exposições de arte contemporânea, percebe-se a dificuldade 
que o visitante encontra frente às configurações estéticas das obras, 
e às produções não mais ligadas a materiais nobres ou ao naturalis-
mo. Muitos artistas estão preocupados em lançar um questionamento 
sobre os mecanismos de funcionamento dos status quo, abrangendo 
múltiplos caminhos, vertentes e estilos. Na contemporaneidade, é im-
portante destacar que a criação artística está intimamente ligada ao 
hibridismo das linguagens. 
Nesse contexto, destacaremos obras que repensam as coleções 
de arte e seus lugares de exposição, como no caso do artista francês 
Marcel Duchamp (1887-1968), que em meados dos anos 1940 realizou 
uma série de trabalhos que reconduziram nosso juízo sobre arte e até 
sobre seu modo de exposição, como no caso de seus experimentos 
espaciais e expositivos.
 Duchamp, após a saída de muitos artistas da Europa durante a 
Segunda Guerra Mundial, foi chamado por André Breton (1896-1966) 
para participar da primeira mostra surrealista internacional nos Estados 
Unidos, intitulada First Papers of Surrealism (Primeiros Documentos do 
Surrealismo), exposição que se referia ao longo processo de requeri-
mento de vistos que a maioria dos artistas estrangeiros enfrentava para 
entrar nos EUA. A exibição ocorreu na mansão Whitelaw Reid, em 1942, 
e Duchamp adquiriu aproximadamente 25 metros de barbante para a 
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realização de seu trabalho, no qual enroscou fios por toda a sala. A se-
quência de linhas que atravessava o espaço preenchia toda a exposi-
ção, composta por pinturas sustentadas em suportes removíveis. As li-
nhas de barbante impediam a entrada dos visitantes, mas não vedaram 
completamente a visão das obras, como era a vontade do artista. Essa 
intervenção com barbante na mostra surrealista desafiou as noções 
das normas e da “adequada” experiência estética numa exposição de 
arte, colocando em xeque a inviolabilidade desses espaços.
PARA SABER MAIS 
O catálogo “Duchamp-me”, da exposição de Duchamp no MAM, de 15 a 
21 de setembro de 2008, é uma boa referência para entender os pontos 
tratados ao longo deste capítulo. 
 
Em 1934, o artista realizou os fac-símiles encaixotados e os esboços 
e anotações que registravam o desenvolvimento conceitual de sua obra 
intitulada La mariée mise à nu par ses célibataires, même, apelidada de 
O grande vidro. Posteriormente Marcel Duchamp idealizou um projeto 
de documentação de seu trabalho artístico, com o Museu portátil de ou 
para Marcel Duchamp ou Rrose Sélavy, mais conhecido como La boîte-
-en-valise (A caixa-valise).
Ao final de 1935, iniciou a lista de todas as suas obras e seus respec-
tivos proprietários e solicitou fotografias em preto e branco da seleção 
de pinturas, trabalhos em vidro, objetos e assim por diante. Duchamp 
viajou a outros países para registrar títulos, datas, dimensões e a paleta 
de cor exata de seus trabalhos em coleções públicas e privadas; muitas 
vezes, comprou de volta ou pediu emprestado peças criadas por ele, e 
que exigiam anotações mais detalhadas.
Na maioria das reproduções que seriam colocadas na Caixa-
valise, Duchamp optou por um método chamado de pochoir, também 
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conhecido como estêncil, pois na época a representação fotográfica co-
lorida era incipiente e não reproduzia as cores originais. O trabalho ma-
nual envolvido foi rigoroso e exigia extenso trabalho. Foram seleciona-
dos 69 trabalhos para serem reproduzidos, e feitas 350 cópias de cada 
item, que abrangiam conceitualmente questões ligadas a aura artística, 
autoria e autenticidade.2 
Interessante frisar que, se o conceito de obra de arte e sua origina-
lidade e autenticidade estão em questão com A caixa-valise, é possível 
fazer analogia com as instituições que selecionam, classificam, julgam 
e expõem as obras de arte. A caixa-valise como invólucro de apresenta-
ção e local de exposição deixa as fronteiras entre recipiente e conteúdo 
muito tênues. Segundo Dawn Ades (1982, p. 3 apud FILIPOVIC, 2008), 
Duchamp ressalta que:
Em vez de pintar algo novo, meu objetivo era reproduzir as pintu-
ras e objetos a meu gosto e juntá-los no menor espaço possível. 
