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Caso Marcos Marcos é um servidor público de 29 anos que trabalha no poder judiciário e mora com os pais. É formado em Direito e cursa uma especialização lato sensu em sua área. Faz musculação em uma academia cinco vezes por semana e joga futebol aos sábados. Veio à terapia queixando-se de estar em uma “sinuca de bico”. Marcos namora Paula (28 anos) há três anos. Eles se conheceram em um curso preparatório para concursos públicos. Marcos relata que sua namorada é muito ciumenta, possessiva e agressiva. Além disso, no último ano do namoro, ela tem cobrado constantemente “um compromisso mais sério”, isto é, que se casem, ou que, pelo menos, noivem. O cliente relata não querer mais continuar com o relacionamento, desejando “escapar” do casamento a qualquer custo. Entretanto, não consegue romper com Paula, relatando as seguintes razões: “Não quero quebrar minha coerência. Você sabe, no início do namoro, apaixonado, a gente fala muitas coisas que depois se arrepende. Então, eu falei que a amaria para sempre, que ela era a mulher da minha vida, que queria se casar com ela, etc. Como é que agora, de uma hora para outra, digo que não a amo mais e que quero terminar? Além disso... eu sei que não... mas há vezes que penso que ela vai morrer ou fazer alguma besteira se eu terminar. Ela é tão nervosa e tão dependente de mim que eu fico preocupado”. De fato, em algumas brigas em que Marcos sugeriu que interrompessem temporariamente o namoro (“dessem um tempo”), Paula teve atitudes extremas, como sair correndo sozinha de um bar onde estavam, de madrugada em um lugar perigoso, e ameaçar pular do carro em movimento. Marcos, desde que começou a flertar com 14 anos, nunca ficou solteiro. Sempre “emendava” um relacionamento em outro e, em geral, traía a sua namorada do momento com a seguinte. Ele teve mais três namoros com duração superior a um ano e meio. Relatou ter passado por situações similares nos outros namoros, querendo terminar e não conseguindo. Essas relações duraram mais do que Marcos gostaria, e ele somente conseguiu rompê-las quando se envolveu com outra pessoa. Os poucos amigos de Marcos estão todos comprometidos, e ele não tem com quem sair caso fique sozinho. Afirma ser muito tímido para fazer amigos, apesar de ter uma excelente fluência verbal e conseguir falar sobre diversos assuntos quando já conhece a pessoa. Marcos não parece ter problemas para conseguir parceiras, uma vez que sempre manteve casos fora do relacionamento. Entretanto, relatou que, desde criança, se achou inferior aos outros. Achava-se feio, sem graça, muito magro, cabelo esquisito, dentes tortos, etc. Toda situação de conquista o fazia se sentir melhor. Relatava que só sentia que tinha valor quando alguém queria ficar com ele. As suas investidas amorosas realmente não foram bem-sucedidas em sua adolescência: seus amigos costumavam ter seus flertes bem-sucedidos e se vangloriavam disso, enquanto Marcos experimentou algumas rejeições dolorosas. Apesar de não relatar sentir culpa pelas traições, Marcos relata que queria mais liberdade para viver esses casos: “Eu pegaria muito mais mulher se não estivesse encoleirado”. Ele também relata invejar os homens solteiros na atualidade que podem conhecer inúmeras mulheres por meio de aplicativos de celular. Algumas das mulheres que conheceu ao trair a sua namorada eram, segundo ele, muito interessantes, e ele as teria perdido por estar namorando. Para conseguir manter sua infidelidade em segredo, Marcos inventa todo o tipo de desculpa para sair sozinho. Costuma deixar sua namorada em casa cedo para sair com outras mulheres depois. É extremamente cuidadoso com o celular, nunca o deixa disponível para que Paula não comece a mexer no aparelho. Além disso, está sempre apagando as chamadas e as mensagens. Só leva suas amantes para locais onde não possa ser identificado por alguém conhecido. É extremamente vigilante quanto às redes sociais, apagando imediatamente qualquer postagem que possa comprometê-lo. Marcos também relata que gostaria de passar mais tempo com seus amigos, mas como Paula exige muito a sua presença, ele não consegue vê-los com a frequência que gostaria. Relata que adora encontrar seus amigos e contar seus casos de infidelidade. Seus amigos riem muito das suas histórias e chamam-no de “canalha, calhorda, garanhão, pegador, ‘com mel’, etc.”