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AyurvedA Prof.ª Fabiana Rodrigues Mandryk TerApiA Indaial – 2022 1a Edição Impresso por: Elaboração: Prof.ª Fabiana Rodrigues Mandryk Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI M273t Mandryk, Fabiana Rodrigues Terapia ayurveda. / Fabiana Rodrigues Mandryk – Indaial: UNIASSELVI, 2022. 153 p.; il. ISBN 978-85-515-0533-5 ISBN Digital 978-85-515-0534-2 1. Tradição védica. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 615.5 Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Terapia Ayurveda! A partir de agora, seremos conduzidos a uma incrível viagem histórica com o objetivo de adentrarmos nos meandros de uma das mais antigas tradições do mundo, a tradição védica: yoga, vedanta, jyotish, ayurveda. De todas essas opções, abordaremos o ayurveda e a abhyanga. Ayurveda é uma palavra em sânscrito composta por duas palavras, veda e ayuhu, e usualmente encontramos uma tradução literal desses dois termos, que nos diz: veda é conhecimento, e ayuhu é vida. Portanto, neste momento, vamos considerar que ayurveda é o conhecimento da vida. Já abhyanga significa “esfregar os membros do corpo com óleo quente” – logo, podemos dizer que é uma massagem, todavia, somente neste momento, entenderemos essa palavra com o significado de “massagem”; abhyanga é um dos métodos terapêuticos mais utilizados no ayurveda. No decorrer do nosso processo de aquisição de conhecimento, desdobraremos esse conceito que é mundialmente conhecido. Na Unidade 1, abordaremos a contextualização histórica da tradição védica, sendo esse tópico muito interessante e importante, pois, ao adentrarmos em um conhecimento tão antigo e sagrado, o entendimento da sociedade local e mundial é essencial. Faremos uma breve viagem pelo continente asiático e daremos ênfase à república da Índia, então estaremos habilitados a conhecer as bases filosóficas da tradição védica. Convidamos você a esvaziar sua xícara de todo conhecimento prévio que porventura tenha, independentemente do estilo do conhecimento que já tenha recebido ou experimentado, tal qual uma criança que passa a conhecer a vida com novos olhos. Por fim, abordaremos os conceitos básicos do ayurveda. Em seguida, na Unidade 2, usaremos muitas palavras em sânscrito e, apesar de elas parecerem inicialmente estranhas e confusas, trarão as chaves necessárias para a construção do pensamento ayurvédico. Conheceremos os doshas, que são os responsáveis pela organização e desorganização de nosso corpo e de nossa mente. Por fim, na Unidade 3, aprenderemos a abhyanga, que não é a massagem ayurvédica. Na verdade, esse termo é uma forma usada para vender massagens corporais onde usam óleos para facilitar os deslizamentos das mãos do massoterapeuta pelo corpo do cliente. Abhyanga é um conceito, e essa unidade será dedicada ao aprofundamento dele e abordaremos todas as possibilidades terapêuticas que o abhyanga se propõe. Bons estudos! Prof.ª Fabiana Rodrigues Mandryk APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. QR CODE Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! SUMÁRIO UNIDADE 1 — MEDICINA AYURVÉDICA E MASSAGEM AYURVÉDICA ................................. 1 TÓPICO 1 — CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA TRADIÇÃO VÉDICA .............................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 A TRADIÇÃO DAS TRADIÇÕES ...........................................................................................3 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................... 7 AUTOATIVIDADE ....................................................................................................................8 TÓPICO 2 — A ÍNDIA ..............................................................................................................11 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11 2 A ÍNDIA MODERNA ............................................................................................................ 12 3 IDIOMA ............................................................................................................................... 15 4 SÂNSCRITO ....................................................................................................................... 16 RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................................18 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................19 TÓPICO 3 — FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS ....................................................................... 21 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 21 2 MUITO ALÉM DO INCENSO .............................................................................................. 22 3 OS SEIS DARSANAS ........................................................................................................ 24 4 ENUMERAR ...................................................................................................................... 26 RESUMO DO TÓPICO 3 ......................................................................................................... 31 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 32 TÓPICO 4 — INTRODUÇÃO BÁSICA AO AYURVEDA .......................................................... 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 35 2 PANCHAMAHABHUTAS................................................................................................... 36 3 ESTRELANDO: AKASHA, VAYU, AGNI, JALA E PRITHVI ................................................37 4 GUNAS .............................................................................................................................. 38 4.1 GUNAS DA MENTE...............................................................................................................................45 4.2 ÓRGÃOS DE PERCEPÇÃO E DE AÇÃO ...........................................................................................45 4.3 INTER-RELAÇÃO DOS ELEMENTOS ...............................................................................................46 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................................................47 RESUMO DO TÓPICO 4 ........................................................................................................ 52 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 53 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 55 UNIDADE 2 — ABHYANGA ...................................................................................................57 TÓPICO 1 — DOSHAS ...........................................................................................................59 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................59 2 DEFINIÇÃO ........................................................................................................................59 3 O CORPO DENSO E OS DOSHAS ...................................................................................... 61 4 OS TRÊS DOSHAS ............................................................................................................ 64 5 OS 15 SUBDOSHAS .......................................................................................................... 68 5.1 VATA DOSHA .........................................................................................................................................68 5.1.1 Prana vata ....................................................................................................................................69 5.1.2 Udana vata .................................................................................................................................69 5.1.3 Vyana vata ..................................................................................................................................69 5.1.4 Apana vata ..................................................................................................................................69 5.1.5 Samana vata ..............................................................................................................................70 5.2 PITTA DOSHA .......................................................................................................................................70 5.2.1 Sadhaka pitta ..............................................................................................................................71 5.2.2 Alochaka pitta ............................................................................................................................71 5.2.3 Bhrajaka pitta .............................................................................................................................71 5.2.4 Ranjaka pitta ............................................................................................................................. 