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AyurvedA
Prof.ª Fabiana Rodrigues Mandryk
TerApiA
Indaial – 2022
1a Edição
Impresso por:
Elaboração:
Prof.ª Fabiana Rodrigues Mandryk
Copyright © UNIASSELVI 2022
Revisão, Diagramação e Produção:
Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI
M273t
Mandryk, Fabiana Rodrigues
Terapia ayurveda. / Fabiana Rodrigues Mandryk – Indaial:
UNIASSELVI, 2022.
153 p.; il.
ISBN 978-85-515-0533-5
ISBN Digital 978-85-515-0534-2
1. Tradição védica. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
CDD 615.5
Olá, acadêmico!
Seja bem-vindo ao Livro Didático Terapia Ayurveda!
A partir de agora, seremos conduzidos a uma incrível viagem histórica com o
objetivo de adentrarmos nos meandros de uma das mais antigas tradições do mundo, a
tradição védica: yoga, vedanta, jyotish, ayurveda.
De todas essas opções, abordaremos o ayurveda e a abhyanga. Ayurveda é
uma palavra em sânscrito composta por duas palavras, veda e ayuhu, e usualmente
encontramos uma tradução literal desses dois termos, que nos diz: veda é conhecimento,
e ayuhu é vida. Portanto, neste momento, vamos considerar que ayurveda é o
conhecimento da vida. Já abhyanga significa “esfregar os membros do corpo com óleo
quente” – logo, podemos dizer que é uma massagem, todavia, somente neste momento,
entenderemos essa palavra com o significado de “massagem”; abhyanga é um dos métodos
terapêuticos mais utilizados no ayurveda. No decorrer do nosso processo de aquisição de
conhecimento, desdobraremos esse conceito que é mundialmente conhecido.
Na Unidade 1, abordaremos a contextualização histórica da tradição védica,
sendo esse tópico muito interessante e importante, pois, ao adentrarmos em um
conhecimento tão antigo e sagrado, o entendimento da sociedade local e mundial é
essencial. Faremos uma breve viagem pelo continente asiático e daremos ênfase
à república da Índia, então estaremos habilitados a conhecer as bases filosóficas da
tradição védica. Convidamos você a esvaziar sua xícara de todo conhecimento prévio
que porventura tenha, independentemente do estilo do conhecimento que já tenha
recebido ou experimentado, tal qual uma criança que passa a conhecer a vida com
novos olhos. Por fim, abordaremos os conceitos básicos do ayurveda.
Em seguida, na Unidade 2, usaremos muitas palavras em sânscrito e, apesar
de elas parecerem inicialmente estranhas e confusas, trarão as chaves necessárias
para a construção do pensamento ayurvédico. Conheceremos os doshas, que são os
responsáveis pela organização e desorganização de nosso corpo e de nossa mente.
Por fim, na Unidade 3, aprenderemos a abhyanga, que não é a massagem
ayurvédica. Na verdade, esse termo é uma forma usada para vender massagens corporais
onde usam óleos para facilitar os deslizamentos das mãos do massoterapeuta pelo corpo
do cliente. Abhyanga é um conceito, e essa unidade será dedicada ao aprofundamento
dele e abordaremos todas as possibilidades terapêuticas que o abhyanga se propõe.
Bons estudos!
Prof.ª Fabiana Rodrigues Mandryk
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você –
e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR
Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite
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GIO
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acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos
os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.
Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,
apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
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Preparamos também um novo layout. Diante disso, você
verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.
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educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
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Com o objetivo de enriquecer seu conheci-
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suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
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Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!
SUMÁRIO
UNIDADE 1 — MEDICINA AYURVÉDICA E MASSAGEM AYURVÉDICA ................................. 1
TÓPICO 1 — CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA TRADIÇÃO VÉDICA .............................3
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3
2 A TRADIÇÃO DAS TRADIÇÕES ...........................................................................................3
RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................... 7
AUTOATIVIDADE ....................................................................................................................8
TÓPICO 2 — A ÍNDIA ..............................................................................................................11
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11
2 A ÍNDIA MODERNA ............................................................................................................ 12
3 IDIOMA ............................................................................................................................... 15
4 SÂNSCRITO ....................................................................................................................... 16
RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................................18
AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................19
TÓPICO 3 — FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS ....................................................................... 21
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 21
2 MUITO ALÉM DO INCENSO .............................................................................................. 22
3 OS SEIS DARSANAS ........................................................................................................ 24
4 ENUMERAR ...................................................................................................................... 26
RESUMO DO TÓPICO 3 ......................................................................................................... 31
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 32
TÓPICO 4 — INTRODUÇÃO BÁSICA AO AYURVEDA .......................................................... 35
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 35
2 PANCHAMAHABHUTAS................................................................................................... 36
3 ESTRELANDO: AKASHA, VAYU, AGNI, JALA E PRITHVI ................................................37
4 GUNAS .............................................................................................................................. 38
4.1 GUNAS DA MENTE...............................................................................................................................45
4.2 ÓRGÃOS DE PERCEPÇÃO E DE AÇÃO ...........................................................................................45
4.3 INTER-RELAÇÃO DOS ELEMENTOS ...............................................................................................46
LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................................................47
RESUMO DO TÓPICO 4 ........................................................................................................ 52
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 53
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 55
UNIDADE 2 — ABHYANGA ...................................................................................................57
TÓPICO 1 — DOSHAS ...........................................................................................................59
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................59
2 DEFINIÇÃO ........................................................................................................................59
3 O CORPO DENSO E OS DOSHAS ...................................................................................... 61
4 OS TRÊS DOSHAS ............................................................................................................ 64
5 OS 15 SUBDOSHAS .......................................................................................................... 68
5.1 VATA DOSHA .........................................................................................................................................68
5.1.1 Prana vata ....................................................................................................................................69
5.1.2 Udana vata .................................................................................................................................69
5.1.3 Vyana vata ..................................................................................................................................69
5.1.4 Apana vata ..................................................................................................................................69
5.1.5 Samana vata ..............................................................................................................................70
5.2 PITTA DOSHA .......................................................................................................................................70
5.2.1 Sadhaka pitta ..............................................................................................................................71
5.2.2 Alochaka pitta ............................................................................................................................71
5.2.3 Bhrajaka pitta .............................................................................................................................71
5.2.4 Ranjaka pitta ............................................................................................................................. 72
5.2.5 Pachaka pitta ............................................................................................................................ 72
5.3 KAPHA DOSHA .................................................................................................................................... 73
5.3.1 Tarpaka kapha ........................................................................................................................... 74
5.3.2 Bodhaka kapha ......................................................................................................................... 74
5.3.3 Avalambaka kapha .................................................................................................................. 74
5.3.4 Kledaka kapha ........................................................................................................................... 75
5.3.5 Shleshaka kapha ...................................................................................................................... 75
RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 77
AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................78
TÓPICO 2 — AGNI ..................................................................................................................81
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................81
2 DEFINIÇÃO ........................................................................................................................81
3 OS AGNIS .......................................................................................................................... 83
RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 90
AUTOATIVIDADE .................................................................................................................. 91
TÓPICO 3 — DHATUS ........................................................................................................... 93
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 93
2 DEFINIÇÃO ....................................................................................................................... 94
3 DHATUS: UM POR TODOS E TODOS POR UM .................................................................. 94
4 FORMAÇÃO DE MALAS .....................................................................................................97
LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................100
RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................102
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................103REFERÊNCIAS ....................................................................................................................105
UNIDADE 3 — COMPONENTES E MANOBRA .....................................................................107
TÓPICO 1 — RITUCHARYA ..................................................................................................109
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................109
2 DEFINIÇÃO ......................................................................................................................109
2.1 MUDARAM AS ESTAÇÕES.................................................................................................................110
2.2 TEMPO ...................................................................................................................................................111
2.3 MEDICINA INDIANA ...........................................................................................................................113
2.4 MENTE SÃ E CORPO SÃO ................................................................................................................113
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 115
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 116
TÓPICO 2 — ABHYANGA .................................................................................................... 119
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 119
2 DEFINIÇÃO ...................................................................................................................... 119
2.1 NUTRIÇÃO ...........................................................................................................................................120
2.2 O SABOR DA PAIXÃO ........................................................................................................................121
2.3 A ORQUESTRA DE SABORES ......................................................................................................... 122
2.4 A PELE ................................................................................................................................................. 127
2.5 OS CORPOS SUTIS ...........................................................................................................................128
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................... 131
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................132
TÓPICO 3 — ABHYANGA NA PRÁTICA ..............................................................................135
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................135
2 SNEHANA E PREPARAÇÕES TERAPÊUTICAS COM ÓLEOS ESSENCIAIS ...................136
3 BENEFÍCIOS DA ABHYANGA ..........................................................................................138
4 SARVANGA ABHYANGA .................................................................................................138
5 HORA DA ABHYANGA .....................................................................................................139
LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................142
RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................149
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................150
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................153
1
UNIDADE 1 —
MEDICINA AYURVÉDICA E
MASSAGEM AYURVÉDICA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• entender a contextualização histórica da tradição védica;
• compreender a Índia na ancestralidade e na atualidade;
• identificar quais são os fundamentos filosóficos que direcionam a sociedade indiana;
• refletir sobre a introdução básica ao ayurveda.