. Diante de questionamentos acerca das consequências de curto e longo prazo de seus comportamentos, Marcos começa a chorar, dizendo que é “um monstro mesmo”, “que não tem jeito” e “que arrasa com a vida de quem gosta dele”. Fica repetindo isso até que a psicóloga mude de assunto. Já elogiou a aparência e as roupas da psicóloga algumas vezes, puxando assuntos cotidianos com ela. Praticamente em toda sessão, leva um chocolate ou outro doce para a profissional. Além disso, em uma sessão, Marcos emitiu as seguintes falas: “Se minha namorada fosse como você, assim, uma mulher controlada, decidida e compreensiva, eu gostaria muito mais dela” e “Se eu encontrasse você num bar, certamente ia te passar uma cantada”. Marcos também fala de si mesmo em muitas sessões de forma sedutora (olhares e expressões corporais), como se estivesse se vangloriando das mulheres que conquista. Marcos explica a sua infidelidade dizendo que se sente mais homem ao trair. Teve vários namoros longos e sempre traiu suas namoradas. Aprendeu a admirar homens assim. Seu pai traia sua mãe com frequência. Quando bebia, seu pai contava seus casos para os filhos e sobrinhos homens, dizendo: “Eu sei que é errado, mas homem é assim mesmo. Se pintar uma gostosa, você vai dar para trás?”. Marcos e seus irmãos gargalhavam quando o pai contava essas histórias. Ele também fala com um sutil sorriso no canto da boca que trai sua namorada porque ela briga demais com ele, é como se fosse uma forma de se vingar de sua agressividade. Outra razão apontada foi a de que “precisava experimentar outras pessoas” para testar o seu amor por Paula: “Só chifro para ver se é dela mesmo que eu gosto”. Apesar da conivência com o pai, Marcos tem uma forte relação de afeto com a mãe, que, segundo seus relatos, parece muito com a namorada do ponto de vista comportamental: controladora, possessiva e agressiva. Ele frequentemente abre mão do que gostaria de fazer quando sua mãe e Paula ficam contrariadas. Já deixou de sair sozinho várias vezes com seus amigos quando Paula reclamou. Em uma oportunidade, chegou a negociar a compra de uma motocicleta de um amigo e desistiu do negócio quando sua mãe o proibiu. Marcos relatou trocar as palavras “amor” por “mãe” e “mãe” por “amor” com muita frequência. Em algumas dessas vezes, elas, a mãe e a namorada, nem notaram a troca; em outras, brigaram com ele. Introdução O seguinte trabalho tem como proposta conceituar um caso clínico a partir do modelo cognitivo-comportamental, bem como sugerir algumas formas de intervenção com a finalidade de promover uma maior qualidade de vida para o paciente. Trata-se, portanto, de um trabalho que visa abranger todos os aspectos que constituem um processo psicoterapêutico com base no modelo citado, a fim de compreender e associar com o conteúdo da disciplina “análise e modificação do comportamento”. A conceituação cognitiva possui uma importância vital na Terapia Cognitivo Comportamental, estando presente no processo terapêutico desde a primeira sessão e perdurando durante todo o trabalho. Construída por um processo conjunto entre cliente e terapeuta, ela permite, ao mesmo tempo, a compreensão do caso e a adesão do cliente ao longo do tratamento. Como afirma Beck: “A conceituação de um paciente em termos cognitivos é crucial para a determinação de um curso de tratamento mais eficiente e efetivo. Ela também auxilia no desenvolvimento da empatia, um ingrediente essencial para o estabelecimento de uma boa relação de trabalho com o paciente. (...) Novamente, a conceituação começa desde o primeiro contato, e é um processo contínuo. Você baseia as suas hipóteses nas informações que coletou com o paciente, usando explicaçõesmais cuidadosas e evitando interpretações e inferências que não estejam baseadas claramente em dados reais. Você irá conferir a conceituação com o paciente em momentos estratégicos não somente para se assegurar de que ela é adequada, mas também para ajudar o paciente a entender a si e aos outros. A sua conceituação sempre está sujeita a modificações à medida que você toma conhecimento de novos dados que o levarão a confirmar, refinar ou descartar suas hipóteses anteriores.” (Beck, 2013, p. 64) Com isto em mente, damos início ao desafio de, pela primeira vez, fazer uma conceituação cognitiva com base no caso dado, visando dar conta de compreender o que se passa com o cliente Marcos e de que maneira a Terapia Cognitivo Comportamental pode auxiliá-lo