Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
EXCELÊNCIA R E V I S T A www.revistariex.com.br | novembro/dezembro 2018 JURÍDICA ANO 1 N0 1 Rede Internacional de Excelência Jurídica do Distrito Federal – RIEX-DF SAUS Quadra 05 Bloco K - Ed.OK Office Tower - Sala 1306 Brasília-DF - CEP: 70.070-937 Presidente - Fabíola Teixeira Orlando Diretora Executiva – Andreia Mourão Diretor Comercial - Gustavo Lima Barreto Diretora de Comunicação - Renata Malta Vilas-Bôas Diretora de Eventos Literários – Lucineide Cruz Jornalista Responsável - Ana Luisa Mota Projeto Editorial - Fácil Editora Projeto Gráfico e Diagramação - Fábio Rodrigues Equipe Técnica: Bruna Orlando • Camila Maiara • Fabíola Orlando • Lucineide Cruz • Luiz Eduardo Miranda • Rafael França • Silvio Pereira •Valéria Hibner Fabíola Luciana Teixeira Orlando - Presidente • Andrea Sabóia - Vice-Presidente • Lincoln de Oliveira - Vice-Presidente Executivo • Mareska Morena Santana - Secretária Geral • Hebert Moreira - Secretário Geral Adjunto • Luís Maximiliano Telesca - Diretor de Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro • Carlos Henrique Alencar - Diretor Adjunto de Seleção de Novos Membros • Klaus Steniuns - Diretor Social • Luciene Gontijo - Diretora Adjunta Social • Renata Vilas-Bôas - Diretora de Comunicação • João Bezerra - Diretor Adjunto de Comunicação • Antônio Custódio Neto - Diretor de Relações Comunitárias • Camila Maiara Leite - Diretora da Coordenação de Programas • Ana Paula Pereira - Diretora de Eventos • Bruna Orlando - Diretora Adjunta de Eventos • Lucineide Alessandra Miranda da Cruz - Diretor de Eventos Literários • Sônia Gontijo Chagas Gonzaga - Diretor de Relações Institucionais • João Paulo Ornellas Freitas - Diretor Adjunto de Relações Institucionais • Felipe Henriques Leite - Diretor de Engenharia de Controle de Automação/Manutenção • Rodrigo Badaró - Diretor de Publicação • Paulo de Castro - Diretor Adjunto de Publicação • Paulo Ottaran - Diretor de Publicidade • Ana Luisa Mota - Diretora Adjunta de Publicidade • Gustavo Lima - Diretor Comercial • Rafael Vasconcellos - Diretor de Estudos sobre Gestão e Controle Administrativo • Neydja Morais - Diretora Adjunta de Estudos sobre Gestão e Controle Administrativo • Rodrigo Fontes Fausto de Souza - Diretor de Estratégia e Marketing • Silvio Pereira - Diretor de Estudos sobre Ética Jurídica • Gildo Alves de Carvalho Filho - Diretor Adjunto de Estudos sobre Ética Jurídica • Délio Lins e Silva Júnior - Diretor de Estudos de Ciências Criminais • Pedro Santiago Lopes França - Diretor Adjunto de Estudos de Ciências Criminais • Helen Lima - Diretora de Estudos na Educação • Valéria Hibner - Diretora Adjunta de Estudos na Educação • Márcio Moraes de Sousa - Diretor de Procedimentos Acadêmicos • Stela Maria Cabral Domingos - Diretora Adjunta de Procedimentos Acadêmicos • Luciano Soares Leiro - Diretor de Estudos sobre Segurança Pública • Mauro Luciano Hauschild - Diretor de Estudos de Direito Previdenciário. MEMBROS HONORÁRIOS Voltaire Marensi • Arnoldo Camanho de Assis • Alexandre Camanho de Assis • Aureliano Albuquerque Amorim • Júlio César Lerias Ribeiro • Gorki Grinberg • João Carlos Medeiros de Aragão As Câmaras Temáticas terão a atribuição de discutir temas específicos de cada área jurídica, elaborando projetos, artigos e promoção de debates e eventos para auxiliar o entendimento e implementação da legislação vigente. Além disso, representar a RIEX-DF e participar de eventos relacionados ao tema da câmara, bem como convidar especialistas para debates sobre os temas contemporâneos. Neisser Oliveira Freitas - Presidente da Comissão de Direito Empresarial • Daniel Antônio Mendes dos Santos - Vice-Presidente da Comissão de Direito Empresarial • Rafael Carlos Araújo Moraes - Secretário Geral da Comissão de Direito Empresarial • João Francisco Mota Júnior - Presidente da Comissão de Direito Constitucional • Isabela Bueno de Sousa - Vice-Presidente da Comissão de Direito Constitucional • André Rodrigues Costa Oliveira - Presidente da Comissão de Direito Eleitoral • Gustavo Costa Bueno - Vice-Presidente da Comissão de Direito Eleitoral Raimundo Nonato Sousa Castro - Presidente da Comissão de Direito Minerário • Daniel Cândido - Presidente da Comissão de Direito Internacional Luiz Eduardo Miranda - Vice-presidente da Comissão de Direito Internacional • Dra. Camila Maiara Leite - Presidente da Comissão de Mediação Rafael Barbosa da Mota França - Vice-Presidente da Comissão de Mediação • Dra. Bruna Orlando - Presidente da Comissão de Mediação no Âmbito Internacional • Luiz Antônio Calháo - Presidente da Comissão de Direito do Trabalho • João Paulo Ornelas Freitas - Vice-Presidente da Comissão de Direito de Trabalho • Ricardo Cortês de Oliveira Braga - Secretário Geral da Comissão de Direito de Trabalho • João Paulo Ornelas Freitas - Presidente da Comissão de Estudos em Agronegócio • Bruno Caetano - Vice-Presidente da Comissão de Estudos em Agronegócio • Reginaldo de Almeida - Presidente da Comissão de Estudos Agrário e Fundiário • Andreia Mourão - Presidente da Comissão de Direito Imobiliário Tatiana Lima • Vice-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário • Helena Moreira Alves - Secretária Geral da Comissão de Direito Imobiliário Renata Vilas Boas - Presidente da Comissão de Direito de Família • Flavia Nogueira de Siqueira Campos - Presidente da Comissão de Estudos sobre Compliance • Rafaela Caetano - Presidente da Comissão de Direito Tributário • Marescka Morena Santana - Presidente da Comissão de Ensino Jurídico • Rafaela Caetano - Secretária Geral da Comissão de Estudos de Enfrentamento da Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres • Roberto Mariano de Oliveira Soares - Presidente da Comissão de Direito, Tecnologia e Inovação • José Carvalho - Presidente da Comissão de Ciências Criminais • Tábata Laís Sousa Silva - Vice-Presidente da Comissão de Ciências Criminais • Stela Maria Cabral Domingos - Secretária Geral da Comissão de Ciências Criminais • Bernardo Barcelos - Presidente da Comissão de Estudos sobre Gestão Pública • Carlos Henrique Alencar - Vice-Presidente da Comissão de Estudos sobre Gestão Pública • Lili Cruz - Secretária Geral da Comissão de Estudos sobre Gestão Pública • João Bezerra - Presidente da Comissão de Estudos sobre o Direito e a Psicologia • Jussara Orlando - Vice-Presidente da Comissão de Estudos sobre o Direito e a Psicologia • Alfredo Maranhão - Secretário-Geral da Comissão de Estudos sobre Direito e a Psicologia Elias Pereira de Lacerda - Presidente da Comissão de Estudos sobre Prevenção e Intervenção ao Suicídio, Automutilação e Bullying • Sérgio Roberto Back - Presidente da Comissão de Arbitragem • Isabela Ramagem - Presidente da Comissão de Estudos de Métodos voltados para uma Cultura de Paz • Raffael Teixeira Orlando - Vice-Presidente da Comissão de Estudos de Métodos voltados para uma Cultura de Paz • Helen Lima - Presidente da Comissão de Estudos em Ética, Educação e Inclusão. MEMBRO CONSULTIVO - Sérgio Fonseca Iannini MEMBROS CONSELHEIROS João Carlos Medeiros de Aragão • Leonardo Volpatti • Rossana Gemelli • Simone Bastos • Flávio Henrique Teixeira Orlando • Edmundo Viana Palhares • Fátima Teixeira Carmo e Sousa • Jussara Teixeira Orlando • Frederico Augusto Teixeira Orlando • Terezinha Teixeira Mendes. EXPEDIENTE DIRETORIA RIEX CÂMARAS TEMÁTICAS (2018/2020) SUMÁRIO 5 31 42 67 35 45 69 7 9 16 55 57 MAX TELESCA ANA LUISA MOTA RAIMUNDO NONATO SOUSA CASTRO LUCINEIDE CRUZ ANDRÉIA MOURÃO LILI CRUZ SÍLVIO PEREIRA FABÍOLA ORLANDO JOÃO BEZERRA JUSSARA ORLANDO HELEN LIMA A CRISE DA NOVA ADVOCACIA E O NOVO PAPEL DA OAB COMUNICAÇÃO ORGANI- ZACIONAL E AS REDE SOCIAIS A FRANCA EXTINÇÃO DO CAVALO LAVRADEIRO DE RORAIMA E ATUAÇÃO DA RIEXDF O CAPITAL INTELECTUAL BRASILEIRO PRECISA DEIXAR SEU LEGADO PRECONCEITO RACIL ADVOGADA DESTAQUE RENATA VILAS-BÔAS O DISTRATO E O EQUILÍBRIO NAS RELAÇÕES DE COMPRA E VENDA – ISSO, DE FATO, EXISTE? ADMINISTRA- ÇÃO PÚBLICA DIREITO A SER HUMANO EDUCARCOM ÉTICA PARA A VIDA A PSICANÁLISE E O MUNDO DE HOJE AS ADOLES- CENTES E O ATO INFRA- CIONAL R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 Iniciamos uma nova gestão na Rede Internacional de Excelên-cia Jurídica do DF. Desde abril de 2018, foram sendo integrados diver- sos diretores consagrados em suas profissões, entre advogados de di- versas áreas, juristas, psicólogos, pe- dagogos, literários, comunicadores, professores, entre outras. Muitos projetos foram implementados com excelentes parcerias, como, Procon, CEJUSC, Defensoria Pública, Na Hora, Terracap, Centro Universitário Está- cio, e entidades internacionais que multiplicaram as propostas idealiza- das pelos novos diretores. Nesses tempos em que vive- mos pelo mundo de manifestações de ódio, preconceito e violência, a RIEXDF buscou centrar o seu obje- tivo na busca de uma Cultura de Paz, que em união com a prática moderna de não judicialização, impulsionou a criação de diversos Cursos, como de Negociação para Prepostos, de Negociação de Con- flitos, de Mediação Extrajudicial, de Escuta Compreensiva, além de pa- lestras como Mediação na Contem- poraneidade, e de intervenção na violência intrafamiliar. A Cultura de Paz também se uniu à preocupação com a saúde mental da sociedade, como a implantação de cursos de Prevenção à depressão, automuti- lação, bullying e suicídio. A RIEXDF visa, portanto, unir os profissionais do Direito e de diver- sas profissões estimulando a troca de informações científicas e inter- câmbio de experiências, que ates- tem sintonia com os mais elevados valores de interesse da justiça e da sociedade. Com a ajuda dos novos diretores que agregaram novas ex- periências e conhecimentos, e jun- tamente com os parceiros da RIEX- DF, pudemos oferecer