Buscar

Parâmetros curriculares nacionais _ Revista Emília

Prévia do material em texto

20/04/2019 Parâmetros curriculares nacionais | Revista Emília
revistaemilia.com.br/parametros-curriculares-nacionais/ 1/3
Parâmetros curriculares
nacionais
POR DOLORES PRADES | 16 DE NOVEMBRO DE 2012 | POLÊMICAS E REFLEXÕES |
Os temas transversais foram incorporados aos parâmetros curriculares nacionais (LDBEN 9394/96) com o
intuito de introduzir e garantir a discussão de temas sociais na escola. O objetivo: formar cidadãos munidos de
valores básicos para uma boa vivência e convivência no mundo democrático contemporâneo. Para isto, visava-
se o contexto – daí a sua ramificação por todas as disciplinas – e uma preocupação unificadora de implantação
de um discurso democrático, mas dominante.
Em vigor há mais de uma década, os temas transversais têm orientado a atuação de professores e editores
preocupados com o desempenho de seus produtos na escola. Se não é difícil compreender as motivações que
originaram a incorporação dos temas transversais, que tomaram a escola como formadora de cidadania –
totalmente de acordo com o momento histórico de abertura democrática – o mesmo não ocorre quando se trata
de verificar o resultado desta implantação.
A “nova escola” enfrentou dificuldades para implantar mecanicamente valores nem sempre incorporados à vida
dos educadores, à vida das famílias, aos materiais didáticos e não didáticos e aos conteúdos culturais
dominantes. Independentemente do acerto ou não da implantação dos temas transversais, que não cabe discutir
aqui, a questão é o esvaziamento de conteúdo, quando se trata de transmitir conteúdos éticos e filosóficos. Pois
é disso que se trata.
A artificialidade e banalização se impõem e no lugar da coerência e convicção, que podem gerar exemplos de
comportamentos, temos o tratamento vazio de conteúdos e princípios de construção de visões de mundo. O
mesmo ocorre quando se fala em formação leitora e no papel dos mediadores. Tais transmissões não se dão
mecanicamente e nem podem ser vistas como atividades de caráter técnico. Estão em jogo escolhas,
sensibilidades, compromissos que remetem a um universo muito mais amplo que o do conhecimento ou da
“técnica”.
Tenho falado da necessidade de dar um salto, ou talvez de forma um pouco mais modesta, subir alguns
degraus, na discussão da formação leitora, que concentra e mobiliza tantas energias e esforços. E tendo a ir por
este caminho que tem muito para ser explorado. Daí as boas surpresas quando damos de cara com reflexões
que indicam direções originais e instigantes. Este é o caso de uma entrevista de Josefina Ludmer, “Crisis y
transformación”, publicada no Suplemento literário do jornal argentino el Clarín.
Crítica da cultura, Ludmer elaborou o conceito de “escrituras posautónomas” para se referir às práticas literárias
contemporâneas, às “novas escrituras”, que marcam as mudanças trazidas pela tecnologia nas formas de
escrever e de ler, a partir dos anos 80. Com base nesse referencial teórico, a autora mostra as diferenças entre
http://revistaemilia.com.br/author/dolores-prades/
http://revistaemilia.com.br/categorias/polemicas-e-reflexoes/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm
http://www.revistaenie.clarin.com/edicion-impresa/Josefina-Ludmer-Entrevista_0_799720067.html
20/04/2019 Parâmetros curriculares nacionais | Revista Emília
revistaemilia.com.br/parametros-curriculares-nacionais/ 2/3
as formas de leituras atuais e as de 30 anos atrás. E afirma que “uma mudança na tecnologia da escrita é uma
mudança na literatura. O surgimento da escrita eletrônica […] transformou a literatura: mudou a produção do
livro, as maneiras de ler e circular e, por tanto, a construção da realidade e de sentido.” E continua, dizendo que
hoje se lê: “De maneira muito mais superficial, no sentido de que as escritas são muito mais planas. Buscam
sujeitos e experiências, mais do que construção de um mundo.”
