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Sarcoidose (Medcurso + Aula Dr. Flávio) A sarcoidose (doença de Besnier-Boeck-Schaumann) é uma doença inflamatória crônica de causa desconhecida que se caracteriza pelo acúmulo de linfócitos e macrófagos em diversos órgãos, de modo a formar granulomas não caseosos que promovem desarranjos teciduais. O pulmão é o órgão mais afetado (>90% dos casos), porém qualquer parte do corpo pode ser atingida, particularmente a pele, os olhos, linfonodos e o fígado. Cerca de 50% dos pacientes apresentam doença autolimitada, com remissão espontânea após 2-5 anos, e nestes o tratamento nem sempre se faz necessário. Por outro lado, no restante dos casos a evolução tende a ser crônica e pode levar à destruição orgânica irreversível. Os corticoides ainda são a base da terapêutica. Epidemiologia A sarcoidose é vista no mundo inteiro, mas por motivos desconhecidos predomina nas populações nórdicas. A maioria dos casos é esporádica, porém, em 5% das vezes há relato de outros casos na família. As mulheres parecem ser mais suscetíveis que os homens e a faixa etária mais afetada gira em torno de 20-40 anos de idade (adultos jovens). Atualmente se reconhece um segundo pico de incidência, por volta dos 60 anos. A doença é bastante rara em crianças. As manifestações pulmonares e cutâneas são mais graves em negros do que em brancos e os japoneses apresentam incidências muito aumentadas de sarcoidose ocular e cardíaca. O risco é maior em obesos e é menor em fumantes*. Perfil do paciente com sarcoidose: mulher, negra, obesa. Etiologia Pelo fato de acometer frequentemente os pulmões, a pele e os olhos (áreas expostas), acredita-se que a doença possa ser causada por algum agente ambiental – infeccioso ou não – que seja transmitido pelo ar. Diversos estudos associaram a ocorrência de sarcoidose com exposição a inseticidas e ambientes contaminados por fungos (bolores). Trabalhadores da construção civil e bombeiros possuem um risco aumentado de desenvolver a doença. Múltiplas evidências também sugerem uma etiologia infecciosa. Já foi demonstrada forte associação com Propionobacterium acnes, uma vez que o DNA desse germe pode ser recuperado, por PCR, no tecido ganglionar de grande número de casos. Em outros pacientes, por sua vez, é possível demonstrar a presença isolada de antígenos micobacterianos no interior dos granulomas sarcoides, assim como altos títulos de anticorpos contra tais proteínas no soro desses pacientes. Propõe-se hoje em dia que a sarcoidose seja na verdade o resultado de uma reação imunológica anômala, estereotipada, a qual pode surgir contra uma série de antígenos diferentes, desde que o indivíduo seja geneticamente predisposto. Logo, talvez existam vários agentes etiológicos para a sarcoidose, e não apenas um único agente misterioso. Patologia O grande marco histopatológico da sarcoidose é o surgimento cumulativo de granulomas não caseosos nos diversos tecidos. Um granuloma é uma estrutura compacta, composta por um agregado central de macrófagos circundado por uma coroa de linfócitos TCD4+, e, às vezes, linfócitos B. é comum a fusão das membranas dos macrófagos centrais, o que origina as células gigantes multinucleadas tipicamente presentes nos granulomas. Macrófagos mais periféricos assumem um formato “epitelioide”, originando as chamadas células em paliçada. Se o processo for persistente, fibroblastos circundarão o conjunto descrito dando início à formação de uma cicatriz fibrótica que distorce os tecidos vizinhos. Caso contrário, os granulomas podem desaparecer sem deixar sequelas. O evento inicial da formação do granuloma é a interação entre uma célula apresentadora de antígeno e o linfócito TCD4. A partir desta interação ocorre secreção de IL-2 e interferon-gama pelo linfócito, bem como de TNF-alfa pela célula apresentadora de antígeno. Tais citocinas atraem e ativam fagócitos mononucleares, os quais se acumulam em torno do foco inicial. A sarcoidose compromete os tecidos porque os granulomas causam a distorção de suas arquiteturas. Se o número suficiente de unidades funcionais de um órgão for atingido (isto é, dependendo da “carga” de granulomas), a doença se torna clinicamente aparente. A expressão clínica só ocorre nos locais onde os granulomas estão em maior número, particularmente naqueles em que a arquitetura tecidual é fator decisivo para os processos fisiopatológicos. O granuloma sarcoidótico é idêntico, morfológica e imunologicamente aos granulomas gerados por outras enfermidades, sendo, portanto, fundamental afastar outras doenças granulomatosas antes de se firmar o diagnóstico de sarcoidose. É obrigatório excluir: micobacterioses (tuberculose e micobactérias atípicas), infecções fúngicas, neoplasias (em especial as linfoproliferativas), beriliose. Fisiopatologia: exposição a fatores ambientais, ocupacionais e agentes infeciosos. Suscetibilidade genética, resposta imune, ativação de macrófagos e linfócitos T. CD4 + TH1. Produção de interferon gama, IL2 e TNF. Formação do granuloma, fibrose do órgão. Manifestações clínicas A sarcoidose é uma doença