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Filosofia do Direito e Idade Média JUSTIÇA CRISTÃ JUSTIÇA CRISTÃ • O pensamento grego clássico foi de tal maneira importante que os primeiros filósofos que seguiam o cristianismo, já ́ no início da Idade Média (ou seja, mais de 500 anos depois), recorriam ainda aos métodos dos gregos para refletir sobre o homem e sobre o universo. • A diferença é que, naquela época, a filosofia baseava‐se em uma nova premissa, a do teocentrismo. JUSTIÇA CRISTÃ • Disso são exemplo Aurélio Agostinho (séculos IV e V), na patrística, que perpetrou a fusão do platonismo com o cristianismo, e Santo Tomás de Aquino (século XIII), na escolástica, que, por sua vez, perpetrou a fusão do aristotelismo com o cristianismo. JUSTIÇA CRISTÃ • Deus passava a ser o centro de todas as análises filosóficas das coisas, dos seres e dos acontecimentos do mundo. • Entre as preocupações dos filósofos do cristianismo estava, além da religião, a MORAL. • Com o advento do Cristianismo, opera-se uma distinção fundamental e definitiva entre Política e Religião, entre a esfera do Estado e a órbita de ação própria do homem, o qual deixa de valer apenas como “cidadão” para passar a valer como homem a ser orientado pelos dogmas da Igreja. JUSTIÇA CRISTÃ • A Filosofia do Direito, como as demais emanações do espírito, foi dominada pelo pensamento religioso dos cristãos, que divulgavam a sua crença na origem divina do Direito. • A Igreja seria superior ao Estado, pois enquanto este ordenava interesses mundanos, aquela se ocupava da vida eterna. A concepção religiosa do Direito perdurou até o início do século XVII. Santo Agostinho • Se para os gregos era fundamental o papel da participação político-social do cidadão, para os cristãos a especulação integraliza o contato místico com a divindade. Se a vita activa, em sua modalidade de ação política, ainda que desvalorizada enquanto labor ou trabalho, encontrava relevante consideração entre os gregos, esta desaparece com o advento do medievo. Santo Agostinho • A eternidade da alma, a crença do poder da fé regeneradora e conversiva, a verdade revelada, o medo dos castigos e penas eternas são todos dogmas que presidem o comportamento das almas. • O paradigma da vita contemplativa, sobretudo entre os intelectuais, passa a governar o modelo de vida monástico ( INFLUENCIA ESTOICA). Santo Agostinho • Foi no começo do segundo milênio que a filosofia do cristianismo foi sistematizada e ganhou corpo com Santo Agostinho. Santo Agostinho • Na filosofia, foi um apaixonado em busca da verdade, que acreditava estar no interior do homem. Seguiu Platão, ao afirmar que, para conhecer verdadeiramente, é preciso estar em contato com o mundo inteligível. • Seu trabalho tem traços do pensamento estoico. • Além disso, quando a pessoa tem fe ́, estaria, também, mais perto de Deus. Santo Agostinho • Tirou a religião da condição de metafísica, aproximando‐a da filosofia, com metodologia de estudo, e enfim transformando‐a em teologia. • Da mesma forma que ja ́ o fizeram Sócrates e Platão, Santo Agostinho ensinava que a melhor maneira de purificar o espírito era a educação, porque o espírito educado pensaria com clareza e com verdade. Santo Agostinho • A escolástica foi mais um método de aprendizagem do que propriamente uma filo‐ sofia. • O marco teórico do período, ou seja, o ponto de partida de toda filosofia, é a palavra revelada. • Assim, o advento da doutrina cristã cristalizou novos ideais que se constituíram dogmaticamente em modelos de devoção e fé, modelos estes que conduziram a filosofia a servir de recurso teológico de ascensão espiritual. Santo Agostinho • Nesse sentido, a filosofia foi incorporada como recurso racional de auxílio ao pensamento teológico, que tinha como núcleo a interpretação do texto bíblico. • Em Santo Agostinho, é flagrante a preocupação com o transcendente em função de sua profunda formação na cultura helênica, sobretudo tendo-se em vista o eco do platonismo nos séculos III e IV da Era Cristã. Santo Agostinho • A concepção agostiniana acerca do justo e do injusto floresce exatamente nesta dimensão, ou seja, concebendo uma transcendência que se