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA TRADIÇÃO VÉDICA
TÓPICO 2 – A ÍNDIA
TÓPICO 3 – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
TÓPICO 4 – INTRODUÇÃO BÁSICA AO AYURVEDA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
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CHAMADA
2
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A TRILHA DA
UNIDADE 1!
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3
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
DA TRADIÇÃO VÉDICA
TÓPICO 1 — UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Tempo imemorial é uma expressão que define com perfeição a jornada que
estamos iniciando agora. Ousaremos trazer o termo em sânscrito satsanga, que é
traduzido como o encontro com a verdade, pois, por meio desse encontro e desse
estudo, daremos o primeiro passo ao direcionamento da possibilidade da expressão de
nossa natureza essencial.
Pela conscientização da nossa natureza essencial, seremos capazes de
construir nosso ser e habilitá-lo com presença para cuidar e servir às pessoas que nos
buscarão como terapeutas.
O ayurveda é considerado um conhecimento eterno que sobreviveu e sobreviverá
a todas as transformações que ocorreram e ocorrerão no mundo. Considerando essa
afirmativa, podemos ter a noção da importância desse estudo e da aplicação dessa
ciência em nosso dia a dia.
Neste tópico, então, abordaremos as origens do ayurveda, tendo como base
a tradição védica. Com isso, seremos capazes de nos despir de equívocos que se
popularizam, especialmente nos países ocidentais, devido à interpretação equivocada
das traduções dos livros clássicos de ayurveda.
2 A TRADIÇÃO DAS TRADIÇÕES
O ayurveda tem origens antiquíssimas: há registro de que se iniciou seu uso e
sua aplicação no fim da Idade da Pedra na região do Vale do Indo, atual Paquistão.
Com a efervescência natural das tribos em suas excursões e peregrinações
exploratórias, a Bacia do Ganges ganhou espaço e passou a receber e acolher todos os
interessados em seguir e estudar a tradição védica.
A fabulosa terra das especiarias, das pedras preciosas, dos pavões e das sedas
sempre ofereceu uma perspectiva atraente para mercadores e conquistadores. O
altruísmo dos indianos anuiu-lhes absorver influências do mundo exterior, preservando
suas próprias particularidades culturais.
4
Assim, apesar das invasões de Genghis Khan e dos mongóis no século XIII, e da
conquista de grande parte da Índia pelos mongóis no século XVI, o ayurveda se manteve
como o antídoto favorito para a maioria das pessoas e até desfrutou de chancela igual
ao de unani, medicina árabe durante o reinado do imperador Akbar.
O ayurveda trouxe profundidade de raciocínio pela base filosófica que explica
e orienta sua forma de observação do mundo e para o entendimento dos processos
naturais da vida e da morte. Isso possibilitou que expressões arcaicas de superstição
caíssem por terra e adquirissem clareza.
Os livros clássicos do ayurveda recebem o nome de samhitas, sendo a junção
de duas palavras: sam, que significa “juntos”, e hita, que significa “colocar”, ou seja, é
a combinação e a conexão, a coleção de textos e versos. A data do surgimento desse
compêndio remonta, aproximadamente, 1200-900 a.C.
A Índia abriga muitos mistérios ainda nos dias de hoje. Esse povo desempenhou
um papel proeminente no comércio de especiariase outros bens durante muito tempo.
Mantinha um porto cobiçado chamado Kerala, o Jardim das Especiarias da Índia, desde
pelo menos 3000 a.C.
A trajetória histórica desse país se mistura com a história. Certamente a herança
hindu desperta imenso encantamento e curiosidade a respeito do misticismo e da
cultura, especialmente na população ocidental.
A civilização do Vale do Indo é considerada uma das primeiras do mundo, com
registro de surgimento em 3300 a.C. Tempos de tradição, de uma raça que nutre os
que dela se aproximam com algo muito particular, muito singular: a cultura do sagrado.
Segundo Feuerstein (2005, p. 99), "[...] vem da Índia a maior contribuição à espiritualidade
mundial, inspirando inclusive muitas nações ocidentais, tão carentes nesse sentido".
Na atual apreciação ocidental sobre filosofia, percebemos a cisão entre metafísico
e fé, mas na Índia essa divisão nunca existiu – o que, de certa maneira, justifica tamanha
admiração do Ocidente pelo Oriente, considerando que o homem guarnece uma
tendência natural, uma carência de pertencimento a um grupo, especialmente quando
há base na sacralidade da direção ao se relacionar com a espiritualidade.
Podemos observar na Figura 1 que, originalmente, essa região incluía, além da
própria Índia, o que hoje é o Paquistão e o Afeganistão.
5
FIGURA 1 – TERRITÓRIO DA ÍNDIA NA ANTIGUIDADE
FONTE: <https://shutr.bz/3MgJzLY>. Acesso em: 2 mar. 2022.
O interesse ocidental na tradição védica se inicia de fato a partir dos anos de
1970, especialmente com a influência que a banda The Beatles inspirou. A conexão com
a música indiana, a raga, o yoga e o ayurveda possibilitou que muitos mestres indianos
passassem a visitar o Ocidente.
Em 1968, os músicos da banda The Beatles foram para Rishikesh, na Índia. Essa
ideia partiu de George Harrison: tudo começou no set de filmagem de Help, quando ele
viu um estranho instrumento, a sítar, ficando hipnotizado pelo som produzido por ela.
Pouco tempo depois, por mera curiosidade, os integrantes da banda foram até a Índia
comprar instrumentos musicais: Ringo comprou uma tabla, John um sarod, Paul um sítar
e uma tambura, George um sítar, um sarod, um surmandal e uma tambura. Inebriados
pela Índia, permaneceram por algum tempo lá, fizeram amizade com Ravi Shankar, tiveram
aulas de yoga e meditação. Durante a viagem, compuseram quase 50 canções, que
fazem parte do chamado Álbum branco (PAIVA, 2016).
Ninivaggi (2015, p. 27) comenta que “[...] a fome espiritual e a solidão existencial
são fatores subjacentes ao mal-estar de uma vida sem significado”. Todavia, no Oriente,
podemos informar os seguintes marcos importantes do estudo dessa ciência por
culturas distintas: durante o período da iluminação de Siddhārtha Gautama (século V
a.C.), conhecido por nós como Buda, um vaidya (aquele que ensina) chamado Jivaka foi
um famoso cirurgião que cuidava do próprio Buda, de outros reis e imperadores. Jivaka
era o médico pessoal de Buda e do rei indiano Bimbisara. Esse médico viveu em Rajgir
(cidade dos reis) e era conhecido como o “rei do ayurveda”.
6
Para Saini (2016, p. 256), “Todo vaidya dá a mesma ênfase à doença e à cura”.
Os egípcios estudaram ayurveda graças às incursões de Alexandre, o Grande; em
1827, o primeiro curso superior de ayurveda começou a ser ministrado na Government
Sanskrit College (Faculdade de Sânscrito), em Kolkata, na Índia, e daquele tempo até
hoje, como a água, o ayurveda segue permeando nossa curiosidade, especialmente
por ser tão antigo e tão aplicável à vida moderna; em 2003, o governo federal indiano
repaginou o Ministério do Ayurveda (AYUSH) e, atualmente, o AYUSH se responsabiliza
pela ampliação de universidades, pesquisas e chancelamento de medicamentos que
englobam ayurveda, unani (compêndio de medicina árabe), yoga, naturopatia, siddha
(compêndio de manipulação de minerais) e homeopatia.
7
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A forma como essa civilização toca a humanidade, de fato, tem algo de especial,
pois mesmo sendo tão ancestral, seu modo de vida ainda ressoa de forma positiva
em nossa alma, aguçando nossa curiosidade e mantendo viva a intenção de buscar
e aprofundar nosso conhecimento a respeito da tradição védica e a busca de nossa
realização pessoal.
• Ao perceber a influência histórica que a civilização do Vale do Indo exerceu sobre
todas as outras sociedades com que tiveram contato, apesar de se tratar de um
conhecimento ancestral, ele permeia a história de todas as épocas.
• Somos capazes de observar o universo por meio da percepção da influência do
sagrado, do poético, do filosófico e da aplicação de sua percepção no cotidiano
ancestral e sua influência na vida contemporânea.
RESUMO DO TÓPICO 1
8
AUTOATIVIDADE
1 O interesse do Ocidente na tradição védica se inicia de fato a partir dos anos 1970,
pois uma banda de música britânica teve a oportunidade de viajar para lá a fim de
participar de um retiro espiritual. Considerando isso, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) A banda Led Zeppelin trouxe ensinamentos da Índia para o Ocidente após
passarem três meses nesse retiro.
b) ( ) A banda Deep Purple foi quem estreitou os laços entre o Ocidente e o Oriente.
c) ( ) A banda The Beatles inspirou a conexão com a música indiana, a raga, o yoga
e o ayurveda, e possibilitou que muitos mestres indianos passassem a visitar o
Ocidente.
d) ( ) A banda Pink Floyd escreveu a música The wall inspirada na viagem que fizeram
à Índia.
