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Filosofias da India - Roberto de Andrade Martins

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FILOSOFIAS DA ÍNDIA 
 
Roberto de A. Martins 
 
 
 
 
 
 
 
 
VERSÃO INTEGRAL 
 
 
 
 
 
 
 
Serra da Mantiqueira, MG 
www.shri-yoga-devi.org 
info.shriyogadevi@gmail.com 
Shri Yoga Devi 
 
Autor: Roberto de A. Martins 
Diagramação e trabalho editorial: Flávia Bianchini 
Edição revisada 2019 
 
Serra da Mantiqueira, MG 
www.shri-yoga-devi.org 
info.shriyogadevi@gmail.com 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Direitos autorais: © 2019 Roberto de Andrade Martins. Todos os 
direitos reservados e protegidos. Conforme a Lei 9.610/98, é proibida 
a reprodução total e parcial do conteúdo deste trabalho e sua difusão, 
sob qualquer forma ou meio, sem a autorização prévia e expressa do 
autor (artigo 29). 
Apresentação 
 
Flávia Bianchini 
 
Este texto, “Filosofias da Índia”, foi elaborado 
especialmente para nosso site Shri Yoga Devi, no intuito de 
oferecer uma introdução e visão geral das diversas vertentes 
filosóficas que permeiam a tradição indiana. 
No Brasil é muito comum, até mesmo entre os professores 
de Yoga, uma confusão e mistura de conceitos provenientes de 
diferentes correntes filosóficas como se houvesse uma 
uniformidade, uma mesma interpretação e visão desses 
conceitos. Cada corrente filosófica propõe interpretações 
diferentes para um mesmo conceito – por exemplo, Māyā, que 
tanto pode ser uma Deusa e ter um caráter positivo (no Tantra), 
uma ilusão (no Vedānta), ou ter o aspecto de magia (nos Vedas). 
Este é apenas um exemplo, para oferecermos aqui uma amostra 
da importância do estudo dessas filosofias para os professores 
de Yoga. Este estudo é relevante na medida em que traz clareza 
sobre os diferentes pontos de vista apresentados por esses vários 
caminhos que compõem a tradição indiana. Cada uma dessas 
filosofias oferece diferentes interpretações, técnicas e práticas 
para se alcançar uma percepção do que é a Realidade. 
 
 
Sumário 
 
 
INTRODUÇÃO: AS MUITAS FILOSOFIAS DA ÍNDIA ........ 1 
VEDAS E UPANIṢADS ............................................................ 4 
OS SEIS SISTEMAS OU VISÕES ............................................ 7 
SĀṄKHYA ............................................................................... 12 
YOGA ....................................................................................... 18 
VEDĀNTA ............................................................................... 22 
SURGIMENTO DOS SISTEMAS HETERODOXOS ............ 30 
BUDISMO ................................................................................ 35 
JAINISMO ................................................................................ 38 
TANTRA .................................................................................. 43 
PĀŚUPATA .............................................................................. 59 
ŚAIVA SIDDHĀNTA .............................................................. 66 
KĀŚMĪRA ŚAIVA (SHIVAÍSMO DA CAXEMIRA) ............ 73 
 
1 
 
INTRODUÇÃO 
 AS MUITAS FILOSOFIAS DA ÍNDIA 
 
 
 
Não existe uma única filosofia, mas sim muitas filosofias 
diferentes, na Índia. Elas não são simples complementos umas 
das outras e sim constituem abordagens que se opõem e 
criticam. Portanto, não se deve dizer “a filosofia indiana”, como 
se fosse uma coisa única e coerente. 
A palavra sânscrita mais utilizada para representar 
“filosofia” é darśana, que significa um ponto de vista, uma 
visão. Outros termos são utilizados algumas vezes: ānvīkṣikī, 
que significa mais especificamente conhecimento lógico; vidyā, 
que é um termo amplo, abrangendo qualquer tipo de 
conhecimento; tarkavidyā, que é o conhecimento associado ao 
raciocínio (tarka). 
2 
 
As filosofias indianas abrangem diversos campos, como 
teoria do conhecimento, metafísica, ética, estética, antropologia 
filosófica e outros. Elas podem conter uma teoria social, uma 
filosofia da educação e muitos outros aspectos. Os pontos que 
são mais ressaltados nos estudos sobre filosofias indianas, em 
geral, são os que se referem à metafísica e ética – e são os que 
serão abordados aqui. 
Muitas das filosofias indianas (mas não todas) possuem 
uma relação íntima com religião. Quase todas abordam a 
importância de atingir a libertação espiritual e, por isso, também 
tratam sobre meios para obter isso – como os diversos tipos de 
Yoga e práticas religiosas. As separações didáticas que 
costumam ser estabelecidas entre filosofia propriamente dita (no 
sentido ocidental) e busca de transcendência, atrapalham – em 
vez de ajudar – a compreensão do pensamento indiano. 
As filosofias indianas costumam ser divididas em dois 
grupos, conforme aceitem ou não a autoridade dos Vedas. As 
que aceitam são consideradas ortodoxas, aceitas pelo 
Hinduísmo, e chamadas āstika – uma palavra que significa 
acreditar na existência (daquilo que é ensinado nos Vedas e nas 
Upaniṣads). Dentro da tradição ortodoxa, pode-se discutir a 
interpretação dos textos sagrados (śruti), mas não se pode 
questionar sua verdade. As que não aceitam essa autoridade são 
consideradas heterodoxas, não são aceitas pelo Hinduísmo, e 
chamadas nāstika – que significa não acreditar na existência 
(daquilo que é ensinado nos Vedas e nas Upaniṣads). 
Há seis escolas filosóficas āstika, que são: Mīmāṁsā, 
Vedānta, Nyāya, Vaiśeṣika, Sāṅkhya, Yoga. Esse conjunto é 
denominado ṣaḍdarśana (as seis visões). Aparentemente elas 
começaram a se desenvolver em torno do século VII a.C., porém 
as obras mais antigas dessas filosofias que foram conservadas 
são bem posteriores. 
Há muitas filosofias nāstika. Elas incluem o Budismo, o 
Jainismo, a filosofia materialista Cārvāka ou Lokāyata, e o 
3 
 
Ājīvika, uma doutrina determinista (que nega o livre-arbítrio). 
Há várias outras, além dessas. Há filosofias desenvolvidas 
dentro das correntes tântricas, das quais algumas negam a 
veracidade dos Vedas, enquanto outras aceitam os Vedas, 
embora adicionem muitas doutrinas. 
Algumas dessas escolas filosóficas possuem várias 
subdivisões. O Vedānta tem uma multiplicidade de 
interpretações, que vão desde um extremo monismo até um total 
dualismo. Existe um tipo de Sāṅkhya ateu e outro teísta. Não 
existe apenas um Budismo, mas muitos diferentes (tanto os que 
surgiram na Índia, quanto os que se desenvolveram fora dela). 
Existem também vários ramos do Tantra, com diferentes 
propostas filosóficas. 
No século XIV, Vidyāraṇya escreveu uma obra intitulada 
Sarvadarśanasaṅgraha (“compêndio de todas as filosofias”) na 
qual apresentou dezesseis sistemas diferentes: (1) Cārvāka 
(materialista); (2) Bauddha (Budismo); (3) Ārhata (Jainismo); 
(4) Viśiṣṭādvaita Vedānta de Rāmānuja; (5) Pūrṇa-prajña, ou 
Dvaita Vedānta de Madhvācārya; (6) Pāśupata, a corrente Śaiva 
criada por Nakulīśa; (7) Śaiva Siddhānta (8) Pratyabhijñā, ou 
teoria do reconhecimento; (9) Raseśvara, ou sistema alquímico; 
(10) Vaiśeṣika; (11) Akṣapāda ou Nyāya; (12) Mīmāṁsā de 
Jaimini; (13) teoria da linguagem de Pāṇini; (14) Sāṅkhya; (15) 
Pātañjala Yoga; (16) Advaita Vedānta de Śaṅkara. 
É claro que a obra Sarvadarśanasaṅgraha não é exaustiva; 
existiram outras correntes filosóficas além das que Vidyāraṇya 
descreveu. Ele selecionou as que considerou mais significativas, 
na época em que escreveu sua obra (século XIV). Também não 
é possível expor aqui todas as filosofias indianas; será 
apresentada apenas uma amostra delas. 
 
4 
 
VEDAS E UPANIṢADS 
 
 
 
A tradição indiana distingue dois grandes grupos de obras 
antigas: as escrituras sagradas, denominadas “śruti” (aquilo que 
foi ouvido), que incluem os Vedas e as Upaniṣads; e os escritos 
dos antigos sábios, denominados “smṛti” (aquilo que é 
lembrado). O primeiro grupo é descrito como apauruṣeya, que 
significa não ter uma origem humana; essas obras são 
consideradas como portadoras de uma verdade que não pode ser 
questionada,no Hinduísmo. O segundo grupo é considerado 
como uma obra de seres humanos muito sábios; porém, eles 
poderiam se enganar e cometer erros, portanto esses escritos não 
são indubitáveis ou sagrados. 
Toda a literatura vêdica – e só ela – é considerada śruti. 
Essa literatura vêdica consiste em: os quatro Vedas, 
propriamente ditos (as compilações de hinos e outros textos, 
chamados saṁhitā); os Brāhmanas, que são antigos manuais 
utilizados pelos sacerdotes; os Āraṇyakas, ou escritos das 
5 
 
florestas; e as Upaniṣads mais antigas, que são obras esotéricas, 
que só podiam ser transmitidas pelo mestre aos discípulos que 
haviam sido selecionados. 
A palavra “Veda” significa conhecimento – mais 
especificamente, o conhecimento sagrado. Há quatro ramos do 
Veda: o Ṛg-Veda, que é considerado o mais antigo, pode ter 
sido composto mais de 2.000 anos antes da era cristã. É 
constituído por mais de mil hinos associados aos devas e devīs. 
Esses hinos constituem principalmente louvores dos seres 
divinos ou pedidos feitos a eles. O Sāma-Veda é um outro ramo, 
que consiste praticamente em uma seleção de hinos do Ṛg-Veda 
(com poucas adições) que eram cantados de um modo especial e 
utilizados principalmente nos rituais solenes, que envolviam o 
uso da bebida sagrada, Soma. O Yajur-Veda é uma espécie de 
manual utilizado por um tipo de sacerdote antigo, o adhvaryu, 
que fazia todas as manipulações exigidas pelos rituais vêdicos. 
Existe uma versão do Yajur-Veda chamada Kṛṣṇa-Yajur-Veda 
(Yajur-Veda negro) que contém tanto a descrição das ações 
realizadas pelo adhvaryu quanto as fórmulas sagradas que ele 
pronuncia; e uma outra versão, o Śukla-Yajur-Veda (Yajur-
Veda branco ou puro), que separa as fórmulas sagradas de sua 
explicação. O quarto ramo é o Atharva-Veda, que é considerado 
o mais recente. Ele contém hinos tirados do Ṛg-Veda e outros 
novos, além de um grande número de fórmulas de magia. As 
compilações do conteúdo de cada um desses ramos do Veda são 
chamadas “saṁhitā”. 
Nenhum dos Vedas pode ser considerado um tratado 
filosófico. No entanto, há uma visão filosófica implícita neles e, 
em certos pontos, uma explicação mais clara de vários 
pressupostos filosóficos adotados na época. 
Os Brāhmaṇas e os Āraṇyakas contêm explicações sobre 
os hinos e preces, apresentam alguns aspectos da mitologia dos 
Vedas, descrevem os rituais antigos e contêm uma elaboração 
mais clara de alguns pontos filosóficos apontados nos Vedas. 
6 
 
