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ROMANTIZAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS ABUSIVOS NO CINEMA

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ROMANTIZAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS ABUSIVOS NO CINEMA 
 
Augusto Sérgio Barbosa Miranda Angélico 
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Resumo : Este artigo traz uma reflexão sobre a romantização dos relacionamentos abusivos 
bem como sua representação oral e imagética no cinema. Devido a prática constante de 
violência sofrida pelas mulheres, apresentamos como a forma em que eles são representados 
afetam a sociedade. Partindo de conceitos discutidos por autoras como Elizabeth Ann Kaplan, 
Marilena Chaui, Laura Mulvey e Joana de Albuquerque Pae buscamos e contestamos as 
assimetrias existentes entre homens e mulheres. Como forma de retratar a romantização do 
abuso, analisamos três obras que demonstram tipos diferentes de vulnerabilidade feminina e 
que reforçam a naturalização e propagação de conceitos patriarcais que ocasionam o abuso. 
Sendo assim acreditamos que é de suma importância a romantização dos relacionamentos 
abusivos no cinema, um gênero que abrange um grande público e agente de mudança social. 
 
Palavras-chave: Relacionamento abusivo. Cinema. Romantização. Estudos de Gênero 
 
 
 Introdução 
 
 
 Em geral, esse é o modo como o grande público 
relaciona-se com as narrativas cinematográficas: sem refletir sobre 
elas, não se dão conta de como essas imagens penetram seus 
cotidianos, seu comportamento, contribuindo de modo decisivo para a 
constituição de suas identidades. (A. MARTINS, 2007, p.123 ) 
 
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2018), no ano de 
2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país. Uma pesquisa realizada pelo 
Instituto Avon (2011) apontou que as principais causas da violência contra a mulher 
estão ligadas a fatores como machismo, ciúmes e baixa auto estima da mulher. 
Apesar da lei Maria da Penha ter sido responsável por um aumento significativo de 
denúncias, a invisibilidade dada a este problema ainda é grande, acobertando 
comportamentos opressores vistos como naturais devido a percepção estereotipada 
do papel da mulher. 
1 Graduado em Turismo pela Universidade Salvador e bacharelando do Bacharelado Interdisciplinar em 
Artes da Universidade Federal da Bahia. 
 
No horizonte das representações cinematográficas, este artigo busca 
evidenciar como o cinema tem contribuído com a perpetuação e com a romantização 
dos relacionamentos abusivos, tendo como ponto de partida o entendimento de que o 
cinema atua numa complexa interação entre fantasia e realidade e, por isso, não 
apenas participa da imaginação projetiva de nosso imaginário como também na 
construção e solidificação deste. Sendo assim as representações de gênero e 
sexualidade no cinema adquirem importância que vão além da análise cultural ou 
artística e se intensifica a partir de seus desdobramentos na confirmação de um 
imaginário que naturaliza os relacionamentos abusivos. 
Nesse contexto a presente análise enfatiza como a romantização dos 
relacionamentos abusivos em discursos orais e imagéticos interfere diretamente na 
propagação de sexismos e na objetificação da figura feminina. Tendo como principal 
objetivo investigar como essas representações contribuem para reprodução e 
perpetuação da cultura machista. 
Partiremos em busca dos fatores responsáveis por essa romantização do 
abuso do ponto de vista de análises feministas, usando suas pesquisas como ponto 
de partida para encontrar a resolução deste questionamento. As autoras, por sua vez, 
explanam sobre a imagem da mulher sob o olhar masculino e seus desdobramentos, 
mas não se aprofundam na romantização desses discursos bem como sua inflûencia 
massiva através do cinema. 
São inúmeras as possibilidades de representação ficcional, então porque os 
relacionamentos abusivos são representados no cinema de maneira romantizada e 
naturalizada? Parte-se dessa questão para o desenvolvimento da reflexão deste 
artigo, tendo em foco filmes já analisados (PAE, 2017; CARDOSO; FREITAS JÚNIOR, 
2009) e suas características reificadoras de um entendimento social que o abuso é 
“natural”. A partir de análises fílmicas se apresenta como a representação dos 
relacionamentos abusivos são partes constitutivas de um imaginário hegemônico de 
uma sociedade constituída sob o viés do patriarcado. 
 A metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica, englobando a 
exploração de conceitos que envolvem o discurso, e sua relação com a indústria 
cinematográfica e com a dominação do gênero masculino. 
Pensando na conexão entres essas questões acreditamos que estudar a 
representação oral e imagética das relações abusivas na esfera cinematográfica, 
possui um lugar de importância na discussão sociocultural sobretudo como agente de 
mudança social na reprodução de comportamentos violentos. 
 