2 O governo indiano ajustou o que era então identificado como Ministério da Saúde
indiano para um totalmente novo ministério, chamado AYUSH. Esse ajuste ocorreu
devido à necessidade de enfatizar modelos de cuidados da saúde tradicionais.
Considerando isso, analise as afirmativas a seguir:
I- Ayurveda, yoga, naturopatia, unani, siddha e homeopatia fazem parte das disciplinas
e das modalidades contempladas pelo AYUSH.
II- Unani é o sistema de medicina tradicional árabe.
III- Na Índia, não se estuda homeopatia.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 Com a efervescência natural das tribos em suas excursões e peregrinações
exploratórias à Bacia do Ganges, o povo indiano passou a receber e acolher todos
os interessados em seguir e estudar a tradição védica. Considerando essa afirmação,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) A civilização do Vale do Indo é considerada uma das primeiras civilizações do mundo:
seu registro de surgimento se refere a 3300 a.C.
( ) A fabulosa terra das armas, de exímios guerreiros e belíssimas dançarinas sempre
ofereceu uma perspectiva atraente para mercadores e conquistadores.
( ) Os persas estudaram ayurveda graças às incursões de Alexandre, o Grande.
9
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 Segundo Feuerstein (2005, p. 99), "[...] vem da Índia a maior contribuição à
espiritualidade mundial, inspirando inclusive muitas nações ocidentais, tão carentes
nesse sentido”. O Oriente, especialmente a Índia, reflete a importância da sacralidade.
Considerando a afirmação, disserte sobre o motivo pelo qual a cultura do sagrado
passou a ganhar espaço em nossa sociedade.
FONTE: FEUERSTEIN, G. A tradição do yoga. 2. ed. São Paulo: Pensamento, 2005.
5 Além da busca do entendimento de si poder ser proporcionada pelos estudos da
tradição védica e pelo amor ao conhecimento que vem do uso da filosofia em nosso
dia a dia, acessamos as matrizes mais diversas sobre tudo o que faz parte de nossavida privada e em sociedade. Nesse sentido, disserte porque os ensinamentos da
tradição védica são considerados atemporais.
10
11
A ÍNDIA
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
1 INTRODUÇÃO
Como era a vida na região da Índia há 7 mil anos? Essa ainda é uma pergunta
que não quer se calar e existem muitas variações nas respostas que tangem a essa
questão. Uma visão que podemos considerar é a colonialista, datada do século XIX.
O maior linguista, orientalista e mitólogo alemão, Max Müller (1859), defende que
a civilização do Vale do Indo teria entrado em conflito com um povo nômade e bárbaro,
chamado arianos védicos. Esse suposto conflito teria acontecido por volta do século II
a.C., e foi identificado nessa região o hinduísmo primitivo ou brahmanismo, segundo
Renou (1979 apud TINOCO, 2005).
Em 1921, chegou até nós a ciência das descobertas de vestígios arqueológicos
nas regiões de Mohenjo-daro e Harappa, às margens do rio Indo, onde atualmente se
situa o Paquistão. Isso fortaleceu a teoria defendida por hindólogos, eruditos, estudiosos
do Oriente, entre eles Georg Feuerstein (2005): a de que nunca houvera qualquer
invasão de povos bárbaros. Essa descoberta também contribuiu para elucidar que os
arianos seriam também naturais da região do Vale do Indo, e não nômades. Era um povo
de hábitos pacíficos e, por conta dessa característica, estabeleceu, de forma natural e
gradual, a sua cultura a outros povos que por ali passavam.
O brahmanismo não seria, portanto, uma religião "clandestina", à margem da
tradição védica, e o sânscrito já era a língua nativa local. Esse novo cenário permitiu
inferir que a cultura védica sempre pertenceu à cultura ancestral da Índia, e que os
vedas representam o que há de mais legítimo acerca das tradições espirituais existentes
nessa região.
Os vestígios encontrados nas escavações desconstroem a teoria da existência
de batalhas ou de um processo de "descontinuidade" defendido anteriormente. Se não
houve conflitos e se os povos conviviam na região pacatamente, o que ocorreu foi uma
constância, uma progressão instintiva na permuta cultural, alcançando a predominância
de uma dessas culturas sobre as demais.
Os grupos étnicos que formaram a Índia eram os aborígenes, classificados como
proto-australoides, por volta de 7000 a.C.; segundo Aghorananda (2006, p. 35), “[...]
os proto-australoides, ou aborígenes da Índia, falavam línguas características munda
ou kolárias”.
12
Aproximadamente em 3000 a.C., o Vale do Indo foi ocupado e explorado por
uma civilização conhecida como dravídica, a qual deu origem às cidades do eixo do Vale
Indo-Sarasvati (os dois principais rios da região).
Em 1800 a.C., foi registrada a chegada dos arianos, não de uma vez só, mas
em grupos, que foram estabelecendo uma supremacia cultural e linguística (falavam o
sânscrito) sobre as demais culturas.
Alguns aspectos da pré-história dravidiana, com base no vocabulário, abordam a
história das tribos dravidianas. Está aberto com um resumo útil da história linguística de
dravidianos. Com base em um extenso e bem-organizado vocabulário protodravidiano
de termos culturais, Southworth (2004, p. 255) reconstrói vários aspectos
[…] da cultura protodravidiana, como agricultura; relações políticas,
sociais e econômicas; cultura material; e tecnologia. Uma conclusão
importante que se pode tirar desta análise é que o vocabulário
reconstruído do proto-sul dravidiano implica uma sociedade que é
muito mais avançada do que qualquer encontrado no sul da Índia
antes do início do final do período de antes de Cristo.
Há muita divergência entre as teorias, muita vanglória na interpretação dos
textos que as sustentam. Afinal, o que é mais importante para a humanidade: datas
exatas que satisfariam muito mais egos do que a ciência ou os benefícios que essa
cultura trouxe para o mundo ocidental?
Adiante entenderemos os aspectos da Índia na atualidade e como toda essa
influência ancestral ainda permeia a vida moderna, marcando e determinando ainda
certos comportamentos sociais e crenças.
2 A ÍNDIA MODERNA
A Índia está localizada no sul da Ásia e é o segundo país mais populoso e
democrático do mundo.
Segundo o colunista Jorge Fonseca de Almeida, do Jornal de Negócios (2021,
s. p.), “A Índia é a maior democracia do mundo. As suas instituições foram herdadas do
colonialismo britânico. Como em Portugal existe um parlamento eleito e o presidente é
escolhido pelo voto dos cidadãos”.
Ela é banhada por água em três lados: a Baía de Bengala a sudeste, o Oceano
Índico a sul e o Mar Arábico a sudoeste. Os países vizinhos incluem China, Nepal e Butão
a nordeste, Paquistão a oeste, Bangladesh e Mianmar a leste. Várias fronteiras do norte
da Índia estão em disputa, com a China e o Paquistão reivindicando algum território
(ÍNDIA, 2022).
13
Hoje temos muitos filmes indianos disponíveis, faz muito sentido assisti-
los. Isso porque a cultura indiana tem um quê de autoestima fortalecida;
embora, em muitos momentos históricos, têm sido subjugados por outras
culturas e sociedades, os indianos jamais se afastam das suas crenças e
do seu estilo de vida. Recomendamos o filme Pad man, que é baseado em
uma história real.
DICA
A Índia tem uma população de aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas e deve
se tornar o mais populoso do mundo (COUNTRY METERS, 2022). Ela também tem a maior
população de jovens e o maior número de indianos que vivem no exterior (15,6 milhões).
Estima-se que a Índia tenha mais de 2 mil grupos étnicos que, para fins
governamentais, são separados com base nas famílias linguísticas, com o povo
dravidiano ao sul e o indo-ariano ao norte.
É um país peculiar por várias razões e uma delas é a grande semelhança com o
Brasil, não sendo à toa que em nosso “descobrimento” os portugueses pensaram que
tinham chegado à Índia.
Há algumas histórias engraçadas como, por exemplo, a origem da manga
(Mangifera indica L.): segundo os indianos, essa fruta foi levada para o território indiano
depois que um cozinheiro indiano de uma nau portuguesa levou um caroço para a sua
terra natal.
A diversidade musical e artística é extremamente encantadora, percorrendo as
clássicas, as folclóricas e as populares, sendo uma joia real. Os dois tipos principais de
música clássica são a hindustani e a carnatic, sendo esta também conhecida por raga,
e estão relacionados ao sul da Índia e remontam aos vedas, assim como o ayurveda
(NEUMANN, 2015).
No filme O discípulo, é possível observar a intenção de aprender
música clássica indiana. Esse comportamento na busca pela
excelência é algo que às vezes conduz às pessoas a crises
existenciais. No contexto indiano da história, é possível fazer
muitos paralelos com os dilemas que também afligem aos
ocidentais. Então, em vez de a música ser uma forma de acessar
o estado da arte e se conectar com o divino, se transforma em
um algoz de perfeccionismo.
DICA
14
O estilo hindustani teve influências da Pérsia e da Carnatic, focando em
composições védicas (samaveda e rgveda), sendo orações e louvores à vida. Para
a execução dessas músicas, são utilizados a veena (instrumento de cordas que é
dedilhado), a cítara (uma variação da veena), a tabla (instrumento de percussão) e o
taus (instrumento de corda) (NEUMANN, 2015).