à sociedade diversas propostas sociais: Brin- quedoteca Solidária, Escola de Pais, Caminhada Passos que Salvam, Doe um Brinquedo e receba a Cultura de Paz, Metrô Solidário, Atendimento Psicológico de Prevenção e Inter- venção na Violência Intrafamiliar, Atendimento Psicológico de Pre- venção à Depressão, Automutilação, Bullying e Suicídio, Educar com Ética para a Vida, Roda de Conversa sobre a Importância da Mediação nas Pro- fissões (Projeto nas Escolas). Há muito ainda a ser feito e esse material tem a oportunidade de apresentar a visão, o conheci- mento e a excelência profissional de alguns de nossos Diretores que enriquecem e abrilhantam a RIEX- DF, sempre em busca da máxima excelência jurídica. ANDRÉIA MORAES DE OLIVEIRA MOURÃO EDITORIAL UMA NOVA ERA 4 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 MAX TELESCA Nos últimos 20 anos hou-ve uma mudança radical no perfil da advocacia brasileira com a abertura indiscriminada de cursos jurídicos. Há no Brasil mais de 1.200 faculda- des, contra 1.100 do resto do mun- do. Estes números assustadores são o resultado de uma política pública de ensino equivocada for- madora de um exército de 1.100.000 advogados no país, a grande parte deles com muitas deficiências de formação. Ao longo da última década, a proliferação desenfreada dos cur- sos jurídicos, em conjunto com a crise econômica, com a diminuição expressiva da oferta de concursos públicos e com o ingresso de no- vas tecnologias de massificação do trabalho advocatício, produziu o fenômeno que temos chamado de “proletarização da advocacia”, que tem como base, sobretudo, um mercado absolutamente inchado, com excesso de oferta e, por con- seguinte, honorários aviltados. Há sete meses percorremos o Distrito Federal ouvindo a classe, DA NOVA ADVOCACIA E O NOVO PAPEL DA OAB suas dores e angústias, e constata- mos uma mudança radical no perfil da advocacia, hoje constituída de advogados jovens, pertencentes à classe média baixa com uma gran- de parte deles, sem sequer ter onde atender clientes. Por outro lado, a instituição do processo eletrônico, o acesso maior aos recursos tec- nológicos e à internet rápida, ba- ratearam os custos, amenizando os impactos da crise. E o papel da tradicional Ordem dos Advogados do Brasil neste novo cenário, onde se coloca? Tra- dicionalmente a OAB, no tocante às questões de mercado de trabalho, comporta-se como uma entidade meramente cartorária, de fiscali- zação disciplinar por meio do Tri- bunal de Ética e Disciplina - TED e com raro apoio de formação e aperfeiçoamento na parte acadê- mica, por meio da Escola Superior de Advocacia - ESA. No entanto, o discurso e a prá- tica clássica de não interferência nas questões mercadológicas, com o implemento desta nova realida- de precisa mudar. Há uma neces- A CRISE Advogado, escritor, foi Diretor, Conselheiro e Presi- dente do Tribunal de Ética da OAB/DF. É Presidente do Instituto de Popularização do Direito-IPOD, é candida- to à Presidência da OAB/DF. sidade de mudança e renovação no foco e nas diretrizes da entida- de, que deve abandonar a inércia comissiva clássica e partir para o enfrentamento de um cenário que ajudou, com sua omissão, a cons- truir. Há imensa responsabilidade da OAB na inserção, no coração e nas mentes dos advogados, da esperança de que a advocacia os 5 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 faria mudar de vida, no ingresso numa carreira clássica, nobre. Há responsabilidade também em virtude de algo bastante sim- ples: o pagamento das anuidades. Para o perfil antigo da advocacia, mais rico e elitizado, a anuidade da OAB era apenas uma taxa que se pagava para ter “licença para advogar”. Para o perfil novo, mais empobrecido e popular, a anui- dade deve ter uma significação prática de retorno do investimen- to. Afinal, o que muda na vida do advogado se a OAB deixasse de existir hoje? Alguns serviços são oferecidos há muitos anos, como o transporte pelas vans, ou convênios insuficien- temente divulgados pela Caixa de Assistência. É uma atuação muito tímida pela dimensão atual da nos- sa entidade, que conta com 60.000 inscritos, 45.000 deles ativos. São parcos os serviços oferecidos consi- derando o tamanho da responsabili- dade dos dirigentes para com o novo perfil da advocacia Medidas de estímulo ao novo profissional da advocacia são ur- gentes. A entidade que, teorica- mente, tem como papel a defesa dos interesses dos advogados e do Estado Democrático de Direito deve vencer suas contradições internas e, de fato, ingressar com políticas de desoneração de custos dos jovens, tais como a criação de coworkin- gs nas Subseções, a reversão da anuidade em serviços efetivos e a fiscalização dos tetos e filtros da Defensoria Pública e dos Núcleos de Prática Jurídica. Acerca deste úl- timo ponto, é preciso esclarecer que a prestação gratuita da advocacia é extremamente necessária, porém para quem realmente precisa, sem deturpações ou abusos. A reversão da anuidade em serviços e a criação dos coworkin- gs diminuiriam os custos enquan- to que a fiscalização efetiva acima demonstrada aumentaria o mer- cado de trabalho dos jovens ad- vogados. É preciso compreender, dentro desta mudança radical do perfil da advocacia, que a OAB/DF deve voltar seus olhos para quem realmente mais precisa dela, que são os advogados menos favore- cidos economicamente e empur- rados para fora do mercado de trabalho. Obviamente, a atuação da OAB em defesa das prerrogativas sem- pre será, no nosso entendimento, a principal razão de existir da nossa entidade de classe, ao lado da de- fesa das instituições democráticas. Entretanto, o desafio está lançado: o de promover a inclusão no mer- cado de trabalho de milhares de advogados que hoje estão prati- camente andando às cegas e sem qualquer amparo. ADEMIDF.COM.BR R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 ANDRÉIA MORAES DE OLIVEIRA MOURÃO O mercado imobiliário vem enfrentando ao longo dos últimos cincoanos grave turbulência e sig- nificativos prejuízos frente às rela- ções obrigacionais inerentes à in- corporação imobiliária (lançamento e venda de unidades imobiliárias em construção para entrega futura). Tais percalços são comumente veiculados nos meios de informa- ção e notícia de todo o país, sendo que um dos maiores exemplos do desequilíbrio entre a obrigação de construir e o respectivo pagamento do preço daquilo que o adquirente livremente contratou, é a quantida- de de pedidos de desfazimento dos negócios de promessa de compra e venda, bem como as denominadas ações de rescisão contratual apre- sentadas pelos adquirentes dessas unidades. Ocorre que tão necessário quanto buscar a salvaguarda das pretensões daquele que adquire um bem e, posteriormente, quebra a negociação livremente assumi- da com o incorporador, tem-se o inarredável direito da coletividade E O EQUILÍBRIO NAS RELAÇÕES DE COMPRA E VENDA - ISSO, DE FATO, EXISTE? de adquirentes junto ao respectivo empreendimento imobiliário e, por óbvio, a proteção ao cumprimen- to e conclusão do cronograma de obras e entrega do bem. Até por- que, a proteção às relações con- sumeristas visa tutelar a todos os participantes daquela relação que só poderá se aperfeiçoar, de forma legítima, com o cumprimento de todas as obrigações existentes por todos aqueles abarcados pela con- tratação. Fato evidente dessas indicadas prerrogativas negociais, advém da Lei de incorporação imobiliária que assevera ao incorporador receber o integral preço por aquilo que con- tratou, bem como indica mecanis- mos à manutenção da coletividade de adquirentes tudo para que o fim maior pretendido, por toda e qual- quer incorporação imobiliária, res- te alcançado, qual seja: entregar as unidades imobiliárias dentro das condições e forma expressamente ajustadas entre as partes. Neste mesmo diapasão, o Código Civil estabelece, de forma inequívoca, que somente a parte lesada pelo O DISTRATO Assessora Jurídica da ADEMI-DF. Sócia fundadora do Escritório Mourão e Moraes Advogados Associados. Graduada em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS/RS. Pós-Graduada em Direito Imobiliário e Direito Administrativo. Mem- bro da CDI - Comissão de Direito Imobiliário da OAB/ DF 2013 a 2015. Vice-Presidente da CDI no ano de 2015. Membro do Conselho Jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil – CBIC. Coordena- dora do Grupo de Trabalho Civil e Consumerista do CONJUR CBIC. Assessora Jurídica do SINDUSCON-DF 1995 a 2013. Assessora Jurídica do SINFAC-DF. Árbitro da RIEX-DF. Consultora em Direito Imobiliário, Cons- trução Civil e Incorporações da RIEX-DF (Rede Inter- nacional de Excelência Jurídica) – SENSATUS (Câmara Internacional de Conciliação, Mediação e Arbitragem). Membro da Câmara de Desenvolvimento Urbano do CODESE-DF. Membro da Câmara de Paz e Não Judi- cialização do CODESE-DF. Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da RIEX DF. 7 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 inadimplemento pode pedir a re- solução do contrato, se não prefe- rir exigir o cumprimento, cabendo, em favor daquele que sofreu com o desfazimento ou inobservância da avença, a necessária indenização por perdas e danos. No entanto, a grande maio- ria dos tribunais, adotando uma interpretação prejudicial aque- les adquirentes adimplentes com suas obrigações de pagamento e ao empreendimento que necessita de tais recursos à sua consecução, simplesmente e sem qualquer comprovação efetiva de culpa ou descumprimento pelo incorpora- dor, decreta o exaurimento da con- tratação, como se o único intuito da celebração daquele negócio fosse dar ao adquirente a possibilidade de auferir ganho ou vantagem ile- gítima e indevida, em flagrante de- trimento do incorporador que fica a mercê da boa vontade ao cumpri- mento das disposições expressa- mente contratadas. Em não poucas vezes (para não se dizer na quase totalidade dos casos do Distrito Federal!), o incorporador fica sub- metido à inacreditável supressão dos seus direitos à efetiva repa- ração das perdas e danos oriunda da quebra contratual, para acor- rentar-se na obrigação de restitui- ção de, em regra, 90% dos valores pagos, independentemente se tal devolução se verificar para um, vin- te, ou, então, para a quase integra- lidade de adquirentes frente a um mesmo empreendimento imobiliá- rio. Reflexo direto disto, tem-se que somente nos dois primeiros meses do ano de 2017, o distrato de imó- veis residenciais de médio e alto padrão chegou ao percentual de 53% das contratações havidas no referido período. Assim, não se pode olvidar que a admissibilidade à prática de, sim- plesmente, rescindir por rescindir, em direta lesão e negativa de vi- gência aos mecanismos de proteção legalmente dispostos à atividade da incorporação imobiliária, fez com que o mercado imobiliário de todo país mergulhasse na mais grave crise deste segmento que é responsável por significativa parcela de geração de emprego e renda, tanto de forma direta quanto indireta. E, foi exatamente em razão da desaceleração e das perdas reais do poder de as incorporadoras desenvolverem, de forma regular e com equilíbrio na equação eco- nômico financeira que resta de- lineada a cada empreendimento imobiliário, que o Governo Federal e o Legislativo buscam alternati- vas à minimização dos impactos descritos. Alguns projetos de Lei estão na Câmara e Senado Fede- ral, onde, em razão das apertadas linhas, é de se destacar projeto de Lei, em tramitação no Senado, que, se o adquirente de unidade imobi- liária pretender a desconstituição do negócio, seja por ausência de condições de pagamento ou, en- tão, por conveniência unilateral, poderá responder pela incidência de multa em razão do desfazimen- to e perdas e danos em razão dos efeitos daí decorrentes. Neste par- ticular, a Câmara Brasileira da In- dústria da Construção – CBIC vem trabalhando na busca da legítima e equitativa possibilidade de reten- ção do valor efetivamente pago a título de comissão de corretagem e percentual que, de fato, repre- sente os danos inerentes ao desfa- zimento do negócio. E, no caso de imóvel já entregue, a indenização pelo uso e fruição do bem; a dedu- ção dos valores relativos ao IPTU e taxa condominial vencidos e não pagos; e, a responsabilidade pelos encargos verificados ao retorno do imóvel ao status quo ante à entre- ga ao adquirente. O projeto pre- vê a possibilidade, dentro daquilo que o Código Civil já autoriza, de, em estando contratado, admitir-se indenização suplementar, dentre outras questões trazidas com o objetivo, único e exclusivo, de se promover a necessária segurança jurídica às contratações e obrigató- rio equilíbrio entre direito e obri- gações das partes abarcadas pela relação negocial, não podendo se admitir que um contrato tão com- plexo e com tantas variáveis como o de incorporação imobiliária seja aniquilado e subjugado a “contrato de investimento”. O equilíbrio nas relações de compra e venda, princi- palmente, quando do desfazimento negocial deve, de fato e de direito, existir para ambas as partes. somente nos dois primeiros meses do ano de 2017, o distrato de imóveis resi- denciais de médio e alto padrão chegou ao percentual de 53% das contratações 8 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 FABÍOLA ORLANDO O mercado imobiliário vem enfrentando ao longo dos últimos cinco anos grave turbulência e sig- nificativos prejuízos frente às rela- ções obrigacionais inerentes à in- corporação imobiliária (lançamento e venda de unidades imobiliárias em construção para entrega futura). O Direito a ser humano está na pauta das discussões contempo- râneas: obriga-se a pensar na or- ganização jurídica com a palavra de ordem da contemporaneidade: Cidadania. Cidadania que significa não-exclusão1. É,portanto, a valorização do sujeito de DIREITO em seu sentido mais profundo e ético. A inclusão e a consideração das diferenças como imperativo de democracia. Nesta perspectiva é fundamen- tal que a interpretação dos dis- positivos de Direito seja norteado pelo conhecimento interdisciplinar, ou seja, o direito à psicologia, à psi- canálise, à sociologia e a conheci- mento de outras áreas, que permi- tirá que a aplicação de tais normas corresponda ao efetivo exercício A SER HUMANO dos direitos subjetivos, fundamen- tado no princípio da dignidade hu- mana. É importante a busca de um co- nhecimento interdisciplinar para reconhecer a necessidade de ou- tro olhar que nos leva a um for- talecimento da identidade e a um redimensionar de cada disciplina, rumo a um novo horizonte episte- mológico2 – o de ampliar os princí- pios que regem os conhecimentos de cada área do saber. O Ministro do Supremo Tribunal Augusto Cezar Peluso questiona que: Ninguém é dono de verdades ab- solutas a respeito do homem, se é que seja este suscetível de verdades absolutas. De modo que tentar com- preendê-lo em estado de sofrimento, como costuma apresentar-se aos profissionais do Direito, nos conflitos que lhe vêm da inserção familiar, é tarefa árdua e, para usar de parado- xo, quase desumana, porque supõe não apenas delicadeza de espírito e disposição de ânimo, mas prepara- ção e técnica tão vasta e apurada que já não entra no cabedal pretensioso de algum jurista solitário. DIREITO Advogada, Negociadora, Mediadora Judicial, Extraju- dicial e Interdisciplinar; Graduada pela Universidade de Brasília-UNB; Pós-Graduada em Direito Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade Cândido Men- des/RJ; Especializada em Direito de Família e Suces- sões pela Universidade Cândido Mendes/RJ; Espe- cialista em Violência Doméstica e Crianças abusadas pela Universidade de Connecticut – CT & International Women Center – EUA; Especializada em Arbitragem In- ternacional; Especializada em Negociação Internacio- nal; Consultora em Violência Doméstica -Danbury-CT; Sócia Administradora do Escritório Orlando, Castro, Silva, Advogados Associados; Presidente da Rede Internacional de Excelência Jurídica do Distrito Fede- ral – RIEX/DF; Presidente do Centro de Excelência em Negociação, Mediação e Arbitragem - CENMA; Diretora de Mediação do Centro Internacional de Arbitragem e Mediação; Membro da Associação E-Justicia-Latinoa- merica; Membro da Escola Judicial da América Latina; Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvi- mento Sustentável – IBRADES; Coordenadora de Cap- tação do Hospital de Amor no Distrito Federal. 1 Para melhor análise verificar: Anais da Conferência Nacional da OAB.Foz do Iguaçu,set.1994, pág.8. 2 GROENINGA, Giselle Câmara. Direito e Psicanálise – Um Novo Horizonte Epistemológico. Anais IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2003, pág.249 9 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 A psicanalista Giselle Groenin- ga afirma que os pressupostos que formavam o que acreditávamos ser a base de nosso conhecimento têm se modificado. Outros pressupostos surgem em um horizonte em que a crise é palavra corrente. Crise: estado de um sistema em que a mudança é iminente. Crise nas formas de or- ganização social, crise nas insti- tuições, crise na família. Vivencia- mos uma crise paradigmática em que desponta uma emancipação da subjetividade. O caminho que se afigura é o de integração da subjetividade, de sua legitimação, trazendo uma nova consciência nos caminhos do saber. E, a partir da descoberta de Freud de um in- consciente que é estruturado com um lógica própria3, tivemos acesso a outro sujeito além do Sujeito de Direito – O SUJEITO DO DESEJO. Certamente, a crise das ciências humanas ocorreu em função da ex- clusão da subjetividade no que acre- ditávamos ser a objetividade cien- tífica. Com a excessiva objetividade e a especialização, o conhecimento tornou-se esquizofrênico. Esquizo – aquele que tem pensamento frag- mentado, que desconhece a realida- de justamente por desconhecer-se em sua realidade de sujeito humano, realidade também constituída pela subjetividade e pelos afetos. O Direito passa pelo que pode- mos chamar de crise, em que busca a inclusão dos excluídos no laço social - um período de descrenças nos afetos, como se fôssemos seres divididos – razão-emoção, e como se o pensamento se construísse independentemente do que lhe dá um sentido – SENTIMENTO. Com isso, deixamos de lado a razão de nossas razões. E tentamos dominar nossa própria natureza, acreditando que a objetividade nos dá a ansiada segurança, diante do desconhecido, que é a aventura humana.Por isso perdemos de vista justamente o humano, esta combi- nação de sentimento, pensamento, ação, nas semelhanças e diferen- ças que nos são constitutivas. Na realidade, a combinação da subjetividade e da objetividade, ao invés de estarem dissociadas em apanhados parciais dos relaciona- mentos humanos, acaba por aten- der à demanda de reconhecimento da dignidade humana, respeitan- do o Sujeito em sua integridade, em vez de multilá-lo em aspectos que lhe são essenciais. O mediador deste diálogo é o humano, o que nos faz humanos4. No Direito é evidente um movi- mento em direção à humanização, na consideração do afeto como va- lor jurídico, na consideração de uma relação de Sujeito de Direito. Da mesma forma, na Psicanálise, cada vez menos se considera uma rela- ção hierárquica sanidade/doença, médico/paciente, dando-se impor- tância à relação analista/analisan- do, UMA RELAÇÃO SUJEITO –SUJEITO5. Com a consideração do sujeito em sua integralidade, estamos aden- trando no que podemos chamar de Direito a ser humano, considerando todos os níveis de nossa constitui- ção: espírito, mente e corpo6. Podemos dizer que a oposição entre o sujeito e