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Economia Política e Serviço Social Karl Marx (Parte 1) Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Bruno Leonardo Tardelli Revisão Textual: Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos 5 • A Mercadoria na Visão Marxista e a Teoria do Valor em Marx • As Formas do Valor ou Valor de Troca • A Circulação das Mercadorias e do Dinheiro • Como o Dinheiro se Transformaria em Capital Nesta unidade será apresentada parte da teoria do pensador Karl Marx. Como esse autor possui elevado volume de ideias, a estratégia para esta unidade é introduzir parte do conteúdo referente à sua obra O Capital. Serão expostos conceitos elementares para entendimento do funcionamento do capitalismo, segundo a visão marxista. Preste atenção aos detalhes colocados nesta unidade, pois serão fundamentais para a consolidação da unidade IV. Nesta unidade, iremos detalhar os seguintes pontos: · a mercadoria na visão marxista e a teoria do valor em Marx; · as formas do valor ou valor de troca; · a circulação das mercadorias e do dinheiro; · como o dinheiro se transformaria em capital. Karl Marx (Parte 1) 6 Unidade: Karl Marx (Parte 1) Contextualização Seríamos nós apenas um rebanho? Eleassar/wikimedia commons 7 A Mercadoria na Visão Marxista e a Teoria do Valor em Marx A mercadoria é o ponto de início da obra, pois, segundo Marx, a riqueza das sociedades capitalistas é derivada de uma extensa acumulação de mercadorias. Bom, então o que é considerado mercadoria? Mercadoria seria “uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas [...]” (MARX, 2006). Se esta coisa satisfaz as necessidades do homem, dizemos que é algo que possui utilidade. Entretanto, devemos entender que cada coisa útil gerada para a sociedade (lápis, computadores, fogões, alimentos etc.) possui qualidade específica. Se observarmos um lápis e um computador, podemos ver claramente que possuem características absolutamente distintas, ou seja, possuem propriedades materiais que fazem com que um lápis não seja confundido com um computador. Ao longo do estudo marxista, cada bem ou mercadoria gerada seria um valor de uso por possuir utilidade. Assim, a mercadoria lápis seria um valor de uso diferente do computador, não por valor divergente, mas por características físicas e químicas distintas. Podemos entender, então, que: as sociedades mais avançadas tendem a se especializar na produção de determinado bem ao invés de produzirem todo tipo de bem para uso pessoal. Pense É mais comum encontrar pessoas que produzem tudo o que precisam para satisfazer seus desejos ou pessoas que produzem algo específico e adquirem o que precisam a mais trocando com outras pessoas? Naturalmente a última situação é mais comum. Por exemplo, um fabricante de cachaça não precisa somente da “branquinha” para viver; então, troca uma quantidade de cachaça por outras coisas que precisa para viver. Diante desse contexto se (1) os indivíduos comumente não produzem tudo o que consomem, mas sim trocam produtos, de modo a satisfazerem suas necessidades; e se (2) o valor de uso representa apenas as características materiais de um bem, a pergunta que surge é: qual fator determinaria o quanto se pode trocar uma mercadoria por outra? De outra forma, como o fabricante de cachaça sabe a quantidade de outros produtos que pode obter a partir de uma garrafa de aguardente? Se, por exemplo, uma garrafa de um litro do produto pudesse ser trocada por duas camisas, o que definiria essa relação? Por que um litro de pinga poderia valer duas camisas, mas não três? É nesse momento que Marx revela outra face da mercadoria, a de poder não ter somente valor de uso, ou seja, ser apenas um bem com propriedades materiais específicas, mas sim também conter valor de troca. Ou seja, existe algo na mercadoria além suas características físicas e químicas. Mas se o valor de uma mercadoria não está no fato de ser um bem com utilidade, quer dizer, um valor de uso, onde estaria? Para Marx, estaria na quantidade de trabalho aplicada na mercadoria. Segundo as próprias palavras do autor, se excluirmos 8 Unidade: Karl Marx (Parte 1) “[...] o valor-de-uso da mercadoria, só lhe resta uma propriedade, a de ser produto do trabalho”. Pondo de lado seu valor de uso, abstraímos, também, das formas e elementos materiais que fazem dele um valor de uso. Ele não é mais uma mesa, casa, fio ou qualquer outra coisa útil. Sumiram todas as suas qualidades materiais. Também não é mais o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro, ou de qualquer outra forma de trabalho produtivo. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos produtos do trabalho nele corporificados; desvanecem, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato”. (MARX, 2006, p. 60). E segue: “Um valor de uso ou um bem só possui, portanto, valor, porque nele está corporificado, materializado, trabalho humano abstrato. Como medir a grandeza de seu valor? Por meio da quantidade da ‘substância criadora do valor’ nela contida, o trabalho. A quantidade de trabalho, por sua vez, mede-se pelo tempo de sua duração, e o tempo de trabalho, por frações do tempo, como hora, dia etc.” (MARX, 2006, p. 60). Apesar de longos, os trechos anteriores deixam claro que não é o fato de ser útil, que torna uma mercadoria mais ou menos valiosa, mas sim o fato de ser produto do trabalho humano independentemente de quem o executou. Assim, na visão marxista, é o tempo de trabalho para a confecção de uma mercadoria que definiria o seu valor e, assim, o quanto dela poderia ser trocada por outras. Assim, por exemplo, se uma mesa demorou quatro horas para ser feita e uma cadeira, duas horas, então uma mesa valeria duas cadeiras. Resumindo, uma mercadoria apresenta dois componentes: valor de uso – em função das propriedades materiais que podem satisfazer necessidades humanas – e valor – representado pelo tempo de trabalho gasto para sua realização e, é este valor, advindo da força de trabalho, que serve de parâmetro de comparação na troca das mercadorias. Apresentamos que, na visão marxista, o tempo de trabalho gasto para produzir uma mercadoria determinaria o valor dela. Pois bem, imagine que estejamos considerando a fabricação de um sofá do mesmo modelo por duas pessoas, uma delas com características de mais eficiência e outra mais lenta e enrolada. Então, partindo do que Marx coloca, significaria que o sofá produzido pela pessoa que demora mais – o tempo de trabalho é maior – para terminá-lo teria um valor maior? Claramente que não. Para contornar esta situação, Marx (2006) diz que o tempo de trabalho deve ser o tempo gasto pela média dos trabalhadores e não tomados individualmente, o qual é chamado pelo autor de tempo socialmente necessário para a produção de uma mercadoria. Nas palavras do autor, “tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo requerido para produzir-se um valor de uso qualquer, nas condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social médio de destreza e intensidade de trabalho” (MARX, 2006, p. 61). 9 Juntamente com a distinção entre valor e valor de uso, podemos observar uma diferença clara entre os conceitos de trabalho humano abstrato e o de trabalho útil. O trabalho humano abstrato é aquele capaz de introduzir valor numa determinada mercadoria; é fruto do tempo de esforço normalmente necessário para confeccioná-la, mas não o vemos no produto final. Por outro lado, o trabalho útil é aquele que confere as características materiais das mercadorias; é aquele capaz de mostrar que do fruto do trabalho humano pode haver mercadorias qualitativamente distintas e úteis. Poderíamos ver o trabalho útil como a parte de um trabalho particular que desenha determinado formato de uma mercadoriae a cria. Por exemplo, o tempo socialmente necessário de força de trabalho humana para se fazer uma mesa ou uma cadeira poderiam ser os mesmos e, assim, o trabalho humano abstrato (grosso modo, a massa de esforço humano) introduziria a mesma quantidade de valor, tanto na cadeira como na mesa. Entretanto, como a mesa e a cadeira são valores de uso distintos (ou seja, não são os mesmos objetos), derivariam de um trabalho com qualidades distintas (trabalho que cria produtos diferentes e revela a parte do trabalho útil). As