Como todas as manifestações artísticas na cultura indiana, a música clássica
desse país é considerada sagrada e se originou dos devas e devis (deuses e deusas
hindus). Antigos postulados também descrevem a conexão da origem dos swaras, ou
notas musicais, com os sons de animais, como os pássaros, e as tentativas do homem
em simular esses sons por meio de um delicado senso de observação e acuidade
auditiva (NEUMANN, 2015).
FIGURA 2 – MÚSICA CLÁSSICA INDIANA
FONTE: <https://shutr.bz/3IEKcga>.Acesso em: 2 mar. 2022.
A Índia também tem uma próspera indústria de música contemporânea e é o
lar de muitos estilos de dança, como a clássica nritya sangam, a folclórica, a tribal e a
contemporânea, popularmente conhecida como Bollywood (NEUMANN, 2015).
A dança é tão variada que a Sangeet Natak Akademi (Academia Nacional de
Música, Dança e Drama) reconhece oito estilos diferentes de dança clássica, sendo
um deles o kathak, em que o dançarino representa as histórias de deuses e deusas
(NEUMANN, 2015).
15
FIGURA 3 – ATORES DE KATHAK
FONTE: <https://shutr.bz/3HDlPOO>. Acesso em: 2 mar. 2022.
Tal qual a dança e a música, a culinária indiana é um verdadeiro espetáculo, pois
eles têm habilidades incríveis de combinar especiarias na composição de cada prato.
Contam com uma grande variedade de alimentos, ervas, especiarias, frutas e vegetais
cultivados localmente. Na base da alimentação da população, temos o arroz basmati, a
farinha de trigo e muitas lentilhas.
Grande parte da população indiana é vegetariana. Um prato popular da região norte
é o frango tandoori, que é marinado em buttermilk e temperado com pimenta-vermelha em
pó, açafrão e pimenta-caiena antes de ser cozido em um forno de barro (conhecido como
tandoor). Já na região sul um prato típico é a masala dosa, feito com arroz, lentilha, batata,
feno grego e folhas de curry, sendo servido com chutneys e sambhar.
3 IDIOMA
O idioma mais falado na Índia é o híndi, embora o inglês seja importante para a
comunicação nacional, política e comercial. Há uma diversidade de línguas faladas, com
no mínimo 122 línguas principais e mais de 1.500 outras línguas.
Christopher Moseley (2010), editor do Atlas das línguas em perigo, publicado pela
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 2010,
reconhece o seguinte idioma como oficial: Híndi.
• Língua oficial da administração federal: inglês.
• Línguas oficiais reconhecidas pelo governo federal:
◦ Assamês – língua oficial de Assam.
◦ Bengalês – língua oficial de Bengala Ocidental.
◦ Bodo – língua oficial de Assam.
◦ Canará – língua oficial de Karnataka.
◦ Caxemira – língua oficial de Jammu e Caxemira.
16
◦ Concânio – língua oficial de Goa.
◦ Dogri – língua oficial de Jammu e Caxemira.
◦ Guzerate – língua oficial de Dadrá, Nagar-Aveli, Damão, Diu e Guzerate.
◦ Híndi – língua oficial de Arunachal Pradesh, Ilhas Andamão e Nicobar, Bihar,
Chandigarh, Chhattisgarh, Deli, Haryana, Himachal Pradesh, Jharkhand, Madhya
Pradesh, Rajastão, Uttar Pradesh e Uttaranchal.
◦ Maithili – língua oficial de Bihar.
◦ Malaiala – língua oficial de Kerala e das Laquedivas.
◦ Manipuri ou Meithei – língua oficial de Manipur.
◦ Marata – língua oficial de Maharashtra.
◦ Nepali – língua oficial de Siquim.
◦ Oriá – língua oficial de Orissa.
◦ Panjabi – língua oficial do Panjabe, segunda língua oficial de Deli e Haryana.
◦ Sânscrito – língua do hinduísmo, obrigatória em muitas escolas.
◦ Tâmil – língua oficial de Tâmil Nadu e Pondicherry.
◦ Telugo – língua oficial de Andhra Pradesh.
◦ Urdu – língua oficial de Jammu e Caxemira, alguns distritos em Andhra Pradesh,
Deli e Uttar Pradesh.
4 SÂNSCRITO
Sanskritam é um adjetivo composto por duas palavras: sam, que significa
“bem”, “bom”, “perfeito”, e krta, que significa “feito”, “formado”, “funciona”. Essa preciosa
etimologia indica uma obra que foi bem preparada, pura e perfeita, polida, sagrada
(HART, 2006).
O estudo do sânscrito agrega muito conhecimento à estruturação
do pensamento ayurvédico, pois, além de promover as conexões
necessárias entre os termos, proporciona benefícios fisiológicos,
por ser o único idioma que utiliza todos os nervos da língua,
melhora consideravelmente a irrigação sanguínea dessa região,
da face e do crânio. Uma bela curiosidade é que o estudo
do sânscrito é recomendado como processo terapêutico na
recuperação de pessoas com doenças neurodegenerativas.
INTERESSANTE
17
Segundo Hart (2006, p. 7), “[...] o sânscrito talvez seja o único fio que une as
muitas culturas díspares da Índia”, logo isso seria motivo suficiente para qualquer
estudante da Índia aprendê-lo, mas há outras razões que são igualmente válidas. O
sânscrito ou samskritabhāsa (a língua refinada) evoluiu da língua em que os vedas
foram escritos em algum momento na última metade do segundo milênio a.C., uma
língua conhecida como védico ou sânscrito védico.
Cogitamos que o sânscrito védico poderia nunca ter sido realmente uma língua
falada pelas pessoas comuns, sendo padronizado de uma vez por todas pelo grande
gramático Păpini e seus predecessores por volta do século V a.C. Daquela época até a
hegemonia dos muçulmanos, permaneceu como a principal língua usada na Índia para
a comunicação de uma região para outra. Além disso, foi a língua usada para grande
parte da atividade cultural da região por quase 2 mil anos. Como o chinês, o árabe, o
grego e o latim, foi uma das poucas línguas portadoras de uma cultura por um longo
período de tempo.
Assim, a importância e a quantidade desses escritos são impressionantes e
podemos citar os vedas, as upanishads, a literatura clássica, a literatura erótica, a filosofia,
a religião, a medicina, a matemática, as leis, os rituais, a arquitetura, a história etc. Sobre a
maioria desses assuntos existe uma imensa literatura ainda existente.
De fato, há uma estimativa aproximada das obras, que são listadas em um total
de cerca de 160 mil que ainda estão somente em sânscrito, muitas delas tão difíceis
que seriam necessários anos de estudo para compreendê-las adequadamente. Como
exemplo de obra literária, citamos o Mahabharata, que pode ser considerado como a
Ilíada e a Odisseia.
Todas as línguas indianas (exceto o tâmil e o urdu) utilizam o sânscrito para a
maior parte de seu vocabulário técnico, pois esse vocabulário tem dezenas de milhares
de palavras inalteradas. A Índia antiga e a medieval conhecem apenas o sânscrito.
18
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A percepção e o entendimento da preservação da cultura social, religiosa e artística
fazem com que reforcemos a percepção da força dessa cultura. Dessa forma,
podemos entender que, de fato, toda tradição védica resiste e perdura às invasões
que a região sofreu.
• A identidade cultural e educacional é preservada pelo sânscrito, além de toda a
importância que esse idioma tem para a preservação do estudo da tradição védica.
• O sagrado é fundamental em tudo o que tange a vida, logo, a partir do momento em
que nos tornamos terapeutas, nos vemos capazes de, ao menos durante o processo
terapêutico, a pessoa que nos buscou acesse um local sagrado.
• Mesmo a Índia sendo um país que está se modernizando, os registros ancestrais
permanecem preservados e são transmitidos a todos que buscam se aprofundar na
essência desse povo e dessa cultura.
RESUMO DO TÓPICO 2
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AUTOATIVIDADE
1 Na história da Índia, essencialmente, o mundo naquela região vivia a efervescência
do comércio de perfumes, sedas e especiarias, e que tem registros de mais de 7
mil anos, mesmo parecendo impossível imaginar essa situação em um momento tão
distante. Nesse contexto, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) A Índia pré-histórica foi confirmada pelos achados arqueológicos em Mohenjo-
daro e isso confirmou que essa região é a civilização mais antiga da história.
b) ( ) Escavações em Mysore, em 2900 a.C., indicam que a Índia é a civilização mais
antiga da história.
c) ( ) Os épicos mais importantes da civilização indiana são o Mahabharata e o
Horoshastra.
d) ( ) Cada um dos principais vedas se divide em oito seções.
2 O sânscrito ou samskritabhāsa (a língua refinada) evoluiu da língua em que os vedas
foram escritos em algum momento na última metade do segundo milênio a.C., uma
língua conhecida como védico ousânscrito védico. Considerando o exposto, analise
as afirmativas a seguir:
I- O estudo do sânscrito agrega muito conhecimento à estruturação do pensamento
ayurvédico, pois, além de promover as conexões necessárias entre os termos,
proporciona benefícios fisiológicos por ser o único idioma que utiliza todos os nervos
do nariz.