em sua demanda. Diagnóstico/sintomas A partir das consultas análises e, segundo o livro do DSM-V, atribui-se ao paciente o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Dependente (301.6/ F60.7) tendo em vista a compatibilidade com os sintomas descritos: Afligindo com maior frequência indivíduos do sexo masculino há, em Marcos, um padrão altamente persistente e com longa duração (desde os seus 14 anos de idade) de traições que, também, são a única via para que o paciente sinta-se “preenchido” e a qual ele utiliza para sair de relacionamentos e “desembocar” em outros rapidamente, sendo assim, por ocorrência de tal, este padrão persistente provoca sofrimento e prejuízo no funcionamento social e profissional da vida do indivíduo. Faz-se como ponto citável, ademais, os conjuntos de traços mal adaptativos devido o histórico da infância/adolescência no que diz respeito às influências do pai, amigos e o bullying sofrido, fatores que afetam as cognições de Marcos, ou seja, a forma como ele percebe a si mesmo, pessoas e eventos distorcidos e variável conforme as emoções do momento. Há uma necessidade difusa e excessiva de ser cuidado que leva ao comportamento de submissão e apego que surge, mais concomitantemente, no início da vida adulta, como vemos na relação com a mãe do paciente, na confusão de estabelecimento de critérios amorosos entre mãe/namorada e no abrir de mão de suas demandas para atender a estas duas figuras, caracterizando este aspecto como dificuldade em manifestar desacordo por medo de perder apoio e aprovação. Em contrapartida, de mesmo modo que tem medo de perder essa aprovação citada acima, utiliza das mais diversas traições como extremos para obter carinho e apoio alheios e, por tal e principalmente, encontra-se no histórico do paciente a busca com tamanha urgência por outro relacionamento como fonte de cuidado e amparo logo após um término, como citado acima com o “desembocar” em outro relacionamento, logo em seguida, com medo de ser “abandonado” e relembrar os tempos de escola, quando era, em suas palavras, fracassado em suas paqueras, por tal, afirma-se esse sintoma ao utilizar uma máscara fictícia ao afirmar para a analista que este fator acontece porque ele precisa constatar se ama, realmente, sua namorada atual. O paciente adere ao aspecto de que precisa que os outros assumam parte da responsabilidade pelos principais acontecimentos da sua vida, como uma via de escape. Marcos apresenta certas ansiedades em relação a não conseguir resolver sua queixa, com a sensação de que as coisas lhe fogem ao controle, o que resulta em um desconforto/desamparo e alta dificuldade de tomar decisões que cheguem perto do assunto relacionado à sua queixa de terminar com a namorada ou assumir o noivado, levando-o à demasiada necessidade de conselhos e orientações. Influências do desenvolvimento Grande parte da influência identificada na fala de Marcos deu-se através da construção do conceito de masculinidade e por ter nascido na década de 90, década essa, impregnada pelo machismo nas práticas sociais, nas quais se destacam a família, a escola e a mídia. “Seu pai traía sua mãe com frequência. Quando bebia, seu pai contava seus casos para os filhos e sobrinhos homens, dizendo “eu sei que é errado, mas homem é assim mesmo. Se pintar uma gostosa, você vai dar pra trás?”. Relatos como esses, servem de exemplificação de ensinamento cultural, na qual vemos ações pautadas em valores morais e sociais que são passados de pai para filho, evidenciando assim, uma crença de normalidade e afirmação de masculinidade. Além disso, Marcos frequenta academia e joga futebol, espaços de socialização marcadas pelo sexo masculino. Essas influências se dão desde a infância, na qual o indivíduo passa por momentos de aprendizado e modelagem, buscando assim, inseri-lo em um sistema no qual ele se sente representado e obtém benefícios. Nesse sentido, é possível afirmar que, no desenvolvimento de Marcos, a masculinidade foi um atributo constituído pelas representações sociais e culturais no ambiente de convívio social, portanto, as implicações dessa aprendizagem, ficam claras ao observar seu comportamento atual, uma vez que, desde criança, foi ensinado sobre como o homem deve agir de forma deplorável em relação às mulheres. Logo, sua existência passou a basear-se na busca pela validação de sua masculinidade, fazendo isso por meio da infidelidade. Além