Buscar

A Infância de Ivan e a visão através da Grande Guerra Patriótica

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Tomando como base a visão sobre a “Grande Guerra Patriótica” construída pelo cineasta Andrei Tarkovsky no filme “A Infância de Ivan”, lançado em 1961, na ex-URSS, disserte sobre a afirmação de Bill Nichols refletindo sobre em que medida “A Infância de Ivan” documenta ou não a realidade soviética.
	O filme “A Infância de Ivan”, roteirizado e dirigido pelo cineasta russo Andrei Tarkovsky, reproduz uma narrativa muito singular sobre a trajetória de uma criança, o menino Ivan – cujo a mãe foi morta por nazistas -, entre duas missões de espionagem realizadas pelo mesmo, comandada pelo exército vermelho, numa ofensiva contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Singular porque, na medida em que a grande guerra é retratada a partir do sofrimento do jovem traumatizado, o cineasta desconstrói o “mito” da Grande Guerra Patriótica sob investimento da indústria cinematográfica soviética.
	Tarkovsky se formou na academia de cinema e dirigiu “A Infância de Ivan” - seu primeiro longa-metragem - durante o período em que Nikita Kruschev ascende ao cargo de secretário-geral do comitê central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Período este marcado por uma maior abertura cultural e econômica da URSS, também conhecido vulgarmente como “desestalinização”. Tarkovsky pôde então, mesmo que com certa resistência, roteirizar seu primeiro longa, alterando profundamente o sentido da obra que lhe deu a ideia de dirigir este filme, o livro Ivan do escritor Vladimir Bogomolov, acrescentando as passagens oníricas que marcam periodicamente todas as partes do filme, contrapondo a infância acessível pelo jovem apenas pelos seus sonhos, com a infância que o mesmo vivencia, construída pelo trauma da guerra. Podendo também, o diretor, renunciar aos poucos as formas usuais presentes nos filmes do período anterior, que marcam a estética do realismo soviético.
	Desta forma, “A Infância de Ivan” documenta de maneira implícita e sintomática, uma série de transformações na indústria cinematográfica soviética.
	Agora, ao se perguntar como o filme “A Infância de Ivan” pode servir como um documentário sobre a realidade dos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial, uma certa confusão se faz presente. Ao mesmo tempo em que o protagonismo, numa determinada narrativa sobre a guerra, recai sobre uma criança, e fica evidente que o exército vermelho treinava crianças para matar nazistas; ao mesmo tempo que o filme mostra a tomada de Berlim pelos soviéticos, expondo o corpo do Goebbles e a festa dos soldados, documentos sobre a morte de aliados e as salas de tortura; a maneira que o filme parte do indivíduo e de seu sofrimento, ao “geral” e coletivo, alguns questionamentos podem vir a tona: perderia a obra o contato com a realidade, ao abrir mão de uma apresentação analítica e generalizante (dando o protagonismo da narrativa à personagens chaves para o desenrolar da guerra, ou às massas, e partindo de leituras mais “estruturais” sobe a guerra), e tentar, no entanto, dialogar com os sentimentos individuais do expectador a partir dos sentimentos de um único soldado? Do que é feita a guerra? São as condições políticas, econômicas e demográficas que erguem as massas contra os inimigos da pátria? Ou tais condições erguem a pátria contra seus habitantes, organizando-os em exércitos prontos para defender interesses estranhos a eles? Existe mesmo um sentimento pela pátria? Foi mesmo uma “guerra patriótica”? Para Tarkovsky, a arte não é feita para servir de exemplo, ou como exposição de ideias, ela nasce da busca pelo ideal, e especificamente serve para que o homem lide a morte, tornando-o capaz de voltar-se para o bem. Mas ao passo em que um filme é exibido, o público faz dele o que bem entender, a produção está livre de qualquer ideal sobre a arte que o autor atribui à sua obra. Visto desta forma, a obra contraria, ou ao menos ignora, o caráter documental do filme.
	É fato que Hitler em seu “Main Kampf” deixa clara sua intenção de exterminar os povos eslavos. É fato que a investida nazista no território soviético coloca em prática essa ideia. E é fato também que o filme “A Infância de Ivan” em nenhum momento retrata a guerra sob tal perspectiva. Mas enquanto escrevia este trabalho, eu cheguei a pensar que o mesmo poderia servir como documentário sobre o seu devido contexto, para além dos elementos citados no parágrafo anterior, como um possível retrato de questões existenciais de cada soldado, que os envolvendo com a guerra, acabam com o sentimento patriótico sobre a mesma. Mas não acredito ser bem assim.
	Como documentário sobre uma série de mudanças ocorridas no cinema soviético; como documentário sobre a leitura que o Tarkovsky fez do conto do Bogomolov; como documentário sobre a utilização de crianças no serviço de espionagem soviético, e alguns momentos da tomada de Berlim; o filme “A Infância de Ivan” apresenta-se como um bom exemplar, ele levanta boas questões, bem direcionadas às gerações posteriores à guerra, pode mesmo nos dizer muito sobre a época em que foi exibido. Mas como documentário sobre a realidade soviética no contexto da guerra, o filme passa muito próximo da questão do patriotismo na guerra, no entanto me é impedido saber se houve esse tipo de questionamento entre os soldados. Está apenas acessível à nossa imaginação, à forma que nos relacionamos com os sentimentos de Ivan no retrato do cineasta. Desta forma, o filme “A Infância de Ivan” não documenta senão uma interpretação sobre a noção de guerra patriótica, mas passa distante de qualquer efetividade documentária sobre a realidade soviética em tal contexto.
Tomando como base a visão 
sobre
 