II- Objetivamente, por ser o único idioma que utiliza todos os nervos da língua, melhora
consideravelmente a irrigação sanguínea dessa região, da face e do crânio.
III- A Unesco reconhece 1.550 línguas oficiais na Índia.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 A manifestação artística indiana é riquíssima. Quando focamos nas execuções
musicais, nos deparamos com uma variedade de instrumentos, além da influência de
outros povos nos arranjos da Antiguidade e nos contemporâneos. Considerando essa
afirmação e nossos estudos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:
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( ) O estilo hindustani teve influências da Pérsia e da Carnatic, sendo focado em
composições védicas (samaveda e rgveda), que são orações e louvores à vida.
( ) Para a execução da raga, a tabla (instrumento de cordas que é dedilhado), a cítara
(uma variação da veena), a tambura (instrumento de percussão) e o taus (instrumento
de corda) são alguns dos instrumentos usados nesse tipo de música.
( ) Como todas as manifestações artísticas na cultura indiana, a música clássica desse
país é considerada sagrada e se originou dos devas e das devis (deuses e deusas
hindus).
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 O sânscrito, em algumas fontes, é considerado uma língua morta. Ele surgiu de uma
variedade pré-clássica chamada de sânscrito védico, língua usada no compêndio que
compreende todos os vedas. Disserte sobre o sânscrito ser ou não ser um idioma morto.
5 As descobertas de vestígios arqueológicos nas regiões de Mohenjo-daro e Harappa,
às margens do rio Indo, onde atualmente se situa o Paquistão, indicou a hindólogos,
eruditos, que nunca houve qualquer invasão de povos bárbaros. Disserte sobre o
motivo pelo qual você acredita que essa afirmação é coerente.
21
TÓPICO 3 —
FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
A Índia realizou muitas manifestações na esfera da ciência, astrologia, cultura,
arte, arquitetura, matemática e astronomia. Contudo, a realização mais importante
ocorreu no campo do pensamento; com um compêndio bem composto, acomodava
incumbências práticas da existência com a filosofia.
Usaremos muitos termos em sânscrito para nos aprofundar
em seus significados, pois ele preserva a riqueza do significado
da palavra e facilita a construção do pensamento ayurvédico no
aprendizado. Tenha acesso a um bom dicionário de sânscrito em:
https://estudesanscrito.com/.
DICA
A filosofia (do latim amor ao conhecimento) da Índia não seria apenas um
exercício da razão, e sim a manifestação elegante do sutil e do denso, do racional e
do emocional, do lógico e do intuitivo. O objetivo do conhecimento não é o próprio
conhecimento, mas sim o entendimento da importância do contato interno, da própria
soberania adquirida pela luminosidade do exercício da sapiência na vida cotidiana.
Como obras formidáveis, podemos citar: brahmanas, que são os comentários
feitos por estudiosos dos vedas a respeito dos mantras e hinos védicos. Grande parte
dos vedas foi escrito em verso, para facilitar a memorização e acessos a essas chaves de
conhecimento, e as explicações associadas têm por objetivo esmiuçar o que está sendo
dito, trazendo o significado profundo de cada sutra (verso); aranyakas, que também derivam
das escrituras definidas como os brahmanas, todavia trazem conteúdos ritualísticos que
devem ser acessados somente pelas pessoas que passaram pelos ritos sagrados da
iniciação que os habilita a acessar esses versos esotéricos; por fim, upanishads, que
têm o significado de “sentar-se abaixo e próximo” do mestre ou professor para ouvir
uma instrução. São a parte mais recente dos vedas e estão popularmente associados
ao vedanta. Podemos afirmar, então, que essas são as principais fontes de composição
da literatura que hoje conhecemos por vedas.
22
2 MUITO ALÉM DO INCENSO
Darśana, em sânscrito, é o termo utilizado para filosofia, com raiz dṛś, que
significa “ver” ou “observar”, e pode ser traduzido como “ponto de vista”.
Os sábios indianos detinham discernimento para a percepção apurada: eles
observavam com olhos de ver e ouviam com ouvidos de ouvir, ou seja, estavam atentos
ao que era autêntico, espontâneo, tanto em nível sutil quanto no físico. O objetivo de
estudar filosofia não se tratava meramente de exercitar o intelecto, e sim de encontrar
uma visão da realidade. Um darśana era tradicionalmente transmitido de forma oral, do
professor (guru) para o aluno (chela). Após um darśana ser registrado por escrito, ele
passava a ser classificado como sruti (ouvido) e smriti (memorizado) (PAYNE, 1997).
Dentro da categoria do conhecimento que foi ouvido, os brahmanas (compostos
entre os séculos VIII e VI a. C.) são obras de cunho ritualístico, em que são descritos
rituais solenes com oferendas, e a construção de um altar em forma de águia, por
exemplo (PAYNE, 1997).
Savitri Dhawan (1997) ressalta que os aranyakas oferecem técnicas de meditação
(upasanas) sobre determinados símbolos, chamados de yantras, bem como asceses
específicas a fim de alcançar realizações também específicas.
Por fim, as upanishads, “[...] que estão relacionadas com o caminho do
conhecimento (jñanamarga) por meio da execução (karmamarga), do excessivo
ritualismo dos atos e sacrifícios rituais, executados pelos sacerdotes com objetivo de
realização espiritual” (DHAWAN, 1997, p. 61). Assim, podemos entender que estamos
oficialmente apresentados ao que chamamos hoje de tradição védica. Todo conhecimento
da tradição védica era e é até hoje transmitido de forma oral, conservando seu formato
de memorizar em versos, que são sistematicamente ouvidos e reproduzidos pelos
que buscam esse conhecimento. Para complementar essa construção, a argamassa
utilizada é a possibilidade de ouvir um professor, um mestre, um guru, se aprofundar no
significado de cada termo, de cada palavra e de cada frase que compõe um sutra (verso).
FIGURA 4 – SUTRA
FONTE: <https://shutr.bz/3sDd4A6>. Acesso em: 2 mar. 2022.
23
Os vedas são uma compilação de obras que celebram os elementos da vida, e
vida em sua manifestação geral, por exemplo: muitas plantas, algumas agora extintas e
algumas ainda usadas no ayurveda, foram originalmente descritas nos vedas.
As upanishads carregam a essência filosófica dos vedas, oferecem explicações
a respeito de práticas espirituais, ensinamentos herméticos, elucubrações relacionadas à
origem do ser humano (purusha), do absoluto (Brahma) e do eu (atma). As mais antigas
upanishads são chamadas de vedanta (o último conhecimento). Na obra de George
Feuerstein (2005, p. 172, grifo nosso), temos a explicação sobre o que é a upanishad e
os seus temas principais:
[...] upanishd significa “sentar-se próximo ao chão perto de” é
composta por três palavras:
Upa – perto, próximo.
Ni – embaixo.
Shad – sentar.
Ela não era de acesso geral: as pessoas que queriam esse conhecimento
deveriam se aproximar dos sábios professores com o respeito e a humildade necessários.
A doutrina gira em torno de quatro eixos conceituais interconectados:
Em primeiro lugar, a realidade suprema do universo é absolutamente
igual à nossa essência íntima; Brahma éatma e atma é Brahma.
Em segundo lugar, só a realização de Brahma/atma libertará o ser do
sofrimento e da necessidade de nascer, viver e morrer.
Em terceiro lugar, os pensamentos e ações do ser determinam o seu
destino – a lei do karma: cada qual se transforma naquilo com o que
se identifica.
Em quarto lugar, a menos que o ser se liberte e realize a realidade sem
forma de Brahma/atma em decorrência da sabedoria superior (jñana),
terá necessariamente de renascer nos mundos celestes, no mundo
humano ou nos mundos inferiores, dependendo dos seus karmas
(FEUERSTEIN, 1998, p. 172, grifo nosso).
Então, discorrendo um pouco sobre esses eixos, podemos esmiuçar cada um
deles para refinar nosso entendimento: atma pode ser considerado, nesse contexto, a
essência divina que habita o ser humano, o eu, referenciado na Psicologia, e Brahma,
que também é associado a uma divindade hindu cujo nome significa “absoluto”, sendo
considerado a força de criação do universo – na doutrina católica, é feito o sincretismo
com Deus; na umbanda, é feito com Oxalá etc.
Na segunda afirmação, há a indicação de que a realização de Brahma e atma
libertarão o ser do sofrimento que, na visão da tradição védica, essa liberdade pode e
deve ser alcançada enquanto estamos vivos, e essa é a única forma da real felicidade.
Logo, o sofrimento se dá pela incapacidade de percepção que eu sou Brahma e que
Brahma sou eu. Essa é uma afirmação que nos remete ao estudo do samkhya, e estudar
essa percepção facilita nosso entendimento da divindade em cada ser.
24
3 OS SEIS DARSANAS
Podemos dizer que os darsanas são ferramentas muito importantes na obtenção
do conhecimento védico. Essas ferramentas são utilizadas na forja do ser humano, que
caminha pelo autoconhecimento, das seis visões: as primeiras quatro se ocupam de
trabalhar e moldar a percepção intuitiva, tal como a tautologia; a quinta é inspiradora
e emocional; e a última traz as emoções e o intelecto para trabalhar juntos. Todas
conectam intelecto, coração, mente e espírito na intenção de fortalecer a perspicácia na
observação e no entendimento da vida, pois seu principal objetivo é remover a ignorância
e, consequentemente, seus efeitos colaterais e suas reações adversas associadas ao
sofrimento conduzindo a pessoa à liberdade, à perfeição e à bênção eterna da conexão
suprema da alma terrena com a alma universal.