As Upaniṣads mais antigas são obras que começaram a ser 
elaboradas ao mesmo tempo que os Brāhmaṇas e os Āraṇyakas 
(algumas delas fazem parte desses textos) e depois começaram a 
ser elaboradas separadamente, sendo porém vinculadas aos 
vários ramos dos Vedas. As Upaniṣads falam pouco sobre rituais 
e sobre o conteúdo dos hinos dos Vedas. Abordam 
principalmente questões filosóficas, que são às vezes expostas 
sob a forma de diálogos entre vários tipos de personagens. As 
Upaniṣads contêm o detalhamento de alguns dos mais 
importantes temas do pensamento indiano: o karman, o 
renascimento, a libertação da roda de renascimentos, a natureza 
mais interna do ser humano (ātman), o Ser Absoluto (Brahman), 
cosmologia, os processos de evolução e libertação espiritual. 
As Upaniṣads mais antigas parecem ter sido escritas entre 
os séculos X e VIII a.C. Nos séculos seguintes, continuaram a 
ser compostas outras Upaniṣads e, em algumas delas, já se 
percebe uma influência exercida pelo Budismo e pelo Jainismo 
(que surgiram no século VI a.C.). Há um número relativamente 
pequeno de Upaniṣads que foram compostas antes do início da 
era cristã (aproximadamente 10), mas depois continuaram a ser 
escritos textos que também foram intitulados “upaniṣads”, 
embora não tivessem mais o mesmo status dos antigos. 
Costuma-se afirmar que existem 108 Upaniṣads, mas o número 
é muito maior – certamente mais de 200. O número 108 é 
apresentado em uma das próprias Upaniṣads, chamada Muktikā, 
que apresenta uma lista dessas 108 obras – incluindo a si 
mesma. Em períodos mais recentes, atribuir a um texto o título 
de “upaniṣad” significa apenas que se queria atribuir a ele uma 
autoridade de śruti – o que é uma estratégia não muito louvável. 
Obras posteriores, como o Mahābhārata – dentro do qual 
encontramos a Bhagavad-Gītā – já não são classificadas como 
sagradas e indubitáveis. Porém, a Bhagavad-Gītā é considerada 
por muitos autores como tendo o mesmo nível de autoridade que 
os Vedas ou Upaniṣads. 
7 
 
OS SEIS SISTEMAS OU VISÕES 
 
 
Yogin meditando 
 
Há seis escolas filosóficas ortodoxas ou āstika, que são: 
Mīmāṁsā, Vedānta, Nyāya, Vaiśeṣika, Sāṅkhya, Yoga. Esse 
conjunto é denominado ṣaḍdarśana (as seis visões). 
Aparentemente elas começaram a se desenvolver em torno do 
século VII a.C., porém as suas obras mais antigas que foram 
conservadas são bem posteriores. Todas as seis aceitam a 
tradição dos Vedas e das Upaniṣads. Elas são geralmente 
associadas em pares complementares. 
Mīmāṁsā (“interpretação”), ou Pūrvamīmāṁsā 
(“interpretação antiga”) é uma escola filosófica (darśana) que 
realiza um comentário sistemático dos textos e rituais mais 
antigos da tradição vêdica. O texto mais antigo dessa escola que 
foi conservado é o Mīmāṃsā-Sūtra, escrito por Jaimini no 
8 
 
século III a.C. – mas podem ter existido obras anteriores. A 
questão básica dessa escola é a compreensão das causas e 
consequências das ações humanas – especialmente as ações 
rituais. Para extrair dos Vedas as respostas a essas questões, a 
escola Mīmāṁsā utilizou técnicas de exegese que são explicadas 
e aplicadas. Há também uma teoria do conhecimento bastante 
sofisticada, desenvolvida dentro dessa escola. Ela não dá grande 
atenção às Upaniṣads, que considera como um complemento 
secundário dos Vedas. 
Vedānta é uma outra corrente filosófica ortodoxa que, ao 
contrário da Mīmāṁsā, dá grande atenção às Upaniṣads e 
concede pouca importância aos rituais e aos textos mais antigos. 
Essa filosofia é também chamada de Uttara Mīmāṁsā 
(“interpretação recente”) por privilegiar os textos compostos 
posteriormente aos Vedas. A palavra “vedānta” significa o final 
dos Vedas e não era, inicialmente, uma designação de uma 
escola filosófica e sim o nome dado a um conjunto de obras – 
Āraṇyakas e Upaniṣads – que apareciam como apêndices ou 
partes finais da literatura vêdica. A corrente filosófica Vedānta 
adotou esse nome por dar maior importância a essas obras. A 
obra mais antiga conhecida dessa escola filosófica é o Brahma-
Sūtra (também chamado de Vedānta-Sūtra), escrito por 
Bādarāyaṇa no século V a.C. Porém, o próprio Bādarāyaṇa se 
referiu a outros mestres anteriores do Vedānta. O tema principal 
do Brahma-Sūtra é o conhecimento do Ser Absoluto, Brahman, 
de seu correspondente dentro do ser humano, o ātman, e do 
modo de atingir Brahman. O Brahma-Sūtra é bastante obscuro, 
por ser composto sob a forma de afirmações muito curtas. 
Autores posteriores proporcionaram interpretações conflitantes 
do Brahma-Sūtra, gerando diversas correntes mutuamente 
opostas, dentro do Vedānta. Desses intérpretes posteriores, o 
mais conhecido é Śaṅkara, que parece ter vivido no século VIII 
d.C. Ele é erroneamente apontado como o criador do Vedānta, 
apesar de ter nascido mais de mil anos após Bādarāyaṇa. 
9 
 
Nyāya é uma escola filosófica que se dedica 
principalmente à lógica, à teoria do conhecimento e à análise da 
argumentação. A palavra “nyāya” significa a origem de uma 
coisa, ou a busca dessa origem; um método, regra, modelo ou 
sistema. Essa corrente filosófica defende que o sofrimento 
humano é o resultado de conhecimentos equivocados, que levam 
a ações errôneas. O sofrimento pode ser eliminado pelo 
conhecimento correto, que pode levar à libertação espiritual 
(mokṣa). Partindo dessa visão, a filosofia Nyāya analisa o 
conhecimento e o erro, incluindo as ilusões.O conhecimento 
correto permite atingir a verdadeira natureza do ser humano, do 
Eu e da realidade. A obra mais antiga conhecida sobre essa 
filosofia é o Nyāya-Sūtra escrito por Akṣapāda Gautama. Há 
muitas controvérsias sobre a época em que esse autor viveu – 
apenas se pode afirmar que o Nyāya-Sūtra foi composto entre os 
séculos VI a.C. e II d.C. 
Vaiśeṣika é uma filosofia atomística, considerada 
complementar ao Nyāya. Enquanto o Nyāya se ocupa 
principalmente com a lógica e a teoria do conhecimento, o 
Vaiśeṣika tem por tema principal o próprio conhecimento do 
universo. O nome Vaiśeṣika vem do termo sânscrito viśeṣa que 
significa distinção, separação. A doutrina Vaiśeṣika foi 
apresentada na obra Vaiśeṣika-Sūtra, escrita por Kaṇāda entre os 
séculos VI e II a.C. Segundo essa filosofia, existem nove tipos 
de ingredientes básicos (dravya) do universo: os cinco 
elementos grosseiros (terra, água, fogo, ar e éter), o tempo, o 
espaço, o Eu (ātman) e a mente (manas). Todos os objetos do 
universo podem ser decompostos em partículas indivisíveis, 
chamadas paramāṇu. De acordo com a filosofia Vaiśeṣika, a 
sabedoria e a libertação podem ser obtidas pela compreensão do 
mundo que captamos pelos nossos sentidos. 
O Sāṅkhya talvez seja o mais antigo sistema filosófico 
desenvolvido no pensamento indiano. Ele surgiu certamente 
antes do século VI a.C., pois o Buddha histórico, Siddhārta 
10 
 
Gautama, teve um mestre que ensinava essa doutrina. A palavra 
“sāṅkhya” significa número, contagem, enumeração. Essa 
corrente filosófica parece ter adquirido esse nome porque ela 
classifica e enumera os princípios básicos da realidade. A 
tradição atribui a criação do Sāṅkhya ao sábio Kapila, que talvez 
tenha vivido no século VII a.C. Ele teria escrito uma obra 
chamada Sāṅkhya-Sūtra, que não foi conservada. Existe um 
texto com esse nome que é conhecido, porém parece ser muito 
mais recente. O mais antigo tratado sobre Sāṅkhya que foi 
preservado se chama Sāṅkhya-Kārikā, escrito por Īśvarakṛṣṇa 
em torno de 400 d.C. Há, no entanto, longas descrições sobre o 
Sāṅkhya no Mahābhārata – especialmente na Bhagavad-Gītā e 
no Mokṣadharma. Segundo o Sāṅkhya, os dois componentes 
fundamentais da realidade são Puruṣa (a essência do ser 
humano, que é sua consciência) e Prakṛti (a produtora, a 
Natureza, que gera todos os seres do universo). Puruṣa é inativo, 
tem a natureza de uma testemunha ou observador. Prakṛti é o 
poder feminino ativo, gerador. A versão dessa filosofia 
apresentada na Sāṅkhya-Kārikā de Īśvarakṛṣṇa não inclui 
Brahman (o Ser Absoluto) entre os componentes da realidade, 
nem se refere ao governante do universo, Īśvara. Por isso, 
costuma-se dizer que o Sāṅkhya é ateu. No entanto, o Sāṅkhya 
exposto no Mahābhārata (que é anterior à Sāṅkhya-Kārikā) 
menciona tanto Brahman quanto Īśvara. Há, portanto, diferentes 
versões do Sāṅkhya. 
O Yoga tradicional é considerado como um complemento 
do Sāṅkhya, no sentido de que este apresenta uma teoria sobre a 
realidade e sobre a natureza da libertação espiritual, enquanto 
que o Yoga indica práticas para atingir esse resultado. O 
Mahābhārata indica, em vários pontos, a correlação íntima entre 
Yoga e Sāṅkhya. O tipo de Yoga indiano antigo que está 
fortemente associado ao Sāṅkhya é o Yoga de Patañjali, exposto 
na obra Yoga-Sūtra, que faz uso dos conceitos fundamentais de 
Puruṣa e Prakṛti, dos poderes da natureza (guṇas), da estrutura 
11 
 
do ser humano exposta pelo Sāṅkhya, etc. Outras modalidades, 
como o Haṭha-Yoga, desenvolvido no século X ou XI d.C., não 
se baseiam no Sāṅkhya. Há muitas dúvidas sobre Patañjali, mas 
ele parece ter vivido entre os séculos III a.C. e III d.C. O Yoga-
Sūtra de Patañjali menciona várias vezes Īśvara, o soberano do 
universo; é evidente, portanto, que ele não se baseou no tipo de 
Sāṅkhya exposto na obra Sāṅkhya-Kārikā. 
Vamos apresentar a seguir um pouco mais de informações 
sobre o Sāṅkhya, o Yoga e os vários ramos do Vedānta. Depois, 
abordaremos algumas das filosofias não-ortodoxas. 
 