objeto, subjetivida- de e objetividade distanciou a psi- canálise e o Direito, como se fossem territórios reservados. Como se o desejo e a curiosidade fossem trans- gressões às leis de cada disciplina. saber-se sujeito desejante, sujeito curioso, não implica romper com as leis, apenas buscar a legitimação da subjetividade na objetividade. Nesta investigação, envolven- do o Direito e a Psicanálise, temos semelhanças e diferenças, encon- tros e desencontros a respeito da verdade, da natureza, do valor do conhecimento, incluindo os obstá- culos para atingi-los. Mas, afinal, o que o Direito tem a ver com a psi- canálise e qual a contribuição des- sa ciência para o Direito? Em comum entre o Direito e a Psicanálise temos a necessidade de entendimento do conflito. Para o Direito uma pretensão re- sistida, o conflito faz um barulho que deve ser silenciado.Para a Psicanáli- se, o desenvolvimento do ser huma- no se dá continuamente pelo confli- to e pela transformação do mesmo, sendo este inerente à nossa nature- za e constitutivo do ser humano. A sua resolução não implica em seu desaparecimento, e sim em sua transformação, em sua elaboração. É trazer uma resposta humanista à doce e selvagem sociedade depres- siva que procura reduzir o homem a uma máquina sem pensamento nem afeto. Mas o homem é afeto, pensamento e afeição. A psicanálise procura justa- mente a compreensão dos impas- 3 GROENINGA. Direito e Psicanálise – Um Novo Horizonte Epistemológico, pág.252. 4 Para melhor análise verificar sobre o tema: o cuidado e o afeto como valores jurídicos: Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte, set.2003, pág, 253. 5 GROENINGA. Direito e Psicanálise – Um Novo Horizonte Epistemológico, pág.252. 6 GROENINGA. Direito E Psicanálise – Um Novo Horizonte Epistemológico, 252 10 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 8 GROENINGA. Direito e Psicanálise – Um Novo Horizonte Epistemológico, pág.256. 9 GROENINGA. Direito e Psicanálise – Um Novo HorizonteEpistemológico, pág.256. 10 GROENINGA. Direito e Psicanálise – Um Novo Horizonte Epistemológico, pág.259. 11 FACHIN, Luiz Edson, Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil, Rio de Janeiro, Editora Renovar, pag. 38. ses da intersubjetividade e a dis- tribuição de um novo sentido aos conflitos.Ambas as ciências privi- legiam o discurso, a palavra, seus usos e interpretações, e os profis- sionais que as realizam são profis- sionais da escuta. A finalidade da psicanálise é contrapor à idéia de queda e de- cadência, a de redenção do ser humano, pela ciência, pelo conhe- cimento – pela análise de si, pela introspecção. Para pensar na constituição do ser humano e as relações, desde seu início, Freud buscou o mito do Édipo. Em suma este é o paradigma usado pela psicanálise para pensar o desenvolvimento do ser humano por meio da vivência da ambivalên- cia afetiva originária – amor e ódio dirigidos aos pais. E é na família que aprendemos e elaboramos es- ses sentimentos em maior ou me- nor sintonia com o pensamento, a moral e a ética8. A Psicanálise e o Direito consti- tuem campos do saber que traba- lham com a questão do sujeito; tanto o Direito quanto a psicanálise abor- dam um só sujeito, visto como sujei- to do direito e de desejo: Um só su- jeito assujeitado a campos do saber até recentemente estanques, que encontra na conjugação das duas vi- sões uma possibilidade de certo res- gate de sua integridade, a visão do sujeito de direito desejante9. Ambas as disciplinas tem tam- bém em comum a busca da ver- dade das relações, busca que não pode deixar de lado as razões da nossa razão e de nossa desrazão. Essa busca pede a imparcialidade não entendida como neutralidade, mas a imparcialidade de um olhar e uma escuta sensível à interrela- ção entre a objetividade e a subje- tividade. Para o Direito, a proposta é que a subjetividade possa encontrar uma via de reinscrição na compreensão da relação dos indivíduos, sujeitos e operadores do direito com a lei, e por sua vez, resgatar o significado do simbólico desta e a origem de sua legitimidade psíquica, que lhe con- ferem, subjetiva e objetivamente, o poder e a autoridade. Os caminhos não só passam pela minoração da distância entre o Direito e a Psicaná- lise, mas em relação a outras disci- plinas e à coletividade. Como bem ressaltou Groeninga, uma das contribuições da Psicaná- lise é a de buscar apontar as rela- ções sintônicas e distônicas10 entre pensamento e sentimento – os afe- tos – entre o desejo e a repressão, e como tais disjunções podem afe- tar o conhecimento. Nesta busca da humanização do sujeito dirigimos, cada vez mais, para a ampliação da compreensão das relações entre o sentimento, o pensamento e a ação. Dirigimo-nos cada vez mais a buscar o ser ético. Ser que leva em consideração ao in- dividual, sem perder de vista o cole- tivo, ser que tem à disposição seus recursos egóicos e exerce a respon- sabilidade e a autonomia. Somos seres complexos que, quando con- fusos, buscamos na simplificação um alívio para angústia em ser hu- mano. E a parte mais complexa está em nossos afetos, responsáveis pe- las imprecisões de linguagem. Na tentativa de simplificar e mesmo de nos afastar dos afetos, buscamos a objetividade e um ideal de neutrali- dade, que nas ciências exatas já não mais se mantém. Neste novo horizonte do Direi- to, tem merecido cada vez mais a atenção o conceito de dignidade humana – na busca de considera- ção de todos os níveis que consti- tuem o ser humano - do que é mais objetivo, o exterior, aferido pelos sentidos – ao que é mais subjetivo – o interior. Ao falarmos de digni- dade humana, estamos justamente abordando a utilização de nossos sentimentos na interpretação do que remete à essência comum. O escopo final do operador do Direito é exercer uma missão que extrapola as questões unicamente jurídicas, na medida em que sua atu- ação é uma experiência relacional. Seu papel vem imantado de signifi- cação além do discurso real das cau- sas e motivos apresentados, sendo necessário descobrir a realidade da mensagem inconsciente que subjaz disfarçada no discurso. A teoria de governo de virtude cívica ensina que melhores pessoas fazem melhores cidadãos e que me- lhores cidadãos produzem governos e sociedades melhores. Famílias me- lhores, é claro, produzem melhores indivíduos que são melhores cida- dãos. As famílias podem viver sem a sociedade, mas nenhuma sociedade estável e duradora pode existir sem a família. A família é a própria se- menteira da democracia.”11. 11 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 812 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 DORIS T. P. C. DE MIRANDA COUTINHO A responsabilidade públi-ca, cuja gênese decorre da dessacralização do poder e do desenvolvi- mento das noções de representa- tividade (MOREIRA NETO, 2011, p. 51), infunde no Estado seu compro- misso com a sociedade. É somente nela que se encontra a fonte da le- gitimidade do poder político, e não o contrário: os representantes são agentes da sociedade no Estado, e não agentes do Estado. Portanto, mediante a ideia de representação, inverte-se a perspectiva das ativi- dades públicas, adquirindo relevo a vontade popular em seu conteú- do decisório. Pode-se vislumbrar duas ruptu- ras nas condições jus-políticas da sociedade, originando novas de- mandas e renovando os condicio- INTERGERACIONAL DAS FINANÇAS PÚBLICAS namentos à institucionalidade do Estado: a diversificação econômica1 e, em seguida, a publicização de interesses plurais2. À primeira, cor- respondeu a ascensão das variadas manifestações do Estado Social, cuja ação, para além dos valores li- berais já consolidados em momen- to anterior, é orientada a conferir efetividade a direitos coletivos; à segunda, correspondeu ao deline- amento de um Estado Democrático de Direito3. E porque, afinal, são feitas es- tas ressalvas? Porque, em paralelo à reforma da ideia de representa- ção, surgindo com especial força nos tempos atuais4, promove-se o remodelamento dos vínculos de controle da sociedade com o Esta- do, e deste internamente. O apro- fundamento dos conflitos sociais, RESPONSABILIDADE Doris de Miranda Coutinho é Conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins. Doutoranda em Di- reito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA. Membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB (desde 2015) e membro efetivo do ICGFM – Internacional Consortium on Governmental Financial Management. Autora do livro “O ovo da ser- pente: as causas que levaram a corrupção a se alas- trar pelo Brasil”, da Editora Fórum. É especialista em Política e Estratégia Nacional pela Universidade do Tocantins. Possui MBA em “gestão pública com ênfase em controle externo”, pela Universidade do Tocantins. Graduou-se em Direito 1 Por pluralização econômica, está-se a mencionar a ampla segmentação da sociedade decorrente da industrialização, que aprofundou a conflitividade de interesses econômicos contrapostos. Neste cenário, a ascensão de direitos sociais vocaciona o Estado a funções, para além das já realizadas, de planificar, regular e controlar a vida econômica. 2 A ampliação gradativa da liberdade política, incorporando em seu processo todos os agentes sociais, ocasionaram um alargamento dos temas políticos. Neste sentido, muito embora já existisse uma pluralidade de interesses em momentos anteriores, estes passaram a participar da pauta deliberativa pública apenas com a instituição de um “Estado pluriclasse”: “na sociedade de classes, os indivíduos se reúnem em grandes grupos de interesses predominantes; enquanto nas sociedades pluralistas, os indivíduos titularizam interesses simultâneos, enquadráveis em grupos de pressão distintos, que produz diversificadas situações jurídicas e políticas” (MOREIRA NETO, 2018, p. 25). 