Eu não sabia como seguir com isso. Primeiro pensei num livro, 
mas não gostava tanto da ideia. Então me ocorreu que poderia ser 
uma caixa, na qual todos os meus trabalhos seriam colecionados 
e montados como em um pequeno museu. Por assim dizer, um 
museu portátil.3 (Entrevista para James Johnson Sweeney, grava-
da em 1955)
Também segundo James Johnson Sweeney (BUCHLOH, 1983 apud 
FILIPOVIC, 2008, p. 93):
O historiador de arte alemão Benjamin Buchloh (1941) observa ain-
da que “todas as funções de um museu, a instituição social que 
transforma a primária linguagem da arte na secundária linguagem 
2 Há um célebre ensaio de Walter Benjamin, intitulado A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, 
em que o autor abrange questões ligadas à aura de uma obrade arte original e sua reprodução.
3 A conversation with Marcel Duchamp, entrevista filmada com James Johnson Sweeney, conduzida nas 
Salas Arensberg, no Museu de Arte de Filadélfia, em 1955. Citado em Dawn Ades (1982, p. 3 apud FILIPOVIC, 
2008).
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da cultura, são minuciosamente contidas na caixa de Duchamp: a 
valorização do objeto; a extração de um contexto e uma função; a 
preservação, evitando a decadência; e a disseminação dos seus 
significados abstratos... [Com isso, Duchamp] também muda o pa-
pel do artista, de criador para colecionador e preservador, preocu-
pado com localização e transporte, avaliação e institucionalização, 
exposição e conservação da obra de arte”.
PARA SABER MAIS 
Para saber mais, acesse o site do MoMA (Museu de Arte Moderna 
de Nova York), em que é possível visualizar a imagem da obra La 
boîte-en-valise. 
 
Em 1962, o artista francês Robert Filliou (1926-1987) fundou a Galerie 
Légitime, localizada em seu chapéu, para sediar exposições miniatura. 
Filliou andava pelas ruas de Paris com seu “museu-chapéu” e apresen-
tava o conteúdo, ou seja, a exposição para as pessoas que encontrava 
pelo caminho. A exposição acompanhava o artista e o artista, sua expo-
sição, que essencialmente era “itinerante”. 
Em 1972, Filliou realiza a versão The Frozen Exhibition: o chapéu é 
agora chapado, feito em cartão rígido em escala natural, e o conteúdo 
distribuído de modo aleatório – uma adaptação para a natureza estática 
do museu.
O artista americano Claes Oldenburg, com suas instalações A rua, 
de 1960, e A loja, de 1961, também como Duchamp e Filliou, rompeu as 
barreiras entre as linguagens da performance, instalação e o entendi-
mento ligado à ideia de como deve ser uma exposição. 
Durante um ano de realização do trabalho A loja, o artista Oldenburg 
fez anotações num livro: “I am for art that’s is political-erotical-mystical, 
that does something other than sit on its ass in a museum”. O trabalho 
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.A loja – como descreve em um inventário de dezembro de 1961 – con-
tinha uma lista 107 itens a que o artista se refere como objetos acha-
dos (e transformados para exposição e arte comestível). Esses objetos 
eram alterados não somente pelo artista, mas ativados pela participa-
ção do público. Ambas as obras foram locais para exposição, arte ao 
vivo e venda de trabalho. 
Após fundar sua loja em 1961, Oldenburg fundou o Mouse Museum, 
um museu ficcional do qual se proclamou diretor oficial. A forma do 
Mouse Museum é baseada em uma combinação da geometrização da 
forma dos ratos de desenhos animados com a forma de uma filmadora. 
O Mouse Museum continha três tipos de objetos: studio-objects – pe-
quenos modelos/maquetes de trabalhos do próprio Oldenburg – como 
fragmentos de trabalhos em construção –, objetos transformados e al-
terados pelo artista e objetos coletados, encontrados ou comprados, e 
apresentados sem qualquer alteração na sua forma. 
Há ainda o Museum of Drawers (1970-1977), de Herbert Distel, que 
adotou o papel do curador ao convidar artistas de todo o mundo a con-
tribuir com trabalhos em miniatura para uma exibição nas pequenas 
“galerias” de seu Museu de Gavetas. As gavetas de um gabinete são 
preenchidas com quinhentas obras por uma ampla gama de artistas, 
alguns bem conhecidos, como Picasso, outros não tão conhecidos, 
criando uma pesquisa abrangente de correntes artísticas nos anos 
1960 e 1970. Ou os museus dos artistas Paul-Armand Gette e Christian 
Boltanski, entre outros que trabalharam com a mesma temática.