12 
 
SĀṄKHYA 
 
 
Kapila, considerado fundador do Sāṅkhya 
 
O Sāṅkhya contém uma teoria sobre todas as coisas que 
existem no Universo, desde a matéria grosseira até a essência do 
ser humano. Os dois conceitos fundamentais do Sāṅkhya são 
Puruṣa e Prakṛti. Puruṣa é uma consciência pura, um 
expectador, observador ou testemunha; Prakṛti, a Natureza, é a 
produtora de tudo, ela é dinâmica e inconsciente. 
Segundo o Sāṅkhya, o ser humano vivo (jīva) tem uma 
estrutura que podemos comparar a um robô ou androide, uma 
máquina muito bem construída, que funciona graças aos poderes 
de Prakṛti. Dentro dessa estrutura existe uma luz, uma 
consciência, que é algo totalmente diferente do corpo e da 
mente: Puruṣa. 
13 
 
O universo externo e todos os envoltórios de Puruṣa fazem 
parte de Prakṛti, a natureza. A palavra Prakṛti significa 
“produtora”; ela é o poder ativo que gera tudo o que existe no 
universo – exceto Puruṣa, que é eterno e não foi produzido por 
nada. 
Tanto Puruṣa quanto Prakṛti são eternos (não foram criados 
e não possuem um fim). Puruṣa, além de eterno, é inativo, não 
se transforma, não age. Pelo contrário, Prakṛti é ativa e se 
transforma sempre, todas as ações são produzidas por ela. A 
única coisa imutável no universo é Puruṣa. Tudo o que é 
mutável faz parte de Prakṛti. 
Prakṛti pode ser pensada como a base primordial de todo o 
universo; ou como o conjunto de seres mutáveis do universo. 
Essa base primordial de onde tudo se originou é chamada de 
pradhāna, ou mūla-prakṛti. 
Prakṛti é, essencialmente, um dinamismo constituído por 
três poderes (guṇas) que produzem tudo e que estão em todas as 
coisas do universo. De acordo com o Sāṅkhya, o mundo externo 
e o mundo interno (tudo o que foi produzido por Prakṛti) são 
gerados e movidos por três poderes fundamentais (guṇas): 
tamas, rajas e sattva. 
A palavra guṇa significa um cordão. Os três guṇas podem 
ser imaginados como três fios de cores diferentes, entrelaçados, 
formando um cordão que atravessa todos os seres do universo: 
tamas (negro), rajas (vermelho) e sattva (branco). 
• Tamas significa trevas ou escuridão. É o poder natural que 
produz peso, ignorância, ilusão, inércia, embotamento, 
estupidez, sofrimento. É representado pela cor negra. 
• Rajas significa impureza. É o poder da natureza associado à 
força, às paixões, emoções, desejos, à atividade, à pressa, à 
violência, ao egoísmo. É representado pela cor vermelha. 
• Sattva significa realidade ou essência. É um poder natural 
associado à leveza, à luz, à pureza, à bondade, à sabedoria, 
14 
 
aos aspectos espirituais do universo. É representado pela cor 
branca. 
Todos os seres da natureza possuem esses três poderes, mas 
geralmente um deles aparece em maior proporção. As pedras e 
outros objetos inanimados possuem principalmente a natureza 
de tamas; os animais, de rajas; os seres humanos e os devas, de 
sattva. A Bhagavad-Gītā tem três capítulos que tratam essa 
temática de modo detalhado, com muitos exemplos: capítulos 
14, 16 e 17. 
A Natureza Primordial (mūla-prakṛti), também chamada de 
pradhāna, é a origem de todo o universo, de tudo o que existe. 
Ela é invisível, porque ainda não possui qualidades, e nela existe 
um equilíbrio dos três poderes (guṇas). Quando esse equilíbrio é 
rompido, ocorre a produção de todos os seres. 
De acordo com o Sāṅkhya, o primeiro produto de Prakṛti é 
totalmente imaterial. Através dos três guṇas, ela produz o 
Grande Princípio (Mahat) e nele cria as individualidades 
(Ahaṁkāras), que são as sementes ou essências de todos os 
seres. 
Os ahaṁkāras que formam a base de todos os seres do 
universo podem ser conhecidos através da Buddhi (o órgão da 
sabedoria), durante vivências obtidas em estado meditativo. 
Através da Buddhi, podemos entrar em contato com Mahat e 
contemplar as essências de todos os seresque constituem a 
realidade material e não-material. Buddhi é o nosso órgão mais 
interno, que estabelece o contato de Puruṣa com todas as outras 
“camadas” do ser humano. No Sāṅkhya, a Buddhi e Mahat têm a 
mesma natureza (são o mesmo tattva). 
Em torno de cada um dessas individualidades, Prakṛti vai 
produzindo órgãos, um corpo sutil e finalmente um corpo 
material (naqueles que são materiais). Há um progressivo 
aumento de tamas, e diminuição de sattva, em cada nível. 
Os instrumentos produzidos em torno de cada 
individualidade e que permitem seu contato com o mundo 
15 
 
exterior são onze: cinco poderes sensoriais, cinco poderes de 
ação, e a mente (Manas). 
O Sāṅkhya descreve cinco “elementos sutis” (tanmātras) – 
som, toque, aparência, sabor, aroma – e cinco “elementos 
grosseiros” (mahābhūtas), associados aos cinco sentidos – éter, 
ar, fogo, água, terra. Essa teoria dos sentidos, dos elementos 
sutis e dos elementos grosseiros, originada no Sāṅkhya, é 
utilizada em praticamente todas as correntes filosóficas indianas. 
Segundo o Sāṅkhya, há três órgãos internos (antaḥkaraṇa): 
Buddhi (o órgão da sabedoria), Ahaṁkāra (individualidade) e 
Manas (mente). A mente (Manas) coordena os dez poderes de 
conhecimento e de ação. Buddhi é o órgão que permite o contato 
com as realidades imateriais (todas as individualidades 
cósmicas) e também é o órgão que serve de intermediário entre 
Puruṣa e a estrutura mental e física de cada indivíduo. Assim, o 
ser humano é constituído por muitas camadas. 
Esses são os 25 tattvas ou constituintes da realidade, 
segundo a Sāṅkhya-Kārikā. Tattva significa princípio, essência, 
elemento. 
1. O ser humano essencial: Puruṣa, a consciência 
2. A natureza primordial: Pradhāna ou Prakṛti 
3. O órgão da sabedoria: Buddhi ou Mahat 
4. A individualidade: Ahaṅkāra 
Os cinco elementos sutis [Tanmātras]: 
5. Som: Śabda 
6. Toque: Sparśa 
7. Cor ou forma: Rūpa 
8. Sabor: Rasa 
9. Odor: Gandha 
Os cinco sentidos [Jñānendriyas] e o órgão interno 
central 
10. Audição: Śrotra 
11. Tato: Sparśana 
12. Visão: Cakṣus 
16 
 
13. Paladar: Rasana 
14. Olfato: Ghrāṇa 
15. A mente: Manas 
Os cinco órgãos da ação [Karmendriyas] 
16. Voz: Vāk 
17. Mãos: Pāni 
18. Pés: Pāda 
19. Órgão de excreção: Pāyu 
20. Órgão de reprodução: Upastha 
Os cinco elementos grosseiros [Mahābhūtas] 
21. Éter: Ākāśa 
22. Ar: Vāyu 
23. Fogo ou luz: Tejas 
24. Água: Āpas 
25. Terra: Pṛthivi 
Observe que os três guṇas não são tattvas (eles fazem parte 
de Prakṛti) e que os 5 prāṇas não estão incluídos nesse esquema 
(são tipos de Vāyu). 
O Sāṅkhya descreve o processo de libertação espiritual 
(mokṣa ou kaivalya), que é também o objetivo final de todos os 
tipos de Yoga indianos tradicionais. A libertação ocorre, 
segundo o Sāṅkhya, quando a Buddhi se volta para Puruṣa e 
consegue discriminá-lo de Prakṛti, e isso ocorre graças à própria 
Prakṛti. A consciência percebe sua própria pureza, e não fica 
mais envolvida com a Natureza. 
Essa pessoa não é mais um indivíduo. Seu corpo, seus 
sentidos, sua memória, sua mente, sua buddhi e seu ahaṁkāra 
se dissolveram. Ela não tem desejos, não tem sensações, não 
age. É pura consciência. 
A obra Sāṅkhya Kārikā não menciona nenhum ser divino 
supremo, nenhuma entidade espiritual que deva ser cultuada. 
Aceita seres espirituais, que incluem os devas (como Indra e 
Śiva), porém considerando que fazem parte do mundo natural. 
Em outras abordagens do Sāṅkhya, há um Soberano (Īśvara) – 
17 
 
por exemplo: no Yoga de Patañjali. Há também abordagens do 
Sāṅkhya – como no Mahābhārata – em que se aceita a existência 
do Ser Absoluto, Brahman. 
 
18 
 
YOGA 
 
Patañjali 
 
Quando se afirma que o Yoga é um dos seis sistemas 
ortodoxos do pensamento indiano, trata-se do Yoga de Patañjali, 
descrito na obra Yoga-Sūtra. Outras formas de Yoga, como 
Mantra-Yoga, Bhakti-Yoga, Haṭha-Yoga ou Laya-Yoga não 
estão incluídas aqui, embora cada uma delas tenha também uma 
base filosófica. 
O Yoga de Patañjali aceita e utiliza a conceituação do 
Sāṅkhya, porém acrescenta diversos componentes. O interesse 
principal desse Yoga é a transformação do praticante e sua 
libertação, através de um conjunto de práticas – principalmente 
as internas, ou seja, que não fazem uso de atividades corporais. 
Para apresentar esse caminho, Patañjali trata sobre as atividades 
19 
 
mentais e descreve diversos tipos de estados alterados de 
consciência (samādhi); explica as técnicas de transformação; 
introduz normas de vida (ética) que não fazem parte do 
Sāṅkhya; aborda a questão das ações e de seus resíduos, 
indicando o papel do karman no aprisionamento das pessoas ao 
processo de renascimento e como ele pode ser superado, para 
atingir a libertação. 
O Yoga-Sūtra é dividido em quatro partes. A primeira, 
Samādhi Pāda, apresenta inicialmente o próprio conceito de 
Yoga adotado por Patañjali e depois trata sobre vários tipos de 
samādhi, as barreiras ou dificuldades de atingi-los e apoios que 
facilitam sua obtenção. O Yoga é apresentado como sendo o 
controle das atividades da mente, uma técnica fundamental 
porque, enquanto esse controle não é atingido, nós nos 
identificamos com os processos mentais (sentimentos, 
pensamentos etc.) e só quando a mente é controlada nós 
podemos ir além desses processos e voltar nossa atenção para o 
observador ou consciência (puruṣa, ātman). Atinge-se esse 
observador, de forma plena, em um estado alterado de 
consciência, a união ou samādhi, que pode ser de vários tipos. 
Em todos eles a mente está acalmada e controlada, mas o 
pensamento pode não ter sido abolido e, nesse caso, algumas 
atividades mentais acompanham o processo de samādhi. No 
samādhi mais profundo, no entanto, as vivências já não são mais 
acompanhadas pelo conhecimento proveniente da mente. O 
Yoga-Sūtra descreve detalhadamente todas essas modalidades. 
Note-se que o samādhi é um importante passo, mas não é o 
objetivo ou o fim da caminhada do yogin. 
A segunda seção da obra de Patañjali é intitulada Sādhana 
Pāda e trata sobre os métodos ou práticas do yogin. Uma parte 
muito importante é constituída pela apresentação dos oito 
membros (aṅgas) desse tipo de Yoga, que são: yama (cinco 
proibições), niyama (as obrigações), āsana (postura), prāṇāyāma 
(controle da respiração), pratyāhāra (retração dos sentidos), 
20 
 