disso, a partir do relato que Marcos deu de sua mãe, fica claro que o comportamento controlador, possessivo e agressivo teve grande influência em seu desenvolvimento e resultou em um medo de rejeição, que o motiva a permanecer em relacionamentos no qual está insatisfeito, assim como o sacrifício de suas próprias vontades, priorizando sempre a vontade dos outros. Questões situacionais/interpessoais 1. Situacional/Interpessoal O cliente traz para a sessão a percepção de estar encurralado. Marcos não quer continuar o relacionamento, pois alega que sua companheira é extremamente possessiva e agressiva e, no último ano, tem cobrado um passo a mais no relacionamento: o casamento. Em contrapartida, argumenta não conseguir romper com o compromisso, já que isso o faria parecer incoerente, uma vez que, no início do namoro fez promessas de casamento e amor eterno. Embora já tenha tentado romper, não obteve sucesso por sempre ser induzido a permanecer no relacionamento pela companheira através de atitudes extremas contra a própria vida caso ele o fizesse. Identifica-se no paciente um grande medo de sentir-se incoerente com as próprias falas. Uma característica muito presente na masculinidade em que homem precisa honrar com suas palavras, assim como uma insegurança de ser responsável por algo de ruim acontecer com Paula, caso rompa com ela. 2. Situacional/Interpessoal Os poucos amigos que marcos possui estão comprometidos. Sendo assim, caso ele termine, ficaria sozinho. O paciente afirma ser tímido para fazer amigos, apesar da ótima verbalidade. Desde criança, Marcos se achava inferior aos outros devido sua baixa autoestima com a aparência, na sua adolescência sofreu algumas rejeições amorosas, mas ao decorrer do tempo se envolveu com várias outras mulheres enquanto namorava e afirma que as situações de conquista, o faz sentir melhor. Ter Paula ao seu lado enfatiza a necessidade de autoafirmação, já que Marcos não tolera a ideia de não ter alguém ali, desejando-o sempre que quiser, pois já sofreu com situações desagradáveis de rejeição. Inclusive, gosta de contar os casos de traição, assim como seu pai fazia, em prol da reafirmação através de comentários de seus amigos. 3. Situacional/Interpessoal Marcos emenda relacionamento desde os 14 anos e nunca consegue terminar os relacionamentos por si só, provocando sempre os términos se envolvendo com outras mulheres, não se permitindo assim, ficar solteiro, mesmo sentindo a necessidade de ter mais liberdade e invejando homens solteiros. Marcos sente a necessidade de ter a segurança que ter alguém o traz, por isso, muitas vezes abre mão do que gostaria de fazer para satisfazer os desejos da companheira. Fatores biológicos, genéticos e médicos Não identificamos na descrição do caso do paciente Marcos, fatores biológicos, genéticos e médicos. Pontos fortes/recursos Marcos é umapessoa dedicada no âmbito profissional, pois está se especializando na área de trabalho, mostrando, dessa forma, a intenção de melhorar em sua carreira. No âmbito pessoal, têm comprometimento com sua saúde física, como observado em suas constantes idas à academia, evidenciando também, o desejo de manter uma estética corporal que seja de seu agrado. Além disso, Marcos parece relacionar-se bem com os amigos, tem um bom convívio social, tendo em vista que, a todo momento, quer estar presente e fica triste com o distanciamento. Ele frequentemente abre mão do que gostaria de fazer quando sua mãe e namorada ficam contrariadas, ou seja, coloca a vontade delas acima da sua. Demonstrou sinal de arrependimento durante a psicoterapia na fala “eu sou um monstro” (recurso). Outro ponto forte que merece ser salientado em Marcos é sua disciplina nos quesitos profissional e cuidados com a saúde e aparência. Não simplesmente pelo empenho e dedicação, mas pela resiliência que tais atividades exigem. Pensamentos automáticos, emoções e comportamentos típicos Tendo em vista o modelo cognitivo, a situação/evento que se passa com o paciente Marcos, ou seja, a principal queixa, é a sensação de estar em uma “sinuca de bico”, por querer terminar com a namorada, mas apresenta vários fatores que o impedem da realização do fato, por tal apresenta os comportamentos típicos de traição contínua e recorrente e o vangloriar-se de modo demasiado das mulheres as quais corteja, além da frequente confusão, que resulta em troca dos nomes “amor” e “mãe”, fator explicado pelo