3 A singularidade do EstadoDemocrático de Direito é a pluralização das fontes de poder e de direito, não mais concentradas apenas no Estado. Este, ante a consolidação de uma ordem social aberta, passa a incorporá-la em sua atividade como instrumento a conferir precisão à deliberação final. 4 O aperfeiçoamento dos meios de comunicação intensifica a conflitividade dos interesses sociais, vez que possibilita que os mesmos sejam articulados em grupos de pressão, de informação e de convívio, vocacionados ao convencimento acerca das ideias e valores que defendem. Não sem motivo, em paralelo aos poderes instituciona- lizados, ascendem os “contrapoderes” (MOREIRA NETO, 2011, p. 53). 13 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 próprios de uma “sociedade de risco” (TORRES, 2001, 135-138), re- dimensiona a necessidade de con- trole sobre o Estado, refundando-o sob quatro reclames fundamentais: eticidade, transparência, participa- ção e eficiência. Agravando-se o cenário, é da própria essência da elaboração das políticas públicas5 elencar interes- ses prioritários, contemplando-os em detrimento de outros. Porém, em um ambiente de escassez de re- cursos6, passa-se a lidar com uma insegurança mais ampla que a in- segurança jurídica tradicional, vis- to que abarca a própria realidade material de viver-se socialmente. No entanto, sendo a vida em so- ciedade uma realidade inescapável e ante a finitude dos recursos, a discussão que se coloca é: pode a geração atual obstar o desenvolvi- mento da seguinte? A solidariedade decorrente do existir socialmente instrui uma nova forma de responsabilidade: a responsabilidade intergeracional. Trata-se de um dever que se pro- longa no tempo e alcança o “direito ao futuro” (FREITAS, 2012, p. 73), afi- nal não pode o presente inviabili- zar os direitos fundamentais, ainda que de gerações supervenientes. Por isso, o desenvolvimento de que trata a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, é, à rigor, um desenvolvimento sustentável. Ou seja, uma realidade que se alicerce intertemporalmente. O problema da sustentabilida- de, entretanto, extrapola a pers- pectiva ambiental, como em geral é abordado, apresentando-se como uma realidade multidimensional, em cujo âmbito também se insere a realidade financeira pública. O que são os déficits públicos senão contas a serem pagas amanhã? Os recursos públicos (pecuniários) são finitos e, quando do seu gasto, a coletividade compartilha não so- mente o bônus (utilidades mate- riais auferidas), como também os seus malefícios (ineficiência; favo- recimentos; desvios de recursos). Fala-se, atualmente, no direito fundamental à boa administração (FREITAS, 2015, p. 118) que, dentre os múltiplos efeitos jurídicos ge- rados, três se correlacionam com a responsabilidade intergeracional: a garantia de ter uma administração transparente, sustentável e previ- dente. Apenas mediante um plane- jamento eficiente da Administração pública, de médio e longo prazo, será alcançado um desenvolvimen- to sustentável. Mas, afinal, porque ainda remanesce resistência em fa- lar da sustentabilidade sob a pers- pectiva do controle? O primeiro obstáculo é a abor- dagem vaga que se deu ao tema. Desenvolver-se sustentavelmente implica atender as necessidades presentes em tripla dimensão, am- biental, social e econômica, sem descurar do seu vínculo com o futuro. No bojo desta realização, encontram-se aspectos de ordem jurídica, fiscal e financeira. Para al- cançar-se o equilíbrio das contas públicas é indispensável que se vislumbre a necessidade de sus- tentabilidade fiscal, em cuja mis- são o controle externo é essencial. O orçamento público no Brasil, nas três esferas federativas, é uma peça fictícia, quando, em realidade, seria por meio dela que a sociedade deveria definir as suas prioridades presentes e o legado deixado ao fu- turo - que tanto pode ser a liberdade para viver o próprio projeto (a sus- tentabilidade), como a sobrecarga de um super-endividamento, her- dado (ou seja, a insustentabilida- de). A construção de uma sociedade solidária, como determina o man- damento republicano, obviamente não comporta um endividamento da magnitude que hoje se apresenta. No entanto, apenas o enxugamen- to significativo das despesas públi- cas solucionaria o problema? Não. Trata-se de transformar um gasto inconsequente em um gasto respon- sável e, para isto, planejamento e transparência na execução são fun- damentais. Afinal, o planejamento é justamente a vinculação do gestor 5 É ínsita à atividade governativa a delimitação de preferências políticas, não sem motivo sua realização (iniciativa e deliberação) permanecem, em regra, na competência de instituições eletivas; já o controle, não, vez que este possui uma natureza não apenas política: é também técnica. 6 Escassez de recursos não apenas econômicos. Passa-se a conviver cada vez mais com o risco de não ter recursos naturais suficientes às demandas humanas. Por isto, não basta repensar o modelo atual de gestão pública. Há que refor- mular o próprio modelo de controle exercido pelas Cortes de Contas. 14 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 público com as consequências sistê- micas de sua atividade. Da perspectiva do controle exter- no, no entanto, as Cortes de Contas não têm demonstrado preocupações suficientes, ou ao menos efetivas, que mostrem resultados concretos com relação a sustentabilidade no âmbito fiscal, nas diretrizes que in- duzam a durabilidade das políticas e o comprometimento com a soli- dariedade entre as gerações. Para tanto, deveria o Tribunal de Contas possuir uma atuação para além das contas, forçando os agentes políti- cos do Executivo a pensarem a longo prazo, muito embora sua permanên- cia no cargo seja de apenas quatro anos, ou oito, caso reeleitos. Por isto, não basta repensar o modelo atual de gestão pública. Há que reformular o próprio modelo de controle exercido pelas Cortes de Contas, de modo que recebam efetividade e assumam a condi- ção de indutores do princípio da sustentabilidade. O ideal de uma fiscalização pra além do mero con- trole formal. Importa, portanto, sair da clássica análise formal das prestações de contas, característi- ca de um modelo burocrático, onde se busca simplesmente detectar desvios e responsabilizar o gestor diante da análise do princípio da legalidade estrita, e deixa-se de lado a análise dos resultados obti- dos, tendo como perspectiva a sus- tentabilidade das contas públicas. REFERÊNCIAS FREITAS, Juarez. Políticas públicas, avaliação de impactos e o direito fundamental à boa administração. In: Se- quência (Florianópolis), n. 70, p. 115-133, jun. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/seq/n70/0101-9562- seq-70-00115.pdf>. Acessado em: 16 jul. 2018. ____________. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Administração Pública no Estado Contemporâneo – eficiência e controle. In: Revista de Informação Legislativa, v. 30, n. 117, p. 23-56, jan./mar. 1993. Disponível em: <http://www2.senado. leg.br/bdsf/handle/id/176099>. Acesso: 19 mai. 2018. ____________. Democracia e contrapoderes. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 258, p. 47-80, set. 2011. TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da transparência no direito financeiro. In: Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, n.8, p. 133-156. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 JUSSARA TEIXEIRA ORLANDO Transmitir aquilo que a psicanálise diz respeito não é uma tarefa nada fácil; sobretudo porque a objetividade tão cara do discurso científico é impotente para abordar a complexidade do (discurso) psi- quismo humano. Não foi por acaso que Freud, o inventor da psicanáli- se, valeu-se inúmeras vezesda arte da literatura, da mitologia, da filo- sofia, entre muitos outros recursos, para explicitar seus pressupostos. É como se encontrasse neles, vias para mostrar a dimensão do indizí- vel, do que escapa à possibilidade de ser abordado pelo universo da lógica da consciência. A contemporaneidade se reve- la como uma fonte permanente de surpresa para o sujeito, que não consegue se regular nem se anteci- par aos acontecimentos, que como turbilhões jorram de maneira dis- seminada ao seu redor onde quase tudo se revela de maneira imprevi- sível e intempestiva. O efeito mais evidente disso, no sujeito, é a ver- tigem e a ameaça do abismo. Como o improvável quase sempre por acontecer, subvertendo-nos, isso nos faz vacilar em nossas certezas. Assim, as mais diversas escalas e dimensões da experiência são permanentemente perpassadas pela surpresa e pelo improvável. Nos registros da economia, da polí- tica, das ciências, das artes e da co- tidianidade, o sujeito se choca com o imprevisível que o desorienta. Assim, podemos dizer que tanto no registro coletivo como individual, nas escalas local e global, a subje- tividade foi virada de ponta cabeça. Essa transformação fundamen- tal propões uma mudança nas formas de mal-estar presentes na contemporaneidade. A leitura do mal-estar é o leme que nos indica uma direção segu- ra para as transformações. Ao lado disso, nos permite contrastar o mal- -estar que se evidenciava na mo- dernidade e aquele que ocorre na contemporaneidade. Isso porque o mal-estar é o signo privilegiado e a caixa de ressonância daquilo que se configura nas relações do sujei- to consigo mesmo e com o outro, revelando assim, as coordenadas cruciais que seriam constitutivas da experiência subjetiva. Vale dizer, é preciso delinear diferencialmente a condição do sujeito na modernida- de e na atualidade, pela leitura de suas respectivas modalidades de A PSICANÁLISE Psicóloga, Psicanalista, Psicodramatista, Psicoterapeuta de casal e família e Mediadora familiar. E O MUNDO DE HOJE 16 