72 5.2.5 Pachaka pitta ............................................................................................................................ 72 5.3 KAPHA DOSHA .................................................................................................................................... 73 5.3.1 Tarpaka kapha ........................................................................................................................... 74 5.3.2 Bodhaka kapha ......................................................................................................................... 74 5.3.3 Avalambaka kapha .................................................................................................................. 74 5.3.4 Kledaka kapha ........................................................................................................................... 75 5.3.5 Shleshaka kapha ...................................................................................................................... 75 RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 77 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................78 TÓPICO 2 — AGNI ..................................................................................................................81 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................81 2 DEFINIÇÃO ........................................................................................................................81 3 OS AGNIS .......................................................................................................................... 83 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 90 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................. 91 TÓPICO 3 — DHATUS ........................................................................................................... 93 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 93 2 DEFINIÇÃO ....................................................................................................................... 94 3 DHATUS: UM POR TODOS E TODOS POR UM .................................................................. 94 4 FORMAÇÃO DE MALAS .....................................................................................................97 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................100 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................102 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................103REFERÊNCIAS ....................................................................................................................105 UNIDADE 3 — COMPONENTES E MANOBRA .....................................................................107 TÓPICO 1 — RITUCHARYA ..................................................................................................109 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................109 2 DEFINIÇÃO ......................................................................................................................109 2.1 MUDARAM AS ESTAÇÕES.................................................................................................................110 2.2 TEMPO ...................................................................................................................................................111 2.3 MEDICINA INDIANA ...........................................................................................................................113 2.4 MENTE SÃ E CORPO SÃO ................................................................................................................113 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 115 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 116 TÓPICO 2 — ABHYANGA .................................................................................................... 119 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 119 2 DEFINIÇÃO ...................................................................................................................... 119 2.1 NUTRIÇÃO ...........................................................................................................................................120 2.2 O SABOR DA PAIXÃO ........................................................................................................................121 2.3 A ORQUESTRA DE SABORES ......................................................................................................... 122 2.4 A PELE ................................................................................................................................................. 127 2.5 OS CORPOS SUTIS ...........................................................................................................................128 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................... 131 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................132 TÓPICO 3 — ABHYANGA NA PRÁTICA ..............................................................................135 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................135 2 SNEHANA E PREPARAÇÕES TERAPÊUTICAS COM ÓLEOS ESSENCIAIS ...................136 3 BENEFÍCIOS DA ABHYANGA ..........................................................................................138 4 SARVANGA ABHYANGA .................................................................................................138 5 HORA DA ABHYANGA .....................................................................................................139 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................142 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................149 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................150 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................153 1 UNIDADE 1 — MEDICINA AYURVÉDICA E MASSAGEM AYURVÉDICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • entender a contextualização histórica da tradição védica; • compreender a Índia na ancestralidade e na atualidade; • identificar quais são os fundamentos filosóficos que direcionam a sociedade indiana; • refletir sobre a introdução básica ao ayurveda. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA TRADIÇÃO VÉDICA TÓPICO 2 – A ÍNDIA TÓPICO 3 – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS TÓPICO 4 – INTRODUÇÃO BÁSICA AO AYURVEDA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA TRADIÇÃO VÉDICA TÓPICO 1 — UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Tempo imemorial é uma expressão que define com perfeição a jornada que estamos iniciando agora. Ousaremos trazer o termo em sânscrito satsanga, que é traduzido como o encontro com a verdade, pois, por meio desse encontro e desse estudo, daremos o primeiro passo ao direcionamento da possibilidade da expressão de nossa natureza essencial. Pela conscientização da nossa natureza essencial, seremos capazes de construir nosso ser e habilitá-lo com presença para cuidar e servir às pessoas que nos buscarão como terapeutas. O ayurveda é considerado um conhecimento eterno que sobreviveu e sobreviverá a todas as transformações que ocorreram e ocorrerão no mundo. Considerando essa afirmativa, podemos ter a noção da importância desse estudo e da aplicação dessa ciência em nosso dia a dia. Neste tópico, então, abordaremos as origens do ayurveda, tendo como base a tradição védica. Com isso, seremos capazes de nos despir de equívocos que se popularizam, especialmente nos países ocidentais, devido à interpretação equivocada das traduções dos livros clássicos de ayurveda. 2 A TRADIÇÃO DAS TRADIÇÕES O ayurveda tem origens antiquíssimas: há registro de que se iniciou seu uso e sua aplicação no fim da Idade da Pedra na região do Vale do Indo, atual Paquistão. Com a efervescência natural das tribos em suas excursões e peregrinações exploratórias, a Bacia do Ganges ganhou espaço e passou a receber e acolher todos os interessados em seguir e estudar a tradição védica. A fabulosa terra das especiarias, das pedras preciosas, dos pavões e das sedas sempre ofereceu uma perspectiva atraente para mercadores e conquistadores. O altruísmo dos indianos anuiu-lhes absorver influências do mundo exterior, preservando suas próprias particularidades culturais. 