próprio paciente pela questão de que as duas são muito parecidas. Marcos possui consciência de seus pensamentos e comportamentos automáticos, nos quais, em predominância, são negativos, de natureza que apresenta inferioridade e baixa autoestima (questões acentuadas pelas rejeições amorosas no passado), sendo assim, tais pensamentos distorcidos levaram Marcos a comportar-se de forma autodestrutiva e maléfica perante suas parceiras, já que os pensamentos automáticos alteraram seu comportamento de modo a sempre emendar relacionamentos desde os 14 anos, já que toda situação de conquista o fazia se sentir melhor e que, só sentia que tinha valor quando alguém queria ficar com ele (estratégia de enfrentamento depreciativa). Sendo assim, também colocamos a questão da inferioridade como uma crença nuclear. “(...) desde criança, se achou inferior aos outros. Achava-se feio, sem graça, muito magro, cabelo esquisito, dentes tortos, etc. Toda situação de conquista o fazia se sentir melhor). Relatava que só sentia que tinha valor quando alguém queria ficar com ele. As suas investidas amorosas realmente não foram bem-sucedidas em sua adolescência: seus amigos costumavam ter seus flertes bem-sucedidos e se vangloriavam disso, enquanto Marcos experimentou algumas rejeições dolorosas.” A partir destes paralelos com as influências do desenvolvimento e das questões situacionais e interpessoais de Marcos, vemos uma continuidade de pensamentos e comportamentos desadaptativos ao longo de sua vida, já que, corriqueiramente, conta dos seus casos de infidelidade aos seus amigos, que o chamam de “canalha, calhorda, garanhão, pegador, ‘com mel’, lidando com as inseguranças a respeito do seu complexo de inferioridade através do vangloriar-se das mulheres as quais se relaciona. Um dos pensamentos automáticos que percorre na cabeça de Marcos é a inveja que sente dos amigos solteiros, que podem encontrar garotas pelos aplicativos de relacionamento e o fato de que, ao trair, conheceu várias mulheres muito interessante e as perdeu por estar em um relacionamento. “(...) Ele também relata invejar os homens solteiros na atualidade que podem conhecer inúmeras mulheres por meio de aplicativos de celular. Algumas das mulheres que conheceu ao trair a sua namorada eram, segundo ele, muito interessantes, e ele as teria perdido por estar namorando. (...)” (...) Relata que adora encontrar seus amigos e contar seus casos de infidelidade. Seus amigos riem muito das suas histórias e chamam-no de “canalha, calhorda, garanhão, pegador, ‘com mel’, etc.”. (...). Ao que tudo indica, Marcos possui muitos pensamentos adaptativos e desadaptativos, que oscilam a cada momento, pois ao parar para pensar mais profundamente e quando questionado das consequências do que faz, o paciente chora, se caracteriza como um “monstro” e segue, demonstrando dessa forma a emoção de culpa e arrependimento: “Eu sou um monstro mesmo” “Não tenho jeito” “Eu arraso com a vida de quem gosta de mim”. Tais pensamentos automáticos acima podem ser caracterizados pelo as crenças nucleares globais, pois, quando a situação “aperta”, essa é a verdade absoluta que Marcos foca. Tendo em vista este pensamento automático, a reação comportamental que se sucedeu foi a vanglória, como já citado, entretanto, o paciente adere e sua postura sedutora também com a profissional psicóloga, presenteando-a com doces, elogiando e deixando claro qual seria a sua postura caso encontrasse ela em um bar. Se formos considerar o modelo de processamento de informação, vemos os seguintes fatores: Atitude: “Me sinto mais homem ao trair” Regra: “Não posso dispensar uma gostosa” (regra aprendida através do pai) Pressuposto: “Só chifro para ver se é dela mesmo que eu gosto” Os pensamentos intermediários e automáticos causam as seguintes reações: Emocional: necessidade autoafirmação com traições/ansiedade/medo de possível suicídio por parte da namorada, ansiedade, sensação de falta de controle. Fisiológica: tensão. Comportamental: traição. Esquemas subjacentes A partir da análise do caso, identificamos que Marcos possui várias crenças desadaptativas. A primeira é a de que trair é um comportamento comum, estando este, diretamente atribuído ao modelo de comportamento do pai. Em razão disso, Marcos não é capaz de assumir, de forma competente e independente um relacionamento monogâmico, pois além de trair a parceira, sempre “emenda” um relacionamento no