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 mal-estar. É certo que, as formas de estruturação do sujeito se eviden- ciam melhor pela capacitação de suas formas de padecimento. Se em outros momentos da his- tória da humanidade o homem ape- lava a outros valores para se haver com as dificuldades da vida – como a constituição da lei, a fé em Deus, as luzes da razão - , na contempo- raneidade parece ser o anseio de criar laços, de comunicar-se, que o homem aspira a encontrar salvação para suas dificuldades e, sobretu- do, para o seu desamparo. Ancora- das uns nos outros buscamos obter algum apoio, mesmo que o outro ao qual nos ligamos esteja nas mesmas condições de desamparo como nós mesmos. Esse apelo a se ligar aos outros participa obviamente da história da humanidade, mas o que nos cha- ma a atenção aqui é o fato de, na contemporaneidade termos infla- cionado essa estratégia. Assim, as pessoas recorrem mais facilmen- te a alguém a alcance da mão, ou ao alcance da linha telefônica, do templo religioso para se amparar. Foi a inquietação da falta vivi- da na contemporaneidade como falta de amor, de insatisfação se- xual, que deu origem à invenção da psicanálise. A psicanálise veio servir para tratar dos impasses decorrentes disso. Cedo, Freud percebeu que aquilo que fazia sofrerem as mulheres que ele atendia, e lhes fazia produzir sin- tomas inexplicáveis aos olhos dos médicos de seu tempo, não eram senão diferentes expressões de um mal inexorável de amor. Logo, ele se deu conta, também, de que o tratamento para isso passava com a fala, pelos efeitos do acio- namento desse fantástico dispo- sitivo que é a fala. Através dela, nos incluímos nessa rede que nos envolve e tenta nos articular uns com os outros. Não existem dúvidas sobre as mudanças nas formas de mal-estar na contemporaneidade, em con- traste patente ao que nos descre- via de maneira cortante o discurso Freudiano. O quadro hoje é outro, existe, com efeito, uma transformação nas formas de mal-estar, que é reco- nhecida pelos discursos psiquiátri- co e psicanalítico. A psicanálise foi surpreendida pelas transformações em curso, e o que precisa ser reconhecido é o ponto de chegada de um lon- go processo de mudança da sub- jetividade, que tal transformação histórica se funda em operadores políticos/sociais e simbólicos que subverteram o campo dos saberes e dos valores de forma radical. De tudo isso resulta uma outra pro- blemática que se impõe na leitura do mal-estar. E por esse viés que o mal-estar se transformou numa indagação ética para a leitura das subjetividades contemporâneas. É verdade que desde a invenção da psicanálise até agora muita coi- sa mudou. Mudaram os costumes, a sociedade certamente não é mais a mesma, diferentes recursos para se lidar com a vida domina a cena contemporânea. Assim, diante da compatibili- dade entra a natureza da inquie- tação que domina a cena atual e a natureza da invenção psicanalíti- ca, esta última continua sendo um recurso privilegiado em nossos tempos. Com isso, quero dizer que diante dos inúmeros sintomas decorrentes do mal de amor, que constitui a tônica do mal-estar da atualidade, a psicanálise apre- senta-se com opção para tratar dessa questão no que se refere a maneira de lidar com as inquieta- ções amorosas, as mudanças são acessórias, não fundamentais, daí a pertinência da presença da psi- canálise. A psicanálise foi surpreendida pelas transformações em curso REFERÊNCIAS Freud, “Novas Conferências de Introdução à Psicanálise” (1933, ESB, volume 22) Pontalis, Jean Bertrand :Freud, Sigmund, 1856-1939- O mal-estar na civilização (1929) Birman, J. Mal-estar da atualidade a Psicanálise e as formas de subjetivação Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 Rosolato, G., a Força do Desejo. O âmago da Psicanálise, Rio de Janeiro. Jorge Zahar Birman, J., O Sujeito na Contemporaneidade, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2012 17 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 GILDO ALVES DE CARVALHO FILHO T rata-se de um relato de experiência do Tribunal de Justiça do Amazonas, cujo objetivo é descrever as práticas em Mediação e Conciliação vivenciadas no Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC) das Varas de Família e no Polo Avançado. Os resultados evi- denciaram que o Sistema Multipor- tas e o uso de métodos adequados de resolução de conflitos vêm favo- recendo o acesso facilitado à Justiça e o encaminhamento dos interessa- dos à via adequada para solução de seus interesses, ou seja, a porta ide- al, contribuindo ainda, para a distri- buição de cidadania plena. Ressalta-se que a primeira re- ferência ao Sistema Multiportas (Multidoor Courthouse System) foi em 1976, intitulada como “alterna- tiva diante das insuficiências das práticas da justiça até então reali- zadas nos Estados Unidos, as quais não atendiam satisfatoriamente às pessoas que buscavam um amparo judicial” (SPENGLER; GIMENEZ, 2015, p.109). O Fórum de Múltiplas Portas ou Tribunal Multiportas constitui SEM PAREDES: A MEDIAÇÃO COMO VETOR DE DISTRIBUIÇÃO DE JUSTIÇA, NA PERSPECTIVA DO CIDADÃO, NO ÂMBITO DO JUDICIÁRIO AMAZONENSE. “uma forma de organização judici- ária na qual o Poder Judiciário fun- ciona como um centro de resolução de disputas, com vários e diversos procedimentos, cada qual com suas vantagens e desvantagens, que de- vem ser levadas em consideração, no momento da escolha, em função das características específicas de cada conflito e das pessoas nele envolvi- das” (LUCHIARI, 2011, p. 308-309). Regionalizando o cenário ex- posto, desenvolveu- se o conceito da “Casa sem paredes”, que apre- senta uma leitura da realidade das famílias amazonenses que, no passado, eram compostas por in- dígenas, que viviam em habitações coletivas conhecidas como malo- cas. Estasmoradas possuem um espaço de convívio coletivo sem as paredes, contendo somente o as- soalho e o telhado confeccionado em palha natural, sendo um espaço de encontro familiar e comunitário. É característica cultural da região, que o caboclo, povo amazonense que vive fora dos centros urbanos, receba de forma acolhedora seus visitantes, independente de sua A CASA Juiz Coordenador do NUPEMEC/TJAM; Presidente do IBDFAM-AM; Mestre em Mediação e Negociação, pelo Institut Universitaire Kurt Bösch - I.U.K.B. Suiça; e-mail: gildo.carvalho@tjam.jus.br. 18 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 condição social e cultural, ofere- cendo-lhe leito de descanso e ali- mentação. Portanto, é neste contexto, que o Centro Judiciário de Solução Con- sensual de Conflitos (CEJUSC) Polo Avançado, desenvolve uma inovado- ra abordagem de conflitos, na forma pré e endoprocessuais, com uma percepção do fenômeno sociológico e interdisciplinar dos muitos aspec- tos da vida contemporânea. As peculiaridades do público atendido exigem respeito à ques- tão socioambiental e seus impactos na família, aos aspectos da cultu- ra amazônica e sua interface com a vida em sociedade, à cultura dos povos tradicionais ribeirinhos e/ou indígenas e sua influência na dinâ- mica familiar, à sustentabilidade econômica, social, ecológica, cultural e principalmente às correlações com a questão da cidadania e justiça no âmbito do direito de família. O CEJUSC Polo Avançado é um Programa de responsabilidade social do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em coope- ração técnica com a Universidade Federal do Amazonas, Universida- de Estadual do Amazonas, Ministé- rio Público e Defensoria Pública. A equipe é composta por profissio- nais e acadêmicos das ciências do Direito, Serviço Social e Psicologia, que realizam as atividades volta- das às sessões de Mediação e Con- ciliação, bem como, a distribuição de cidadania plena aos usuários que padecem de apoio no âmbito do poder judiciário, em suas ques- tões de relacionamento familiar ou nas relações de consumo, como forma de alcançar um saudável convívio social. Diante deste cenário atual, identifica-se que o Poder Judiciário vem redimensionando suas fun- ções e implementando novas práti- cas e políticas que inauguram uma nova forma de relacionamento com seus jurisdicionados. Observa-se que as novas po- líticas estimulam a prestação ju- risdicional em tempo razoável, utilizando um procedimento mais dinâmico e sem a austeridade do tecnicismo processual, levando a justiça para perto de quem precisa. Ao longo da prática, vem se ob- servando o aumento da satisfação dos usuários diante dos procedi- mentos jurídicos e seus resultados, sendo identificado ainda, que os casos solucionados pela mediação e conciliação têm elevado o índi- ce de cumprimento dos acordos, quando comparado com as deci- sões judiciais. Portanto, ao apresentar as questões de conflito, os partici- pantes são convidados a assumir a responsabilidade pela escolha do melhor caminho para a administra- ção do problema, tornando-se pro- tagonistas, na tomada de decisão. Neste sentido, destaca-se a par- ticipação da equipe psicossocial do CEJUSC, formada por profissionais e acadêmicos da área de Psicologia e Serviço Social, que pautam suas intervenções em princípios téc- nicos e éticos, a fim de contribuir com a transformação positiva da realidade familiar apresentada pe- los usuários. Dentre as atividades realizadas, destacam-se: o acolhi- mento, a participação em audiên- cia, abordagem ampliada e as ofi- cinas de parentalidade e divórcio. O acolhimento, a psicoeduca- ção e a socioeducação visam anfi- triar os interessados em sua che- gada ao setor e orientá-los antes da audiência, caso haja dúvidas, quanto às características de uma audiência de mediação e concilia- ção, e esclarecer dúvidas gerais so- bre a guarda compartilhada entre outras, estimulando-os a assumir uma postura colaborativa em con- traposição à competitiva. Outra forma de