2 Museu Imaginário
Após o término da Segunda Guerra Mundial, André Malraux, minis-
tro da Cultura francês e escritor, lança a ideia de criar um museu sem 
paredes, sem muros, fora da ideia do “cubo branco” ou das construções 
arquitetônicas, colocando a possibilidade de que qualquer um poder 
formar seu próprio Museu Imaginário (1947). 
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O Museu Imaginário possui características de um museu subjetivo, 
misturando épocas e estéticas distintas, no qual as linhas de pensamen-
to e o fio condutor são afetivos, ou seja, escolhidos por seu autor. Nele 
se podem recuperar artistas e obras esquecidas pela história da arte ou 
mesmo misturar com novos artistas reconhecidos ou desconhecidos 
contemporâneos. A ideia é que o museu possua formato portátil, aloca-
do num espaço que permita um fácil deslocamento. Seu conteúdo será 
permeado com imagens de obras de arte, inclusive arquitetônicas.
O que nos chama a atenção no museu proposto por Malraux é que 
ele não segue uma ordem linear na história, pois apresenta o passado 
dentro dos suportes e a linguagem do presente. Seu formato permi-
te acessá-lo a qualquer momento, e ele é composto por obras de to-
das as épocas que recebem a “curadoria” de uma mesma mão e se 
reencontram.
Para explicar a ideia de museu imaginário, Malraux exemplifica com 
um livro de arte, em que cada página seria uma parede do museu. 
Propõe que cada pessoa confeccione seu próprio museu, e concebe 
a obra de arte dentro de um contexto polivalente, criando uma filosofia 
dentro da liberdade e do estímulo.
Tal ideia de Malraux nos remete a um poema de João Cabral de Melo 
Neto (1988, p. 269) intitulado “Museu de tudo”: 
Este museu de tudo é museu
como qualquer outro reunido;
como museu, tanto pode ser
caixão de lixo ou arquivo.
Assim, não chega ao vertebrado
que deve entranhar qualquer livro:
é depósito do que aí está,
se fez sem risca ou risco. 
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3 Museu da Solidariedade
O Museu da Solidariedade, como o próprio nome já identifica, foi 
formado pela doação de vários artistas do mundo, com o conceito 
de um museu para o povo, realizado no governo de Salvador Allende, 
no Chile. 
A primeira etapa do Museu da Solidariedade ocorreu entre 1971 e 
1973, a partir da ideia e da ação dos artistas e intelectuais: o crítico 
de arte espanhol José María Moreno Galván, o crítico brasileiro Mário 
Pedrosa e o pintor catalão José Balmes. Em janeiro de 1973, formou-se 
o Comitê Internacional de Solidariedade Artística com o Chile – CISAC 
–, integrado por artistas, críticos de arte e diretores de museus de di-
ferentes capitais da Europa e da América, como Louis Aragon, poeta 
e diretor da publicação Les Lettres Françaises; o pintor e escritor e se-
nador italiano Carlo Levi; Jean Leymarie, diretor do Museu Nacional de 
Arte Moderna de Paris; Giulio Carlo Argan, ex-presidente da associação 
Nacional de Críticos de Arte e historiador da arte; Edward de Wilde, di-
retor do Museu de Arte Moderna de Amsterdã; e Dore Ashton, crítico de 
arte norte-americano. Doze países foram representados nesse Comitê: 
Itália, França, Holanda, Inglaterra, Suíça,Polônia, Estados Unidos, 
Espanha, Argentina, Cuba, Brasil e Uruguai.
Entretanto, pode-se dizer que o grande gestor, animador, fundador e 
pai do Museu da Solidariedade foi Mário Pedrosa, eleito presidente do 
Comitê Executivo. 
Pedrosa, um dos grandes intelectuais brasileiros, à época era um 
destacado crítico de arte, organizador das Bienais de São Paulo de 1953 
a 1961, e estava exilado no Chile por conta da ditadura militar brasileira. 
Por ser um respeitado pesquisador da arte contemporânea, e por ter 
muitos contatos do meio artístico mundial, foi escolhido para organizar 
a fundação do museu. 
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A primeira resolução foi que o comitê fosse composto somente por 
personalidades estrangeiras, e as doações serviriam para organizar o 
novo museu, num Chile novo, em que se destacava a espontaneidade 
da ideia solidária. 