4 Assim, apesar das invasões de Genghis Khan e dos mongóis no século XIII, e da conquista de grande parte da Índia pelos mongóis no século XVI, o ayurveda se manteve como o antídoto favorito para a maioria das pessoas e até desfrutou de chancela igual ao de unani, medicina árabe durante o reinado do imperador Akbar. O ayurveda trouxe profundidade de raciocínio pela base filosófica que explica e orienta sua forma de observação do mundo e para o entendimento dos processos naturais da vida e da morte. Isso possibilitou que expressões arcaicas de superstição caíssem por terra e adquirissem clareza. Os livros clássicos do ayurveda recebem o nome de samhitas, sendo a junção de duas palavras: sam, que significa “juntos”, e hita, que significa “colocar”, ou seja, é a combinação e a conexão, a coleção de textos e versos. A data do surgimento desse compêndio remonta, aproximadamente, 1200-900 a.C. A Índia abriga muitos mistérios ainda nos dias de hoje. Esse povo desempenhou um papel proeminente no comércio de especiariase outros bens durante muito tempo. Mantinha um porto cobiçado chamado Kerala, o Jardim das Especiarias da Índia, desde pelo menos 3000 a.C. A trajetória histórica desse país se mistura com a história. Certamente a herança hindu desperta imenso encantamento e curiosidade a respeito do misticismo e da cultura, especialmente na população ocidental. A civilização do Vale do Indo é considerada uma das primeiras do mundo, com registro de surgimento em 3300 a.C. Tempos de tradição, de uma raça que nutre os que dela se aproximam com algo muito particular, muito singular: a cultura do sagrado. Segundo Feuerstein (2005, p. 99), "[...] vem da Índia a maior contribuição à espiritualidade mundial, inspirando inclusive muitas nações ocidentais, tão carentes nesse sentido". Na atual apreciação ocidental sobre filosofia, percebemos a cisão entre metafísico e fé, mas na Índia essa divisão nunca existiu – o que, de certa maneira, justifica tamanha admiração do Ocidente pelo Oriente, considerando que o homem guarnece uma tendência natural, uma carência de pertencimento a um grupo, especialmente quando há base na sacralidade da direção ao se relacionar com a espiritualidade. Podemos observar na Figura 1 que, originalmente, essa região incluía, além da própria Índia, o que hoje é o Paquistão e o Afeganistão. 5 FIGURA 1 – TERRITÓRIO DA ÍNDIA NA ANTIGUIDADE FONTE: <https://shutr.bz/3MgJzLY>. Acesso em: 2 mar. 2022. O interesse ocidental na tradição védica se inicia de fato a partir dos anos de 1970, especialmente com a influência que a banda The Beatles inspirou. A conexão com a música indiana, a raga, o yoga e o ayurveda possibilitou que muitos mestres indianos passassem a visitar o Ocidente. Em 1968, os músicos da banda The Beatles foram para Rishikesh, na Índia. Essa ideia partiu de George Harrison: tudo começou no set de filmagem de Help, quando ele viu um estranho instrumento, a sítar, ficando hipnotizado pelo som produzido por ela. Pouco tempo depois, por mera curiosidade, os integrantes da banda foram até a Índia comprar instrumentos musicais: Ringo comprou uma tabla, John um sarod, Paul um sítar e uma tambura, George um sítar, um sarod, um surmandal e uma tambura. Inebriados pela Índia, permaneceram por algum tempo lá, fizeram amizade com Ravi Shankar, tiveram aulas de yoga e meditação. Durante a viagem, compuseram quase 50 canções, que fazem parte do chamado Álbum branco (PAIVA, 2016). Ninivaggi (2015, p. 27) comenta que “[...] a fome espiritual e a solidão existencial são fatores subjacentes ao mal-estar de uma vida sem significado”. Todavia, no Oriente, podemos informar os seguintes marcos importantes do estudo dessa ciência por culturas distintas: durante o período da iluminação de Siddhārtha Gautama (século V a.C.), conhecido por nós como Buda, um vaidya (aquele que ensina) chamado Jivaka foi um famoso cirurgião que cuidava do próprio Buda, de outros reis e imperadores. Jivaka era o médico pessoal de Buda e do rei indiano Bimbisara. Esse médico viveu em Rajgir (cidade dos reis) e era conhecido como o “rei do ayurveda”. 6 Para Saini (2016, p. 256), “Todo vaidya dá a mesma ênfase à doença e à cura”. Os egípcios estudaram ayurveda graças às incursões de Alexandre, o Grande; em 1827, o primeiro curso superior de ayurveda começou a ser ministrado na Government Sanskrit College (Faculdade de Sânscrito), em Kolkata, na Índia, e daquele tempo até hoje, como a água, o ayurveda segue permeando nossa curiosidade, especialmente por ser tão antigo e tão aplicável à vida moderna; em 2003, o governo federal indiano repaginou o Ministério do Ayurveda (AYUSH) e, atualmente, o AYUSH se responsabiliza pela ampliação de universidades, pesquisas e chancelamento de medicamentos que englobam ayurveda, unani (compêndio de medicina árabe), yoga, naturopatia, siddha (compêndio de manipulação de minerais) e homeopatia. 7 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • A forma como essa civilização toca a humanidade, de fato, tem algo de especial, pois mesmo sendo tão ancestral, seu modo de vida ainda ressoa de forma positiva em nossa alma, aguçando nossa curiosidade e mantendo viva a intenção de buscar e aprofundar nosso conhecimento a respeito da tradição védica e a busca de nossa realização pessoal. • Ao perceber a influência histórica que a civilização do Vale do Indo exerceu sobre todas as outras sociedades com que tiveram contato, apesar de se tratar de um conhecimento ancestral, ele permeia a história de todas as épocas. • Somos capazes de observar o universo por meio da percepção da influência do sagrado, do poético, do filosófico e da aplicação de sua percepção no cotidiano ancestral e sua influência na vida contemporânea. RESUMO DO TÓPICO 1 8 AUTOATIVIDADE 1 O interesse do Ocidente na tradição védica se inicia de fato a partir dos anos 1970, pois uma banda de música britânica teve a oportunidade de viajar para lá a fim de participar de um retiro espiritual. Considerando isso, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A banda Led Zeppelin trouxe ensinamentos da Índia para o Ocidente após passarem três meses nesse retiro. b) ( ) A banda Deep Purple foi quem estreitou os laços entre o Ocidente e o Oriente. c) ( ) A banda The Beatles inspirou a conexão com a música indiana, a raga, o yoga e o ayurveda, e possibilitou que muitos mestres indianos passassem a visitar o Ocidente. d) ( ) A banda Pink Floyd escreveu a música The wall inspirada na viagem que fizeram à Índia. 2 O governo indiano ajustou o que era então identificado como Ministério da Saúde indiano para um totalmente novo ministério, chamado AYUSH. Esse ajuste ocorreu devido à necessidade de enfatizar modelos de cuidados da saúde tradicionais. Considerando isso, analise as afirmativas a seguir: I- Ayurveda, yoga, naturopatia, unani, siddha e homeopatia fazem parte das disciplinas e das modalidades contempladas pelo AYUSH. II- Unani é o sistema de medicina tradicional árabe. III- Na Índia, não se estuda homeopatia. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas. b) ( ) Somente a afirmativa II está correta. c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. d) ( ) Somente a afirmativa III está correta. 3 Com a efervescência natural das tribos em suas excursões e peregrinações exploratórias à Bacia do Ganges, o povo indiano passou a receber e acolher todos os interessados em seguir e estudar a tradição védica. Considerando essa afirmação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) A civilização do Vale do Indo é considerada uma das primeiras civilizações do mundo: seu registro de surgimento se refere a 3300 a.C. ( ) A fabulosa terra das armas, de exímios guerreiros e belíssimas dançarinas sempre ofereceu uma perspectiva atraente para mercadores e conquistadores. ( ) Os persas estudaram ayurveda graças às incursões de Alexandre, o Grande. 9 Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V - F - F. b) ( ) V - F - V. c) ( ) F - V - F. d) ( ) F - F - V. 4 Segundo Feuerstein (2005, p. 99), "[...] vem da Índia a maior contribuição à espiritualidade mundial, inspirando inclusive muitas nações ocidentais, tão carentes nesse sentido”. O Oriente, especialmente a Índia, reflete a importância da sacralidade. Considerando a afirmação, disserte sobre o motivo pelo qual a cultura do sagrado passou a ganhar espaço em nossa sociedade. FONTE: FEUERSTEIN, G. A tradição do yoga. 2. ed. São Paulo: Pensamento, 2005. 5 Além da busca do entendimento de si poder ser proporcionada pelos estudos da tradição védica e pelo amor ao conhecimento que vem do uso da filosofia em nosso dia a dia, acessamos as matrizes mais diversas sobre tudo o que faz parte de nossavida privada e em sociedade. Nesse sentido, disserte porque os ensinamentos da tradição védica são considerados atemporais. 