outro e não consegue romper, mesmo estando infeliz. Além disso, o paciente crê que é necessário submeter-se ao controle dos outros para evitar consequências negativas, visto que, com frequência deixa de fazer o que quer porque sua mãe ou namorada discordaram. É evidente, portanto, que ele sofre com uma dependência, que se deu em função do comportamento controlador de sua mãe, tal qual contribuiu diretamente para o surgimento do quadro diagnosticado. Não obstante, com base no relato de que ele “só sentia que tinha valor quando alguém queria ficar com ele”, é possível identificar que, a busca por várias parceiras sexuais é motivada por uma crença de que a validação dos outros é necessária para ele se sentir bem consigo mesmo, haja vista que, desde criança se achou inferior em relação às outras pessoas. Por fim, fica claro a relação existente entre os esquemas cognitivos e a história de vida do paciente, haja vista que, a construção das crenças é desenvolvida desde a infância e aperfeiçoada ao longo da vida, sendo capaz de produzir o comportamento do indivíduo. No caso em questão, os esquemas cognitivos foram motivadores do transtorno diagnosticado, que será tratado por meio de uma alteração cognitiva no paciente. Hipóteses de trabalho Marcos sente uma enorme necessidade de validação para diminuir o sentimento de inferioridade que o acompanha desde sua adolescência, sentimento este, fruto da baixa autoestima construída por experiências amorosas mal sucedidas e por situações de bullying que sofria através de seus amigos em relação a sua aparência. Por isso, envolve-se com várias mulheres na tentativa de “compensar o tempo perdido” e conta suas histórias de traição para seus amigos com a finalidade de modificar essa imagem que foi construída pelas experiências passadas, buscando assim, a validação do seu valor perante eles. A traição, para o paciente Marcos, é algo extremamente habitual, uma vez que está relacionada à sua criação e, portanto, o seu aprendizado. Tal fato é explicado por suas experiênciasno cotidiano infantil, onde seu pai costumava trair sua mãe com frequência e contar de seus feitos para o filho, incentivando-o a envolver-se com mulheres quando elas demonstravam interesse. Tal influência fez com que Marcos não enxergue a situação como algo imoral perante os valores sociais, mas sim como uma necessidade de satisfazer seus desejos, para assim, conseguir continuar com o relacionamento e consequentemente, manter sua companheira feliz com o compromisso. O paciente advém de uma criação machista explicada por fatores como a década de seu nascimento e valores captados através de seu pai. Atualmente, ainda reforça essas ideias, pois frequenta ambientes de socialização majoritariamente masculinos, o que aumenta a possibilidade de manter crenças machistas em seu cotidiano e também reforçaria às duas hipóteses anteriores que estão diretamente ligadas ao reforçamento de masculinidade. O paciente reconhece que suas atitudes são nocivas para sua companheira e para si mesmo e, uma vez que questionado, chora e demonstra sentimentos de culpa. Acredita ser um caso perdido, pois não enxerga uma solução para suas questões, portanto, é envolvido por um sentimento de descontrole sobre sua situação e seu futuro. Ele vê sua companheira como alguém incapaz de viver sem ele, pressuposto que é reforçado por atitudes extremas da parte dela quando há uma ameaça de rompimento do relacionamento. Em paralelo a isso, sente-se na obrigação moral de manter o relacionamento por ter feito promessas de amor eterno, essa obrigação moral pode ser explicada também pela masculinidade, na qual homens são criados para honrar com suas palavras. Pode estar também, utilizando dessa justificativa de promessa para esconder um enorme medo de viver sem ela ao lado, mas como mantém uma imagem de “garanhão” e “desapegado”, não admite, nem para si mesmo, o papel que ela tem em sua vida. Outra hipótese levantada que, durante o trabalho poderá ser confirmada ou refutada, diz respeito às incoerências constatadas nas informações colhidas no processo de construção dessa conceituação que aqui fazemos. A hipótese é a de que a própria noção de liberdade que Marcos afirma tanto desejar pode estar associada a uma crença central constituída durante seu desenvolvimento, e encontrado amparo em exemplos ao longo da vida. Tais incoerências que nos levam a levantar tal hipótese se baseiam no