Destacamos um fragmento do discurso de Mário Pedrosa após a 
fala do então presidente Allende, no dia 11 de maio de 1972, na inau-
guração da primeira mostra da coleção do Museu da Solidariedade 
Salvador Allende:
Os doadores querem que suas obras sejam destinadas ao povo, 
que sejam permanentemente acessíveis a ele. E, mais do que isso, 
que o trabalhador das fábricas e das minas, das cidades, das vilas 
e dos campos, entre em contato com elas, que as considere parte 
de seu patrimônio. A esperança dos artistas – e nossa – é contri-
buir, deste modo, à espontânea criatividade popular, para que flua 
livremente, e possa coadjuvar a transformação revolucionária do 
Chile. É assim como pensamos, que o “Museu de Solidariedade” 
deverá ser exemplar em sua acessibilidade democrática. Deve ser 
o lugar natural das expressões culturais mais fecundas do novo 
Chile. Como consequência do seu avanço no caminho do socia-
lismo. Este é o desejo entusiasmado dos artistas do mundo, que 
contribuíram para ele, entregando o produto de sua força criativa. 
Agora não nos resta senão dizer que o canto do galo do Miró, que 
canta com seu bico aberto, é um canto de fé e de vigor, de quem 
sabe que anuncia o amanhecer. Que seja o novo amanhecer do 
Chile; assim o esperam e desejam os artistas doadores, e todos nós 
também.4 (MUSEU DA SOLIDARIEDADE SALVADOR ALLENDE, 2007)
4 Marcel Broodthaers
Entre os anos 1968 e 1972, o artista, poeta e cineasta belga Marcel 
Broodthaers (1926-1976) desenvolve uma série de trabalhos com o 
4 O discurso na íntegra consta no catálogo da exposição Museu da Solidariedade Salvador Allende – 
Estéticas, Sonhos e Utopias dos Artistas do Mundo pela Liberdade. São Paulo: Associação Museu Afro 
Brasil: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007, p. 30 e 31.
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assunto e conceito de museu. Funda em 1968 o Museu de Arte Moderna 
Departamento das Águias, uma sinopse histórica da arte em um qua-
dro ficcional: um museu conceitual apresentado de várias formas e 
localizações.
A ideia do Museu de Arte Moderna, Departamento das Águias se deu 
a partir de um encontro para discutir e analisar as relações entre arte 
e sociedade, além do controle governamental da produção cultural e 
a desenfreada comercialização da arte. O grupo de discussão chega-
va muitas vezes a sessenta pessoas, e, como não havia cadeiras para 
todos, Marcel Broodthaers contatou uma companhia de transporte e 
pediu algumas caixas para que as pessoas se sentassem. Ao ver todas 
aquelas caixas com estampas relacionadas ao transporte de obras de 
arte, teve a ideia de trabalhar artisticamente com o conceito de museu, 
cujo símbolo era a imagem heráldica da águia (simbolicamente ligada à 
ideia de poder). Marcel Broodthaers fixou cartões postais com imagens 
de obras de arte do século XIX e escreveu a palavra ‘Museu’ na janela, 
‘Departamento das Águias’ no jardim e ‘Seção Século XIX’ na porta que 
dava para o jardim. 
O trabalho foi desenvolvido durante quatro anos e apresentado 
em série de doze seções, em analogia aos departamentos e catego-
rias de um museu, são eles: Seção Século XIX, Seção Literária, Seção 
Documental, Seção Século XVII, Seção Século XIX Bis, Seção Folclórica-
Gabinete de Curiosidades, Seção Cinema, Seção Financeira, Seção das 
Figuras, Seção Publicidade, Seção Arte Moderna, Museus de Arte Antiga 
e Seção Século XX. 
A primeira tentativa de comercializar o museu foi com a abertura 
de um novo departamento, ironicamente, a ‘Seção Financeira’; o artista 
anunciou no catálogo de uma feira de artes: “Museu de arte moderna à 
venda, devido à falência”, parodiando, talvez, o mercado da arte. Parte 
da publicidade anunciava a venda de lingotes de ouro com uma águia 
estampada de edição ilimitada para angariar fundos para o museu.
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Várias aberturas foram realizadas, e os convites foram enviados 
a cada nova seção do museu que era inaugurada. Em 1972, o Museu 
de Arte Moderna, Departamento das Águias participa da Documenta 5 
de Kassel.5 No mesmo ano, em Düsseldorf, a Seção das Figuras, que 
abrangia mais de 300 objetos, representando águias – emprestados de 
vários museus e coleções particulares –, foi apresentada em vitrines 
com etiquetas em francês, alemão ou inglês com os dizeres “Isto não é 
uma obra de arte”.6 A exibição tomou forma de um museu convencional; 
no entanto, a disposição e as etiquetas com a advertência deflagravam 
a subversão do trabalho. Todas as obras emprestadas da exposição 
voltaram posteriormente aos seus proprietários, e o “museu” foi formal-
mente fechado.