Essa abordagem se relaciona intimamente com a visão que recebemos hoje
da chamada física quântica na teoria do macrocosmo e do microcosmo. No entanto,
essa referência também já ficou famosa no livro Caibalion, cujos autores trazem os
ensinamentos de Hermes Trismegisto, tal como foi ensinado nas escolas herméticas
daquele tempo. Esses ensinamentos são compostos por sete princípios, sendo um
deles o da correspondência: “[...] o que está em cima é como o que está embaixo, e o
que está embaixo é como o que está em cima” (TRISMEGISTO, 1908, p. 56).
Então, considerando essa ferramenta como algo que possibilite aprimorar nossa
visão e percepção do mundo e de todos os seres, nos habilitamos a essa aptidão. Sua
sistematização respeita as premissas de facilidade de memorização e escrita, assim o
estudo se torna eficiente.
Um contraponto é a ortodoxia associada a algumas escolas na Antiguidade
e, por essa razão, a Índia criou basicamente duas linhas de acesso a esses conteúdos:
uma em que a visão tradicional jamais é questionada, e a outra que possibilita a revisão,
a reinterpretação e a releitura de conceitos tradicionais para que possam ser aplicados
à vida contemporânea.
Segundo Brown (1999), a forma mais comum de iniciar a visão e ideologia é
chamada de pramana, que significa “um meio válido de conhecimento”, sendo usada
para aquisição do novo e na verificação e validação daquilo estabelecido anteriormente.
Logo, um pramana é um meio de provar uma percepção e revelar a existência e a
natureza de algo desconhecido, por exemplo: para validarmos um objeto visto pelos
olhos, usamos o tato para a validação de sua existência.
Agora veremos uma breve definição de cada um dos seis darsanas.
Nyaya e vaiseshika: vaiseshika é considerado o início do estudo de todos os
sistemas. Usa o significado de cada palavra como premissa de validação, pois todo
conhecimento tem uma palavra, trazendo em sua essência o realismo, enfatizando as
diferenças, associado à nyaya.
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Nyaya significa “um método para estabelecer julgamentos”. Juntos, aceitam as
questões metafísicas que acessamos atualmente como realidades densas e sutis, aliam
a lógica e a percepção, e a palavra proferida como um elemento essencial na aquisição
do conhecimento (BROWN, 1999).
Samkhya e yoga: são os dois meios de pensamento mais antigos. A samkhya
considera o espírito e a matéria reais e admite a pluralidade dos seres. Desdobra o
universo manifestado com toda a variedade e resultada em prakrti, o ser humano em sua
compleição pura e harmônica. Em sua poética sutil, determina a mente em três estados:
equilíbrio, ousadia e lassidão. Corpo e mente são as duas faces de uma mesma moeda e
o processo de evolução ocorre graças a essa combinação. Esse período de evolução é
seguido pelo período de dissolução, quando ocorre uma “latência”, em que tudo silencia,
tal qual uma semente sobre o solo, maturando o crescimento das raízes, crescimento
interno para, enfim, poder brotar o crescimento externo. Para o ayurveda, samkhya é a
visão motriz e capaz de nos trazer toda a construção de percepção do mundo que arraiga
e capacita a mente para o entendimento mais profundo da manifestação do mundo.
A samkhya está desmembrada em 25 princípios, que derivam dos conceitos de mahat
(intelecto divino), ahamkara (ego), tanmatras (condições potenciais das qualidades, o estado
sutil dos elementos) e purusha (verdade vital e sensível, ser universal) (BROWN, 1999).
Como elementos principais de todo esse desdobramento, citamos: manas
(mente), ahamkara (desdobrado em egoísmo) e buddhi (intelecto). Sua função essencial
é receber estímulos e impressões externas e responder adequadamente a elas, e essa
resposta depende de um aparato chamado suksma sareera (corpo sutil) e sthula sareera
(corpo denso), ou seja, a alma e o corpo humano (BROWN, 1999).
Yoga está de mãos dadas com samkhya. No bhagavagita, são chamados de um
yoga – nesse contexto, yoga deve ser entendido e interpretado como união de algo. No
caso, o yoga de Patanjali, que conhecemos como os yogasanas (posturas), referindo-
se à união do corpo e da mente à respiração. Somente por essa união ou por esse yoga
que os yoginis (praticantes de yoga) conseguem permanecer tanto tempo em posturas
desafiadoras. Nesse contexto, yoga significa ação (prática), e samkhya é conhecimento
(teoria). Assim, ambos têm por objetivo conduzir todo ser humano à liberação, ao
desapego (BROWN, 1999).
De acordo com Brown (1999), os sutras (versos) do yoga são divididos em quatro
partes:
• aquela que trata da natureza e do objetivo da concentração;
• aquela que explica os meios para realizar a concentração;
• aquela que lida com os poderes incomuns que podem ser adquiridos por meio da
prática da concentração;
• aquela que descreve a natureza da liberação e a realidade do eu transcendente.
26
Purvamimamsa é tido como o mais longo tratado filosófico indiano e ele considera
como pramana a percepção, a inferência, o testemunho verbal, a comparação e a
presunção, e isso leva esse estudo ao que hoje chamamos de vivência, ou seja, mesmo
inefável, é preciso ser sentido, experenciado, vivenciado (BROWN, 1999).
Por fim, uttara minamsa ou vedanta, que é conhecido como o último conhecimento
ou conclusões. É um elegante e harmonioso resultado descritopor muitos filósofos e
pensadores ortodoxos anteriores e por isso é considerado a expressão mais que perfeita
do pensamento indiano (BROWN, 1999).
Estudar os darsanas reflete a intenção de alcançar moksha (liberação
e desapego). No nyaya e no vaiseshica, o ser humano se habilita a usar o intelecto
corretamente a fim de discernir as verdades das falácias; com o samkhya é possível
aprender a origem de tudo o que existe, sendo denso e sutil, bem como os resultados
que se atingem ao utilizar a aplicação dessa visão em nosso dia a dia; pelo yoga, unimos
corpo e mente em um mesmo objetivo, ou seja, o autoconhecimento; o purvamimamsa
oferece a capacidade de vivenciar cada experiência no corpo denso ou sutil; e a vedanta
nos auxilia a compreender e entender nossa verdadeira natureza.
Svoboda (2015, p. 4) nos traz que “Uma história viva nasce quando a sabedoria
viva encarna no matéria sutil de uma consciência humana”. Vejamos agora o
conhecimento da enumeração no nosso estudo ayuvérdico.
4 ENUMERAR
Ao pé da letra, samkhya significa “conhecimento enumerado” e se caracteriza
por classificar e descrever os princípios fundamentais que compõem a realidade na
matéria. A quantidade e a enumeração são recursos muito úteis no início do estudo do
ayurveda, pois pelas conexões estabelecidas e derivadas uma da outra a compreensão,
a apreensão e as correlações florescem na mente do neófito. Outro sinônimo samkhya
que se aplica nesse contexto é conhecimento perfeito (RADHAKRISHNAN, 1989).
Seus conceitos fundamentais estabelecem a dualidade, em que se aceita a
parceria de prakrti e purusha na criação de nosso mundo. Aceitando a enumeração da
verdade, é possível estabelecer três pramanas:
• os trigunas (três qualidades da matéria): existem em todas as formas de vida em
diferentes proporções;
• o processo evolutivo: envolve prakrti, purusha, buddhi, ahamkhara, pancha
jnanendriyas, pancha karmendriyas, panchatanmatras, panchamahabhutas e manas.
Todos esses conceitos estão explicados em detalhes na sequência do nosso estudo;
• a moksha: é a busca natural de toda alma.
27
Sua fundação é atribuída a Maharshi Kapila, e suas ideias também são vistas
em livros anteriores, como nas upanishads anteriores e o bhagavadgita, assim como no
rigveda, então consideramos essas obras como fonte de inspiração de Kapila para trazer
a visão do samkhya.
Purusha significa “o ser que está além da prakrti”, e neste darsana significa “a
consciência”, “a testemunha”, “o observador”, “a verdade vital e sensível”, “o ser universal”.
Suas características são: não fazedor, testemunha, solitário, imutável, espectador,
inteligência, onipresente, sutil, estar além da mente, do intelecto ou dos sentidos, do
tempo, da causalidade e do espaço, ser eterno, perfeito, pura consciência, infinito,
como um cristal transparente. Prakrti significa “produtor/fazedor” e é interpretado
como a natureza, como tudo o que constitui a realidade que visualizamos. Então, de
maneira especulativa, podemos afirmar que purusha é o sujeito do conhecimento, e
prakrti é o objeto do conhecimento. Dessa maneira, o senso de unidade é visto como
a fonte de origem da manifestação material, não tem causa, mas tem todos os efeitos,
e seus efeitos dependem de suas propriedades metafísicas, que chamamos de gunas
(RADHAKRISHNAN, 1989).