fato de Marcos ter, desde os 14 anos, desperdiçado inúmeras oportunidades de “ficar livre” a cada fim de relacionamento. Isto parece apontar para algo que Marcos parece não se dar conta, a saber, que a coleira que os relacionamentos representam pode estar sendo colocada em seu pescoço por ele mesmo. Isto, diante das queixas que Marcos apresenta, já levanta uma suspeita a favor desta hipótese que levantamos, visto que ele abre mão da liberdade alcançada com o fim de um relacionamento ao “aprisionar-se” em outro. De maneira similar, a liberdade que ele afirma invejar dos solteiros que podem pegar outras mulheres também lhe escapa. Outro fator que parece sustentar a hipótese de sua ideia de liberdade não fazer frente aos fatos está na importância que Marcos atribui ao ato da “traição”. Como encontramos em diferentes partes de seu relato, para Marcos o trair está associado a “oportunidades” que lhe permitem “se sentir mais homem”, vangloriar-se para os amigos, tornar-se alguém admirável - visto que ele afirma admirar homens assim. Dessa maneira, a traição nos parece representar para Marcos um condição para que ele alcance um certo status que, segundo ele, “a desejada vida de solteiro” não lhe daria. Por fim, um último aspecto que levantamos nesse mesmo sentido é o fato de Marcos usar a traição como uma espécie de teste para saber se ele realmente gosta da pessoa com quem, segundo o relato que nos serve de base, ele está namorando há mais tempo dentro do histórico de relacionamentos apresentado. Ou seja, a sinuca de bico que Marcos traz como demanda, a qual o coloca entre o desejo de terminar o relacionamento cuja traição ainda serve de teste de confirmação e o desejo de liberdade impedido pela coerência que ele deseja manter consigo mesmo, também nos permite aventar essa possibilidade de seu desejo de liberdade não corresponder à realidade vivida por ele. Objetivos No início do processo terapêutico, foram estabelecidos objetivos de tratamento pelo terapeuta em conjunto com o paciente, no intuito de esclarecer a direção a ser tomada nas próximas sessões. Nesse sentido, as principais queixas do paciente foram utilizadas como recurso na elaboração dos objetivos. Em primeiro lugar, Marcos relatou constantemente a vontade de terminar o relacionamento com Paula, pois afirma que, solteiro poderia passar mais tempo com os amigos e se envolver livremente com outras mulheres. É evidente, portanto, a necessidade de uma melhora em sua auto-estima para alcançar esse objetivo, que se relaciona diretamente com a crença de se achar inferior em relação aos outros desde o período da adolescência. Além disso, afirmou também que gostaria de diminuir a ansiedade e que por essa razão buscou a psicoterapia. De modo geral, é possível compreender que a queixa de ansiedade está atribuída ao estresse diário de depender de sua mãe e namorada para tomar decisões. Essa falta de autonomia promove bastante sofrimento e como resultado, gera pensamentos automáticos desadaptativos, que por sua vez, agravam o quadro do transtorno diagnosticado. Diante dos principais objetivos citados, assim como das hipóteses levantadas durante o processo psicoterapêutico, o psicólogo irá definir o plano de tratamento que melhor se adequa às demandas do paciente, visando promover uma melhora em sua qualidade de vida. Plano de tratamento A priori, a frequência de comparecimento para as sessões de terapia foram colaborativamente combinadas para uma vez por semana, 60 minutos por sessão. Ao início de cada uma, serão feitas checagens de humor através do Inventário de Beck ou por meio de nota atribuída pelo próprio paciente para contextualização de emoções do momento e as que foram sentidas durante a semana. Após a checagem de humor, faz-se necessário o estabelecimento de uma “ponte” entre uma sessão e outra, retomando o que foi abordado na semana passada, o que será abordada na sessão presente e na sessão consecutiva, tendo em vista os espaçamentos de uma semana e falando acerca das lições de casa. Serão trabalhados os seguintes aspectos de Marcos, principalmente: a autoestima, tendo em vista a crença negativa que o paciente possui acerca dele próprio; a estratégia de enfrentamento de mascarar essa crença, aderindo, então, à postura sedutora para conseguir atenção (mesmo que o sofrimento permaneça e a “máscara” acabe por revelar mais do que esconder); estresse e ansiedade do paciente, a crença