Formas do Valor ou Valor de Troca Esta seção é dedicada a compreender as relações de troca e expressões que o valor pode assumir. As distintas mercadorias possuem características materiais particulares e, assim, a comparação entre as mercadorias, relação de troca entre elas, se daria através do tempo socialmente necessário para sua produção, conforme visto anteriormente. Entretanto, precisamos entender este ponto de forma mais profunda. Uma mercadoria por si só não consegue evidenciar ou expressar seu valor somente através do tempo socialmente necessário da força de trabalho. Por exemplo, ao perguntarmos para um atendente de loja qual o valor de uma calça, a resposta não seria “10 horas de trabalho”. Claramente que a resposta seria em alguma quantia de dinheiro; mas, para explicarmos o significado marxista do dinheiro, precisamos fazer um exercício gradual. Dessa forma, passaremos a algumas formas do valor. Veremos as seguintes formas: A) A forma simples do valor; B) A forma total do valor; C) A forma geral do valor; D) A forma dinheiro. 10 Unidade: Karl Marx (Parte 1) A) A forma simples do valor As mercadorias além de úteis são, também, veículos de valor. Elas carregam valor em si e, assim, podem ser trocadas com quaisquer outras mercadorias. Como dito anteriormente, uma mercadoria, apesar de seu valor depender do tempo de trabalho socialmente necessário para sua formação, não consegue encontrar nessas horas a sua expressão de valor; uma mercadoria precisa de algo exterior e concreto para se expressar, ou seja, para mostrar seu valor de troca. A forma simples do valor é quando relacionamos apenas uma mercadoria com outra de valor equivalente. Vejamos um exemplo: Se dissermos que 20 metros de linho valem 1 casaco, estamos dizendo que 20 metros de linho contêm o mesmo tempo de trabalho socialmente necessário que uma unidade de casaco. Ou seja, 20 metros de linho = 1 casaco. A mercadoria que se posiciona à esquerda da equação (20 metros de linho) diz-se que se apresenta sob a forma relativa do valor e a que se posiciona à direita (1 casaco) diz-se que apresenta sob a forma equivalente. Vamos à explicação de cada uma dessas formas. Como o valor de uma mercadoria não é exteriorizado sob a forma de horas de trabalho, precisa buscar no corpo de outra mercadoria a expressão de seu valor. Se 20 metros de linho valem 1 casaco, coloca-se que os 20 metros de linho estão buscando seu valor fora de seu próprio corpo para revelar-se e a unidade de casaco empresta seu corpo para o valor dos 20 metros de linho se materializar. A mercadoria que busca se expressar em algo concreto, além do tempo de trabalho, é a mercadoria que está sob a forma relativa do valor e a mercadoria que empresta seu corpo para expressar o valor da outra é a que está sob a forma equivalente. Similarmente, caso disséssemos o contrário, 1 casaco vale 20 metros de linho, a unidade de casaco estaria sob a forma relativa do valor e os 20 metros de linho sob forma equivalente. O valor de troca de uma mercadoria somente se revela quando se faz essa comparação entre mercadorias, pois mostra as coisas que podemos adquirir com uma mercadoria. B) A forma total do valor A forma total do valor é expressar o valor de uma mercadoria sob forma relativa não somente no corpo de outra, mas em todas as outras mercadorias que existem. Inicialmente, colocamos que 20 metros de linho valem 1 casaco, mas podem expressar seu valor não somente na unidade de casaco como em outras. Por exemplo, 20 metros de linho valem 1 casaco, ou 100 bonés, ou ½ smartphone, ou 10 quilos de chá etc. Todos os objetos comparados aos 20 metros de linho teriam o mesmo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Entretanto, aqui, os 20 metros de linho – que estão 11 sob a forma relativa do valor – encontram todas as outras mercadorias do mundo como formas concretas para expressar seu valor. Agora não somente a unidade de casaco se encontra sob a forma equivalente, mas também os 100 bonés, a metade de um smartphone padrão (sem especificarmos o modelo para não complicar a explicação), 10 quilos de chá e todos os outros objetos construídos