a “Grande Guerra Patriótica” construída pelo cineasta 
Andrei Tarkovsky no filme “A Infância de Ivan”, lançado em 1961, na ex
-
URSS, disserte 
sobre a afirmação de Bill Nichols refletindo sobre em que medida “A Infância de Ivan
” 
documenta ou não a realidade soviética.
 
 
 
O filme “A Infância de Ivan”, roteirizado e dirigido pelo cineasta russo Andrei 
Tarkovsky, reproduz uma narrativa muito singular sobre a trajetória de uma criança, o menino 
Ivan 
–
 
cujo a mãe foi morta por nazista
s 
-
, entre duas missões de espionagem realizadas pelo 
mesmo, comandada pelo exército vermelho, numa ofensiva contra os nazistas durante a 
S
egunda 
G
uerra 
M
undial. Singular porque, na medida em que a grande guerra é retratada a 
partir do sofrimento do jovem 
traumatizado, o cineasta desconstrói o “mito” da 
G
rande 
G
uerra 
P
atriótica
 
sob investimento da indústria cinematográfica soviética.
 
 
Tarkovsky se formou na academia de cinema e dirigiu “A Infância de Ivan” 
-
 
seu 
primeiro longa
-
metragem 
-
 
durante o período e
m que Nikita Kruschev ascende ao cargo de 
s
ecretário
-
geral do
 
comitê central do
 
Partido Comunista da União Soviética
 
(
PCUS
)
. Período 
este marcado por uma maior abertura cultural e econômica da URSS, também conhecido 
vulgarmente como “desestalinização”. Tar
kovsky pôde então, mesmo que com certa resistência, 
roteirizar seu primeiro longa, alterando profundamente o sentido da obra que lhe deu a ideia de 
dirigir este filme, o livro 
Ivan
 
do escritor Vladimir Bogomolov, acrescentando as passagens 
oníricas que mar
cam periodicamente todas as partes do filme, contrapondo a infância acessível 
pelo jovem apenas pelos seus sonhos, com a infância que o mesmo vivencia, construída pelo 
trauma da guerra. Podendo também, o diretor, renunciar aos poucos as formas usuais prese
ntes 
nos filmes do período anterior, que marcam a estética do realismo soviético.
 
 
Desta forma, “A Infância de Ivan” documenta de maneira implícita e sintomática, uma 
série de transformações na indústria cinematográfica soviética.
 