10 11 A ÍNDIA UNIDADE 1 TÓPICO 2 — 1 INTRODUÇÃO Como era a vida na região da Índia há 7 mil anos? Essa ainda é uma pergunta que não quer se calar e existem muitas variações nas respostas que tangem a essa questão. Uma visão que podemos considerar é a colonialista, datada do século XIX. O maior linguista, orientalista e mitólogo alemão, Max Müller (1859), defende que a civilização do Vale do Indo teria entrado em conflito com um povo nômade e bárbaro, chamado arianos védicos. Esse suposto conflito teria acontecido por volta do século II a.C., e foi identificado nessa região o hinduísmo primitivo ou brahmanismo, segundo Renou (1979 apud TINOCO, 2005). Em 1921, chegou até nós a ciência das descobertas de vestígios arqueológicos nas regiões de Mohenjo-daro e Harappa, às margens do rio Indo, onde atualmente se situa o Paquistão. Isso fortaleceu a teoria defendida por hindólogos, eruditos, estudiosos do Oriente, entre eles Georg Feuerstein (2005): a de que nunca houvera qualquer invasão de povos bárbaros. Essa descoberta também contribuiu para elucidar que os arianos seriam também naturais da região do Vale do Indo, e não nômades. Era um povo de hábitos pacíficos e, por conta dessa característica, estabeleceu, de forma natural e gradual, a sua cultura a outros povos que por ali passavam. O brahmanismo não seria, portanto, uma religião "clandestina", à margem da tradição védica, e o sânscrito já era a língua nativa local. Esse novo cenário permitiu inferir que a cultura védica sempre pertenceu à cultura ancestral da Índia, e que os vedas representam o que há de mais legítimo acerca das tradições espirituais existentes nessa região. Os vestígios encontrados nas escavações desconstroem a teoria da existência de batalhas ou de um processo de "descontinuidade" defendido anteriormente. Se não houve conflitos e se os povos conviviam na região pacatamente, o que ocorreu foi uma constância, uma progressão instintiva na permuta cultural, alcançando a predominância de uma dessas culturas sobre as demais. Os grupos étnicos que formaram a Índia eram os aborígenes, classificados como proto-australoides, por volta de 7000 a.C.; segundo Aghorananda (2006, p. 35), “[...] os proto-australoides, ou aborígenes da Índia, falavam línguas características munda ou kolárias”. 12 Aproximadamente em 3000 a.C., o Vale do Indo foi ocupado e explorado por uma civilização conhecida como dravídica, a qual deu origem às cidades do eixo do Vale Indo-Sarasvati (os dois principais rios da região). Em 1800 a.C., foi registrada a chegada dos arianos, não de uma vez só, mas em grupos, que foram estabelecendo uma supremacia cultural e linguística (falavam o sânscrito) sobre as demais culturas. Alguns aspectos da pré-história dravidiana, com base no vocabulário, abordam a história das tribos dravidianas. Está aberto com um resumo útil da história linguística de dravidianos. Com base em um extenso e bem-organizado vocabulário protodravidiano de termos culturais, Southworth (2004, p. 255) reconstrói vários aspectos […] da cultura protodravidiana, como agricultura; relações políticas, sociais e econômicas; cultura material; e tecnologia. Uma conclusão importante que se pode tirar desta análise é que o vocabulário reconstruído do proto-sul dravidiano implica uma sociedade que é muito mais avançada do que qualquer encontrado no sul da Índia antes do início do final do período de antes de Cristo. Há muita divergência entre as teorias, muita vanglória na interpretação dos textos que as sustentam. Afinal, o que é mais importante para a humanidade: datas exatas que satisfariam muito mais egos do que a ciência ou os benefícios que essa cultura trouxe para o mundo ocidental? Adiante entenderemos os aspectos da Índia na atualidade e como toda essa influência ancestral ainda permeia a vida moderna, marcando e determinando ainda certos comportamentos sociais e crenças. 2 A ÍNDIA MODERNA A Índia está localizada no sul da Ásia e é o segundo país mais populoso e democrático do mundo. Segundo o colunista Jorge Fonseca de Almeida, do Jornal de Negócios (2021, s. p.), “A Índia é a maior democracia do mundo. As suas instituições foram herdadas do colonialismo britânico. Como em Portugal existe um parlamento eleito e o presidente é escolhido pelo voto dos cidadãos”. Ela é banhada por água em três lados: a Baía de Bengala a sudeste, o Oceano Índico a sul e o Mar Arábico a sudoeste. Os países vizinhos incluem China, Nepal e Butão a nordeste, Paquistão a oeste, Bangladesh e Mianmar a leste. Várias fronteiras do norte da Índia estão em disputa, com a China e o Paquistão reivindicando algum território (ÍNDIA, 2022). 13 Hoje temos muitos filmes indianos disponíveis, faz muito sentido assisti- los. Isso porque a cultura indiana tem um quê de autoestima fortalecida; embora, em muitos momentos históricos, têm sido subjugados por outras culturas e sociedades, os indianos jamais se afastam das suas crenças e do seu estilo de vida. Recomendamos o filme Pad man, que é baseado em uma história real. DICA A Índia tem uma população de aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas e deve se tornar o mais populoso do mundo (COUNTRY METERS, 2022). Ela também tem a maior população de jovens e o maior número de indianos que vivem no exterior (15,6 milhões). Estima-se que a Índia tenha mais de 2 mil grupos étnicos que, para fins governamentais, são separados com base nas famílias linguísticas, com o povo dravidiano ao sul e o indo-ariano ao norte. É um país peculiar por várias razões e uma delas é a grande semelhança com o Brasil, não sendo à toa que em nosso “descobrimento” os portugueses pensaram que tinham chegado à Índia. Há algumas histórias engraçadas como, por exemplo, a origem da manga (Mangifera indica L.): segundo os indianos, essa fruta foi levada para o território indiano depois que um cozinheiro indiano de uma nau portuguesa levou um caroço para a sua terra natal. A diversidade musical e artística é extremamente encantadora, percorrendo as clássicas, as folclóricas e as populares, sendo uma joia real. Os dois tipos principais de música clássica são a hindustani e a carnatic, sendo esta também conhecida por raga, e estão relacionados ao sul da Índia e remontam aos vedas, assim como o ayurveda (NEUMANN, 2015). No filme O discípulo, é possível observar a intenção de aprender música clássica indiana. Esse comportamento na busca pela excelência é algo que às vezes conduz às pessoas a crises existenciais. No contexto indiano da história, é possível fazer muitos paralelos com os dilemas que também afligem aos ocidentais. Então, em vez de a música ser uma forma de acessar o estado da arte e se conectar com o divino, se transforma em um algoz de perfeccionismo. DICA 14 O estilo hindustani teve influências da Pérsia e da Carnatic, focando em composições védicas (samaveda e rgveda), sendo orações e louvores à vida. Para a execução dessas músicas, são utilizados a veena (instrumento de cordas que é dedilhado), a cítara (uma variação da veena), a tabla (instrumento de percussão) e o taus (instrumento de corda) (NEUMANN, 2015). Como todas as manifestações artísticas na cultura indiana, a música clássica desse país é considerada sagrada e se originou dos devas e devis (deuses e deusas hindus). Antigos postulados também descrevem a conexão da origem dos swaras, ou notas musicais, com os sons de animais, como os pássaros, e as tentativas do homem em simular esses sons por meio de um delicado senso de observação e acuidade auditiva (NEUMANN, 2015). FIGURA 2 – MÚSICA CLÁSSICA INDIANA FONTE: <https://shutr.bz/3IEKcga>.Acesso em: 2 mar. 2022. A Índia também tem uma próspera indústria de música contemporânea e é o lar de muitos estilos de dança, como a clássica nritya sangam, a folclórica, a tribal e a contemporânea, popularmente conhecida como Bollywood (NEUMANN, 2015). A dança é tão variada que a Sangeet Natak Akademi (Academia Nacional de Música, Dança e Drama) reconhece oito estilos diferentes de dança clássica, sendo um deles o kathak, em que o dançarino representa as histórias de deuses e deusas (NEUMANN, 2015). 15 FIGURA 3 – ATORES DE KATHAK FONTE: <https://shutr.bz/3HDlPOO>. Acesso em: 2 mar. 2022. Tal qual a dança e a música, a culinária indiana é um verdadeiro espetáculo, pois eles têm habilidades incríveis de combinar especiarias na composição de cada prato. Contam com uma grande variedade de alimentos, ervas, especiarias, frutas e vegetais cultivados localmente. Na base da alimentação da população, temos o arroz basmati, a farinha de trigo e muitas lentilhas. Grande parte da população indiana é vegetariana. Um prato popular da região norte é o frango tandoori, que é marinado em buttermilk e temperado com pimenta-vermelha em pó, açafrão e pimenta-caiena antes de ser cozido em um forno de barro (conhecido como tandoor). Já na região sul um prato típico é a masala dosa, feito com arroz, lentilha, batata, feno grego e folhas de curry, sendo servido com chutneys e sambhar. 3 IDIOMA O idioma mais falado na Índia é o híndi, embora o inglês seja importante para a comunicação nacional, política e comercial. Há uma diversidade de línguas faladas, com no mínimo 122 línguas principais e mais de 1.500 outras línguas. Christopher Moseley (2010), editor do Atlas das línguas em perigo, publicado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 2010, reconhece o seguinte idioma como oficial: Híndi. • Língua oficial da administração federal: inglês. • Línguas oficiais reconhecidas pelo governo federal: ◦ Assamês – língua oficial de Assam. ◦ Bengalês – língua oficial de Bengala Ocidental. ◦ Bodo – língua oficial de Assam. ◦ Canará – língua oficial de Karnataka. ◦ Caxemira – língua oficial de Jammu e Caxemira. 