materializa na dicotomia existente entre o que é da Cidade de Deus (lex aeterna) e o que é da Cidade dos Homens (lex temporalem). • O tema em Agostinho remete o estudo do problema da justiça fundamentalmente à discussão da relação existente entre lei humana (lex temporalem) e lei divina (lex aeterna), onde está compreendido o estudo das diferenças, influências, relações etc. existentes entre as mesmas. Santo Agostinho • Uma concepção sobre a justiça que recorre ao neoplatonismo como fonte filosófica de inspiração só pode traçar delineamentos dicotômicos para o tema da justiça e, mais que isto, identificar na justiça transitória a imperfeição e a corruptibilidade dos falsos juízos humanos, e, na justiça eterna, a perfeição e a incorruptibilidade dos juízos divinos. • Assim é que se pode identificar nas lições agostinianas a presença do dualismo platônico (corpo-alma; terreno- divino; mutável-imutável; transitório-perene; imperfeito- perfeito; relativo-absoluto; sensível-inteligível…), que corporifica radical concepção entre o que é e o que deve ser. A justiça, portanto, pode ser dita humana e divina. Santo Agostinho • A justiça humana é aquela que se realiza inter homines, ou seja, que se realiza como decisão humana em sociedade. A justiça humana tem como fonte basilar a lei humana, aquela responsável por comandar o comportamento humano. Nesse sentido, o homem relaciona-se com outros homens e com o que o cerca; é no controle dessas relações que se lança a lei humana. • Não é, portanto, sua tarefa comandar o que preexiste ao comportamento social. Para que se possa pensar acerca do que preexiste, deve-se recorrer à ideia de Deus, que, como origem de tudo, como princípio unitário de todas as coisas, só pode ser o legislador maior do universo. Santo Agostinho • A justiça divina baseia-se na lei divina, que é aquela exercida sem condições temporais para sua execução, não sujeita, portanto, ao relativismo sociocultural que marca as diferenças legislativas entre povos, civilizações e culturas diversas. • Mais que isso, a lei divina, além de absoluta, imutável perfeita e infalível, é infinitamente boa e justa. O verbum divino só pode ser a raiz última de formação do que é, e também do que não é. • Quando, porém, se trata de falar sobre a justiça divina, deve-se advertir de que não se está a falar somente da justiça de Deus como justiça d’O Criador, mas também de uma justiça que se desdobra na própria justiça humana. • Grife-se que a lei divina não é somente a lei d’Ele, mas também a que Ele produz nos homens; nesse sentido, e somente nesse sentido, a lei dos homens também é divina, à medida que é dada por Deus. • PAREI AQUI... Santo Agostinho • A lei eterna inspira a lei humana, da mesma forma que a natureza divina inspira a natureza humana. S • em dúvida nenhuma, a natureza humana pode ser dita uma natureza divina, isto pois todo criado é fruto do Criador. Nesse sentido, a lei humana também é divina, ou seja, também participa da divindade. • Em outras palavras, a fonte última de toda lei humana seria a própria lei divina. Todavia, sua imperfeição, seus desvios, sua incorreção derivam direta e francamente das imperfeições humanas. Santo Agostinho • A lei divina, não escrita, portanto, imprime-se no espírito humano, e sua atuação sobre a lei humana dá-se de forma a que a influencie, inspirando-a, governando-a em seus princípios. Os homens produzem leis à medida que produzem comandos que se inspiram em influências provenientes da lei divina. A lei divina, lei eterna por definição, “é a lei em virtude da qual é justoque as coisas sejam perfeitamente ordenadas”. Santo Agostinho • O que faz com que as leis humanas sejam imperfeitas, corruptas, incorretas, e até mesmo injustas, não deriva da fonte de inspiração divina, mas da própria pobreza de espírito humana. Nada além do pecado original, que corrompeu a natureza humana, está por trás deste écran existencial, prenhe de lamentos e de sofrimentos. • O homem existe, e sua natureza é corrupta; é nesse sentido que se pode dizer que o homem se desgarrou de sua origem. Não há aí mero determinismo informando a teoria agostiniana, mas uma profunda consciência de que o