dhāraṇā (concentração), dhyāna (meditação) e samādhi (união). 
Os dois primeiros membros indicam a mudança do modo de 
vida que o yogin ou yoginī deve assumir. Patañjali apresentou 
cinco proibições (yamas), que são regras idênticas às que 
haviam sido adotadas no Janinismo, alguns séculos antes: 
ahiṁsā (não violência), satya (veracidade – não mentir, não 
enganar), asteya (não roubar), brahmacarya (não buscar 
prazeres), aparigraha (não se prender aos bens). Além dessas 
normas éticas, que refreiam as tendências violentas e egoístas, 
há cinco niyamas, que são obrigações positivas, destinadas a 
desenvolver o yogin ou a yoginī: śauca (pureza), santoṣa 
(contentamento), tapas (ascetismo), svādhyāya (estudo próprio), 
īśvara-praṇidhāna (culto do Soberano). Este último ponto mostra 
que existe um componente devocional e religioso no Yoga de 
Patañjali. O Yoga-Sūtra apresenta a importância de uma postura 
(āsana) firme e confortável para as práticas, sem indicar nomes 
de posturas nem dar qualquer outro detalhe técnico. O controle 
da respiração (prāṇāyāma) é apresentado como uma prática de 
controle da mente, auxiliando na obtenção da concentração. A 
retração dos sentidos (pratyāhāra) é desligar-se do domínio 
daquilo que vem através dos sentidos (manter indiferença 
emocional), sem deixar de ter as sensações, permitindo assim se 
libertar do apego, do desejo, das aversões e medos. 
A terceira seção do Yoga-Sūtra é chamada Vibhūti Pāda e 
seu tema central é o modo de obter poderes especiais. No seuprincípio, são apresentados os três membros internos do Yoga 
de Patañjali – dhāraṇā (concentração), dhyāna (meditação) e 
samādhi (união) – e sua relação mútua. Quando se consegue 
dominar a atenção em uma única coisa, sem deixar que a mente 
vagueie, mantendo a concentração durante um certo tempo, 
surge estado meditativo (dhyāna). Nele a Buddhi está ativa e 
proporciona um acesso à sabedoria transcendente. A partir da 
meditação, o yogin ou yoginī pode passar para o estado de 
samādhi, em que desaparece a dualidade entre o conhecedor e o 
21 
 
conhecido, havendo uma fusão ou união, sem dualidades. O 
conjunto ou sequência dessas três práticas é denominado 
samyama. É através da aplicação de samyama que o yogin ou a 
yoginī desenvolve sua transformação espiritual e é também por 
meio dele que podem ser obtidos poderes especiais (vibhūti ou 
siddhi), como levitar ou se tornar invisível. O Yoga-Sūtra 
explica sumariamente como obter uma série desses poderes, mas 
alerta que isso pode desviar o praticante de seu objetivo mais 
elevado (que é a libertação). 
Por fim, a quarta parte do Yoga-Sūtra, intitulada Kaivalya 
Pāda, trata sobre as ações e suas consequências (karman) e 
explica o processo de libertação (kaivalya ou mokṣa). As 
pessoas comuns realizam suas ações com intenções boas, más, 
ou misturadas; isso produz efeitos que prendem a pessoa ao 
mundo e produzem o renascimento. As ações de um yogin, no 
entanto, não são brancas nem negras (não possuem boas 
intenções nem más intenções). Ele age de um modo livre, não é 
controlado pelos três guṇas, pelos desejos, atrações e aversões. 
Essa ação sem desejos e sem expectativas é a essência do 
Karma-Yoga (exposto anteriormente na Bhagavad-Gītā) e está 
incluída no Yoga de Patañjali, embora não seja seu método 
central. 
 
22 
 
VEDĀNTA 
 
 
Bādarāyaṇa 
 
A palavra “vedānta” significa o final dos Vedas e não era, 
inicialmente, uma designação de uma escola filosófica e sim o 
nome dado a um conjunto de obras – Āraṇyakas e Upaniṣads – 
que apareciam como apêndices ou partes finais da literatura 
vêdica. A corrente filosófica Vedānta adotou esse nome por dar 
maior importância a essas obras. A obra mais antiga conhecida 
dessa escola filosófica é o Brahma-Sūtra (também chamado de 
Vedānta-Sūtra), escrito por Bādarāyaṇa no século V a.C. Porém, 
o próprio Bādarāyaṇa se referiu a outros mestres anteriores do 
Vedānta. O tema principal do Brahma-Sūtra é o conhecimento 
do Ser Absoluto, Brahman, de seu correspondente dentro do ser 
humano, o ātman, e do modo de atingir Brahman. O Brahma-
Sūtra é bastante obscuro, por ser composto sob a forma de 
afirmações muito curtas. Autores posteriores proporcionaram 
23 
 
interpretações conflitantes do Brahma-Sūtra, gerando diversas 
correntes mutuamente opostas, dentro do Vedānta. 
Os autores que se enquadram dentro da filosofia Vedānta 
tomam como fonte de seus ensinamentos as Upaniṣads antigas, 
o Brahma-Sūtra e a Bhagavad-Gītā. Porém, cada um deles 
extraiu essas obras uma interpretação própria. Todas essas 
interpretações são muito posteriores a Bādarāyaṇa, por isso 
nenhuma delas pode ser considerada como sendo uma 
continuação do seu pensamento original. 
As seis principais correntes do Vedānta são: 
• A defendida por Śaṅkara (século VII ou VIII 
d.C.), fundada na doutrina não dualística (advaita, ou 
devalādvaita); 
• A exposta por Rāmānuja (século XI), que se 
baseia no não-dualismo qualificado (viśiṣtādvaita); 
• A de Madhva (século XIII), que é uma doutrina 
dualística (dvaita); 
• A de Nimbārka (século XIV), que adota o 
dualismo-não-dualismo (dvaitādvaita); 
• A de Vallabha (século XV-XVI), que se baseia 
no monismo puro (śuddhādvaita); 
• A de Caitanya (século XVI), que se fundamenta 
na doutrina da diferença e não-diferença impensável ( 
acintya-bhedābheda). 
Todas as correntes do Vedānta se ocupam com a 
compreensão do Ser Absoluto (Brahman) e sua relação com o 
ser humano, com o universo, com a divindade personificada 
(Īśvara), com o conhecimento da realidade, com o processo de 
libertação. 
O Vedānta não-dualista (advaita) considera que existe uma 
única realidade, que é o Ser Absoluto infinito, Brahman; ele é o 
único ser imutável e é idêntico à essência do ser humano, o 
ātman. O universo, pelo contrário, está sempre mudando e por 
isso não é real. Nada mais tem realidade, a não ser Brahman. O 
24 
 
universo, os objetos materiais, as pessoas e os próprios seres 
divinos são desprovidos de realidade. Toda a multiplicidade 
aparente é produzida por māyā, o poder ilusório de Brahman; e a 
compreensão disso permite à pessoa reinterpretar as aparências, 
como um homem que percebe que aquilo que parecia prata não 
passa de um pedaço de concha. Quando a pessoa consegue 
ultrapassar essa ilusão, ela percebe que ele próprio (o ātman) é 
idêntico ao Absoluto, não existe separação ou dualidade, não 
existe um universo separado, tudo é uno. Essa unidade não pode 
ser descrita por características, está além dos conceitos. 
Brahman é desprovido de atributos (nirguṇa), mas pode ser 
indicado como realidade (sat), consciência (cit) e completude 
(ānanda). Ele pode ser atingido negando-se tudo o que é 
relativo, finito, dualístico, empírico, mutável. A libertação 
espiritual, no Advaita Vedānta, é a compreensão da unidade, a 
percepção de que o seu próprio ātman imutável é o ātman em 
todos os outros e idêntico ao Absoluto. O único caminho 
possível é o da sabedoria (jñāna). 
 
 
Rāmānuja 
25 
 
 
No Advaita Vedānta, os seres divinos são desprovidos de 
importância. Isso, evidentemente, entra em choque com a 
tendência devocional, que era muito forte no primeiro milênio 
da era cristã. Rāmānuja, que era um devoto de Viṣṇu, 
desenvolveu outra abordagem, chamada de não-dualismo 
qualificado (viśiṣtādvaita). Nesse tipo de Vedānta, a realidade 
tem três aspectos: o Soberano ou Governante (Īśvara), que é 
identificado com Viṣṇu e que é o Ser Absoluto (Brahman) 
dotado de qualidades (saguṇa); a consciência individual (cit); e a 
matéria inconsciente (acit). De uma forma semelhante ao 
Sāṅkhya, o Viśiṣtādvaita aceita que Brahman e o mundo 
material (Prakṛti) são ambos reais e diferentes, nenhum deles é 
falso ou ilusório. Todos esses aspectos são reais; porém, a única 
realidade independente é Īśvara, as consciências individuais e a 
matéria dependem dele para existir. É possível captar essa 
unidade por trás da multiplicidade por um processo não 
intelectual, pela devoção à divindade pessoal. Porém, a 
diferença entre o eu individual (jīvātman) e o Absoluto (sob a 
forma de Viṣṇu) nunca pode ser eliminada. 
A abordagem de Rāmānuja proporciona uma base 
filosófica para a tradição Vaiṣṇava; e pode ser adaptada para 
outras vertentes devocionais, bastando substituir Viṣṇu por outro 
deva ou devī. O mesmo ocorre com todas as outras 
interpretações do Vedānta que serão apresentadas a seguir. Em 
todas elas, a devoção (bhakti) é o método mais importante. 
O Vedānta dualístico (dvaita) de Madhva também identifica 
Brahman com Viṣṇu (ou Nārāyaṇa), que é o ser divino supremo 
(Īśvara). Além de Brahman, existem a matéria (o mundo 
mutável de Prakṛti) e as consciências individuais (jīvātman) que 
estão sempre renascendo. Essas três realidades são distintas, mas 
apenas Brahman é independente e auto-existente. O ātman é 
individual e não é idêntico ao Absoluto (Brahman). Existe 
também uma multiplicidade de coisas no universo. A libertação 
26 
 
pode ser obtida por devoção a Kṛṣṇa. No entanto, nem todas as 
pessoas libertas atingem o mesmo nível de felicidade, há uma 
hierarquia de estados que podem ser atingidos. 
 