16 ◦ Concânio – língua oficial de Goa. ◦ Dogri – língua oficial de Jammu e Caxemira. ◦ Guzerate – língua oficial de Dadrá, Nagar-Aveli, Damão, Diu e Guzerate. ◦ Híndi – língua oficial de Arunachal Pradesh, Ilhas Andamão e Nicobar, Bihar, Chandigarh, Chhattisgarh, Deli, Haryana, Himachal Pradesh, Jharkhand, Madhya Pradesh, Rajastão, Uttar Pradesh e Uttaranchal. ◦ Maithili – língua oficial de Bihar. ◦ Malaiala – língua oficial de Kerala e das Laquedivas. ◦ Manipuri ou Meithei – língua oficial de Manipur. ◦ Marata – língua oficial de Maharashtra. ◦ Nepali – língua oficial de Siquim. ◦ Oriá – língua oficial de Orissa. ◦ Panjabi – língua oficial do Panjabe, segunda língua oficial de Deli e Haryana. ◦ Sânscrito – língua do hinduísmo, obrigatória em muitas escolas. ◦ Tâmil – língua oficial de Tâmil Nadu e Pondicherry. ◦ Telugo – língua oficial de Andhra Pradesh. ◦ Urdu – língua oficial de Jammu e Caxemira, alguns distritos em Andhra Pradesh, Deli e Uttar Pradesh. 4 SÂNSCRITO Sanskritam é um adjetivo composto por duas palavras: sam, que significa “bem”, “bom”, “perfeito”, e krta, que significa “feito”, “formado”, “funciona”. Essa preciosa etimologia indica uma obra que foi bem preparada, pura e perfeita, polida, sagrada (HART, 2006). O estudo do sânscrito agrega muito conhecimento à estruturação do pensamento ayurvédico, pois, além de promover as conexões necessárias entre os termos, proporciona benefícios fisiológicos, por ser o único idioma que utiliza todos os nervos da língua, melhora consideravelmente a irrigação sanguínea dessa região, da face e do crânio. Uma bela curiosidade é que o estudo do sânscrito é recomendado como processo terapêutico na recuperação de pessoas com doenças neurodegenerativas. INTERESSANTE 17 Segundo Hart (2006, p. 7), “[...] o sânscrito talvez seja o único fio que une as muitas culturas díspares da Índia”, logo isso seria motivo suficiente para qualquer estudante da Índia aprendê-lo, mas há outras razões que são igualmente válidas. O sânscrito ou samskritabhāsa (a língua refinada) evoluiu da língua em que os vedas foram escritos em algum momento na última metade do segundo milênio a.C., uma língua conhecida como védico ou sânscrito védico. Cogitamos que o sânscrito védico poderia nunca ter sido realmente uma língua falada pelas pessoas comuns, sendo padronizado de uma vez por todas pelo grande gramático Păpini e seus predecessores por volta do século V a.C. Daquela época até a hegemonia dos muçulmanos, permaneceu como a principal língua usada na Índia para a comunicação de uma região para outra. Além disso, foi a língua usada para grande parte da atividade cultural da região por quase 2 mil anos. Como o chinês, o árabe, o grego e o latim, foi uma das poucas línguas portadoras de uma cultura por um longo período de tempo. Assim, a importância e a quantidade desses escritos são impressionantes e podemos citar os vedas, as upanishads, a literatura clássica, a literatura erótica, a filosofia, a religião, a medicina, a matemática, as leis, os rituais, a arquitetura, a história etc. Sobre a maioria desses assuntos existe uma imensa literatura ainda existente. De fato, há uma estimativa aproximada das obras, que são listadas em um total de cerca de 160 mil que ainda estão somente em sânscrito, muitas delas tão difíceis que seriam necessários anos de estudo para compreendê-las adequadamente. Como exemplo de obra literária, citamos o Mahabharata, que pode ser considerado como a Ilíada e a Odisseia. Todas as línguas indianas (exceto o tâmil e o urdu) utilizam o sânscrito para a maior parte de seu vocabulário técnico, pois esse vocabulário tem dezenas de milhares de palavras inalteradas. A Índia antiga e a medieval conhecem apenas o sânscrito. 18 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • A percepção e o entendimento da preservação da cultura social, religiosa e artística fazem com que reforcemos a percepção da força dessa cultura. Dessa forma, podemos entender que, de fato, toda tradição védica resiste e perdura às invasões que a região sofreu. • A identidade cultural e educacional é preservada pelo sânscrito, além de toda a importância que esse idioma tem para a preservação do estudo da tradição védica. • O sagrado é fundamental em tudo o que tange a vida, logo, a partir do momento em que nos tornamos terapeutas, nos vemos capazes de, ao menos durante o processo terapêutico, a pessoa que nos buscou acesse um local sagrado. • Mesmo a Índia sendo um país que está se modernizando, os registros ancestrais permanecem preservados e são transmitidos a todos que buscam se aprofundar na essência desse povo e dessa cultura. RESUMO DO TÓPICO 2 19 AUTOATIVIDADE 1 Na história da Índia, essencialmente, o mundo naquela região vivia a efervescência do comércio de perfumes, sedas e especiarias, e que tem registros de mais de 7 mil anos, mesmo parecendo impossível imaginar essa situação em um momento tão distante. Nesse contexto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A Índia pré-histórica foi confirmada pelos achados arqueológicos em Mohenjo- daro e isso confirmou que essa região é a civilização mais antiga da história. b) ( ) Escavações em Mysore, em 2900 a.C., indicam que a Índia é a civilização mais antiga da história. c) ( ) Os épicos mais importantes da civilização indiana são o Mahabharata e o Horoshastra. d) ( ) Cada um dos principais vedas se divide em oito seções. 2 O sânscrito ou samskritabhāsa (a língua refinada) evoluiu da língua em que os vedas foram escritos em algum momento na última metade do segundo milênio a.C., uma língua conhecida como védico ousânscrito védico. Considerando o exposto, analise as afirmativas a seguir: I- O estudo do sânscrito agrega muito conhecimento à estruturação do pensamento ayurvédico, pois, além de promover as conexões necessárias entre os termos, proporciona benefícios fisiológicos por ser o único idioma que utiliza todos os nervos do nariz. II- Objetivamente, por ser o único idioma que utiliza todos os nervos da língua, melhora consideravelmente a irrigação sanguínea dessa região, da face e do crânio. III- A Unesco reconhece 1.550 línguas oficiais na Índia. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas. b) ( ) Somente a afirmativa II está correta. c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. d) ( ) Somente a afirmativa III está correta. 3 A manifestação artística indiana é riquíssima. Quando focamos nas execuções musicais, nos deparamos com uma variedade de instrumentos, além da influência de outros povos nos arranjos da Antiguidade e nos contemporâneos. Considerando essa afirmação e nossos estudos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: 20 ( ) O estilo hindustani teve influências da Pérsia e da Carnatic, sendo focado em composições védicas (samaveda e rgveda), que são orações e louvores à vida. ( ) Para a execução da raga, a tabla (instrumento de cordas que é dedilhado), a cítara (uma variação da veena), a tambura (instrumento de percussão) e o taus (instrumento de corda) são alguns dos instrumentos usados nesse tipo de música. ( ) Como todas as manifestações artísticas na cultura indiana, a música clássica desse país é considerada sagrada e se originou dos devas e das devis (deuses e deusas hindus). Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V - F - F. b) ( ) V - F - V. c) ( ) F - V - F. d) ( ) F - F - V. 4 O sânscrito, em algumas fontes, é considerado uma língua morta. Ele surgiu de uma variedade pré-clássica chamada de sânscrito védico, língua usada no compêndio que compreende todos os vedas. Disserte sobre o sânscrito ser ou não ser um idioma morto. 5 As descobertas de vestígios arqueológicos nas regiões de Mohenjo-daro e Harappa, às margens do rio Indo, onde atualmente se situa o Paquistão, indicou a hindólogos, eruditos, que nunca houve qualquer invasão de povos bárbaros. Disserte sobre o motivo pelo qual você acredita que essa afirmação é coerente. 21 TÓPICO 3 — FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A Índia realizou muitas manifestações na esfera da ciência, astrologia, cultura, arte, arquitetura, matemática e astronomia. Contudo, a realização mais importante ocorreu no campo do pensamento; com um compêndio bem composto, acomodava incumbências práticas da existência com a filosofia. Usaremos muitos termos em sânscrito para nos aprofundar em seus significados, pois ele preserva a riqueza do significado da palavra e facilita a construção do pensamento ayurvédico no aprendizado. Tenha acesso a um bom dicionário de sânscrito em: https://estudesanscrito.com/. DICA A filosofia (do latim amor ao conhecimento) da Índia não seria apenas um exercício da razão, e sim a manifestação elegante do sutil e do denso, do racional e do emocional, do lógico e do intuitivo. O objetivo do conhecimento não é o próprio conhecimento, mas sim o entendimento da importância do contato interno, da própria soberania adquirida pela luminosidade do exercício da sapiência na vida cotidiana. Como obras formidáveis, podemos citar: brahmanas, que são os comentários feitos por estudiosos dos vedas a respeito dos mantras e hinos védicos. Grande parte dos vedas foi escrito em verso, para facilitar a memorização e acessos a essas chaves de conhecimento, e as explicações associadas têm por objetivo esmiuçar o que está sendo dito, trazendo o significado profundo de cada sutra (verso); aranyakas, que também derivam das escrituras definidas como os brahmanas, todavia trazem conteúdos ritualísticos que devem ser acessados somente pelas pessoas que passaram pelos ritos sagrados da iniciação que os habilita a acessar esses versos esotéricos; por fim, upanishads, que têm o significado de “sentar-se abaixo e próximo” do mestre ou professor para ouvir uma instrução. São a parte mais recente dos vedas e estão popularmente associados ao vedanta. Podemos afirmar, então, que essas são as principais fontes de composição da literatura que hoje conhecemos por vedas. 