livre-arbítrio, sede da deliberação autônoma do homem, é seu motivo maior de queda espiritual. Santo Agostinho • Quando a lei eterna comanda a alma para que se governe por si, está a comandar nada mais que sua aproximação de Deus. Esse processo de ascensão da alma não se faz, no entanto, sem um desprendimento gradativo de todas as atrações mundanas e temporais, perecíveis e fugazes. “A lei eterna ordena então de desviar seu amor das coisas temporais e de torná-lo, assim purificado, em direção às coisas eternas”. • Nesse sentido, o que está prescrito por esta lei é o que deve ser em absoluto. Tudo deve estar conforme ao conteúdo desta lei, porque é ela o mandamento maior de vida, e é em seu rastro que se pode alcançar a perfeição. Nesse sentido, a busca do eterno significa trilhar caminhos guiados pela lei eterna; governar-se é deixar-se governar pela lei eterna. Santo Agostinho • Diferentemente, a lei temporal não se preocupa, ao menos diretamente, com o bem-estar da alma em si e por si. Para ela é indiferente o caminho trilhado pelo homem, desde que não transgrida seus ditames. Dessa forma, a lei humana ou temporal, ao preocupar-se somente com o roubo ou não dos bens materiais, simplesmente é indiferente à paixão pelos mesmos, o que significa que se basta em salvaguardar o governo civil, por meio da ordenação da conduta social. Não se trata, portanto, de a lei humana preocupar-se com o governo da alma nos trilhos da virtude, mas com o governo da alma fora da ilegalidade e da transgressão. • Enfim, o que se deve reter é o fato de que a lei humana recrimina crimes o suficiente para promover a paz social.Ou seja, somente o que é absolutamente indispensável para salvaguardar a paz social interessa diretamente como conteúdo de uma lei humana. Santo Agostinho • Agostinho está preocupado não só com o relacionamento da lei eterna com a humana, de modo que a eterna se veja cada vez mais presente e imiscuída na realidade das leis humanas. • Agostinho quer mesmo salvaguardar a noção de que o Direito só possa ser dito Direito, quando seus mandamentos coincidirem com mandamentos de justiça. • Conceber o Direito dissociado da justiça é conceber um conjunto de atividades institucionais humanas que se encontram dissociadas dos anseios de justiça. Mais que isso: “Suprimida a justiça que são os grandes reinos senão vastos latrocínios? Santo Agostinho • o governo deve guiar-se para a condução da coisa pública, e seu distanciamento desta significa a recondução para interesses outros que não os comuns a todos, mas puramente pessoais, egoísticos. • Todo governo deve pautar-se nos preceitos da lex divina, para ser categorizado à conta de governo justo; dissociar governo e divindade é fazer do poder temporal um poder vazio, destituído de sentido, ou mesmo esvaziado de finalidade superior, que não aquelas egoísticas que possam mover um, poucos ou muitos, conforme o número dos ocupantes do poder público, à condução da coisa pública. • A busca da pax aeterna preenche de fins o poder secular justo. Santo Agostinho • O governo de direito é o governo justo, em que a justiça é o dar a cada um o que é seu (suum cuirque tribuere). • Essa virtude que sabe atribuir a cada um o que é seu é uma virtude que coordena interesses e vontades, estabelecendo a ordem. • Não há república sem ordem, não há ordem sem direito, não há direito sem justiça. Quebrar essa ordem estabelecida representa mesmo quebrar a ordem de Deus, atribuindo algo a alguém que disto não é merecedor; na distribuição do que é devido a cada um, deve haver equilíbrio e sobriedade, ou, ainda, sabedoria prática. • Atribuir algo a alguém a quem não deva ser dado, deixando-se, portanto, de atribuir algo que a alguém é devido, nesta medida, é ser injusto. • A justiça, portanto, tem a ver com ordem, da razão sobre as paixões, das virtudes sobre os vícios, de Deus sobre o homem. Santo Agostinho • Sabendo-se que o homem é mais que corpo, e não simplesmente alma, mas união de corpo e alma, o sentido a ser imprimido à vida humana não deve ser outro senão o do cultivo da alma para a vida eterna. • Nesse sentido é que se pode concluir que Deus preenche a existência humana, à medida que a