 
Madhva 
 
 
Nimbārka 
 
27 
 
O Vedānta dualista-não-dualista (dvaitādvaita) de 
Nimbārka utiliza afirmações paradoxais, como a de que os seres 
humanos são tanto diferentes quanto não-diferentes do Ser 
supremo. Uma doutrina semelhantehavia sido exposta por 
Bhāskara, um contemporâneo de Śaṅkara, que afirmava haver 
tanto uma diferença (bheda) quanto uma não-diferença (abheda) 
entre o eu individual (jīvātman) e Brahman. Segundo a doutrina 
Dvaitādvaita, há três categorias de existência: Īśvara (a 
divindade suprema); a consciência individual (cit, ou jīva); e a 
matéria inconsciente (acit). Cit e acit são diferentes de Īśvara 
porque possuem distintos atributos e capacidades; mas são não-
diferentes de Īśvara porque não podem existir 
independentemente dele. O universo é real e é uma 
transformação (pariṇāma) de Īśvara, que é tanto sua causa 
material quanto sua causa eficiente. Brahman é uno, mas todos 
os seres existem potencialmente em Brahman, sob a forma de 
suas capacidades (śaktis). O caminho da libertação, para 
Nimbārka, é a devoção e entrega total a Kṛṣṇa e Rādhā. 
 
 
Vallabha 
 
28 
 
O sistema do monismo puro (Śuddhādvaita) de Vallabha 
procura superar uma dificuldade do Advaita Vedānta: a 
existência de um poder (māyā) que encobre a realidade 
(Brahman). De acordo com o Śuddhādvaita Vedānta, o universo 
não é Brahman encoberto pela ilusão de māyā: o universo é o 
próprio Brahman, que tanto a causa quanto o efeito de tudo. A 
multiplicidade é uma substância única, real. Vallabha cita a 
Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad, que afirma que Brahman desejou se 
tornar muitos e então se transformou na multidão de seres 
individuais que constituem o universo. As essências humanas 
individuais (jīvātman), envolvidas no ciclo de transmigração, 
também são idênticas ao Eu supremo (paramātman), que é 
Brahman, assim como não há diferença entre as fagulhas e uma 
fogueira. Porém, Brahman é o todo e as fagulhas são partes 
desse todo. Também nesse sistema, a devoção (bhakti) a Kṛṣṇa é 
o principal processo de transcendência, porém ela deve ser vista 
como um fim em si em não como um instrumento para a 
libertação (mokṣa). O devoto deve sentir-se realizado com a 
entrega e culto a Kṛṣṇa, sem esperar mais nada além disso. 
 
 
Caitanya Mahāprabhu 
29 
 
 
A doutrina Acintya-bhedābheda de Kṛṣṇa Caitanya 
Mahāprabhu tem pontos em comum com outras interpretações 
do Vedānta. O eu individual é diferente e não-diferente de 
Īśvara, e isso é incompreensível ou impensável (acintya) para os 
seres humanos. Da mesma forma, Īśvara é diferente e não-
diferente de seus poderes, diferente e não-diferente de sua 
manifestação cósmica, o universo. O Ser Absoluto é diferente e 
não-diferente de sua forma pessoal, Viṣṇu. Tanto o Absoluto 
quanto a multiplicidade são reais, o universo não é irreal e os 
indivíduos humanos também são reais. Cada pessoa está para 
Īśvara como um raio de Sol está para o Sol. São 
qualitativamente não-diferentes, porém quantitativamente 
diferentes. Segundo Caitanya, Kṛṣṇa é a realidade absoluta e é 
dotado de todos os poderes, sendo a fonte de todas as emoções e 
qualidades. Os jīvas (indivíduos) são partes de Īśvara, que estão 
normalmente sob a influência dos poderes da natureza, mas que 
podem se libertar disso. A devoção pura é o único método de 
atingir essa libertação e o objetivo é o amor puro por Kṛṣṇa. 
 
30 
 
SURGIMENTO DOS SISTEMAS 
HETERODOXOS 
 
 
Monge jainista 
 
Até o século VIII a.C., a população do subcontinente 
indiano vivia espalhada no campo e em pequenas aldeias. Em 
torno do século VII a.C., com o uso de instrumentos de ferro, 
houve uma grande expansão da agricultura, especialmente de 
cereais, incluindo o arroz. A população cresceu e começaram a 
surgir grandes cidades (dezenas de milhares de habitantes) e na 
região do norte da Índia (especialmente no vale do rio Ganges e 
31 
 
seus afluentes) foram estruturados alguns grandes territórios 
com administração central, chamados Mahājanapada. Alguns 
deles estavam sob o domínio de dinastias reais (rājas), outros 
tinham uma administração controlada por grupos de clãs 
poderosos (gaṇa-saṅghas), que escolhiam o seu dirigente. 
O enriquecimento de agricultores, comerciantes e artesãos 
produziu nesse período um questionamento da antiga hierarquia 
das castas. A diversificação das profissões introduziu uma 
variedade social que não estava prevista nas regras brahmâṇicas. 
Tornava-se necessário o estabelecimento de regras sociais mais 
flexíveis do que as antigas. A transformação social, juntamente 
com a assimilação de populações das regiões vizinhas, que 
possuíam uma cultura distinta (inclusive sob o ponto de vista 
religioso) levou à discussão da tradição ortodoxa vêdica-
brahmâṇica e ao surgimento de ideias e cultos heterodoxos. A 
importância dos sacerdotes (brāhmaṇas) foi questionada e 
muitos dos novos movimentos foram liderados por pessoas de 
origem kṣatriya (a casta dos guerreiros). 
Nos séculos VII e VI a.C. há uma ebulição de novas 
propostas filosóficas e religiosas, na região das novas cidades 
(vale do Ganges). Algumas delas se tornaram muito importantes 
e tiveram enorme influência na Índia durante séculos, como o 
Budismo e o Jainismo. Outros movimentos iniciados na mesma 
época não tiveram tanto sucesso e desapareceram em pouco 
tempo, às vezes sem deixar obras que nos permitam conhecê-los 
melhor. As próprias obras budistas e jainistas mais antigas falam 
sobre diversos mestres e ensinamentos dessas outras correntes, 
mas sem entrar em detalhes. Todas essas correntes foram 
precedidas pelo movimento ascético Śramaṇa, sobre o qual 
temos apenas informações indiretas, pois suas obras não foram 
conservadas. 
O idioma sânscrito, que já havia sofrido grandes 
transformações desde o período dos Vedas, sofreu nesse período 
uma maior influência dos outros idiomas existentes na região do 
32 
 
vale do Ganges, surgindo então os idiomas chamados prākṛta – 
uma palavra que significa “natural”. Esses idiomas, que se 
tornaram comuns nas cidades, eram semelhantes, porém 
distintos, da linguagem “refinada”, saṃskṛta. Como o sânscrito 
era o idioma utilizado na tradição vêdica-brahmânica, os novos 
movimentos religiosos e filosóficos optaram, em diversos casos, 
pelo uso das línguas prácritas. A língua magadhī, que era muito 
falada na região de Magadha, foi adotada pelos jainistas para a 
composição de seus textos (āgamas) mais antigos. O pāli é uma 
outra língua prácrita, mais próxima do sânscrito, que adquiriu 
grande importância por sua associação com o Budismo. Os 
textos budistas mais antigos, incluindo todo o Tipiṭaka do 
Budismo Theravāda, foram escritos em pāli. 
A palavra Śramaṇa, que vem do verbo śram (esforçar-se) 
significa aquele que se esforça ou se dedica. Era utilizada no 
século VI a.C. para indicar um movimento ascético 
independente da tradição vêdica. O movimento pode ser muito 
mais antigo, mas é impossível descrever sua história por falta de 
informações antigas. Sabe-se que o movimento Śramaṇa 
criticava os rituais dos Vedas, dava pouca importância aos textos 
sagrados antigos (śruti) e considerava que o mais importante era 
obter a libertação (mokṣa) do ciclo de renascimento (saṃsāra) 
através do ascetismo (tapas) e práticas de meditação. Os 
śramaṇas não davam importância ou criticavam a crença nos 
devas e outros seres sobrenaturais, dando maior ênfase ao ser 
humano e à sua transformação. Eles viviam nos arredores das 
vilas e cidades, sobrevivendo com alimentos fornecidos pelas 
pessoas das proximidades. 
Foi a partir do movimento Śramaṇa que se desenvolveram 
não apenas o Budismo e o Jainismo, mas também outras 
correntes como as dos Ājīvikas, Ajñānas and Cārvākas. Não há 
uma unidade nessas diversas correntes e, por isso, supõe-se que 
os śramaṇas originais também não tivessem uma unidade de 
pensamento, mas defendessem doutrinas conflitantes. No século 
33 
 
VI a.C. esses movimentos śrāmana estavam organizados sob a 
forma de comunidades de ascetas chamadas saṅghagaṇi 
lideradas por um saṅghin ou gaṇācarin (mestre do grupo). Um 
texto budista, SamaññaphalaSutta, identifica seis escolas 
śramaṇa anteriores ao Buddha, fornece o nome de seus líderes e 
dá uma descrição sucinta das mesmas: 
• Pūraṇa Kassapa era o líder de um movimento 
śramaṇa amoralista, que afirmava não existirem normas 
éticas. Nada é moral ou imoral, não existe virtude nem 
pecado. Esse tipo de visão pode ter influenciado, 
posteriormente, algumas escolas tântricas. 
• Makkhali Gosāla era o líder dos Ājīvikas, que 
acreditavam no fatalismo e determinismo: as pessoas não 
são livres, tudo é consequência de leis naturais, nada pode 
ser alterado, tudo é predeterminado, incluindo o esforço que 
pode levar à libertação. Essa escola aceitava um atomismo 
semelhante ao da escola Vaiśeṣika (a qual, no entanto, 
aceitava a autoridade dos Vedas). 
• Ajita Kesakambalī era o líder da escola Cārvāka 
ou Lokāyata, uma antiga escola indiana materialista, que 
negava qualquer entidade imaterial. Nada resta depois da 
morte, quando a pessoa morre ela retorna aos elementos. Era 
voltada para os valores mundanos (por isso o nome 
Lokāyata) e defendia a busca de prazeres imediatos: coma, 
beba e se alegre. 
• Pakudha Kaccāyana era o líder de uma escola 
materialista e atomista. Tudo é constituído a partir dos 
elementos terra, água, fogo, ar, juntamente com alegria, dor 
e consciência. Tudo o que ocorre é devido apenas ao 
rearranjo dessas substâncias eternas. Não existe um ser 
criador. 
• Sañjaya Belaṭṭhaputta era o líder da corrente 
Ajñāna ou cética, que negava a possibilidade do 
conhecimento (jñāna) sobre qualquer tema filosófico. Esse 
34 
 
movimento enfatizava a existência de diferentes opiniões 
sobre qualquer tema, tirando daí a consequência de que não 
existe o conhecimento. Além disso, afirmava que mesmo se 
houvesse conhecimento, ele seria inútil. 
• Nigaṇṭha Nātaputta, mais conhecido como 
Mahāvīra, também é citado nos textos budistas. Era o líder 
do Jainismo, que ensinava regras de conduta, com proibições 
e a instrução ética de evitar todo mal. 
Através dessa amostra é possível perceber que não havia 
uma unidade de pensamento entre os śramaṇas; eles tinham 
diferentes doutrinas em relação a praticamente tudo. É claro que 
essa é apenas uma lista das correntes Śramaṇa que foram 
registradas numa obra budista; existiam certamente muitas 
outras no século VI. 
 