Os relacionamentos abusivos e a violência contra a mulher 
 
 
Durante séculos a sociedade ocidental foi definida pelas normas do 
patriarcado, estimulando a desigualdade entre os gêneros. A visão limitada da mulher 
como mãe e dona de casa, enquanto o homem deve ser pai e provedor é propícia ao 
abuso de poder do homem em relação a mulher, pois com essa banalização da 
violência, facilmente o sujeito oprimido aceita a sua inferioridade diante do opressor. 
Marilena Chauí (1985) afirma que a vítima violentada é caracterizada 
pela passividade e silêncio, já que sua possibilidade de fala é impedida ou anulada. 
Pois ainda segundo ela, o relacionamento abusivo coloca a mulher em um estado 
anestésico e que ocorre devido à uma questão cultural em que o homem se acha 
proprietário da mulher. 
Em 2016, segundo o 11° Anuário Brasileiro de Segurança Pública , foram 
registrados 49.497 casos de estupro, dados que não dão conta da dimensão do 
problema, tendo em vista o tabu engendrado pela ideologia patriarcal, que faz com 
que as vítimas não reportem o crime às autoridades. 
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em agosto de 2017 2
aferiu que 2% dos homens admitem espontaneamente terem cometido violência 
sexual contra uma mulher, mas diante de uma lista de situações, 18 % reconhecem 
terem sido violentos, o que representa quase um quinto dos 100 milhões de homens 
brasileiros. Alémde serem constatadas que vergonha e medo de serem assassinadas 
foram identificadas como as principais razões para a mulher não se separar do 
2 Ins�tuto de Pesquisa situado em São Paulo especializado em transformar dados em ações. 
www.ilocomo�va.com.br 
 
http://www.ilocomotiva.com.br/
agressor e metade da população considera que a forma como a Justiça pune não 
reduz a violência contra a mulher. 
Pellegrini (2005) aponta a violência como um fenômeno formador de 
ordem social, pela qual impôs e impõe medo e discórdia à sociedade dando luz a um 
contexto de opressão e submissão aos grupos marginalizados como as mulheres. 
Devido a essa prática recorrente de violência, veículos de expressão 
artística, entre eles o cinema, com o intuito de fazer surgir expressividade, começam a 
produzir narrativas. Essas representações podem estetizar ou banalizar a violência 
intervindo nos processos culturais. Então observar a forma como a violência contra a 
mulher é representada e a maneira como a temática é abordada é de suma 
importância já que há uma repercussão nos receptores àquilo que lhes é transmitido, 
conforme ressaltou Sandra Nitrini (1997), pois são eles que preencherão as lacunas 
da significação da obra a qual tem contato. 
 
 
A imagem da mulher sob o olhar masculino 
 
As mulheres cada vez mais conquistam espaço e lutam pela igualdade 
de oportunidades e reconhecimento pela sua atuação em diversos campos sociais e 
profissionais, o que não agrada o patriarcado que teme sua queda diante da 
ascensão feminina. Para Cardoso e Freitas Júnior (2009), o cinema como produto 
social e artigo cultural reflete em suas produções as relações de poder que existem 
nas semelhanças ou diferenças sociais, inclusive entre homens e mulheres. 
 
Segundo Elizabeth Ann Kaplan, uma das pioneiras da crítica feminista 
cinematográfica, os signos do cinema hollywoodiano estão carregados de uma 
ideologia patriarcal que sustenta nossas estruturas sociais e que constrói a mulher de 
maneira específica, com signos que servem para que a mulher seja cada vez mais 
estereotipada e colocada constantemente em uma condição frágil diante da suposta 
posição forte do homem. 
 
O cinema hollywoodiano por sua vez é uma esfera de dominação onde é 
atribuída à mulher segundo sua produção fílmica a serventia de dar prazer ao homem 
que se submete à condição de voyeu r diante do objeto desejado. A mulher pode ser 
erotizada pelo homem, assim como o homem pode ser erotizado pela mulher, a 
questão é o olhar de poder e posse manifestado pelo homem e a necessidade de ter 
controle sobre ela, se colocando como superior. 
 