22 2 MUITO ALÉM DO INCENSO Darśana, em sânscrito, é o termo utilizado para filosofia, com raiz dṛś, que significa “ver” ou “observar”, e pode ser traduzido como “ponto de vista”. Os sábios indianos detinham discernimento para a percepção apurada: eles observavam com olhos de ver e ouviam com ouvidos de ouvir, ou seja, estavam atentos ao que era autêntico, espontâneo, tanto em nível sutil quanto no físico. O objetivo de estudar filosofia não se tratava meramente de exercitar o intelecto, e sim de encontrar uma visão da realidade. Um darśana era tradicionalmente transmitido de forma oral, do professor (guru) para o aluno (chela). Após um darśana ser registrado por escrito, ele passava a ser classificado como sruti (ouvido) e smriti (memorizado) (PAYNE, 1997). Dentro da categoria do conhecimento que foi ouvido, os brahmanas (compostos entre os séculos VIII e VI a. C.) são obras de cunho ritualístico, em que são descritos rituais solenes com oferendas, e a construção de um altar em forma de águia, por exemplo (PAYNE, 1997). Savitri Dhawan (1997) ressalta que os aranyakas oferecem técnicas de meditação (upasanas) sobre determinados símbolos, chamados de yantras, bem como asceses específicas a fim de alcançar realizações também específicas. Por fim, as upanishads, “[...] que estão relacionadas com o caminho do conhecimento (jñanamarga) por meio da execução (karmamarga), do excessivo ritualismo dos atos e sacrifícios rituais, executados pelos sacerdotes com objetivo de realização espiritual” (DHAWAN, 1997, p. 61). Assim, podemos entender que estamos oficialmente apresentados ao que chamamos hoje de tradição védica. Todo conhecimento da tradição védica era e é até hoje transmitido de forma oral, conservando seu formato de memorizar em versos, que são sistematicamente ouvidos e reproduzidos pelos que buscam esse conhecimento. Para complementar essa construção, a argamassa utilizada é a possibilidade de ouvir um professor, um mestre, um guru, se aprofundar no significado de cada termo, de cada palavra e de cada frase que compõe um sutra (verso). FIGURA 4 – SUTRA FONTE: <https://shutr.bz/3sDd4A6>. Acesso em: 2 mar. 2022. 23 Os vedas são uma compilação de obras que celebram os elementos da vida, e vida em sua manifestação geral, por exemplo: muitas plantas, algumas agora extintas e algumas ainda usadas no ayurveda, foram originalmente descritas nos vedas. As upanishads carregam a essência filosófica dos vedas, oferecem explicações a respeito de práticas espirituais, ensinamentos herméticos, elucubrações relacionadas à origem do ser humano (purusha), do absoluto (Brahma) e do eu (atma). As mais antigas upanishads são chamadas de vedanta (o último conhecimento). Na obra de George Feuerstein (2005, p. 172, grifo nosso), temos a explicação sobre o que é a upanishad e os seus temas principais: [...] upanishd significa “sentar-se próximo ao chão perto de” é composta por três palavras: Upa – perto, próximo. Ni – embaixo. Shad – sentar. Ela não era de acesso geral: as pessoas que queriam esse conhecimento deveriam se aproximar dos sábios professores com o respeito e a humildade necessários. A doutrina gira em torno de quatro eixos conceituais interconectados: Em primeiro lugar, a realidade suprema do universo é absolutamente igual à nossa essência íntima; Brahma éatma e atma é Brahma. Em segundo lugar, só a realização de Brahma/atma libertará o ser do sofrimento e da necessidade de nascer, viver e morrer. Em terceiro lugar, os pensamentos e ações do ser determinam o seu destino – a lei do karma: cada qual se transforma naquilo com o que se identifica. Em quarto lugar, a menos que o ser se liberte e realize a realidade sem forma de Brahma/atma em decorrência da sabedoria superior (jñana), terá necessariamente de renascer nos mundos celestes, no mundo humano ou nos mundos inferiores, dependendo dos seus karmas (FEUERSTEIN, 1998, p. 172, grifo nosso). Então, discorrendo um pouco sobre esses eixos, podemos esmiuçar cada um deles para refinar nosso entendimento: atma pode ser considerado, nesse contexto, a essência divina que habita o ser humano, o eu, referenciado na Psicologia, e Brahma, que também é associado a uma divindade hindu cujo nome significa “absoluto”, sendo considerado a força de criação do universo – na doutrina católica, é feito o sincretismo com Deus; na umbanda, é feito com Oxalá etc. Na segunda afirmação, há a indicação de que a realização de Brahma e atma libertarão o ser do sofrimento que, na visão da tradição védica, essa liberdade pode e deve ser alcançada enquanto estamos vivos, e essa é a única forma da real felicidade. Logo, o sofrimento se dá pela incapacidade de percepção que eu sou Brahma e que Brahma sou eu. Essa é uma afirmação que nos remete ao estudo do samkhya, e estudar essa percepção facilita nosso entendimento da divindade em cada ser. 24 3 OS SEIS DARSANAS Podemos dizer que os darsanas são ferramentas muito importantes na obtenção do conhecimento védico. Essas ferramentas são utilizadas na forja do ser humano, que caminha pelo autoconhecimento, das seis visões: as primeiras quatro se ocupam de trabalhar e moldar a percepção intuitiva, tal como a tautologia; a quinta é inspiradora e emocional; e a última traz as emoções e o intelecto para trabalhar juntos. Todas conectam intelecto, coração, mente e espírito na intenção de fortalecer a perspicácia na observação e no entendimento da vida, pois seu principal objetivo é remover a ignorância e, consequentemente, seus efeitos colaterais e suas reações adversas associadas ao sofrimento conduzindo a pessoa à liberdade, à perfeição e à bênção eterna da conexão suprema da alma terrena com a alma universal. Essa abordagem se relaciona intimamente com a visão que recebemos hoje da chamada física quântica na teoria do macrocosmo e do microcosmo. No entanto, essa referência também já ficou famosa no livro Caibalion, cujos autores trazem os ensinamentos de Hermes Trismegisto, tal como foi ensinado nas escolas herméticas daquele tempo. Esses ensinamentos são compostos por sete princípios, sendo um deles o da correspondência: “[...] o que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima” (TRISMEGISTO, 1908, p. 56). Então, considerando essa ferramenta como algo que possibilite aprimorar nossa visão e percepção do mundo e de todos os seres, nos habilitamos a essa aptidão. Sua sistematização respeita as premissas de facilidade de memorização e escrita, assim o estudo se torna eficiente. Um contraponto é a ortodoxia associada a algumas escolas na Antiguidade e, por essa razão, a Índia criou basicamente duas linhas de acesso a esses conteúdos: uma em que a visão tradicional jamais é questionada, e a outra que possibilita a revisão, a reinterpretação e a releitura de conceitos tradicionais para que possam ser aplicados à vida contemporânea. Segundo Brown (1999), a forma mais comum de iniciar a visão e ideologia é chamada de pramana, que significa “um meio válido de conhecimento”, sendo usada para aquisição do novo e na verificação e validação daquilo estabelecido anteriormente. Logo, um pramana é um meio de provar uma percepção e revelar a existência e a natureza de algo desconhecido, por exemplo: para validarmos um objeto visto pelos olhos, usamos o tato para a validação de sua existência. Agora veremos uma breve definição de cada um dos seis darsanas. Nyaya e vaiseshika: vaiseshika é considerado o início do estudo de todos os sistemas. Usa o significado de cada palavra como premissa de validação, pois todo conhecimento tem uma palavra, trazendo em sua essência o realismo, enfatizando as diferenças, associado à nyaya. 