intervenção é a participação em audiência, ten- do em vista que nesta ocasião, os interessados podem apresentar profunda mobilização emocional diante das questões levantadas ou ter dúvidas passíveis de serem esclarecidas mediante o uso do co- nhecimento científico da Psicologia e do Serviço Social. Nestes casos, é informado aos interessados sobre a existência da equipe técnica e sobre a possibilidade de inserção desta na audiência, a fim de pres- tar os serviços cabíveis. Caso haja interesse, a equipe é acionada. Conclui-se que a riqueza do programa está no compromisso institucional em proporcionar ci- dadania plena ao cidadão, que vai além da resposta técnico-jurídica, procurando atender as necessida- des identificadas, através da pers- Conclui-se que a riqueza do programa está no compromisso institucional em proporcionar cidadania plena ao cidadão 19 pectiva do usuário, tornando-o protagonista na resolução de suas demandas. Insta mencionar os be- nefícios percebidos também pela articulação do CEJUSC Polo Avança- do com a rede de proteção integra- da responsável pelo serviço ou pro- grama de atendimento respectivo, na esfera pública ou terceiro setor. A partir da experiência exitosa mencionada, a sistemática do Tri- bunal Multiportas (A casa sem Paredes) vêm se expandindo no Amazonas e com o apoio do Núcleo Permanente de Métodos Consensu- ais de Solução de Conflitos – NU- PEMEC, outros CEJUSC`S estão sen- do idealizados e implementados na capital e interior, simbolizando “novas portas” de Justiça e Cidada- nia para a população amazonense. REFERÊNCIAS CNJ. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: www.cnj.jus.br. Acesso em: 25/07/2017. GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA: Condições, Desafios e Limites para a institucionalização da Mediação no Judiciário. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. 335 p. LUCHIARI, Valeria Feriolo Lagrasta. Histórico dos métodos alternativos de solução de conflitos. In: GROSMAN, Claudia Frankel; MANDELBAUM, Helena Gurfinkel (Org.). Mediação no judiciário: teoria na prática. São Paulo: Primavera Editorial, 2011, 283-320. SPENGLER, Fabiana Marion; GIMENEZ, Charlise P. Colet. O fórum múltiplas portas e o adequado tratamento do conflito: um estudo de caso – La- gos/Nigéria. Disponível em: www.ojs.unifor.br/index.php/rpen/article. Acesso em: 23/out/2016. R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 FABIOLA ORLANDO A nova proposta paradig-mática do sistema de justiça criminal é pelo reconhecimento do cri- me como um conflito humano, que gera outras expectativas, além do mero castigo ou da satisfação da pretensão punitiva estatal. A mu- dança reclamada é por um novo modelo de justiça penal, mais hu- mano e integrador, que contemple o delito como um problema social e comunitário, capaz de responder às demandas legitima de todos os implicados no fenômeno criminal: a reparação em favor da vitima, cujo protagonismo foi redescober- to: a reintegração do ofensor e uma eficaz politica criminal prevencio- nista1. É o desenvolvimento de uma nova cultura, resistente às praticas simplificadoras de combate à cri- minalidade – seja a da violência estatal em resposta a violência do ofensor, e, no outro extremo, do permissivo que impede a sua res- ponsabilização. Atualmente, as respostas dis- ponibilizadas pelo sistema de RESTAURATIVA E TRANSMODERNIDADE justiça criminal para resolução de conflitos (absolvição, senten- ça condenatória, transação penal, suspensão condicional do pro- cesso ou da pena), são restritas e entabuladas exclusivamente entre Estado e Ofensor, de modo que a vitima e a comunidade é excluída. Ao agir dessa forma, o sistema des- perdiça possibilidades proveitosas de exploração de novas respostas, e as partes – para quem haveria a possibilidadede ganhos mútuos2. Ou seja, a cultura jurídica vigo- rante é a punitiva. Nela o ofensor deve pagar o mal causado por meio da pena, a qual serve para castigá- -lo, desestimulá-lo, neutralizá-lo, e tratá-lo para que volte a vida em sociedade. Assim, o paradigma pu- nitivo contemporâneo não tem lo- grado oferecer soluções adequadas para o da criminalidade crescente seja porque a reação ao crime não tem sido rápida, eficaz e capaz de prevenir novos delitos, seja porque a alegada finalidade de ressociali- zação do ofensor, se considerada como forma de intervenção benéfi- JUSTIÇA Advogada, Negociadora, Mediadora Judicial, Extraju- dicial e Interdisciplinar; Graduada pela Universidade de Brasília-UNB; Pós-Graduada em Direito Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade Cândido Men- des/RJ; Especializada em Direito de Família e Suces- sões pela Universidade Cândido Mendes/RJ; Espe- cialista em Violência Doméstica e Crianças abusadas pela Universidade de Connecticut – CT & International Women Center – EUA; Especializada em Arbitragem In- ternacional; Especializada em Negociação Internacio- nal; Consultora em Violência Doméstica -Danbury-CT; Sócia Administradora do Escritório Orlando, Castro, Silva, Advogados Associados; Presidente da Rede Internacional de Excelência Jurídica do Distrito Fede- ral – RIEX/DF; Presidente do Centro de Excelência em Negociação, Mediação e Arbitragem - CENMA; Diretora de Mediação do Centro Internacional de Arbitragem e Mediação; Membro da Associação E-Justicia-Latinoa- merica; Membro da Escola Judicial da América Latina; Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvi- mento Sustentável – IBRADES; Coordenadora de Cap- tação do Hospital de Amor no Distrito Federal. 1 TIVERON, Raquel. Justiça Restaurativa: A construção de um novo paradigma de justiça criminal. Aspectos Psicológicos. Brasília, DF: Theasurus. p. 126. 2 FARIA, Jose Eduardo. O sistema brasileiro de justiça: experiência recente e futuros desafios. In: Estudos Avançados, vol.18, n.51, mai-ago, São Paulo, 2004, p. 103-125. The new paradigm proposal of the criminal justice system is the recognition of the crime as a human conflict that generates other expectations, beyond mere punishment or satisfaction of state punitive intention . The demanded change is a new model of criminal justice , more humane and inclusive, that comtemple the crime as a social problem and community , able to respond to the legitimate demands of all those involved in the criminal phenomenon: the reparation to the victim , whose role was rediscovered. It is the development of a new culture, resistant to simplifying practices to combat crime - is the state violence in response to violence offender, and at the other end , the permissive that prevents accountability. 21 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 ca e positiva nele, também não tem sido alcançada3. O paradigma vigente concebe o crime como sendo uma violação das leis do Estado. O delito é um fato típico, antijurídico e culpável, merecedor de sanção. Há um en- frentamento simbólico entre a lei e o violador, e a este e atribuído o papel de sujeito ativo da infração, enquanto a vítima é meramente o sujeito passivo da relação. Essa concepção ideal de um sujeito for- mal, encapsulado em si mesmo e apartado de suas relações huma- nas, e do paradigma moderno4. É essencial que se abra espaço para a emergência de mecanismos menos institucionalizados de reso- lução de conflitos e que se deslo- que alguma demanda dos tribunais para outras instâncias decisórias e nos espaços supraestatais. O siste- ma de justiça deve incorporar uma reflexão explícita sobre o problema do enquadramento, ou seja – quem são precisamente os sujeitos rele- vantes para a justiça e quem são os atores sociais que devem dela par- ticipar – Evitando que os padrões institucionalizados de valor cultu- ral tratem alguns autores como in- feriores, excluídos ou invisíveis. Warat ensina que, no paradig- ma moderno, considera-se pessoas como meros sujeitos jurídicos, o ser pensado como um ente e uma distorção violenta, viciosa e uma denegação de humanidade – Uma visão impessoal e mecanicista do indivíduo não se coaduna com a peculiaridade do ser humano, úni- co e irrepetível5. O autor afirma a importância de uma mudança de paradigma que reconheça a sin- gularidade do ser, a humanidade presente nas suas relações a ou- tridade e a humanização dos seus conflitos. O discurso científico moderno emprega termos como determinis- mo, universalidade e progresso. O direito não escapou a esses pres- supostos míticos e crê na existên- cia de fórmulas mágicas que po- dem realizá-los na sociedade, na forma de uma geometria racional e unívoca, como simbolizam os tipos penais e suas penas. Ou seja, o sis- tema criminal, positivista, dogmáti- co, baseado na figura do ofensor e na atribuição de culpa, partindo de um ponto de vista universal para as situações problemáticas, sem con- siderar o seu contexto ou fornecer alternativas emancipatórias para enfrentá-las. Já no discurso pós-moderno incorpora o fator complexidade de modo a possibilitar o reconheci- mento da diferença entre os atos desviantes e os criminalizados e permitir a construção de respos- tas distintas para eles e diminuir a violência do controle estatal. Reva- loriza-se, portanto, o que conven- cionalmente se chama de huma- nidades ou estudos humanísticos, especialmente em matéria de cri- me e punição. No paradigma jurídico-cultu- ral pós-moderno, a justiça passa a se preocupar com a qualidade de vida e não em castigar supostos desvios valorativos, morais ou de ações - considerados como tais por uma civilização que faz da ordem sua neurose. A pós-modernidade prenuncia a emergência de um pa- radigma de sentidos e sensibilida- des, baseada na relação interpes- soal como condutora de um direito transmoderno. Adverte Warat que há um mo- mento em que a utopia moder- na decai em favor da condição pós-moderna, cujos pilares são a desconstrução, a alternativa e a descentralização. Ao desconstruir, o pós-modernismo abdica-se das ilusões racionais da modernidade e deixa de lado as ilusões semio- lógicas dos grandes relatos que fundamentaram o sentido comum manipulador dos juristas da mo- dernidade6. Salo de Carvalho informa que as tendências pós-modernas cau- saram uma mudança na agenda da investigação criminológica – subs- tituíram seus tradicionais objetos de análise – crime, criminoso, rea- ção social, instituições de controle. Analisa-se, assim, a gramática do crime, um estilo punitivo nos cír- culos informais de controle social7. A transciência, diferentemente, da pós-modernidade, não se des- tina a criticar a razão, mas ampli- á-la, estendendo-a ao sensível, ao que se vive na experiência. Se a racionalidade moderna não acei- tava o caótico, encerrando-o em objetividades e conceitualidades, buscando fundamentos absolutos e universais, a transciência aceita 3 TIVERON, Raquel. Justiça Restaurativa: A construção de um novo paradigma de justiça criminal. Aspectos Psicológicos. Brasília, DF: Theasurus. p. 125. 