Os filmes são criados por seres humanos que possuem crenças e 
valores, são feitos estabelecendo padrões já estabelecidos seguindo regras, acordos 
e recursos financeiros e tecnológicos. Os meios culturais de massa se configuram 
como a principal matriz cultural das sociedades contemporâneas reproduzindo 
sentidos, indicando valores, agindo sobre a realidade, orientando comportamentos e 
posturas que determinarão como o indivíduo se incluirá e se relacionará com o 
mundo. Logo é por meio da identificação que mulheres se reconhecem e passam a 
assumir e também veicular a cultura patriarcal que os meios de comunicação 
proliferam. 
 
Fazendo uma análise histórica, os filmes dos anos 50 representam uma 
ruptura das antigas formas de dominação do olhar masculino. Foi a época, segundo 
Turner (1993), em que a sexualidade estava explícita e o sexo era visto como a coisa 
mais importante da vida. Nesse contexto surge Marylin Monroe, cuja personagem em 
“O pecado mora ao lado” (1955) reflete a mulher de uma forma sensual, ingênua e 
inteligente, mas pouco sagaz ,que busca um homem que a veja como um ser 
pensante e que tenha um coração. Não sendo apenas um objeto sexual e que exista 
apenas para cuidar da casa e ser genitora, sendo esta uma contradição que se 
destaca manifestando a verdadeira mensagem que o patriarcado quer transmitir 
(CARDOSO; FREITAS JUNIOR, 2009). Se iniciou então a idealização do símbolo 
sexual masculino eternizado por Marylin Monroe. 
 
A mulher é vista na década de 50 - assim como nas anteriores -, como 
alguém que renuncia seus próprios desejos em favor dos desejos masculinos e 
caracterizada como um objeto de desejo domesticável, totalmente dependente e 
sendo inserida como um fetiche, um prazer inacessível. 
 
Já no cinema contemporâneo, uma personagem recorrente é a figura da 
femme fatale , que usa sua sexualidade para manipular o homem e assume uma 
suposta independência nos âmbitos de sua vida social, entretanto o homem é o 
centro da trama e comandante de todas as ações. 
 
Laura Mulvey, teórica e cineasta britânica, argumenta que a mulher 
como fetiche é o espetáculo perfeito, já que a câmera isola partes de seus corpos em 
close-ups , o uso dessa técnica para a heroína, diferente do herói, realça que ela é 
valorizada pela sua aparência e beleza. Mesmo em filmes em que as mulheres são 
representadas de forma positiva, sendo fortes e ativas, no final são salvas por 
homens. No geral a maneira como são representadas possui um status eterno que se 
repete por décadas, que muda de acordo com certos fatores como moda e estilo, mas 
se arranhamos a superfície lá está o modelo conhecido. 
 
É através desses simbolismos de sexualização e objetificação 
transmitidos ao longo dos anos no cinema que reafirmam o poder de ação e de posse 
masculina incentivando atitudes de depreciação da mulher constantemente exibidas 
pelos homens. 
 
 
A representação ficcional dos relacionamentos abusivos: análise de obras. 
 
Para Joana de Albuquerque Pae (2017) em uma análise exploratória, pode-se 
perceber que em regra, o cinema representa três formas de vulnerabilidades da 
mulher: etária, socioeconômica e psicológica. A etária é representada pela 
sexualização de jovens meninas, muitas vezes ainda na infância e a inserção forçada 
de uma mentalidade adulta com atribuições relacionadas à maternidade e ao sexo. 
Quanto a vulnerabilidade socioeconômica, a mulher é retratada como dependente do 
homem, seja pela sua capacidade degerar renda ou pela sua única chance de 
ascensão social ser por meio da salvação do homem. 
 
 Já a vulnerabilidade psicológica, a mulher é representada como vítima de 
imposição do homem sobre a saúde mental dela. Algumas dessas mulheres se 
apaixonam pelo seu opressor. Outras quando contestam esse comportamento 
machista, não aceitando a opressão de seus companheiros, são enquadradas como 
loucas e marginalizadas perante a sociedade e ao padrão de comportamento. 
 
 Sendo assim a escolha dos filmes a serem analisados neste artigo, foi feita de 
forma a abranger os tipos de vulnerabilidades mais representados no cinema, 
identificando nas obras o relacionamento abusivo e sua romantização. 
 
 A Bela e a Fera 
 
 Um dos grandes clássicos infantis, cujo remake em live action foi lançado em 
2017 e atingiu números exorbitantes nas bilheterias de todo mundo, é um exemplo 
claro da romantização dos relacionamentos abusivos, já enraizada na cultura 
ocidental. 
 