35 
 
BUDISMO 
 
 
Siddhārtha Gautama 
 
O Budismo foi criado por Siddhārtha Gautama (em pāli: 
Siddhattha Gotama), conhecido como Śākyamuni (o sábio do 
clã dos Śākyas). Ele nasceu em Lumbinī, no atual Nepal. A sua 
data de nascimento é discutida pelos historiadores, mas aceita-se 
geralmente que ele nasceu em torno de 563 a.C. e faleceu em 
torno de 486 a.C. 
Siddhārtha participou de grupos de ascetas, tomando 
conhecimento de doutrinas filosóficas (incluindo o Sāṅkhya) e 
aprendendo técnicas de meditação, antes de desenvolver sua 
própria doutrina. Os seus ensinamentos básicos, de acordo com 
a tradição, seriam as “quatro nobres verdades” relativas ao 
sofrimento (duḥkha); e o “caminho óctuplo” para eliminar o 
sofrimento. O Buddha abandonou alguns conceitos anteriores 
36 
 
importantes, como o de ātman, afirmando que existem três 
marcas da realidade (trilakṣaṇa): 
1. Anātman, inexistência do Eu: não existe nada que 
tenha uma existência independente e real em si mesma; há 
apenas agregados de fenômenos condicionados. 
2. Anitya, impermanência: tudo muda 
constantemente nos fenômenos, não se pode encontrar nada 
de permanente. 
3. Duḥkha, sofrimento: nenhum fenômeno pode nos 
satisfazer de modo definitivo. 
As “quatro nobres verdades” (catvāri āryasatyāni) contêm 
a orientação fundamental do Budismo original: 
1. A verdade do sofrimento (duḥkha): a vida implica 
em sofrimento, insatisfação. 
2. A verdade da origem do sofrimento: ela provém 
do desejo (tṛṣṇā), dos apegos. 
3. A verdade da cessação do sofrimento: o fim do 
sofrimento é possível. 
4. A verdade do caminho: o método que leva ao fim 
do sofrimento é o caminho do meio, que segue o nobre 
caminho óctuplo. 
Os oito membros (aṣṭāṅga) do nobre caminho óctupolo 
(ārya-aṣṭāṅga-mārga) são: 
1. samyag-dṛṣṭi: visão correta ou compreensão justa 
da realidade e das quatro nobres verdades. 
2. samyak-saṃkalpa: resolução correta, decidir 
libertar-se da avidez, da cólera, da ignorância. 
3. samyag-vāc: palavra justa, não mentir, não 
semear discórdia ou desunião, não usar linguagem grosseira, 
não se vangloriar. 
4. samyak-karmānta: ação correta, respeitando os 
Cinco Preceitos (pañcaśīla). 
5. samyag-ājīva: modo justo de viver, profissão 
correta. 
37 
 
6. samyag-vyāyāma: esforço ou perseverança justa 
para evitar o que é desfavorável e obter o que é favorável. 
7. samyak-smṛti: atenção justa, plena consciência ou 
tomada de consciência correta (das coisas, do corpo, das 
emoções, do pensamento, dos outros, da realidade). 
8. samyak-samādhi: concentração ou união justa, 
estabelecer-se no estado desperto. 
Os cinco preceitos éticos (pañcaśīla) são os seguintes: 
1. não matar (não destruir a vida dos seres 
sensíveis); 
2. não roubar (não tomar aquilo que não lhe 
pertence ou aquilo que não lhe é dado); 
3. não ter conduta sexual incorreta (não manter 
relações sexuais ilegítimas ou vergonhosas); 
4. não mentir (não dizer palavras falsas ou 
inexatas); 
5. não tomar substâncias alcoólicas (não fazer uso 
de substâncias que alteram a mente). 
Pode-se perceber que o Budismo era inicialmente uma 
doutrina principalmente ética, sobre o modo de viver e se 
comportar. Não prescrevia exercícios ou práticas, exceto duas: 
samyak-smṛti, que parece ter sido um tipo de concentração ou 
dhāraṇā; e samyak-samādhi, um tipo específico de estado de 
união ou samādhi. Não existiam teorias metafísicas no Budismo 
original; o mais importante não era filosofar sobre o universo e 
sobre o homem e sim obter uma transformação e libertar-se do 
sofrimento e do ciclo de renascimento. 
Com o passar do tempo, o Budismo foi se modificando e 
ramificando em correntes completamente distintas, algumas das 
quais nem mesmo conservaram os preceitos do Buddha. Não 
existe apenas um Budismo; existem muitos Budismos diferentes 
e contraditórios entre si. 
 
38 
 
JAINISMO 
 
Símbolo jainista 
 
O Jainismo ou Jainamatam, em sânscrito (a doutrina do 
vitorioso ou jina) é um movimento que foi difundido por 
Mahāvīra, aproximadamente na mesma época em que surgiu o 
Budismo. No entanto, a tradição Jainista afirma que Mahāvīra 
não foi o fundador dessa corrente, e sim o vigésimo-quarto de 
seus grandes mestres (tīrthaṅkara – aquele que abre um 
caminho para passar por um rio). Os mestres anteriores a 
Mahāvīra não seriam recentes e sim muito antigos; o primeiro 
deles, chamado Ṛṣabha ou Ṛṣabhanātha, teria vivido há milhões 
de anos. 
O vigésimo-terceiro Tīrthaṅkara, segundo a tradição 
jainista, foi Pārśvanātha, que teria vivido em torno do século 
VIII a.C. Ele teria nascido em Vārāṇasī, tendo renunciado às 
atividades mundanas e se tornado um asceta, fundando uma 
comunidade monástica (saṅgha) na qual as castas não tinham 
39 
 
importância. Atribui-se a ele o início da tradição de quatro 
proibições (caturyama dharma) impostas aos monges: não 
matar, não furtar, não mentir e não possuir bens (Ahiṁsā, Satya, 
Asteya, Aparigraha). A não-violência, ahiṁsā, é um dos 
aspectos centrais do ensinamento jainista e influenciou 
fortemente o Hinduísmo posterior. 
 
 
Mahāvīra 
 
 O vigésimo-quarto e último Tīrthaṅkara, conhecido como 
Mahāvīra (grande herói), é certamente uma figura histórica, 
citada em textos budistas, que lhe dão o nome de Nigaṇṭha 
Nātaputta ou Jñātaputta. Há diferentes tradições no Jainismo 
sobre a data em que ele nasceu. Uma versão indica o ano de 599 
a.C., outra o ano de 572 a.C. Seu local de nascimento foi 
40 
 
Kuṇḍapura ou Kuṇḍagrama, uma vila perto da cidade de Vaiśālī 
na região de Videha, no vale do Ganges. 
Aocontrário do Buddha, que rejeitou o ascetismo (tapas) 
porque tais práticas não o haviam conduzido a nada de 
importante, Mahāvīra incluiu práticas ascéticas intensas no 
Jainismo, pois acreditava que eram elas que o tinham conduzido 
ao conhecimento supremo. Por outro lado, práticas de meditação 
(dhyāna) que eram fundamentais no Budismo tiveram apenas 
um papel secundário no Jainismo original. 
Além dos quatro Yamas que haviam sido ensinados por 
Pārśvanātha, Mahāvīra adicionou um quinto grande voto, o de 
castidade. No caso do Jainismo, as normas éticas tinham dois 
níveis diferentes. No caso de monges e monjas, as proibições 
eram radicais, absolutas; no caso de adeptos leigos do Jainismo, 
as proibições eram relativas e não tão radicais. A principal delas 
era a não-violência, Ahiṁsā. Mahāvīra admitia que os leigos, 
em seu dia-a-dia, realizavam inconscientemente atos de 
destruição ou violência contra os seres vivos, mas que isso não 
era tão grave. No caso de um monge ou monja, no entanto, isso 
era considerado inaceitável: eles só podem se alimentar de 
vegetais e não podem ferir nenhum inseto, nem mesmo seres 
invisíveis; precisam respirar através de tecidos e filtrar a água 
que vão beber, para não correr o risco de ingerir algum ser vivo 
e matá-lo. Qualquer ação acarreta o risco de produzir alguma 
violência ou sofrimento a outros seres; por isso, não agir é 
melhor do que agir; e o suicídio por inanição, Saṁlekhanā, é 
considerado um fim meritório. 
A filosofia jainista descreve a existência de sete realidades 
(tattvas) fundamentais: jīva, que é a substância espiritual 
individual, eterna e imaterial; ajīva, as substâncias inanimadas, 
constituídas por átomos; āśrava, o invólucro que cerca o jīva e 
que é tradicionalmente chamado de karman; bandha, aquilo que 
prende o jīva à matéria; saṁvara, a interrupção do afluxo de 
matéria ao jīva (cessação de acúmulo de karman, deixando de 
41 
 
agir e de ter emoções); nirjarā, a eliminação da matéria 
acumulada (purificação pelo ascetismo); e mokṣa, a libertação 
do ciclo de renascimentos. 
 
Os 24 Tīrthaṅkara 
 
No Jainismo, o ideal a ser atingido é tornar-se um Arihant 
ou “conquistador” (Arhat, em sânscrito), uma pessoa que 
conquistou suas paixões internas (kaṣāyas) como apego, raiva, 
orgulho e ódio. Tendo destruído esses inimigos, ele atinge o Eu 
puro e se torna um Kevalin, ou seja, aquele que possui o 
conhecimento supremo (kevala jñāna). Um arihant é também 
chamado de jina (vitorioso). Ao final de sua vida, o arihant 
destrói o resto do karman que lhe resta e atinge a libertação 
(mokṣa) libertando-se do ciclo de renascimentos e tornando-se 
um siddha (perfeito) sem corpo, porém mantendo sua 
individualidade. 
O eu interno (jīva), puro, possui o conhecimento supremo 
(kevala jñāna); porém, ele está obstruído pelas imperfeições 
42 
 
humanas. Quando elas são superadas, esse eu interno reflete 
como um espelho límpido, por assim dizer, todas as substâncias 
em seus infinitos modos, abrangendo o passado, presente e 
futuro. O kevalin obtém conhecimento infinito (ananta jñāna), 
percepção infinita (ananta darśana), felicidade infinita (ananta 
sukha) e poder infinito (ananta vīrya). Ele também se liberta de 
18 imperfeições: renascimento, velhice, sede, fome, espanto, 
desprazer, arrependimento, doença, pesar, orgulho, ilusão, 
medo, sono, ansiedade, suor, apego, aversão e morte. 
No momento da libertação ou nirvāṇa, o arihant se livra 
dos últimos quatro tipos de karman: nāma (o karman que 
constitui o ego), gotra (o karman associado à família e à 
estrutura social), vednya (o karman que produz dor e prazer) e 
ayuśya (o karman que produz o nascimento e determina a 
duração da vida). 
Nos séculos posteriores a Mahāvīra, o Jainismo sofreu 
muitas alterações e divisões, assim como o Budismo. Houve, 
posteriormente, a introdução de rituais e de aspectos 
devocionais que não existiam antes; e também o 
desenvolvimento de um Yoga jainista. 
 