25 Nyaya significa “um método para estabelecer julgamentos”. Juntos, aceitam as questões metafísicas que acessamos atualmente como realidades densas e sutis, aliam a lógica e a percepção, e a palavra proferida como um elemento essencial na aquisição do conhecimento (BROWN, 1999). Samkhya e yoga: são os dois meios de pensamento mais antigos. A samkhya considera o espírito e a matéria reais e admite a pluralidade dos seres. Desdobra o universo manifestado com toda a variedade e resultada em prakrti, o ser humano em sua compleição pura e harmônica. Em sua poética sutil, determina a mente em três estados: equilíbrio, ousadia e lassidão. Corpo e mente são as duas faces de uma mesma moeda e o processo de evolução ocorre graças a essa combinação. Esse período de evolução é seguido pelo período de dissolução, quando ocorre uma “latência”, em que tudo silencia, tal qual uma semente sobre o solo, maturando o crescimento das raízes, crescimento interno para, enfim, poder brotar o crescimento externo. Para o ayurveda, samkhya é a visão motriz e capaz de nos trazer toda a construção de percepção do mundo que arraiga e capacita a mente para o entendimento mais profundo da manifestação do mundo. A samkhya está desmembrada em 25 princípios, que derivam dos conceitos de mahat (intelecto divino), ahamkara (ego), tanmatras (condições potenciais das qualidades, o estado sutil dos elementos) e purusha (verdade vital e sensível, ser universal) (BROWN, 1999). Como elementos principais de todo esse desdobramento, citamos: manas (mente), ahamkara (desdobrado em egoísmo) e buddhi (intelecto). Sua função essencial é receber estímulos e impressões externas e responder adequadamente a elas, e essa resposta depende de um aparato chamado suksma sareera (corpo sutil) e sthula sareera (corpo denso), ou seja, a alma e o corpo humano (BROWN, 1999). Yoga está de mãos dadas com samkhya. No bhagavagita, são chamados de um yoga – nesse contexto, yoga deve ser entendido e interpretado como união de algo. No caso, o yoga de Patanjali, que conhecemos como os yogasanas (posturas), referindo- se à união do corpo e da mente à respiração. Somente por essa união ou por esse yoga que os yoginis (praticantes de yoga) conseguem permanecer tanto tempo em posturas desafiadoras. Nesse contexto, yoga significa ação (prática), e samkhya é conhecimento (teoria). Assim, ambos têm por objetivo conduzir todo ser humano à liberação, ao desapego (BROWN, 1999). De acordo com Brown (1999), os sutras (versos) do yoga são divididos em quatro partes: • aquela que trata da natureza e do objetivo da concentração; • aquela que explica os meios para realizar a concentração; • aquela que lida com os poderes incomuns que podem ser adquiridos por meio da prática da concentração; • aquela que descreve a natureza da liberação e a realidade do eu transcendente. 26 Purvamimamsa é tido como o mais longo tratado filosófico indiano e ele considera como pramana a percepção, a inferência, o testemunho verbal, a comparação e a presunção, e isso leva esse estudo ao que hoje chamamos de vivência, ou seja, mesmo inefável, é preciso ser sentido, experenciado, vivenciado (BROWN, 1999). Por fim, uttara minamsa ou vedanta, que é conhecido como o último conhecimento ou conclusões. É um elegante e harmonioso resultado descritopor muitos filósofos e pensadores ortodoxos anteriores e por isso é considerado a expressão mais que perfeita do pensamento indiano (BROWN, 1999). Estudar os darsanas reflete a intenção de alcançar moksha (liberação e desapego). No nyaya e no vaiseshica, o ser humano se habilita a usar o intelecto corretamente a fim de discernir as verdades das falácias; com o samkhya é possível aprender a origem de tudo o que existe, sendo denso e sutil, bem como os resultados que se atingem ao utilizar a aplicação dessa visão em nosso dia a dia; pelo yoga, unimos corpo e mente em um mesmo objetivo, ou seja, o autoconhecimento; o purvamimamsa oferece a capacidade de vivenciar cada experiência no corpo denso ou sutil; e a vedanta nos auxilia a compreender e entender nossa verdadeira natureza. Svoboda (2015, p. 4) nos traz que “Uma história viva nasce quando a sabedoria viva encarna no matéria sutil de uma consciência humana”. Vejamos agora o conhecimento da enumeração no nosso estudo ayuvérdico. 4 ENUMERAR Ao pé da letra, samkhya significa “conhecimento enumerado” e se caracteriza por classificar e descrever os princípios fundamentais que compõem a realidade na matéria. A quantidade e a enumeração são recursos muito úteis no início do estudo do ayurveda, pois pelas conexões estabelecidas e derivadas uma da outra a compreensão, a apreensão e as correlações florescem na mente do neófito. Outro sinônimo samkhya que se aplica nesse contexto é conhecimento perfeito (RADHAKRISHNAN, 1989). Seus conceitos fundamentais estabelecem a dualidade, em que se aceita a parceria de prakrti e purusha na criação de nosso mundo. Aceitando a enumeração da verdade, é possível estabelecer três pramanas: • os trigunas (três qualidades da matéria): existem em todas as formas de vida em diferentes proporções; • o processo evolutivo: envolve prakrti, purusha, buddhi, ahamkhara, pancha jnanendriyas, pancha karmendriyas, panchatanmatras, panchamahabhutas e manas. Todos esses conceitos estão explicados em detalhes na sequência do nosso estudo; • a moksha: é a busca natural de toda alma. 27 Sua fundação é atribuída a Maharshi Kapila, e suas ideias também são vistas em livros anteriores, como nas upanishads anteriores e o bhagavadgita, assim como no rigveda, então consideramos essas obras como fonte de inspiração de Kapila para trazer a visão do samkhya. Purusha significa “o ser que está além da prakrti”, e neste darsana significa “a consciência”, “a testemunha”, “o observador”, “a verdade vital e sensível”, “o ser universal”. Suas características são: não fazedor, testemunha, solitário, imutável, espectador, inteligência, onipresente, sutil, estar além da mente, do intelecto ou dos sentidos, do tempo, da causalidade e do espaço, ser eterno, perfeito, pura consciência, infinito, como um cristal transparente. Prakrti significa “produtor/fazedor” e é interpretado como a natureza, como tudo o que constitui a realidade que visualizamos. Então, de maneira especulativa, podemos afirmar que purusha é o sujeito do conhecimento, e prakrti é o objeto do conhecimento. Dessa maneira, o senso de unidade é visto como a fonte de origem da manifestação material, não tem causa, mas tem todos os efeitos, e seus efeitos dependem de suas propriedades metafísicas, que chamamos de gunas (RADHAKRISHNAN, 1989). Ela é feita de três gunas: sattva, rajas e tamas, cada uma é independente, todavia transitam entre cada uma e se misturam entre si de acordo com os estímulos externos e internos que a prakrti recebe. Essa “dança” dá origem a várias substâncias e podem ser elucidadas como se segue: tamas (trevas, ignorância, imobilidade, inércia), rajas (força, movimento, violência, egoísmo) e satwa (luz, equilíbrio, calma, sabedoria, beleza) (RADHAKRISHNAN, 1989). Em ahamkhara (aquele que produz o eu), encontramos todos os princípios da individualidade dos seres da natureza. Neste contexto, podemos associar ao ego e ele vem acompanhado por buddhi (intelecto). Sendo buddhi aquele que recebe as ideias e imagens transmitidas pelos órgãos dos sentidos e de manas (mente), as constrói como uma conclusão do eu. A função do intelecto é a determinação: anterior à vontade de se envolver em qualquer assunto, primeiro observa, considera, então reflete e só então determina, e aí vem a ação (karma) (RADHAKRISHNAN, 1989). A virtude, a sabedoria e o desapego são características de sattva; o oposto a isso é tamas; a ousadia e a paixão, é rajas (RADHAKRISHNAN, 1989). O intelecto é o mais importante de todos os produtos de prakrti. Os sentidos apresentam seus objetos ao intelecto, o qual os exibe para o purusha e discrimina a diferença entre purusha e prakrti. O intelecto é o instrumento ou órgão que é o meio entre os outros órgãos e o self. Todas as ideias derivadas da sensação, reflexão ou consciência são depositadas no principal instrumento: o intelecto, antes que possam ser reveladas ao eu. 28 Pessoas atraídas pela autoinvestigação frequentemente já tiveram experiências que as convenceram de que existe um algo “espiritual” além daquilo que elas percebem com os sentidos, com as emoções e com a mente. Mas elas estão sempre em dúvida quanto ao que isso seja. O método fundamental para a realização do ser é a discriminação entre o que é permanente... o ser... e o que não é... a mente e o mundo. Ainda que essa seja uma realidade não-dualista e tudo que muda seja também o ser, esse fato é desconhecido para o iniciante. Mesmo que ele fosse conhecido intelectualmente, ele ou ela teria que passar pelo longo e por vezes difícil processo introspectivo de separar o “eu” – o ser – de todas as suas formas mutantes (SRI, 2014, p. 25). Eles transmitem impressões ou ideias com as propriedades ou efeitos de prazer, dor e indiferença, conforme são influenciados pelas qualidades de sattva (pureza), rajas (paixão) ou tamas (escuridão). • Prakrti é a raiz, a causa material e eficiente do universo, evolui sob a influência de purusha. • Buddhi, ou intelecto, é o primeiro produto da evolução de prakrti. • Ahankara surge após o buddhi. A mente (manas) nasce de ahamkara e executa as ordens da vontade por meio dos órgãos de ação (karmendriyas). Reflete e duvida (sankalpa-vikalpa). Ele sintetiza os dados dos sentidos em percepções. A mente participa tanto da percepção quanto da ação. No samkhya, a mente, com os órgãos, produz os cinco ares vitais. Prana é uma modificação dos sentidos. Não subsiste na ausência deles. Cada indivíduo é dotado com manas (mente), que é o órgão de sensação e ação, e dela derivam os jñanaindryias (órgãos do conhecimento), que são nossos cinco sentidos, estando associados a cinco tanmatras (elemento sutil): som (sabda), toque (sparsa), aparência (rupa), sabor (rasa), odor (gandha). Deles virão os panchamahabhutas (cinco grandes elementos): akasha (espaço vazio), vayu (vento), agni (fogo), jala (água) e prithivi (terra). Por fim, são estabelecidos os karmaindryias (órgãos de ação), também cinco: falar, segurar, andar, excretar e se reproduzir. Acompanhe a Figura 5 para verificar esse “organograma”. 