 Bela, a protagonista, é retratada como uma mulher forte, cheia de planos e 
ambições. Sequestrada e aprisionada por uma figura má e bestial, ao longo da trama 
se apaixona pela besta. A Fera a destrata durante toda a parte inicial do filme, 
alternando entre momentos de raiva e delicadeza. A mudança de comportamento de 
seu sequestrador (começa a ficar doce e amigável) é uma analogia clara a diversas 
mulheres que se mantém em relacionamentos abusivos com companheiros 
agressivos acreditando que por mais que tenham sofrido no passado, os sinais de 
mudança mostram que ele pode se tornar o almejado príncipe encantado. 
 
 Se não bastasse a violência psicológica em que se encontra Bela, a naturalização 
do sequestro e as ameaças que Fera faz a vida de seu pai, o filme reforça a 
mensagem de que não importa o quanto o agressor lhe fez de ruim, se você der uma 
segunda chance, ele mudará e terão um final feliz. Passar esse tipo de mensagem é 
extremamente nocivo, se pensarmos nos efeitos que ela causa em milhões de 
meninas por diversas gerações e nos reflexos que essa referência midiática possui na 
vida adulta dessas crianças. 
 
 
 Devemos aprender a fazer leituras mais críticas de tramas que enraízam, mesmo 
que de forma sutil, desde a infância, ideias de submissão e violência, pois são 
mecanismos institucionalizados de perpetuação de uma cultura de violência contra a 
mulher. 
 
 
 Lolita 
 
Baseado no romance escrito em 1955 por Wladimir Nabokov, teve sua primeira 
adaptação para o cinema em 1962, pelo diretor Stanley Kubrik e as duas obras 
tiveram repercussão polêmica em seus lançamentos já que a trama consiste na 
relação de um homem de meia idade (Humbert), com uma adolescente de 14 anos 
(Lolita). 
 
 Humbert, um homem recém-divorciado, se muda para a pensão da viúva 
Charlotte Haze e se sente atraído por Lolita, filha da proprietária. Lolita é retratada 
como sedutora e maliciosa ao mesmo tempo que carrega um ar de ingenuidade. Com 
imagem supersexualizada, tais como uso de batom vermelho, a garota também 
desperta o interesse de Claire, um caça talentos que a engana prometendo uma 
carreira de atriz. Para se manter próximo a menina, Humbert se casa com sua mãe e 
ao ficar viúvo se aproveita da sua posição de responsável legal para se envolver 
sexualmente com Lolita. 
 
 Além da vantagem sexual, o personagem masculino a proíbe de fazer 
atividades escolares e mantém isolada para se manter imune às acusações de 
pedofilia. A banalização da pedofilia se manifesta por meio da vulnerabilidade etária 
da personagem. O filme atribui a Lolita uma maturidade que não corresponde a sua 
idade, dessa forma a relação entre um homem de meia idade e uma adolescente é 
tratada como recíproca, caracterizando um romance como qualquer outro. 
 
 Ao longo da trama, a protagonista ao fugir do lar abusivo é sequestrada por 
Claire com a mesma intenção de usá-la sexualmente. Adulta, Lolita se casa com um 
homem trabalhador de sua mesma faixa etária e ao retomar contato com Humbert, ele 
tenta manipulá-la oferecendo ajuda financeira, mas não obtém sucesso. 
 
 Em nenhum momento Lolita se dá conta dos abusos que sofreu, assim como 
Humbert não é responsabilizado pelo crime de pedofilia, ficando impune sob o 
pretexto de que seu amor pela garota era legítimo, com a intenção de que os abusos 
sexuais e psicológicos passem despercebidos pelo telespectador perpetuando sua 
prática. 
 
 
Cinquenta Tons de Cinza 
 
 
Adaptação do best- seller de E.L. JAMES, o filme de 2015 gira em torno do 
jovem mimado, Christian Grey, salvo de maus tratos e abusos por seus pais adotivos 
e que teve seus instintos violentos contidos na adolescência por uma das amigas de 
sua mãe que o preparou para se tornar um sadista. Ele nunca experimentou o amor e 
gosta de machucar mulheres em seus jogos sexuais. Ao conhecer a desajeitada e 
ingênua Anastasia Rose, procura exercer controle sobre ela. A jovem fica totalmente 
encantada por aquele homem poderoso e de corpo atlético. Grey exige que ela assine 
um contrato sexual altamente detalhado (cujos termos são discutidos enquanto ele a 
induz a beber), a isola de seus amigos, invade seu computador, a segue até o outro 
lado do país sem ser convidado e a faz acreditar que o mau comportamento dela é de 
responsabilidade da mesma, fazendo-a concluir que sua infelicidade se deve à sua 
incapacidade de amá-lo o suficiente. 
 