 
Agora, ao 
se
 
perguntar como o filme “A Infância de Ivan” pode servir como um 
documentário sobre a realidade dos soviéticos durante a 
S
egunda 
Gu
erra 
M
undial, uma certa 
confusão se faz presente. Ao mesmo tempo em que o protagonismo,numa determinada 
narrativa sobre a gu
erra, recai sobre uma criança, e fica evidente que o exército vermelho 
treinava crianças para matar nazistas; ao mesmo tempo que o filme mostra a tomada de Berlim 
pelos soviéticos, expondo o corpo do Goebbles e a festa dos soldados, documentos sobre a 
mort
e de aliados e as salas de tortura; a maneira que o filme parte do indivíduo e de seu 
sofrimento, ao “geral” e coletivo, alguns questionamentos
 
podem vir a tona
: perderia a obra o 
contato com a realidade, ao abrir mão de uma apresentação analítica e gener
alizante (dando o 
Tomando como base a visão sobre a “Grande Guerra Patriótica” construída pelo cineasta 
Andrei Tarkovsky no filme “A Infância de Ivan”, lançado em 1961, na ex-URSS, disserte 
sobre a afirmação de Bill Nichols refletindo sobre em que medida “A Infância de Ivan” 
documenta ou não a realidade soviética. 
 
 O filme “A Infância de Ivan”, roteirizado e dirigido pelo cineasta russo Andrei 
Tarkovsky, reproduz uma narrativa muito singular sobre a trajetória de uma criança, o menino 
Ivan – cujo a mãe foi morta por nazistas -, entre duas missões de espionagem realizadas pelo 
mesmo, comandada pelo exército vermelho, numa ofensiva contra os nazistas durante a 
Segunda Guerra Mundial. Singular porque, na medida em que a grande guerra é retratada a 
partir do sofrimento do jovem traumatizado, o cineasta desconstrói o “mito” da Grande Guerra 
Patriótica sob investimento da indústria cinematográfica soviética. 
 Tarkovsky se formou na academia de cinema e dirigiu “A Infância de Ivan” - seu 
primeiro longa-metragem - durante o período em que Nikita Kruschev ascende ao cargo de 
secretário-geral do comitê central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Período 
este marcado por uma maior abertura cultural e econômica da URSS, também conhecido 
vulgarmente como “desestalinização”. Tarkovsky pôde então, mesmo que com certa resistência, 
roteirizar seu primeiro longa, alterando profundamente o sentido da obra que lhe deu a ideia de 
dirigir este filme, o livro Ivan do escritor Vladimir Bogomolov, acrescentando as passagens 
oníricas que marcam periodicamente todas as partes do filme, contrapondo a infância acessível 
pelo jovem apenas pelos seus sonhos, com a infância que o mesmo vivencia, construída pelo 
trauma da guerra. Podendo também, o diretor, renunciar aos poucos as formas usuais presentes 
nos filmes do período anterior, que marcam a estética do realismo soviético. 
 Desta forma, “A Infância de Ivan” documenta de maneira implícita e sintomática, uma 
série de transformações na indústria cinematográfica soviética. 
 Agora, ao se perguntar como o filme “A Infância de Ivan” pode servir como um 
documentário sobre a realidade dos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial, uma certa 
confusão se faz presente. Ao mesmo tempo em que o protagonismo, numa determinada 
narrativa sobre a guerra, recai sobre uma criança, e fica evidente que o exército vermelho 
treinava crianças para matar nazistas; ao mesmo tempo que o filme mostra a tomada de Berlim 
pelos soviéticos, expondo o corpo do Goebbles e a festa dos soldados, documentos sobre a 
morte de aliados e as salas de tortura; a maneira que o filme parte do indivíduo e de seu 
sofrimento, ao “geral” e coletivo, alguns questionamentos podem vir a tona: perderia a obra o 
contato com a realidade, ao abrir mão de uma apresentação analítica e generalizante (dando o

Continue navegando