43 
 
TANTRA 
 
 
 
As doutrinas tântricas se enquadram na categoria de não-
ortodoxas (nāstika), embora tenham uma conexão mais forte 
com a tradição dos Vedas e das Upaniṣads do que o Budismo e 
o Jainismo. 
As mesmas condições históricas que, no século VI a.C., 
abriram espaço para o desenvolvimento das doutrinas não-
brahmâṇicas como o Budismo e o Jainismo, também permitiram 
o surgimento das primeiras correntes tântricas, que ofereciam 
alternativas à tradição ortodoxa, vêdica-brahmâṇica. A fase mais 
antiga do Tantra (antes do início da era cristã) é pouco 
conhecida, pois os textos tântricos que chegaram até nós só 
foram produzidos nos primeiros séculos da era cristã. No 
44 
 
entanto, existem obras não tântricas do período antes da era 
cristã que mencionam algumas de suas correntes – como 
Pāñcarātra e Pāśupata que são, respectivamente, abordagens 
tântricas associadas ao culto de Viṣṇu e de Śiva. 
Na tradição Hindu, o Tantra é um método espiritual de 
libertação (yoga) que substitui os ensinamentos indianos antigos 
(a tradição dos Vedas) por outros diferentes, opostos às normas 
antigas (dharma). O Tantra rejeita o ascetismo e propõe o uso de 
todas as coisas que possam atrair uma pessoa (incluindo sexo) 
como instrumentos para a libertação espiritual. Porém, Tantra 
não se reduz a práticas sexuais; é muito mais do que isso. 
De acordo com o Tantra, não há nada ruim ou errado no 
universo, apenas existe erro no interior da mente humana. A 
pessoa que superou a ignorância pode captar o aspecto perfeito e 
divino em cada coisa que existe, utilizando-a como um 
instrumento para entrar em contato com o infinito. Muitas 
filosofias indianas valorizam apenas a libertação espiritual 
(mokṣa), colocando em segundo plano ou desvalorizando os 
outros três objetivos humanos (puruṣārthas) – prazer e conforto 
(kāma), posses e poder (artha) e cumprir os deveres sociais 
(dharma). O Tantra, pelo contrário, propõe a obtenção de todos 
esses quatro objetivos ao mesmo tempo: kāma, artha, dharma e 
mokṣa. 
O Tantra, considerado como uma prática (Yoga), utiliza 
uma variedade de técnicas para que a pessoa se transforme. Elas 
incluem mantras, rituais de vários tipos, meditações utilizando 
diagramas místicos (yantras e maṇḍalas), utilização de hasta-
mudrās, introjeção de poderes divinos no próprio corpo (nyāsa), 
etc. Esse tipo de Yoga se desenvolveu principalmente a partir do 
início da era cristã, mas suas raízes são mais antigas. 
No período da Antiguidade, antes da era cristã, a palavra 
“Tantra” ainda não tinha o significado técnico posterior. Era um 
termo que podia ser utilizado para representar qualquer texto 
como, por exemplo, a obra fundamental do Sāṅkhya atribuída a 
45 
 
Kapila, chamada Ṣaṣṭitantra. O seu sentido técnico – de um 
conjunto de ensinamentos e práticas de um tipo especial – 
começa a surgir nos primeiros séculos da era cristã. 
Não existe apenas um tipo de Tantra; existem muitos tipos 
de Tantra indianos tradicionais (anteriores à colonização 
europeia), assim como existem muitos Budismos. Apenas para 
dar uma ideia dessa diversidade, podemos citar os nomes de 
algumas importantes correntes tântricas indianas antigas: 
Aghora, Āḷvār, Bāul, Gauḍīya, Kālāmukha, Kālīkula, Kānpaṭha, 
Kāpālika, Kaula, Krama, Lākula, Liṅgāyat, Nātha, Nāyaṇar, 
Pāñcarāṭra, Pāśupata, Sahajiyā, Śaivasiddhānta, Śrīvidyā, Trika. 
E esta é apenas uma pequena amostra da variedade existente. 
Além das doutrinas tântricas hinduístas, é importante mencionar 
a existência das correntes tântricas que se desenvolveram 
posteriormente no Budismo e no Taoísmo; elas possuem pontos 
de contato, mas também grandes diferenças em relação à 
tradição hindu. O Jainismo e o Islamismo também foram 
influenciados em torno do século X d.C. pelo Tantra, embora 
não possam ser considerados como pertencentes ao movimento 
tântrico. 
 
 
Pañca mahādevas: Śiva, Śakti,Viṣṇu, a Gaṇeśa e Sūrya 
 
46 
 
Há vários ramos diferentes do Tantra. Eles se diferenciam, 
em primeiro lugar, em relação ao ser divino que é considerado 
superior a todos os outros. Os principais ramos do Tantra estão 
relacionados a Śiva e à Śakti (a Grande Deusa); mas há outros 
ramos associados a Viṣṇu, a Gaṇeśa, a Sūrya (o deva do Sol) e 
outros. Cada um desses ramos tem certos textos fundamentais, 
que são considerados como revelações divinas. No Tantra Śaiva, 
esses textos são chamados āgamas, uma palavra que significa 
“aquilo que veio (até nós)”. No ramo Śākta, os textos são 
chamados tantras; e no ramo Vaiṣṇava, são chamados saṁhitā. 
Por isso, alguns autores consideram que apenas o ramo 
associado à Grande Deusa deveria receber o nome “Tantra”. 
A palavra Tantra significa originalmente teia (como a teia 
de aranha), tecido, rede. Indica a ideia de fios entrelaçados, 
unidos e formando um todo. Representa a ideia de que todas as 
coisas do universo estão conectadas, entrelaçadas, unidas entre 
si, através de uma espécie de fio invisível que forma essa união 
íntima de todas as coisas. 
Há duas realidades que unem tudo e que estão dentro de 
todas as coisas do universo. 
• Uma é a consciência pura: cit, ātman, puruṣa; 
• Outra é o poder divino que permeia toda a 
natureza: prakṛti, Śakti. 
Essa Potência (Śakti) está dentro de cada um de nós, e está 
também fora de nós. Penetrando em tudo, o Poder torna todas as 
coisas divinas. Porém, nosso modo comum de ver o universo e 
de vermos a nós mesmos não permite que enxerguemos essa 
perfeição em tudo. 
Nossa atenção interna e externa está geralmente voltada 
para coisas imperfeitas, para as trevas (tamas), para a violência 
(rajas), para as dualidades e conflitos, impedindo de ver a 
Realidade luminosa (sattva). O Tantra, como prática, leva a uma 
transformação da pessoa, permitindo-lhe ver além das 
aparências, percebendo a realidade divina em tudo. 
47 
 
Uma parte da base do Tantra vem do pensamento indiano 
tradicional, podendo ser encontrada nas Upaniṣads, por 
exemplo, que enfatizam o conhecimento do Absoluto, Brahman, 
que está presente em todas as coisas, em todos os seres do 
universo. 
Outra parte, no entanto, é diferente. Pois o Tantra mais 
radical é não-dualista, ele rompe com todo tipo de limitações 
impostas pelo pensamento racional, conceitual. E isso se reflete 
também nas práticas do Tantra, que não respeitam regras morais 
e éticas. Tudo aquilo que existe pode ser utilizado como um 
veículo para entrar em contato com a Divindade, nada é errado 
ou impuro. Desde que tenha desenvolvido a atitude espiritual 
correta, o praticante do Tantra pode vivenciar a perfeição em 
tudo. 
“Não existe nada que não se possa fazer e nada que não se 
possa comer. Não há nada que não se possa pensar ou falar, seja 
agradável ou desagradável. O Eu supremo existe dentro dele 
assim como nos outros seres. Assim considerando, o yogin deve 
se aproximar da comida e da bebida e das outras coisas.” 
(Hevajra-Tantra) 
 
48 
 
 
Aghori 
 
Algumas das práticas tântricas utilizam alimentos que nos 
parecem repugnantes – por exemplo, comer fezes. Na seita 
tântrica radical dos Aghori, o yogin vive no local de cremação 
de cadáveres se alimentando de restos de alimentos e dos corpos 
dos mortos. Tanto eles quanto os membros da seita Śaiva 
Kāpālika usam uma cuia feita de um crânio humano para comer 
e beber. 
Para eles, tudo o que existe é perfeito, não havendo 
diferença entre tamas, rajas e sattva. Negar a perfeição de 
49 
 
qualquer coisa seria negar o aspecto sagrado representado pela 
presença do Ser Divino em tudo. 
As práticas mais transgressivas do Tantra estão 
relacionadas ao “Tantra da mão esquerda”, chamado Vāmācāra. 
Esta palavra vem de vāma: associado ao lado esquerdo; o 
oposto, contrário, invertido; que age de modo oposto. O 
Vāmācāra utiliza objetos, substâncias e lugares que são 
considerados como impuros pelos profanos. O caminho oposto é 
o Dakṣinācāra ou “Tantra da mão direita”, que utiliza práticas 
com mantras, yantras, técnicas de visualização, meditação 
assentada, práticas corporais como os āsanas, devoção, rituais 
em templos e outras atividades que não violam as normas 
vêdicas e brāhmaṇicas nem chocam os leigos. 
No ocidente, o nome Tantra está fortemente associado ao 
sexo. É utilizado às vezes como uma simples desculpa teórica 
para práticas sexuais, sem objetivo espiritual. O suposto Tantra 
ocidental (ou “neo-tantra”) não é um método de libertação 
espiritual (mokṣa) e não pode ser considerado um tipo de Yoga. 
Tantra Yoga não é praticar Yoga nu (naked yoga), ou 
fazer posturas (āsanas) com um parceiro sexual. Essas são 
invenções ocidentais recentes, que nada têm a ver com a 
tradição do Tantra indiano. 
Algumas correntes do Tantra indiano têm, é verdade, 
práticas de natureza sexual, mas isso é apenas um dos seus 
múltiplos aspectos. Há linhas do Tantra que não utilizam 
métodos sexuais. 
Há vários textos tântricos que descrevem rituais utilizando 
os pañca-makāra = os 5 MAs 
• madya – vinho, bebida alcoólica 
• māṁsa – carne 
• matsya – peixe 
• mudrā – símbolo, parceira sexual 
• maithuna – relação sexual 
50 
 