 Ao longo do filme Grey tenta persuadir Anastasia a assinar o contrato, fazendo 
com que ele tenha controle total sobre ela, ditando inclusive o que ela pode comer e 
obrigando-a a estar disponível a ter relações sexuais com ele sempre que solicitado. 
O envio de presentes caros, rastrear seu celular e levá-la ao seu quarto após ter 
bebido configuram um comportamento manipulador, antes mesmo de terem se 
beijado. Uma demonstração clara de vulnerabilidade socioeconômica presente na 
trama, é quando Grey compra o local onde ela trabalha, a deixando cada vez mais 
submissa a ele. Em vários momentos da narrativa é possível observar que Anastasia 
não é masoquistae se submete aos abusos com o único propósito de agradá-lo, o 
que resulta num abalo emocional da personagem. 
 
 Após Anastasia se afastar, Christian começa a mudar o comportamento para 
reconquistá-la, comportamento típico dos abusadores, e aos poucos ele volta 
controlar seus passos, dessa vez de forma consensual pois eles se amam. Acreditar 
que por amor, se tem a capacidade de “melhorar” o abusador, é um dos principais 
motivos que levam as pessoas a continuarem em relacionamentos abusivos. O filme 
reforça a ideia de que homens gostam de mulheres calmas e inseguras e romantizam 
a figura do homem grosseiro e manipulador. Na concepção dele, era um prazer 
cercá-la de cuidados e de presentes caros, era ser como um super herói, o provedor. 
E para ter seu príncipe encantado, ela precisaria ser submissa a ele, partindo da 
premissa deixada pelas histórias de princesas que precisavam ser salvas pois não 
eram capazes de saírem da torre sozinhas. 
 
 Cinquenta Tons de Cinza romantiza o relacionamento abusivo transformando o 
controle em cuidado, fazendo-se acreditar que o abusador pode mudar se sua vítima 
ficar com ele, amando-o o suficiente. Como ressalta Gail Dines, “ Os abrigos de 
mulheres agredidas e os cemitérios estão cheios de mulheres que tiveram o azar de 
conhecer um Christian Grey”. 
 
Considerações finais 
 
 Este artigo visa promover reflexão sobre a romantização dos relacionamentos 
abusivos no cinema. O enfoque é a forma como são abordados, promovendo sua 
perpetuação. A partir da delimitação do tema, foi dividido em três tópicos onde foram 
abordados a violência contra a mulher, a imagem da mulher sob o olhar masculino e 
por fim a representação ficcional dos relacionamentos abusivos. 
 Usando dados de pesquisas foi apresentado um panorama da crescente violência 
contra a mulher e de como os discursos imagéticos apresentados no cinema 
contribuem para propagar sexismos ao invés de serem usados como estopim para 
discussões da temática em um espectro sociocultural. 
 Partindo de uma análise histórica da imagem feminina pela lente masculina, se 
identificou que sua representação é sempre estereotipada e fragilizada em relação ao 
homem mesmo com o passar das décadas. E utilizando-se desses simbolismos de 
sexualização e objetificação transmitidos ao longo dos anos que o poder de ação e de 
posse masculina incentiva atitudes de depreciação da mulher e sobretudo o abuso. 
 Na análise fílmica, a escolha das três obras da amostra, buscou abranger os tipos 
de vulnerabilidades mais observadas no cinema: etária, socioeconômica e 
psicológica. Os filmes selecionados foram : A Bela e a Fera , Lolita e Cinquenta Tons 
de Cinza . O sucesso dos filmes, e como o abuso não é discutido neles só corrobora 
com a difusão, naturalização e acobertamento de comportamentos opressores. 
 Não problematizar essas representações, é não combater conceitos enraizados na 
sociedade como banalização do abuso de menores, desigualdade entre homens e 
mulheres e romantizar comportamentos agressivos, sobretudo deixando as mulheres 
cada vez mais suscetíveis a relacionamentos abusivos e outros tipos de violência. 
Para contribuição deste trabalho ao âmbito acadêmico, sugere-se a discussão de 
como criar mecanismos que evitem o silenciamento das questões de gênero no 
cinema, bem como fomentar o aumento de mulheres na produção cinematográfica. 
 
 
Referências 
 
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