29 FIGURA 5 – COSMOGÊNESE, CRIAÇÃO DO MUNDO FONTE: A autora Uma prakrti pura é a condição equilibrada de sattva, rajas e tamas (sattva- rajas-tamasāṁ-samyāvasṭhā-prakṛtiḥ). Antes da criação, a mudança em prakrti é homogênea, na qual os três gunas (sattva, rajas e tamas) são mantidas em um estado de equilíbrio: • da prakṛti harmoniosa ocorre buddhi pela perturbação no equilíbrio dos gunas; • do buddhi evolui o ahamkara cósmico ou o princípio do egoísmo, o ego; • da ahamkara emanam os dez sentidos e a mente no lado subjetivo, e os cinco tanmatras, som, toque, aparência, sabor e odor. Dos cinco taṇmatras, evoluem os panchamahabhutas (cinco grandes elementos densos:espaço vazio, vento, fogo, água e terra): • akasa (espaço vazio) tem a propriedade de som, que é o objeto para o ouvido; • vayu (vento) tem a propriedade de toque, que é o objeto para a pele; • agni (fogo) tem a propriedade de forma ou cor, que é o objeto para o olho; • jala (água) tem a propriedade de sabor, que é o objeto para a língua; • prithvi (terra) tem a propriedade de odor, que é o objeto para o nariz. Purusha Prakrti Buddhi Ahamkara Satwa Manas Rajas Tamas Jñanaindriyas Tanmatras Karmaindriyas Panchamahabhutas 30 Cada um desses elementos, após o primeiro, também conserva a propriedade do elemento que o precede além das suas próprias características. • Pancha jnanendriyas (cinco órgãos de cognição ou dos sentidos: audição, tato, visão, paladar e olfato). • Pancha karmendriyas (cinco órgãos de ação: mãos, pés, aparelho fonador, órgãos excretores, órgãos sexuais). Portanto, a filosofia, em qualquer tradição, é capaz de ser transformadora, pois ela traz a possibilidade de encontro de sentido da existência. Com embasamento do estudo da filosofia da tradição védica é possível estabelecer ajustes de percepção da vida por meio do corpo, da mente, das emoções e do espírito, além de preparar o intelecto para essa nova forma de visualização e entendimento do mundo. O fato de estarmos conectados e atendendo pessoas que nos procuram como terapeutas se torna de suma importância que tenhamos capacidade de ouvir – e, na medida do possível, orientar o cliente – da melhor maneira. Logo, ao conhecermos os conteúdos que tangem esse fundamento, nos tornamos aptos a ouvir e orientar os clientes de forma holística e coerente. 31 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Caminhar pelo entendimento da visão filosófica da percepção do mundo por meio da conceituação de cada darsana aguça e orienta a mente, o coração e os sentidos para a nova forma de visualização de mundo. • Samkhya é a principal ferramenta utilizada na construção inicial do entendimento do ayurveda, fortalece nossa capacidade de raciocínio para estabelecer as conexões adequadas nas elucubrações pessoais que passarão a ocorrer na prática profissional. • O conceito e o entendimento de termos essenciais na cosmogênese, bem como o desdobramento da formação do mundo na visão dessa linha filosófica. • A construção do desdobramento dos elementos que se formam no universo está relacionada às correlações e interdependências, que conferem a liberdade e o entendimento da percepção da construção de um ser humano na visão do samkhya. RESUMO DO TÓPICO 3 32 AUTOATIVIDADE 1 As upanishads carregam a essência filosófica dos vedas, oferecem explicações a respeito de práticas espirituais, ensinamentos herméticos, elucubrações relacionadas à origem do ser humano (purusha), do absoluto (Brahma) e do eu (atma). Quanto ao significado do termo upanishad, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Querer encontrar atma. b) ( ) Calar e ouvir o que o professor diz. c) ( ) Ficar em silêncio e encontrar o absoluto. d) ( ) Sentar-se próximo ao chão. 2 Outro sinônimo para samkhya, que se aplica nesse contexto, é conhecimento perfeito. Seus conceitos fundamentais estabelecem a dualidade, em que se aceita a parceria de prakrti e purusha na criação de nosso mundo. Aceitando a enumeração da verdade, é possível estabelecer três pramanas. Sobre eles, analise as afirmativas a seguir: I- As saptagunas (sete qualidades da matéria) existem em todas as formas de vida, em diferentes proporções. II- O processo evolutivo envolve apenas panchamahabhutas e manas. III- A moksha é uma busca natural de toda alma. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas. b) ( ) Somente a afirmativa II está correta. c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. d) ( ) Somente a afirmativa III está correta. 3 Com a efervescência natural das tribos em suas excursões e peregrinações exploratórias à Bacia do Ganges, o povo indiano passou a receber e acolher todos os interessados em seguir e estudar a tradição védica. Considerando essa afirmação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Pancha Karmendriyas (cinco órgãos de ação: mãos, pés, aparelho fonador, órgãos excretores, órgãos sexuais). ( ) Dos trigunas evoluem os panchamahabhutas (cinco grandes elementos densos: espaço vazio, vento, fogo, água e terra). ( ) Ahamkara significa “mente”. 33 Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V - F - F. b) ( ) V - F - V. c) ( ) F - V - F. d) ( ) F - F - V. 4 Essas ferramentas são utilizadas na forja do ser humano, que caminha pelo autoconhecimento das seis visões ou seis darsanas, que são essenciais na construção e no entendimento do pensamento védico. Disserte sobre por qual motivo essas ferramentas são essenciais em nosso estudo. 5 Samkhya significa “conhecimento enumerado”, caracterizando-se por classificar e descrever os princípios fundamentais que compõem a realidade na matéria. Nesse darsana, se utiliza a dualidade para que possamos compreender a mente universal que propiciou a criação do mundo. Disserte sobre o motivo de estudarmos samkhya para o entendimento inicial no estudo do ayurveda. 34 35 TÓPICO 4 — INTRODUÇÃO BÁSICA AO AYURVEDA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Viajamos da Índia antiga até a Índia contemporânea e apreciamos a forma única que esse povo tem de observar a vida e manifestar essa visão. “O indivíduo é o resumo com toda matéria e fenômenos espirituais do universo, tudo está presente no indivíduo e todos aqueles presentes no indivíduo também estão contidos no universo” ([Ca.Sa.Sutra Sthana 5/4] 427 d.C. apud SHARMA, 2016, s. p.). O conhecimento védico aborda o cosmos como um todo com as profundezas de nossa própria psique, que considera a unidade do macrocosmo e do microcosmo. O ser humano individual é um modelo ou manifestação de todo o universo. O universo inteiro habita dentro de você e você é o universo, compartilhando uma essência comum na consciência. Corpos e mentes são apenas nossos veículos de ação e expressão. “Os antigos hermetistas consideravam esse princípio como um dos mais importantes instrumentos mentais por meio dos quais o homem pode ver além dos obstáculos que encobrem à vista o desconhecido” (TRISMEGISTO, 1908, p. 58). Ayurveda, antes de qualquer premissa, é uma atitude, é muito mais do que um sistema de medicina, é muito mais do que um estilo de vida. Não deve ser comparado ao sistema médico moderno, pois este último lida com a doença, e o ayurveda se ocupa da saúde e da pessoa, que é muito mais do que o corpo físico e a mente. Como vimos anteriormente, um ser humano é resultado do desdobramento de muitos elementos, e o resultado dessa manifestação se traduz no corpo físico, na mente, nos órgãos dos sentidos e na energia vital, que é uma das principais dimensões de ação do ayurveda. Ayurveda é um compêndio de conhecimentos que visam garantir saúde e longevidade, prevenindo doenças em indivíduos saudáveis e erradicando as doenças dos indivíduos enfermos. É considerado um upaveda (capítulo) do atharvaveda, cujo principal foco é a manutenção de ayu (vida), mantendo as mazelas e doenças afastadas. Há algumas décadas, aqui no Ocidente, vivemos a necessidade de entender e aprofundar na importância e na relevância do conhecimento oferecido pelo ayurveda, bem como o propósito por trás de oferecer o conhecimento da vida com a visão do ayurveda. 36 Acharya Charaka (1978 apud AYRES, 2020, s. p.) esclarece isso ao escrever que “आरोग्यम्। arogya (saúde e bem-estar) atua como a raiz de धर्मः। dharma, अर्थः। artha, कामः। kama e मोक्षः। moksha que resulta em श्रेयः। shreyas (obtendo melhor fortuna) e जीवितम्। jivitam (longevidade)”. Com o cumprimento
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