Ela é feita de três gunas: sattva, rajas e tamas, cada uma é independente,
todavia transitam entre cada uma e se misturam entre si de acordo com os estímulos
externos e internos que a prakrti recebe. Essa “dança” dá origem a várias substâncias e
podem ser elucidadas como se segue: tamas (trevas, ignorância, imobilidade, inércia),
rajas (força, movimento, violência, egoísmo) e satwa (luz, equilíbrio, calma, sabedoria,
beleza) (RADHAKRISHNAN, 1989).
Em ahamkhara (aquele que produz o eu), encontramos todos os princípios da
individualidade dos seres da natureza. Neste contexto, podemos associar ao ego e ele
vem acompanhado por buddhi (intelecto).
Sendo buddhi aquele que recebe as ideias e imagens transmitidas pelos órgãos
dos sentidos e de manas (mente), as constrói como uma conclusão do eu. A função
do intelecto é a determinação: anterior à vontade de se envolver em qualquer assunto,
primeiro observa, considera, então reflete e só então determina, e aí vem a ação (karma)
(RADHAKRISHNAN, 1989).
A virtude, a sabedoria e o desapego são características de sattva; o oposto a
isso é tamas; a ousadia e a paixão, é rajas (RADHAKRISHNAN, 1989).
O intelecto é o mais importante de todos os produtos de prakrti. Os sentidos
apresentam seus objetos ao intelecto, o qual os exibe para o purusha e discrimina a
diferença entre purusha e prakrti. O intelecto é o instrumento ou órgão que é o meio
entre os outros órgãos e o self. Todas as ideias derivadas da sensação, reflexão ou
consciência são depositadas no principal instrumento: o intelecto, antes que possam
ser reveladas ao eu.
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Pessoas atraídas pela autoinvestigação frequentemente já tiveram
experiências que as convenceram de que existe um algo “espiritual”
além daquilo que elas percebem com os sentidos, com as emoções e
com a mente. Mas elas estão sempre em dúvida quanto ao que isso
seja. O método fundamental para a realização do ser é a discriminação
entre o que é permanente... o ser... e o que não é... a mente e o mundo.
Ainda que essa seja uma realidade não-dualista e tudo que muda seja
também o ser, esse fato é desconhecido para o iniciante. Mesmo que
ele fosse conhecido intelectualmente, ele ou ela teria que passar pelo
longo e por vezes difícil processo introspectivo de separar o “eu” – o
ser – de todas as suas formas mutantes (SRI, 2014, p. 25).
Eles transmitem impressões ou ideias com as propriedades ou efeitos de prazer,
dor e indiferença, conforme são influenciados pelas qualidades de sattva (pureza), rajas
(paixão) ou tamas (escuridão).
• Prakrti é a raiz, a causa material e eficiente do universo, evolui sob a influência de
purusha.
• Buddhi, ou intelecto, é o primeiro produto da evolução de prakrti.
• Ahankara surge após o buddhi.
A mente (manas) nasce de ahamkara e executa as ordens da vontade por meio
dos órgãos de ação (karmendriyas). Reflete e duvida (sankalpa-vikalpa). Ele sintetiza
os dados dos sentidos em percepções. A mente participa tanto da percepção quanto
da ação.
No samkhya, a mente, com os órgãos, produz os cinco ares vitais. Prana é uma
modificação dos sentidos. Não subsiste na ausência deles.
Cada indivíduo é dotado com manas (mente), que é o órgão de sensação e
ação, e dela derivam os jñanaindryias (órgãos do conhecimento), que são nossos cinco
sentidos, estando associados a cinco tanmatras (elemento sutil): som (sabda), toque
(sparsa), aparência (rupa), sabor (rasa), odor (gandha). Deles virão os panchamahabhutas
(cinco grandes elementos): akasha (espaço vazio), vayu (vento), agni (fogo), jala (água)
e prithivi (terra). Por fim, são estabelecidos os karmaindryias (órgãos de ação), também
cinco: falar, segurar, andar, excretar e se reproduzir.
Acompanhe a Figura 5 para verificar esse “organograma”.
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FIGURA 5 – COSMOGÊNESE, CRIAÇÃO DO MUNDO
FONTE: A autora
Uma prakrti pura é a condição equilibrada de sattva, rajas e tamas (sattva-
rajas-tamasāṁ-samyāvasṭhā-prakṛtiḥ). Antes da criação, a mudança em prakrti é
homogênea, na qual os três gunas (sattva, rajas e tamas) são mantidas em um estado
de equilíbrio:
• da prakṛti harmoniosa ocorre buddhi pela perturbação no equilíbrio dos gunas;
• do buddhi evolui o ahamkara cósmico ou o princípio do egoísmo, o ego;
• da ahamkara emanam os dez sentidos e a mente no lado subjetivo, e os cinco
tanmatras, som, toque, aparência, sabor e odor.
Dos cinco taṇmatras, evoluem os panchamahabhutas (cinco grandes elementos
densos:espaço vazio, vento, fogo, água e terra):
• akasa (espaço vazio) tem a propriedade de som, que é o objeto para o ouvido;
• vayu (vento) tem a propriedade de toque, que é o objeto para a pele;
• agni (fogo) tem a propriedade de forma ou cor, que é o objeto para o olho;
• jala (água) tem a propriedade de sabor, que é o objeto para a língua;
• prithvi (terra) tem a propriedade de odor, que é o objeto para o nariz.
Purusha
Prakrti
Buddhi Ahamkara
Satwa
Manas
Rajas Tamas
Jñanaindriyas Tanmatras
Karmaindriyas Panchamahabhutas
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Cada um desses elementos, após o primeiro, também conserva a propriedade
do elemento que o precede além das suas próprias características.
• Pancha jnanendriyas (cinco órgãos de cognição ou dos sentidos: audição, tato, visão,
paladar e olfato).
• Pancha karmendriyas (cinco órgãos de ação: mãos, pés, aparelho fonador, órgãos
excretores, órgãos sexuais).
Portanto, a filosofia, em qualquer tradição, é capaz de ser transformadora, pois
ela traz a possibilidade de encontro de sentido da existência.
Com embasamento do estudo da filosofia da tradição védica é possível
estabelecer ajustes de percepção da vida por meio do corpo, da mente, das emoções
e do espírito, além de preparar o intelecto para essa nova forma de visualização e
entendimento do mundo.
O fato de estarmos conectados e atendendo pessoas que nos procuram como
terapeutas se torna de suma importância que tenhamos capacidade de ouvir – e, na
medida do possível, orientar o cliente – da melhor maneira. Logo, ao conhecermos os
conteúdos que tangem esse fundamento, nos tornamos aptos a ouvir e orientar os
clientes de forma holística e coerente.
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Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Caminhar pelo entendimento da visão filosófica da percepção do mundo por meio da
conceituação de cada darsana aguça e orienta a mente, o coração e os sentidos para
a nova forma de visualização de mundo.
• Samkhya é a principal ferramenta utilizada na construção inicial do entendimento
do ayurveda, fortalece nossa capacidade de raciocínio para estabelecer as conexões
adequadas nas elucubrações pessoais que passarão a ocorrer na prática profissional.
• O conceito e o entendimento de termos essenciais na cosmogênese, bem como o
desdobramento da formação do mundo na visão dessa linha filosófica.
• A construção do desdobramento dos elementos que se formam no universo está
relacionada às correlações e interdependências, que conferem a liberdade e o
entendimento da percepção da construção de um ser humano na visão do samkhya.
RESUMO DO TÓPICO 3
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AUTOATIVIDADE
1 As upanishads carregam a essência filosófica dos vedas, oferecem explicações a
respeito de práticas espirituais, ensinamentos herméticos, elucubrações relacionadas
à origem do ser humano (purusha), do absoluto (Brahma) e do eu (atma). Quanto ao
significado do termo upanishad, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Querer encontrar atma.
b) ( ) Calar e ouvir o que o professor diz.
c) ( ) Ficar em silêncio e encontrar o absoluto.
d) ( ) Sentar-se próximo ao chão.
2 Outro sinônimo para samkhya, que se aplica nesse contexto, é conhecimento perfeito.
Seus conceitos fundamentais estabelecem a dualidade, em que se aceita a parceria
de prakrti e purusha na criação de nosso mundo. Aceitando a enumeração da verdade,
é possível estabelecer três pramanas. Sobre eles, analise as afirmativas a seguir:
I- As saptagunas (sete qualidades da matéria) existem em todas as formas de vida,
em diferentes proporções.
II- O processo evolutivo envolve apenas panchamahabhutas e manas.
III- A moksha é uma busca natural de toda alma.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 Com a efervescência natural das tribos em suas excursões e peregrinações
exploratórias à Bacia do Ganges, o povo indiano passou a receber e acolher todos
os interessados em seguir e estudar a tradição védica. Considerando essa afirmação,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) Pancha Karmendriyas (cinco órgãos de ação: mãos, pés, aparelho fonador, órgãos
excretores, órgãos sexuais).
( ) Dos trigunas evoluem os panchamahabhutas (cinco grandes elementos densos:
espaço vazio, vento, fogo, água e terra).
( ) Ahamkara significa “mente”.