vida eterna é o destino de toda alma por Ele criada; galgar o pax aeterna é o destino de toda alma. Assim é que se pode dizer que a alma é a vida do corpo, e que Deus é a vida bem-aventurada do homem Santo Agostinho • As almas criadas por Deus vivem, agem, erram, desviam-se, e é segundo uma norma de justiça que serão julgadas. Trata-se da justiça divina, que governa sua atuação, que pauta seus julgamentos, tendo por base duas nuances: (1) de um lado, a lei divina (lex aeterna), que prescreve determinado comportamento (“não matarás”; “não desejarás a mulher do outro”; “não cometerás adultério”; “não roubarás”; “amarás a teu próximo como a ti mesmo” etc.); (2) de outro lado, o livre-arbítrio (liberum arbitrium) do homem no sentido da autocondução de sua vida, podendo escolher entre fazer e não fazer. Santo Agostinho • Ou seja, onde há liberum arbitrium há a possibilidade de escolha, e é segundo essa escolha que cada qual será julgado. • Nas obras de cada homem pode-se identificar o que fez de bom e de ruim, e, nesse sentido, as obras são a identidade da alma. • A conclusão não é outra senão a de que toda alma, a partir do conjunto de seus comportamentos, forja seu próprio destino, sobre o que Deus não possui nenhuma influência imediata e determinada. • O destino não é dado a cada um, mas por cada um construído de acordo com suas obras. É assim que o Julgamento da alma se fará de acordo com suas obras, de acordo com o que cada um faz ou fez, a partir do exercício de seu próprio livre-arbítrio. • Eis o ponto em que a justiça esbarra na questão da remissão dos pecados. Santo Agostinho • Tendo a política humana esse compromisso com o divino, o Estado passa a ser, portanto, o meio para a realização da lei eterna. • A corrupção da alma humana é que impede o implemento imediato da ordem eterna sobre as coisas humanas. Se existe uma ordem divina, e se esta é desejada, pelo bem que é capaz de produzir, ela só não é alcançada pelo fato de que o homem é incapaz de se fazer conduzir por ela. Nesse sentido, o implemento dos ideais cristãos favorece o crescimento da ordem divina, o que significa um galgar paulatino em direção à realização da união definitiva da ordem humana com a ordem divina, e, portanto, da identificação da lei humana com a lei divina. • Tem-se, pois, que a política humana deve refletir o anseio de perseguir a junção eterna das almas com Deus, daí o compromisso teocrático do Estado na teoria agostiniana. Santo Agostinho • A lei humana, temporal, voltada para a ordenação do homem em sociedade tem por finalidade a realização da paz social, secular, temporal. A lei eterna, a realização da paz eterna. Lei humana e lei eterna se adequarão em objetivos e finalidades – e é isto que dá a entender Augustinus –, quando do advento da Cidade de Deus, que ocasionará a ruptura com o estado de coisas em que vive o homem dissociado de Deus, única forma de conter-se e pôr fim ao espírito mundano que governa a coisa pública e as instituições humanas. • Em suma, ateoria de Agostinho é tão significativa para o espírito medieval quanto o será a teoria de Santo Tomás de Aquino. São Tomás de Aquino São Tomás de Aquino • A filosofia de Santo Tomás de Aquino (1225- 1274) encontra-se estrutural e visceralmente comprometida com os Sagrados Escritos, de um lado, e com o pensamento aristotélico, de outro. • Sua doutrina converte-se num foco de dispersão de uma nova forma de conceber o conhecimento, aliando fé e razão. São Tomás de Aquino • Nesse caso, o estudo dos conceitos de direito (iure) e de justiça (iustitia) faz-se como parte de um estudo que se volta para o conjunto de interesses dos homens; • O tema da justiça em Santo Tomás de Aquino é um problema ligado à ação humana, à práxis, à virtude que sabe atribuir a cada um o seu; aqui nada há sobre uma justiça intangível. Isso, porém, não impede que a preocupação tomista com as regras divinas lhe faça dissertar sobre a lei divina, como se verá. São Tomás de Aquino • em Santo Tomás, o homem é composto de corpo (corpus) e alma (anima), sendo o primeiro a matéria perecível que colabora para o aperfeiçoamento da alma, esta criada por Deus. Do mesmo modo como a potência está