do desamor, e a incapacidade de resolver a queixa. Tendo em vista a necessidade de reestruturação cognitiva, as questões colocadas acima serão tratadas, principalmente, através do método do questionamento socrático, induzindo o paciente a responder seus próprios pensamentos e trazer evidências a favor e contra tais, além de ser implementado o registro de pensamentos disfuncionais, técnicas de habilidades sociais para melhor expressão do paciente, dinâmicas de grupo para o desenvolvimento da franqueza e habilidades comunicativas, treino e uso do exercício de reconhecimento de padrões pensamentos negativos/correção das convicções disfuncionais e a técnica do espectador ou observador distante no sentido das seguintes incitações: “Qual seria a reação de outra pessoa que não sentisse e nem pensasse como você?” “Qual conselho você daria para uma outra pessoa?”. A questão do estresse e ansiedade também precisam ser foco de atenção, por tal, serão usadas técnicas de enfrentamento do estresse no sentido de entender os elementos geradores, identificar os sentimentos envolvidos, encontrar alternativas de enfrentamento e controlar as respostas negativas e, no que diz respeito a ansiedade e angústia de não conseguirresolver a problemática, serão passadas, como lição de casa, técnicas de relaxamento progressivo dos músculos e exercícios de visualização de uma resolução para potencializar a percepção individual, aumentar a concentração e gerar sentimento de bem-estar, unindo esta técnica ao incentivo de melhor organização do dia, e leitura frequente dos cartões de enfrentamento feitos durante a sessão, amenizando, assim, as tensões e retomando a sensação de controle perante as áreas de vida. No que diz respeito à resolução da principal queixa do paciente, deverá ser realizado um “apanhado geral” de todas as possíveis soluções, discutir e analisar, concomitantemente, as vantagens e desvantagens de cada uma, utilizar o cartão de enfrentamento, colocar em prática e analisar os resultados de um experimento comportamental através do role-playing, tendo em vista de simular a situação real, podendo precaver-se de possíveis pensamentos e comportamentos sabotadores, desenvolvendo mais técnicas para lidar com tais, se este for o caso, como o uso do comando “pare”, por exemplo. Tratando do cartão de enfrentamento, ele será de uso essencial com o paciente, que deverá ser estimulado a colocar um despertador no celular que o lembre de ler o cartão sempre, por exemplo: Pensamento: Eu sou um monstro. Resposta Adaptativa: Eu fiz coisas erradas, mas estou em terapia para acertar as coisas agora. Desta vez, eu tenho apoio para resolver e estou fazendo o meu melhor para colaborar. As estratégias de tratamento descritas acima englobam a queixa principal do paciente, o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Dependente e os sintomas ocasionados por tal, como a dependência, incapacidade de não se envolver em um relacionamento amoroso e a baixa autoestima, principalmente. Portanto, serão utilizados escalas, registros e automonitoramento junto ao terapeuta, assim, o paciente aprenderá a identificar suas obsessões, compulsões, hesitações e pensamentos negativos. Conclusão Por fim, esta conceituação que aqui concluímos, nos permitirá nortear o trabalho a ser desenvolvido, como mencionado no início, e buscará durante as sessões, encontrar corroboração por parte do cliente ao mesmo tempo que buscará sustentar a adesão do cliente ao processo de terapia. Ela nasce e será atualizada ao longo do percurso, por meio do trabalho mútuo do conhecimento teórico , prático e da pesquisa terapêutica, unidos ao conhecimento aprofundado do cliente acerca de suas demandas. Este procedimento nos permitirá desenvolver um trabalho que dê conta de atender aos anseios do paciente por meio da Teoria Cognitivo Comportamental. Referências Bibliográficas American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais [recurso eletrônico] : DSM-5 ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento ... et al.] ; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli ... [et al.]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2014. BECK, J. (2013) Conceituação Cognitiva (pp 49-65). In Beck, J. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. WRIGHT, J,. te al. (2008). Princípios Básicos da Terapia Cognitivo-Comportamental.
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