multissistêmica, e como tal pode apresentar sintomatologia variada, dependendo do paciente. Um aspecto marcante é o fato de que os pulmões quase sempre estão envolvidos. A sarcoidose costuma poupar rins e sistema gastrointestinal. Pode ocorrer vasculites. Formas de apresentação: · Assintomática: a sarcoidose pode ser detectada em indivíduos assintomáticos, comumente através de um RX de tórax de rotina. O achado clássico é a adenopatia hilar bilateral simétrica, com ou sem infiltrado pulmonar associado. Estima-se que até 1/3 dos portadores da doença sejam assintomáticos. · Aguda: em alguns casos, a sarcoidose aparece com sinais e sintomas agudos que evoluem em algumas semanas. Os indivíduos neste grupo apresentam sintomas gerais como febre, astenia e anorexia, os quais podem ser extenuantes. São comuns também sintomas pulmonares, como tosse, dispneia e um vago desconforto restroesternal. Foram identificadas duas síndromes básicas de sarcoidose aguda a síndrome de Löefgren e a síndrome de Heeford-Waldenström. · Crônica: a forma insidiosa da sarcoidose se arrasta ao longo de meses, em geral se associando a queixas respiratórias, sendo menos frequente a presença de sintomas gerais sistêmicos. Este é o tipo com maior probabilidade de evolução para cronicidade, induzindo lesão permanente dos pulmões e outros órgãos. Apresentação típica da sarcoidose · RX alterado em paciente assintomático: 95% dos pacientes tem acometimento intratorácico. Adenopatia hilar e/ou infiltrados pulmonares. · Envolvimento extratorácico (pele, olhos e articulações) e intratorácico em 50% dos pacientes. Manifestações pulmonares A lesão primariamente encontrada é uma pneumonia intersticial. Alargamento de hilo, doença pulmonar intersticial, derrame pleural e hipertensão pulmonar. Tosse seca, dispneia, dor torácica, hemoptise, baqueteamento digital (raro). Estágios do acometimento pulmonar: Estagio zero: pulmão normal. Manifestações cutâneas · Rash em até 33% · Eritema nodoso (diferenciar com hanseníase) · Nódulos subcutâneos · Pápulas · Placas · Lúpus pérnio · Lesões sobre tatuagens Manifestações oculares · Uveite anterior bilateral · Ceratoconjuntivite, olho seco · Uveite intermédia (pars planitis) · Proptose palpebral (pseudotumor): granuloma em músculos extraoculares Acometimento articular · Artralgia · Artrite aguda x crônica · A forma aguda é mais comum em Löefgren · Acometimento de tornozelos é comum · Pode haver manifestação cutânea ao redor da articulação Acometimento muscular · Miosite muscular · Quase 80% dos pacientes tem acometimento muscular, mas são assintomáticos Organomegalia · Hepatomegalia · Esplenomegalia · Elevação assintomática da fosfatase alcalina Glândulas · Lacrimais: olho seco – ceratoconjuntivite · Salivar: parotidite Neurosarcoidose · Paralisia de nervos cranianos: o facial é o mais acometido · Meningite asséptica · Encefalopatia · Lesões de efeito em massa · Neuropatia periférica · Neuropatia de fibras finas Cardiovascular· Miocardite · Bloqueios · Arritmias · Insuficiência cardíaca Sangue · Leucopenia · Anemia Os granulomas causam aumento da vitamina D e, consequentemente, hipercalemia. Pacientes com HIV descontrolado não desenvolvem sarcoidose, por destruição dos linfócitos. Diagnóstico O diagnóstico da sarcoidose é baseado em três pilares: manifestações clínicas, RX de tórax típico e biópsia mostrando granulomas não caseosos. É necessária a exclusão de mimetizadores. Na ausência de lesões cutâneas, o pulmão é o local mais indicado para realização de uma biópsia. O método utilizado é a biopsia transbronquica. Se a biopsia transbrônquica for negativa, mas houver forte suspeita de sarcoidose, com comprometimento do parênquima ao RX, está indicada a repetição do exame. Não se deve realizar biopsia às cegas. Situações específicas que podem dispensar a biópsia: Tratamento Casos oligo/assintomáticos podem ser apenas acompanhados clinicamente, sem qualquer tratamento medicamentoso. Para os demais, a base terapêutica consiste na corticoterapia, que pode ser tópica (quando apenas um órgão é afetado de forma branda) ou sistêmica (forma extensa de um único órgão ou lesões multiorgânicas). Neste caso é utilizado prednisona oral 0,5 – 1 mg/kg/dia. As principais indicações para o tratamento sistêmico são: sintomas constitucionais importantes, hipercalcemia, acometimento ocular grave (irite, uveíte), artrite, acometimento do SNC, acometimento cardíaco, hepatite granulomatosa, lesões cutâneas extensas e acometimento pulmonar progressiva. Nos casos muito graves, com ameaça à vida ou à função orgânica (ex: neurosarcoidose), pode-se optar pela pulsoterapia com metilprednisolona (500 – 1.000 mg IV 1x ao dia por 3-4 dias consecutivos). Nos pacientes que necessitam de tratamento prolongado, podemos tentar associar drogas poupadoras de corticoide, que também se tornam a principal opção nos casos refratários ou definitivamente intolerantes à corticoterapia. Neste sentido, a droga de escolha na atualidade é o metotrexato, mas pode-se optar por outros imunossupressores.
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