para o ato, a alma está para o corpo; a alma é incorruptível, imaterial e imortal, enquanto o corpo é corruptível, material e mortal. A alma, porém, preenche de vida não somente o homem; animais e vegetais também possuem alma, e é esta que, com graus diferenciados, com potências e faculdades diferenciadas, permite se diferenciem os seres entre si na escala natural. • É a faculdade intelectual que particulariza o homem em meio aos outros seres dotados de alma. São Tomás de Aquino • O homem (animal racional) vale-se de sua razão em sua vida prática, seja para realizar tarefas, seja para encontrar soluções, seja para sobreviver, seja para desenvolver técnicas, seja para defender- se… sobretudo em função de suas experiências sensoriais. • Deus não determinou o homem como escravo de um destino absoluto, o que oprimiria sua liberdade de ser, de decidir e de agir; ao contrário, na teoria tomista, Deus lançou no homem, como motor universal que é (Motor Imóvel), a vontade para que siga no sentido do Bem (o próprio Deus), podendo escolher livremente os meios para a realização deste Bem. • Neste sentido é que se pode dizer que a razão prática é o instrumento de que se vale o homem para eleger meios para o alcance de fins, estes também livremente por si escolhidos. São Tomás de Aquino • A liberdade consiste exatamente na possibilidade humana de escolha entre inúmeros valores que se apresentam como aptos à realização de um bem; valores diametralmente opostos candidatam-se a oferecer maior felicidade, se perseguidos. • Assim, a possibilidade de escolha deita-se sobre a verdade real (aquilo que realmente é um bem) ou a verdade aparente (aquilo que parece ser um bem), o que comprova a existência do livre arbítrio (liberum arbitrium), ou seja, da capacidade de julgar aquilo que é certo e aquilo que é errado, aquilo que é justo e aquilo que é injusto. São Tomás de Aquino • A atividade ética consiste exatamente em, por meio da razão prática, discernir o mal do bem e executar o escolhido mediante a vontade, destinando-se atos e comportamentos para determinado fim, que é o bem (o télos da filosofia aristotélica). • O ato moral de escolha do bem, e de repúdio do mal (bonum faciendum et male vitandum), consiste numa atividade racional à medida que os melhores meios se escolhem pela experiência, direcionando-se para a realização do bem vislumbrado também pela razão. São Tomás de Aquino • A sociedade civil carece de ética, uma vez que o próprio convívio dos seres racionais já representa uma eleição de um fim (Bem Comum) e dos meios (Sociedade Civil) para o alcance deste fim; é a razão prática que indica o caminho para o convívio social (societas). • A sociedade deve ser dirigida por uma autoridade que deverá ser prudente na escolha dos meios que conduzirão ao Bem Comum. São Tomás de Aquino • O governo de si para o homem será guiar-se por princípios extraídos da experiência, que formam o que se pode chamar de uma lei natural, verdadeiro hábito interior. Esta lei natural apresenta características básicas, a saber: (a) trata-se de uma lei racional,uma vez que é fruto da razão prática e sinderética do homem; (b) trata-se de uma lei rudimentar: só pode ser considerada como princípio norteador ou origem do direito, não correspondendo a sua totalidade; (c) trata-se de uma lei insuficiente e incompleta: necessita da lei humana (positiva), para a qual representa uma diretriz, para efetivar-se. • Isso já permite dizer que a lei natural, atuando somente como forma de governo do homem por si mesmo, não basta. Em outras palavras, ética não é a única forma de controle e regramento do comportamento em sociedade. Assim, de uma relação de débito recíproco entre o homem, seu semelhante e a comunidade, surge a justiça dentro da comunidade civil. São Tomás de Aquino • O ato de justiça consiste em dar a cada um o que é seu. Com isso, o ato de justiça torna-se o ato habitual de dar, com vontade perpétua e constante, a cada um o que lhe pertence, nada a mais e nada a menos. • Mais que isso, a igualdade aqui não é uma igualdade entre coisas, ou de coisas com pessoas, mas entre pessoas; a justiça é uma relação de igualdade entre pessoas. São Tomás