pelo homem que podem satisfazer suas necessidades. C) A forma geral do valor A forma geral do valor é expressarmos todas as mercadorias – estando sob a forma relativa do valor – a uma única – que estaria sob a forma equivalente. Por exemplo: 100 bonés Ou ½ Smartphone = 20 metros de linho Ou 10 quilos de chá Etc... Forma relativa do valor Forma equivalente Assim, todas as mercadorias se apresentam sob a forma relativa de valor, exceto os 20 metros de linho, que estão sob a forma equivalente. As mercadorias buscam o corpo de apenas uma para expressar seu valor, os 20 metros de linho, que se torna um equivalente geral. D) A forma dinheiro Apesar do que foi dito na forma geral do valor, ao irmos a uma loja e perguntarmos: “Moça! Quanto valem estes 100 bonés?”, a atendente não vai revelar o valor em algo concreto do tipo “20 metros de linho”, mas sim o equivalente em dinheiro. O dinheiro assume, portanto, o papel de equivalente geral. Por exemplo: 100 bonés Ou ½ Smartphone = 5 gramas de ouro Ou 10 quilos de chá Etc... Forma relativa do valor Forma equivalente 12 Unidade: Karl Marx (Parte 1) O ouro, por suas características próprias, e, principalmente, por ser uma mercadoria que teve um tempo socialmente necessário para sua extração e lapidação, pode servir de equivalente para todas as outras mercadorias. Assim, a diferença da forma geral do valor para a forma dinheiro é somente o uso de uma mercadoria mais adequada, como o ouro, ou a prata, para expressar o valor de todas as outras mercadorias. A Circulação das Mercadorias e do Dinheiro As mercadorias entram no processo de troca. É natural que isso ocorra dada a divisão do trabalho da sociedade. Cada indivíduo contribui de uma forma produtiva e adquire uma gama produtos de outros indivíduos. As mercadorias circulam na sociedade, através da utilização de uma mercadoria que serve como equivalente geral, que é denominada dinheiro. O processo de troca possui duas sequências: inicia quando há uma venda e depois uma compra. Vamos a elas. Inicialmente, um tecelão possui uma determinada mercadoria, por exemplo, o nosso velho conhecido 20 metros de linho. Considerando que esse objeto não lhe útil, só possui para ele valor de troca, ele busca realizar a venda deste produto. Quando há dinheiro em troca do produto vendido, o valor na forma de dinheiro deve ser idêntico ao valor do produto. Isso não poderia ser diferente, pois o dinheiro por si só é uma mercadoria, como vimos anteriormente. Se os 20 metros de linho contivessem 14 horas de trabalho e recebessem em troca uma quantidade de dinheiro expressa em ouro representando 15 horas de trabalho, por exemplo, o vendedor dos 20 metros de linho estaria em vantagem e teria enganado o comprador do tecido. A circulação das mercadorias por meio de um processo intermediário realizado pelo dinheiro não tem por objetivo enganar as pessoas. A parte correspondente ao processo de venda é simplificada pelo autor como M – D (ou mercadoria – dinheiro, nessa sequência).Analisando pelas formas de valor vistas anteriormente, o dinheiro empresta seu corpo para a mercadoria expressar seu valor. Por exemplo, 20 metros de linho valem 5 gramas de ouro. Com o obtido pela venda dos 20 metros de linho, o indivíduo realiza agora a compra: D – M (ou dinheiro – mercadoria, nessa sequência). O indivíduo, para satisfazer suas necessidades, possuindo dinheiro (5 gramas de ouro), verificaria as mercadorias que poderiam expressar o valor dessa quantidade em ouro e verificaria todas as quantidades de mercadorias que pode obter com aquele ouro. Digamos que o nosso tecelão do exemplo escolha uma Bíblia. Assim, o processo da troca em si é finalizado com a compra da Bíblia, representando um valor equivalente ao do ouro. 13 Para o processo inteiro ser possível, o tempo socialmente necessário para a produção dos 20 metros de linho, das 5 gramas de ouro e de 1 Bíblia devem ser iguais, caso contrário, haveria trocas de mercadorias com valores distintos. No processo de troca, ocorrem as seguintes mudanças: MERCADORIA – DINHEIRO – MERCADORIA M – D – M Da mesma forma que o tecelão realizou a compra da Bíblia, o