E falando dos escritores afirma: “Se despolitizou a figura do escritor, não necessariamente a literatura, que é um
instrumento de produção da realidade, e essa é a sua política. Hoje o escritor se transformou em um
personagem midiático. […] Antes se lia primeiro e depois se ia atrás do escritor. […] A figura do escritor não é
mais a do gênio inspirado do século XIX. Isto está vinculado à própria profissionalização.” E por conta disto tudo,
uma das chaves fornecidas por Ludmer, se referindo à literatura no mundo atual, é que nela “não funcionam
[mais] os critérios e as categorias com as quais líamos as literaturas clássicas.”
É necessário, sem dúvida, adentrar e entender melhor o pensamento da autora, no entanto, estamos diante de
uma interpretação sensível às mudanças e transformações que nem sempre a nossa proximidade com os fatos
permite enxergar. Que a chamada produção literária atual difere do que conhecemos como clássico, que o papel
do escritor mudou, que a tecnologia está interferindo nas formas de ler e escrever, são fatos. É necessário olhar
para esta realidade com olhos críticos e com certo distanciamento. Daí a importância de buscar novas
categorias e conceitos que deem conta dos fenômenos que só empiricamente mantém uma relação com o
passado.
O que tudo isso tem a ver com os temas transversais? Aparentemente a conexão pode parecer distante, mas
se retomarmos a questão acima referida, da artificialidade e banalização que corresponde a um esvaziamento
de conteúdos no mundo em que vivemos, ou nas palavras de Ludmer, a “maneira superficial”, à “despolitizacão”,
temos algumas chaves importantes. O que está em questão não são nem os conteúdos para formar cidadãos –
todos eles presentes, na sua melhor dimensão humana, na literatura, desde sempre –, nem a discussão de
como formar leitores. O que está em questão é o tipo de visão de mundo produzida na contemporaneidade,
responsável por pautar, entre muitas outras coisas, a sensibilidade, o gosto, o posicionamento diante do mundo,
diante do outro.
Foco nos “sujeitos e experiências” versus “construção de mundos”, sentidos diferentes que produzem seres
sociais diferentes. Mais ou menos comprometidos, mais ou menos intensos, mais ou menos sensíveis, mais ou
menos aptos a se aprofundar, mais ou menos conformados, mais ou menos exigentes.
Muitos dos valores democráticos, vigentes nos parâmetros, se chocam no dia a dia com preconceitos
ideológicos (religiosas, culturais etc.) profundos, que mudam o sentido das práticas e das ações daqueles que
estão lá para transmiti-los. O mesmo se dá com os leitores que, sem dúvida, são cada vez em maior número,
como mostra a lista dos mais vendidos e os números crescentes das pesquisas no Brasil. Mas o que se lê? Em
que campo da cultura (e que cultura?) se inserem a maioria dos leitores? Pois a construção do gosto pela leitura
anda de mãos dadas com o gosto musical, teatral, artístico. Mas também do próprio sentido que se dá ao tempo
livre que, se para os gregos era o ócio – momento privilegiado da razão –, no mundo contemporâneo está, em
grande parte, direcionado pelas grandes indústrias do entretenimento.
Retomando Pedro de Almeida e tentando responder a sua indagação sobre os efeitos da transversalidade, não
se trata de uma questão de método, se assim fosse seria muito mais fácil. A solidez do caráter da criança ou a
20/04/2019 Parâmetros curriculares nacionais | Revista Emília
revistaemilia.com.br/parametros-curriculares-nacionais/ 3/3
possibilidade dele se converter em um futuro leitor literário dependem mais da autonomia e do espírito crítico, do
que exemplos de práticas que buscam a coerência com o discurso podem fomentar.
É o que temos. Uma discussão que pode parecer paralela, mas como diz Emília Gallego: “Sim, é para tanto,
para muito e muito mais. Toda preocupação e ocupação é pouca, porque o que está em jogo é o destino dos
valores que, intangíveis ou não, suportam nos seus ombros o destino da nossa humanidade.”
 
Imagem Diego Bianchi

Continue navegando