Broodthaers construiu uma narrativa de ficção baseada nas estraté-
gias de colecionar e expor, envolvendo o público e revelando redes de 
poder e controle ligadas às instituições de arte. Na última aparição do 
museu, figuram as palavras do artista: “Este museu é uma ficção, em 
um momento ele desempenha o papel de uma paródia política de even-
tos artísticos, em outro, de uma paródia artística de eventos políticos” 
(CARDOSO, 2006, p. 36).
PARA PENSAR 
Se você fosse conceber um museu, seria em quais moldes e com quais 
ideias conceituais e poéticas?
 
5 As exposições de arte denominadas Documenta ocorrem em Kassel, na Alemanha, e são consideradas 
das mais importantes exposições de arte moderna e contemporânea.
6 Essa frase faz referência à emblemática obra Ceci n’est pas une pipe (“Isto não é um cachimbo”) do artista 
surrealista René Magritte (1898-1967).
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.Considerações finais
Finalizamos este livro apresentando concepções ora imaginárias, 
ora fantásticas ou utópicas de museu, ligadas principalmente a discur-
sos artísticos. Esses museus existem ou existiram conforme a ideia 
de seus autores, mas o mais importante são os questionamentos do 
funcionamento das coisas, sejam elas instituições de arte ou não, e a 
mudançados mecanismos de entendimento de mundo. A educação, a 
arte e, em nosso caso, a educação em arte abrem caminhos questio-
nadores, além de possibilidades estéticas e criativas diante de nossa 
realidade. 
Referências
BERNARDINI, Aurora Fornoni. O futurismo italiano. São Paulo: Perspectiva, 
1980.
BRONSON, A. A.; GALE, Peggy (eds.) The Museum Fictions of Marcel 
Broodthaers. Toronto: Art Metropole, 1983.
CARDOSO, Maria Inês Raphaelian Sodré. Processos da poética: o paradoxo 
como paradigma – o museu como ideia. 2006. Dissertação (Mestrado em 
Artes Visuais), Faculdade Santa Marcelina, São Paulo, 2006.
DUCHAMP, Marcel. Catálogo da 19ª Bienal Internacional de São Paulo. São 
Paulo: Fundação Bienal, 1987.
FILIPOVIC, Elena et. al. (Org.). Marcel Duchamp – uma obra que não é uma obra 
de arte. Buenos Aires: Fundação Proa; São Paulo: MAM-SP, 2008.
MELO NETO, João Cabral de. Museu de tudo e depois. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1988. p. 269.
MUSEU da Solidariedade Salvador Allende. Estéticas, sonhos e utopias dos ar-
tistas do mundo pela liberdade. Catálogo de exposição. São Paulo: Associação 
Museu Afro Brasil/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.
91Museu e utopias
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aterial para uso exclusivo de aluno m
atriculado em
 curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com
partilham
ento digital, sob as penas da Lei. ©
 Editora Senac São Paulo.
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atriculado em
 curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com
partilham
ento digital, sob as penas da Lei. ©
 Editora Senac São Paulo.
Sobre a autora
Solange Nascimento Ardila é artista visual, professora e pesquisado-
ra. Mestranda no programa de pós-graduação Interunidades em Estética 
e História da Arte, Universidade de São Paulo – USP. Possui especiali-
zação em Fundamentos da Cultura e das Artes e Licenciatura Plena em 
Artes Plásticas, ambas pela Universidade Estadual Paulista – Unesp. 
Estudou na Faculdade de Artes da Universidad Nacional de Colombia – 
Unal, de 1999 até 2001. Atualmente é docente do Centro Universitário 
Ítalo Brasileiro nas disciplinas de Arte-Educação em Museus e Contextos 
Não Escolares; Arte e Cultura Digital; Dança, Happening e Performance 
e História da Arte Brasileira. Entre 2000 e 2011 atuou na área de edu-
cação não formal em diversos museus de arte e instituições culturais, 
entre eles o Museu de Arte Moderna de Bogotá e de São Paulo. Atua 
principalmente nas áreas de Artes, com destaque para temas relativos 
a arte contemporânea, história da arte, performance, arte eletrônica e 
digital – web, vídeo e fotografia.
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