vendedor da Bíblia realizou a venda e, por meio desta, obteve dinheiro suficiente para comprar outros produtos que deseja consumir. Assim, o processo de compra para um pode ser o de venda para outro. Nas palavras do autor, “o circuito percorrido pelas metamorfoses de cada mercadoria entrelaça-se, portanto, inextricavelmente com os circuitos das outras mercadorias. O conjunto de todos os circuitos constitui a circulação das mercadorias” (MARX, 2006, p. 139). Ao passar o dinheiro do tecelão para o vendedor de Bíblias e este escolher comprar uma quantia de cachaça correspondente a 5 gramas de ouro, o dono do alambique recebe as 5 gramas de ouro. Assim, apesar de a circulação das mercadorias ocorrer entre produtos que vão sendo substituídos (por exemplo, linho, Bíblia, cachaça etc.), o dinheiro se mantém na esfera de circulação realizando seu próprio circuito, a circulação do dinheiro. “A forma de movimento que a circulação de mercadorias imprime ao dinheiro é, por isso, seu afastamento constante do ponto de partida, seu fluir das mãos de um possuidor de mercadoria para a de outro, enfim, o seu curso.” (MARX, 2006, p. 141-142). Como o Dinheiro se Transformaria em Capital Dinheiro e capital não são a mesma coisa? Na teoria marxista realmente há distinção entre o dinheiro que é somente dinheiro e aquele que é visto como capital. A diferença estaria na esfera da circulação. A circulação simples das mercadorias é composta por uma conversão de mercadoria em dinheiro (M - D) e, posteriormente de dinheiro em mercadoria (D - M), a qual forma M – D – M. Por outro lado, temos a circulação D – M – D, em que dinheiro se transforma em mercadoria e mercadoria em dinheiro. Poderia nos parecer à primeira vista absolutamente a mesma coisa, sendo o segundo caso (D – M – D) uma mera manipulação. Para entendermos a diferença fundamental, devemos analisar o D – M – D de forma separada. 14 Unidade: Karl Marx (Parte 1) A primeira parte (D - M) revela que existe um dinheiro inicialmente e ocorre, a partir dele, o processo de compra. Uma mercadoria (M) encarna o valor do dinheiro e revela valor equivalente a ele. Na segunda parte (M- D), a mercadoria é vendida e convertida em dinheiro. Entretanto, se na circulação simples M – D – M o objetivo da circulação é o atendimento das necessidades humanas através das trocas, a circulação existente em D – M – D tem por finalidade a obtenção de dinheiro, a partir de um montante de dinheiro inicial. Vamos analisar essa nova circulação D – M - D. Inicialmente temos uma quantia em dinheiro que encarna no corpo de uma mercadoria de mesmo valor (processo de compra). Posteriormente, ocorre a venda da mercadoria para reconversão em dinheiro, que, se formos analisar do ponto de vista marxista, deveria expressar o mesmo valor da mercadoria. Então, qual seria o objetivo de transformar dinheiro em dinheiro? Veremos que a forma D – M – D é o objetivo fundamental do capitalista, que busca, a partir da compra de matérias-primas e máquinas, por exemplo, transformar o objeto em uma mercadoria a ser vendida posteriormente e vendida por um valor maior. Assim, teríamos D – M – D’. Em que D’ representa o dinheiro inicial D mais um valor excedente, que Marx (2006) denomina de Mais-valia. Nas palavras de Karl Marx, “o valor originalmente antecipado não só se mantém na circulação, mas nela altera a própria magnitude, acrescenta uma mais-valia, valoriza-se. E este movimento transforma-o (o dinheiro) em capital” (MARX, 2006, p. 181). A questão que surge então é: como alguém consegue inicialmente um montante em dinheiro D e no final obtém D’ se as trocam se efetuam entre mercadorias de mesmo valor? Marx (2006) responde: A mudança do valor do dinheiro que se pretende transformar em capital não pode ocorrer no próprio dinheiro. Ao servir de meio de compra ou de pagamento, o dinheiro apenas realiza o preço da mercadoria, que compra ou paga, e, ao manter- se em sua própria forma, petrifica-se em valor de magnitude fixada. Tampouco pode a mudança do valor decorrer do segundo ato da circulação, da revenda da mercadoria, pois esse ato apenas reconverte a mercadoria da forma natural