4 SOUSA SANTOS, Boaventura. Os tribunais nas sociedades contemporâneas – o caso português. Porto: Edições Afrontamento, 2010, p. 31. 5 WARAT, Luís Alberto. Ecologia, psicanalise e mediação. In: WARAT, Luis Alberto (org). Em nome do acordo: a mediação no direito, 2 ed. Argentina: Almed, 1998, p. 161. 6 WARAT, Luís Alberto. Ecologia, psicanalise e mediação. In: WARAT, Luis Alberto (org). Em nome do acordo: a mediação no direito, 2 ed. Argentina: Almed,1998, p. 159. 7 TIVERON, Raquel. Justiça Restaurativa: A construção de um novo paradigma de justiça criminal. Brasília, DF: Theasurus. p. 130. 22 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 a contradição, o caos, a fragmen- tação, o imprevisível na conduta de um individuo. O novo paradig- ma em vez deeternidade, busca a história, em vez do determinismo, a imprevisibilidade, em vez do me- canicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organi- zação em vez de reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução, em vez da ordem a desordem, em vez da necessidade, a criatividade e o acidente8. A transmodernidade é a tenta- tiva de retorno para a autonomia, uma transição impulsionada por uma nova sensibilidade como for- ma de a pessoa encontra-se con- sigo mesma e ecom os outros. O dever da ética é substituído pela solidariedade, compaixão e alteri- dade e o normativismo do Direito e substituído por mediação, parti- cipação direta e de encontro face a face. Esse trânsito é chamado de transmodernidade. A transmodernidade não diz respeito necessariamente à alte- ridade, mas sim OUTRIDADE – Um espaço ético de reconhecimento, existente entre duas pessoas, que lhes permite se enxergarem mu- tuamente, desconstruírem-se e, mirando-se um no outro, descobri- rem o que falta em suas supostas existências completas. Assim, verifica-se que o para- digma transmoderno introduz a consciência do sujeito no próprio objeto do conhecimento, ocasio- nando uma transformação radical nesta distinção sujeito –objeto – Prega outra forma de conhecimen- to compreensivo e intimo que não separa, antes que se une ao pes- quisador que e estudado. Na transmodernidade, o co- nhecimento científico traduz-se num saber prático, ou seja, visa constituir-se em ensinar a viver em senso comum – Os sistemas de crenças, os juízos de valor não são colocados antes nem depois da explicação científica da nature- za da sociedade, mas são as partes integrantes dessa justificação. Na origem de uma nova racionalidade estão o senso comum e a humani- dade, interpenetrados pelo conhe- cimento científico. Neste diapasão, a justiça res- taurativa e a proposta transmo- derna possuem muita coisa em comum. No âmbito restaurativo, o próprio ideal de justiça é redefi- nido em prol de um arquétipo re- parador e integrador, afinando-se com o plano transmoderno de cria- ção de um espaço de convergên- cias, solidariedade e compaixão9. A justiça restaurativa contempla o conflito criminal de modo diferen- ciado, optando por tratá-lo e não afastar ou suplantar. Ela reconhece a sua especificidade, complexidade e diversidade – diferentemente da visão impessoal e mecanicista da modernidade10. Ela o personaliza, de forma a resgatar sua dimensão humana, real, concreta e histórica, abrindo espaço para humanização, para o reconhecimento da outri- dade e para manifestação de sen- timentos e de sensibilidades, tal como na proposta transmoderna. Nela, as partes tem a oportunidade de exteriorizar suas vivências com relação ao fato conflitivo, satisfa- zendo a sua dimensão emocional e relacional, sem as limitações e os condicionamentos próprios do processo penal, que instrumentali- za e revitimiza os personagens. Ao contrário, a justiça moderna despersonaliza o conflito delituo- so, distancia artificialmente autor e vítima e propicia a indiferença e a falta de solidariedade do ofensor em relação a vítima e a comunida- de. Nela, a intervenção no conflito é feito de modo técnico e formalista – sua orientação repressiva a obri- ga a conformar-se com a imposição do castigo ao culpado, sem recla- mar desta mudança de atitude. Sob o prisma da modernidade, a justi- ça criminal não apresenta respos- tas aos conflitos sociais – torna-se uma fonte de conflitos. Ensina Hulsman que “O sistema criminal reconstrói o crime a ordem dos acontecimentos de um modo bastante específico, produz uma construção artificial da realidade a partir de um episódio definido no espaço e no tempo, e imobili- za a ação daquele momento, vol- tando-se contra uma pessoa, um individuo, a quem pode atribuir o comportamento e a culpa. Assim, o indivíduo e isolado de seu am- biente, dos amigos, da família, do seu mundo e da vítima e são ig- norados aspectos importantes do conflito. As pessoas são afastadas artificialmente de seus contextos 8 TIVERON, Raquel. Justiça Restaurativa: A construção de um novo paradigma de justiça criminal. Brasília, DF: Theasurus. p. 130. 9 TIVERON, Raquel. Justiça Restaurativa: A construção de um novo paradigma de justiça criminal. Brasília, DF: Theasurus. p. 130. 10 TIVERON, Raquel. Justiça Restaurativa: A construção de um novo paradigma de justiça criminal. Brasília, DF: Theasurus. p. 133. 23 R E V I S TA E X C E L Ê N C I A J U R Í D I C A S E T E M B R O / O U T U B R O 2 0 1 8 e separadas“ – A organização da cultura criminal a humanidade, tão valorizada pela perspectiva trans- moderna11. Os desafios multifacetados da justiça contemporânea exigem dos julgadores e aplicadores do Direi- to a criatividade e empenho para a sua solução. Ou seja, importante e necessário que a despeito do ar- cabouço jurídico moderno, muitas vezes rígido e defasado, que se prepare para lidar com os conflitos emergentes em uma sociedade he- terogênea e complexa. Vivenciamos o Estado atuando com base em instrumentos nor- mativos obsoletos, rigorosos e sem vínculos com a realidade emergen- te. As demandas atuais geralmente possuem uma dimensão comunitá- ria e grupal que desafiam as regras processuais vigentes. A justiça res- taurativa, por compreender a espe- cificidade dos conflitos, reconhece a diversidade das soluções que eles reclamam e oferece possibili- dades de respostas mais criativas, mais adequadas a cada um deles, renegando a já referida tendência totalizante da modernidade. A justiça restaurativa propug- na fórmulas de intervenção no conflito igualmente diferenciadas – mediação, o circulo de paz, o cír- culo de sentença – todas de índole pacificadora, comunicativa, parti- cipativa, integradora e comunitá- ria12. – Ela permite o trânsito desta nova sensibilidade, como forma do ser encontrar-se consigo mesmo e com os outros. Verifica-se, ainda, que o eleva- do conteúdo pedagógico dos pro- cedimentos restaurativos possibili- ta que uma solução para o conflito emerja como consequência natural do processo de comunicação au- tor-vítima, da percepção direta do dano causado, como potencial de mudança de atitudes dos envolvi- dos, rechaçando qualquer impo- sição coativa ou heterônoma de desfechos – coincide com o culto a riqueza, diversidade e a imprevisi- bilidade transmodernas. Em comum entre o paradigma restaurativo e a transmodernidade esta a valorização da micro-justica do cotidiano comprometida com as possibilidades reais e usuais, me- diante a afirmação e o reconheci- mento da outridade e não da sua eliminação13 – A justiça restaurati- va não vê no outro ou no conflito algo nocivo, mas uma confrontação construtiva, revitalizadora. O con- flito seria uma diferença enérgica, um potencial construtivo. Diante disso, a justiça restau- rativa se une a transmodernidade para conferir um salto qualitativo no sistema de justiça, superando a condição jurídica moderna alicer- çada no litígio, na rigidez, e numa visão negativa do conflito. Warat ressalta que os juristas pensam que o conflito é algo que tem de ser evitado. Eles os rede- finem, pensando-o como litígio, como controvérsia. Jamais os juris- tas pensam o conflito em termos de satisfação, o conflito como forma de inclusão do outro na produção do novo14. Rafael Mendonça enfatiza que, na maioria das vezes, os próprios sujeitos não conseguem conhecer ou elaborar os seus desejos insa- tisfeitos e são transformados em partes, em litigantes no processo. Essa realidade gera mais indivídu- os insatisfeitos e alienados de si, que em nome de uma vitória pro- cessual, valem-se das estratégias mais censuráveis do ponto de vista ético15. Neste paradigma de solução de conflitos, os acordos de paz a que se chegam são impostos externa- mente em situação de supra-orde- nação, após violentos e extenuan- tes enfrentamentos processuais – a justiça representa um pai protetor a quem invoca do que uma
Compartilhar