No entanto, sexo não é o centro do Tantra. O ponto central 
é obter uma transformação de nosso modo de ver a realidade. 
Isso pode ser conseguido com práticas que podem utilizar aquilo 
que desperta em nós emoções e sensações muito fortes. Através 
delas, o modo comum de funcionamento de nossa mente é 
ultrapassado, e surgem vivências espirituais completamente 
diferentes. Gradualmente, o yogin ultrapassa o véu que encobre 
a realidade divina, e por fim se estabelece um contato constante 
com esse estado de consciência. 
A única vertente do Tantra que dá grande importância aos 
elementos sexuais é a corrente Kaula. Nas outras, é um aspecto 
secundário (ou inexistente). O “neo-tantra” ocidental se refere 
exclusivamente à sexualidade; o Tantra, porém, é sobre 
espiritualidade. 
Por causa da variedade de correntes tântricas tradicionais, 
é difícil fazer uma descrição que seja válida para todas elas. 
Porém, vamos tentar indicar os principais pontos que são 
comuns à maior parte delas. 
• O Tantra é um caminho para a libertação 
espiritual (mokṣa); portanto, é um tipo de Yoga 
• É considerado um caminho mais rápido para a 
libertação do que os métodos antigos, e o único adequado 
para a fase atual da humanidade (kali-yuga), a era da 
imperfeição 
• Desprezo ou crítica da tradição vêdica-
brahmâṇica: Tāntrika se opõe a Vaidika (mas há exceções) 
• Importância central dos rituais (pūjā), 
especialmente evocação e culto de devatās 
• Proliferação do número e tipos de seres divinos 
• Práticas de visualização e auto-identificação com 
a divindade 
• Teoria mística do som e da fala – o som tem 
origem divina e é um instrumento de transformação 
51 
 
• Importância central de mantras, muitos deles 
sendo sons impossíveis de traduzir 
• Instalação de mantras em pontos específicos do 
corpo (nyāsa, práticas internas com bīja-mantras) 
• Doutrina esotérica (secreta): necessidade de 
iniciação e orientação pelo guru 
• Práticas de meditação relacionadas com os seres 
divinos, utilizando instrumentos adicionais (mantra, yantra, 
mūrti, ...) 
• Uso ritual de maṇḍalas, especialmente na 
iniciação tântrica 
• Revalorização positiva do corpo humano 
• Teoria sobre fisiologia sutil, cakras, nāḍīs, 
kuṇḍalinī 
• Relação entre seres divinos, estrutura do 
universo, lugares de peregrinação e partes do corpo do 
praticante 
• Utilização de práticas com o corpo (kāya-
sādhana) para a libertação espiritual: āsanas, prāṇāyāma, 
mudrās, ... 
• Aceitação de valores mundanos, que não entram 
em conflito com a busca da libertação (mokṣa) 
• Busca de poderes sobrenaturais (siddhis), 
incluindo a imortalidade física, e utilização de magia 
(inclusive para destruir os inimigos)• Os praticantes são leigos, incluindo pessoas 
casadas (não é uma comunidade de religiosos) 
• Simbologia bipolar deva/devī e transcendência da 
dualidade (união de opostos) 
• Rejeição das diferenças de casta (varṇa) e gênero 
• Rejeição das normas brahmâṇicas (dharma); 
realização de atos proibidos; transgressão do dharma 
52 
 
• Rejeição da dualidade puro / impuro; utilização 
de substâncias, objetos e lugares que são considerados 
impuros na tradição brahmâṇica 
• Revalorização positiva do papel e da importância 
das mulheres 
• Importância das divindades femininas 
• Revalorização positiva do universo material e do 
Poder (Śakti) que o produz 
• Práticas voltadas para a transformação da pessoa 
em um ser divino 
Nem todas as correntes tântricas incluem todos esses 
aspectos; e há correntes não-tântrica que incluem alguns deles. 
O Haṭha-Yoga tradicional, por exemplo, tem uma origem 
tântrica e compartilha diversos dos componentes indicados 
acima; mas não inclui outros, como o culto às divindades, o uso 
de mantras, a iniciação e o ritual tântrico. 
 
 
Lalitā Tripura Sundarī 
53 
 
Vamos descrever a seguir alguns pontos da visão Śākta. 
Porém, muitos aspectos são comuns às diversas linhas tântricas. 
Na doutrina tântrica Śākta, tudo o que se manifesta no 
universo como matéria, vida e consciência é o Poder Divino 
(Śakti). O Poder é feminino. É a Grande Deusa (Mahā Devī), a 
Mãe de todos os seres e dos próprios Devas. Tudo o que existe 
brota dos órgãos genitais (Yoni) da Grande Mãe. 
Aquele que presencia o poder é Śiva. Não existe Śiva sem 
Śakti, nem Śakti sem Śiva: “na śivaḥ śaktirāhito na śaktiḥ 
śivavārjita”. 
Śiva, sozinho, é semelhante a um cadáver (śava), pois ele 
próprio não tem poderes. Ele só tem o poder que emana da 
Śakti. Apenas quando está unido à sua Śakti, Śiva se torna o 
deva poderoso. Śiva é, essencialmente, a consciência inativa, é 
aquele que testemunha a ação da Śakti. Os outros devas também 
possuem suas respectivas Śaktis e são igualmente incapazes, 
sem elas. 
A fusão entre Śakti e Śiva é representada pela união 
sexual entre eles, ou por uma figura com os dois sexos 
(Ardhanārīśvara), um lado sendo masculino (direito), e o outro 
feminino (esquerdo). 
Śiva e Śakti, unidos, formam o Absoluto não-manifesto, 
ou Brahman, que pode ser descrito por Sat, Cit, Ānanda 
(realidade, consciência, beatitude). Eles se manifestam quando 
se separam. Quando estão unidos em um só, Paraśiva (o Śiva 
supremo) e Paraśakti (a Śakti suprema) são inativos e invisíveis. 
Esse estado primordial corresponde à noite de Brahman, 
em outras tradições. É o estado que precede o surgimento do 
universo, da multiplicidade. Nesse estado de união, Śiva pode 
ser pensado como um ponto, e Śakti como uma linha enrolada 
em torno deste ponto. Como a linha não tem espessura, é 
impossível distinguir o ponto e a linha. Eles são uma única 
coisa. 
54 
 
A criação do universo se dá quando Śiva e Śakti se 
separam, ou seja, com o surgimento da dualidade. Quando a 
linha (Śakti) se desenrola do ponto central (Śiva), surgem a 
meia-lua (Ardha-candra) e o ponto (Bindu) que são 
representados na parte superior do símbolo do Oṁ. 
À medida que se desenrola, a Śakti se manifesta sob a 
forma de um som primordial (Nāda), e através do som ela 
começa a criar o universo. O som é um dos principais 
instrumentos do Poder, no Tantra. Em algumas práticas, o 
tantrika pode ouvir os sons primordiais produzidos pela Grande 
Deusa. 
Os seres do universo são descritos por nome (nāma) e 
possuem uma forma (rūpa). O som (śabda) e a palavra (vāc) são 
manifestações da Śakti, que dão forma aos seres. Os nomes das 
coisas, em sânscrito, não são considerados arbitrários e sim 
como contendo a essência de cada coisa. 
A Śakti não apenas cria todos os seres, ela permanece 
dentro deles. A Śakti imagina o universo, por sua própria 
vontade, pelo prazer de criar, e se incorpora nele. O universo 
não tem essência própria, é vazio, mas ao mesmo tempo contém 
o absoluto. 
De acordo com o Tantra, em todos os seres do universo se 
manifestam o poder de Śakti e a consciência de Śiva. O 
Absoluto está presente em todas as manifestações do universo. 
Portanto, tudo o que existe é sagrado. No pensamento dos 
Vedas, no entanto, apenas algumas coisas são consideradas 
divinas. 
No centro de cada coisa estão Śiva e Śakti, que contêm 
tudo o que existe. Por isso o Tantra afirma: “Aquilo que está 
aqui está em toda parte. Aquilo que não está aqui não está em 
lugar nenhum”: “yad ihasti tad anyatra, yannehasti na tat 
kvacit”. 
55 
 
Não é preciso fazer peregrinações nem buscar lugares 
sagrados distantes. Tudo o que existe no universo é perfeito, 
divino, e Eu sou tudo isso, e tudo isso existe em mim. 
Toda a realidade e toda pessoa é, essencialmente, Śiva-
Śakti, mas de forma específica todo homem é Śiva e toda 
mulher é Śakti. Perceber a realidade mais profunda disso é um 
dos caminhos para a libertação espiritual. Mas é preciso 
ultrapassar as aparências, os níveis mais superficiais, 
encontrando a essência divina no interior de cada pessoa. 
Embora nossa natureza seja divina, e tudo o que nos cerca 
também seja, nossa percepção usual da realidade é limitada, 
dualista, pobre. É a própria magia (māyā) da Śakti que dá a 
aparência de finito ao infinito, de múltiplo àquilo que é uno, de 
específico (dotado de nome e forma) àquilo que não tem nome 
nem forma, de destrutível ao que é eterno. Isso faz parte da 
brincadeira (lilā) da Deusa. 
A Śakti envolve toda a criação divina, perfeita e ilimitada 
com um véu mágico, mas ela própria cria por toda parte as 
portas através das quais podemos atravessar a ilusão e chegar à 
percepção clara da realidade divina. Ela oculta e revela. 
Penetrando através de Śakti-Māyā é possível atingir o absoluto, 
ultrapassando as limitações e dualidades. 
 
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Kālī 
A compreensão e o contato direto (vivência) da Śakti é um 
aspecto central do Tantra Śākta. A Śakti pode ser vista sob seus 
aspectos bondosos, como a Mãe (Mā) ou como a esposa / 
amante de Śiva, bela, sedutora e sábia. No entanto, ela pode 
também ser vista sob seu aspecto destruidor, horrível, como Kālī 
ou Kālikā, a Deusa Negra, que destrói as ilusões, aniquila as 
forças do egoísmo e leva as pessoas a verem a realidade divina. 
A pessoa em um corpo (jīva) conhece apenas os níveis 
mais baixos da realidade e se confunde com eles. No entanto, é 
possível se transformar, atingindo uma compreensão diferente 
da realidade. Às vezes se descreve essa transformação como 
uma libertação (kaivalya) ou como a união ao Eu Supremo 
(Paramātma). 
No Tantra, a pessoa viva (jīva) e o Eu Supremo possuem a 
mesma natureza, por isso eles não podem se unir. O Jīva não se 
liberta, ele pode apenas perceber que nunca esteve preso. Para 
isso, ele precisa penetrar através dos véus de Māyā, a magia da 
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Śakti, através da sabedoria (jñāna) obtida através da vivência 
(vijñāna), conhecendo diretamente a Śakti, tornando-se um 
jivanmukta e mantendo-se no mundo. O objetivo não consiste 
em se afastar do universo criado por Śakti, e sim percebê-lo 
como ele é: infinito, absoluto, eterno, sem dualidades. Através 
do Śākta-Tantra, o adepto atinge a libertação voltando-se para 
fora e não para dentro. Ele procura se conectar à rede divina do 
universo. 
Adotando uma visão não-dualista (advaita), a doutrina do 
Tantra admite que tudo é igualmente puro e perfeito. Por isso, o 
Tantra permite obter a iluminação (mokṣa) desfrutando do 
mundo (bhoga). No entanto, o Tantra não é uma busca de 
prazeres; prazer e dor são indiferentes. 
Infelizmente, o Tantra tem sido muito distorcido, desde o 
século XX. Por isso, é difícil encontrar obras confiáveis sobre o 
assunto. Os livros de Sir John Woodroffe (“Arthur Avalon”), 
embora antigos, contêm estudos sérios e traduções de textos 
tradicionais. Infelizmente, sua leitura

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