em forma dinheiro. A mudança tem, portanto, de ocorrer com a mercadoria comprada no primeiro ato D – M, mas não em seu valor, pois se trocam equivalentes, as mercadorias são pagas pelo seu valor. A mudança só pode, portanto, originar-se de seu valor-de-uso como tal, de seu consumo. Para extrair valor do consumo de uma mercadoria, nosso possuidor de dinheiro deve ter a felicidade de descobrir, dentro da esfera da circulação, no mercado, uma mercadoria cujo valor-de-uso possua a propriedade peculiar de ser fonte de valor, portanto. E o possuidor de dinheiro encontra no mercado essa mercadoria especial: é a capacidade de trabalho ou a força de trabalho. (MARX, 2006, p.197). O trecho deixa claro que a transformação D – D’ só é possível se a força de trabalho humana agir sobre os ingredientes materiais necessários à produção de modo a produzir algo com mais valor, pelas horas dedicadas à sua produção. 15 A capacidade de trabalho ou força de trabalho seria o “conjunto das faculdades físicas e mentais existentes no corpo e na personalidade viva do ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie” (MARX, 2006, p. 197). Para Marx (2006) a força de trabalho deve, principalmente, ser livre e deve estar desvinculada dos meios de produção (matérias-primas e máquinas para produção, por exemplo). A força de trabalho deve se vender ao mercado para que o possuidor (o capitalista) a possa utilizar. Se a força de trabalho se vende ela é encarada como uma mercadoria na visão marxista e como tal, deve conter algum valor. Qual seria o valor da força de trabalho? “O valor da força de trabalho é determinado, como o de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho necessário à sua produção e, por consequência, à sua reprodução” (MARX, 2006, p. 200-201). Observe que Marx (2006) mantém sua fidelidade e rigor científico ao determinar o valor, mesmo quando a mercadoria a ser considerada é a força de trabalho. Como uma mercadoria qualquer, deve ser remunerada somente por um valor que a produza ou a mantenha viva sob condições normais de ser uma força de trabalho saudável. De outro modo, deve ser provida dos meios de subsistência que a figura humana do trabalhador necessita, além de criar a capacidade desta força de trabalho procriar (reproduzir), de modo a manter a entrada de novas mercadorias no futuro. Isto é pagar a mercadoria pelo que vale. Por meios de subsistência, temos de ter uma noção mais ampla do que somente alimentos. Temos combustíveis, roupas, móveis e outras necessidades para suprir as necessidades da força de trabalho. Vamos ao exemplo aplicado por Marx (2006) para compreender melhoro valor da força de trabalho humana. Suponhamos que as necessidades diárias do ser humano estejam expressas em 6 horas de trabalho. Trabalhando 6 horas, o indivíduo conseguiria obter uma quantidade em dinheiro suficiente para cobrir os meios de subsistência diários, digamos 3 reais. Se o possuidor da força de trabalho (ou seja, o capitalista que comprou esta força) oferecer 3 reais diariamente, estará pagando o que a força de trabalho vale. A parte da charada que falta a ser desvendada é: se o capitalista remunerar a força de trabalho pelo que ela vale e o valor excedente (mais-valia) é extraído do desta força para gerar mais dinheiro ao capitalista, como a mais-valia é obtida? A resposta a esta pergunta é longa e possui vários desdobramentos. Assim, será tratada na próxima unidade. 16 Unidade: Karl Marx (Parte 1) Material Complementar Realize a leitura de parte do capítulo 9 do livro História do Pensamento Econômico, de Hunt, que destaca os tópicos abordados nesta unidade. Na sétima edição, o capítulo encontra-se entre as páginas 218 e 234. HUNT, E.K. História do Pensamento Econômico. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1981. 17 Referências MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política: livro I. Volume I. 24 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 18 Unidade: Karl Marx (Parte 1) Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000 http://www.cruzeirodosulvirtual.com.br
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