de Aquino • Nela reside o esplendor da virtude, diz Tomás de Aquino. • A justiça não tem a ver com um exercício do intelecto especulativo, puramente reflexivo; a justiça é, pelo contrário, um hábito, portanto, uma prática, que atribui a cada um o seu, à medida que cada um possui uma medida, e que nem todos são materialmente iguais. • A justiça tem a ver com uma atividade da razão prática, de discernir o meu do seu, e o seu do meu. Mais que isso, a justiça não tem a ver com as paixões interiores, que são objeto das outras virtudes; a justiça é fundamentalmente um hábito à medida que pressupõe a exterioridade do comportamento, ou seja, de um comportamento que sabe atribuir a cada qual o seu. São Tomás de Aquino • A lei não possui um único sentido, mas vários, e isto porque a teoria tomista admite várias dimensões de leis. • Então, a lei ou é eterna, ou é natural, ou é das gentes, ou é humana. É essa classificação basilar para a compreensão dos desdobramentos do tema da justiça na teoria tomista. • Assim, de maneira sucinta, quando se fala em lex podem-se detectar as seguintes categorias: lei eterna: é a lei promulgada para Deus e que tudo ordena, em tudo está, tudo rege; lei natural: trata- se de uma lei comum a homens e animais; lei comum a todas as gentes: trata-se de uma lei racional, extraída da lei natural, no entanto, comum somente a todos os homens; lei humana: trata-se de uma lei puramente convencional e relativa, assim como altamente contingente, e que deve procurar refletir o conteúdo das leis eterna e natural. São Tomás de Aquino • O jusnaturalismo tomista não vislumbra na natureza um código imutável incondicionado e absoluto, mas uma justiça variável e contingente como a razão humana. E é a partir das leis naturais, apreendidas pelo homem, em sua variabilidade, que surge a chamada justiça das gentes, ou seja, como uma derivação racional da lei natural comum a todos os povos. São Tomás de Aquino • No entanto, o simples fato de uma lei positiva não estar de acordo com a lei natural não justifica a desobediência ao que foi criado pelo homem; • A desobediência só se justifica, para Tomás de Aquino, quando houver um entrechoque entre a lei humana e a lei eterna. Em poucas palavras, a desobediência à lei humana só se justifica se representar a lei humana uma afronta da lei divina, a lei eterna conhecida pelo homem, caso contrário deve ser imperativamente obedecida. São Tomás de Aquino • Assim, pode-sedizer, o ius positum é derivado do justo natural. Ou ainda, o justo natural é o parâmetro para atuação do legislador positivo. • É absolutamente imprescindível sua existência em função da necessidade de aplicação da justiça inter homines. • O direito natural, que pela experiência natural o homem conhece, é insuficiente, necessitando de leis positivas complementares, leis que tornam concreto o que na natureza reside (lex, o direito escrito); essas acompanham as variações da natureza humana, suas imperfeições e as contingências oriundas da limitação do saber racional. • O direito positivo, se adequado ao direito natural, é um benefício para a comunidade civil, mas se estiver baseado na perversão da reta razão (recta ratio), sendo-lhe uma corruptela, um desvirtuamento, um conjunto de regras de autoridade que servem a um ou a poucos, perderá sua força coativa dada pela natureza (Sum. Theol., I-II, q. 96, art. 4), preservando somente a que lhe é dada por convenção. São Tomás de Aquino • A atividade do juiz consiste na efetivação da justiça; é ele dito a justiça encarnada, ou a justiça viva, não por outro motivo. • No pensamento tomista, há que ser considerado o fato de que o ato de julgar é um ato de individualização da lei; no julgamento, portanto, deve estar presente o mesmo conteúdo de coação que aquele presente na lei. Assim é que se pode dizer: • “A sentença do juiz é uma como lei particular aplicada a um fato particular. E, portanto, assim como a lei geral deve ter força coativa, como claramente diz o Filósofo, assim também a sentença do juiz deve ter força coativa para obrigar ambas as partes a lhe obedecerem; do contrário ela não seria eficaz.”
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