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Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 Essas ferramentas são utilizadas na forja do ser humano, que caminha pelo
autoconhecimento das seis visões ou seis darsanas, que são essenciais na construção
e no entendimento do pensamento védico. Disserte sobre por qual motivo essas
ferramentas são essenciais em nosso estudo.
5 Samkhya significa “conhecimento enumerado”, caracterizando-se por classificar e
descrever os princípios fundamentais que compõem a realidade na matéria. Nesse
darsana, se utiliza a dualidade para que possamos compreender a mente universal
que propiciou a criação do mundo. Disserte sobre o motivo de estudarmos samkhya
para o entendimento inicial no estudo do ayurveda.
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TÓPICO 4 —
INTRODUÇÃO BÁSICA AO AYURVEDA
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Viajamos da Índia antiga até a Índia contemporânea e apreciamos a forma
única que esse povo tem de observar a vida e manifestar essa visão. “O indivíduo é o
resumo com toda matéria e fenômenos espirituais do universo, tudo está presente no
indivíduo e todos aqueles presentes no indivíduo também estão contidos no universo”
([Ca.Sa.Sutra Sthana 5/4] 427 d.C. apud SHARMA, 2016, s. p.).
O conhecimento védico aborda o cosmos como um todo com as profundezas
de nossa própria psique, que considera a unidade do macrocosmo e do microcosmo.
O ser humano individual é um modelo ou manifestação de todo o universo. O
universo inteiro habita dentro de você e você é o universo, compartilhando uma essência
comum na consciência.
Corpos e mentes são apenas nossos veículos de ação e expressão. “Os antigos
hermetistas consideravam esse princípio como um dos mais importantes instrumentos
mentais por meio dos quais o homem pode ver além dos obstáculos que encobrem à
vista o desconhecido” (TRISMEGISTO, 1908, p. 58).
Ayurveda, antes de qualquer premissa, é uma atitude, é muito mais do que um
sistema de medicina, é muito mais do que um estilo de vida. Não deve ser comparado
ao sistema médico moderno, pois este último lida com a doença, e o ayurveda se ocupa
da saúde e da pessoa, que é muito mais do que o corpo físico e a mente.
Como vimos anteriormente, um ser humano é resultado do desdobramento
de muitos elementos, e o resultado dessa manifestação se traduz no corpo físico, na
mente, nos órgãos dos sentidos e na energia vital, que é uma das principais dimensões
de ação do ayurveda.
Ayurveda é um compêndio de conhecimentos que visam garantir saúde e
longevidade, prevenindo doenças em indivíduos saudáveis e erradicando as doenças
dos indivíduos enfermos. É considerado um upaveda (capítulo) do atharvaveda, cujo
principal foco é a manutenção de ayu (vida), mantendo as mazelas e doenças afastadas.
Há algumas décadas, aqui no Ocidente, vivemos a necessidade de entender e
aprofundar na importância e na relevância do conhecimento oferecido pelo ayurveda,
bem como o propósito por trás de oferecer o conhecimento da vida com a visão do
ayurveda.
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Acharya Charaka (1978 apud AYRES, 2020, s. p.) esclarece isso ao escrever que
“आरोग्यम्। arogya (saúde e bem-estar) atua como a raiz de धर्मः। dharma, अर्थः। artha,
कामः। kama e मोक्षः। moksha que resulta em श्रेयः। shreyas (obtendo melhor fortuna) e
जीवितम्। jivitam (longevidade)”.
Com o cumprimentodeles, a vida se torna completa social, física, psicológica
e intelectualmente, portanto, quando nos tempos antigos pessoas comuns, videntes
e sábios que praticam atos piedosos experimentaram impedimentos no cumprimento
desses aspectos da vida devido a distúrbios causados por doenças, a busca pelo
conhecimento da vida se estagnou. Isso levou ao surgimento do ayurveda há muitos
milhares de anos, e todos esses conceitos e ensinamentos são válidos e aplicáveis em
nossa vida moderna.
Quando falamos sobre as quatro buscas humanas, dharma, artha, kama e
moksha, nos referimos a tudo que se torna essencial: dharma é ter a aptidão necessária
para fazer o que deve ser feito. Muito além de ser o que comumente ouvimos como
sendo a missão de vida de um indivíduo, é o ato, a coragem e o discernimento de agir
da maneira que se deve agir; artha é tudo o que se refere à segurança e ao bem-estar,
e isso engloba a abundância e a prosperidade em forma de saúde e dinheiro; kama é a
possibilidade de sentir deleite e plenitude, a tal consciência leve. Também entram nesse
conceito fruir, sentir prazer e recieber benesses; e, por fim, moksha é a liberação em
sua essência, é o desapego de tudo aquilo que nos aprisiona, é o motivo que na maioria
das vezes traz inquietude e aquele vazio interior que muitas vezes nos assombra e nos
assola, nos fazendo questionar o real sentido da vida e da existência.
2 PANCHAMAHABHUTAS
“Todos os objetos vivos e não vivos no universo são feitos de panchamahabhuta”
([Ca.Sa.Sutra Sthana 26/10] 427 d. C. apud SHARMA, 2016, s. p.). Essa afirmação nos
norteia quanto à composição de tudo (do latim totus; completamente, totalmente),
ou seja, qualquer nano ou macro ser é composto pelos cinco grandes elementos.
Inicialmente, esses elementos estão manifestados apenas na forma sutil, logo recebendo
transformações que os conduzem ao processo de densificação.
Como sutis, os cinco grandes elementos não podem ser inferidos por nossos
órgãos de percepção. Por isso, no mundo manifestado, eles adquirem densidade para
que possamos nos conectar com eles por meio dos nossos sentidos. Esses elementos
foram os ingredientes para a manifestação do universo na forma que o percebemos hoje.
Panchamahabhutas são os elementos fundamentalmente responsáveis pela
criação do universo, incluindo os humanos.
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O corpo denso e o corpo sutil são compostos pelos cinco grandes elementos,
todavia, o corpo sutil os apresenta ainda em estado tênue, ou seja, sem esses elementos
terem passado pelo processo de densificação. Quando esses cinco elementos que
constituem, a composição do corpo humano fica impregnada de atma ou alma (elemento
de vida), a vida se manifesta na massa desses elementos e o chamamos de corpo físico.
Essa constituição permanece em estado de equilíbrio na homeostase e qualquer
desequilíbrio que não for tratado em tempo resulta em doença. Nosso corpo físico é a
sede de todas as nossas experiências, sejam elas corporais, emocionais ou espirituais,
de deleite ou de sofrimento.
A morte do corpo físico ocorre quando o atma se separa dos elementos depois
que um determinado período de tempo de associação foi concluído, ou seja, após o
desfecho do período de vida. Diversamente do corpo denso, o corpo sutil não é o núcleo
das experiências, e sim alguém que opera o corpo físico.
Bhuta é uma palavra composta de outras duas palavras: bhoo (base, região,
terra) e kta (profuso, pleno). Então, bhuta é "aquele que tem sua identidade e existência".
Bhutas não são formados ou criados por quaisquer outras coisas ou elementos. São
cinco em número e eles subsequentemente são a base dos panchamahabhutas ou os
cinco grandes elementos básicos da natureza. Logo, os bhutas são formas precursoras,
microcosmos, de mahabhuta. Uma das suas características é serem karana dravya
(razão da causa) e sempre existentes (nitya). Eles não podem ser destruídos, apenas
transformados. Com isso, recebem o atributo de susukshma (muito diminutos) e indriya
ateeta (além dos sentidos).
Bhutas e mahabhutas têm a relação de causa e efeito entre eles, em que bhuta
é a causa, e mahabhuta o efeito.
3 ESTRELANDO: AKASHA, VAYU, AGNI, JALA E PRITHVI
Tudo o que existe no universo é feito de panchamahabhuta (cinco grandes
elementos). Cada material ou objeto contém os cinco elementos, todavia a predominância
de cada um dos elementos é variável e atrelamos a nomenclatura do objeto com base
na predominância do elemento em questão. Por exemplo, uma rocha será composta de
todos os elementos, mas ainda será chamada de parthiva (predominantemente terra),
por ter o elemento terra em sobejo com relação aos outros elementos.
Logo, todos os seres, animados e inanimados, são classificados em uma das
seguintes categorias:
• parthiva – predominância em prithvi (terra);
• jaleeya – predominância em jala (água);
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• agneya – predominância em agni (fogo);
• vayaveeya – predominância em vayu (ar);
• aakaasheeya – predominância em akasha (espaço vazio).
Isso esclarece que nenhuma substância/material é feita de um único mahabhuta.
A massa de cada material ocorre devido à presença de prithvi mahabhuta ou
elemento terra: prithvi é percebida pelo tato, pelo paladar, pela visão e pelo olfato, no
universo a percebemos nas rochas, no solo, nas areias.
A coesão das partículas ou células são responsabilidade de jala mahabhuta
ou elemento água: jala significa “tudo aquilo que flui”, é fria ao tato e é percebida pelo
paladar e em todas as águas e fluidos do universo.
A temperatura de cada material é um atributo de agni mahabhuta ou elemento
fogo: agni, fogo, também é percebido pelo tato e pela visão, sendo notado no mundo por
meio de tudo aquilo que queima, aquece ou reluz, um relâmpago, a digestão humana e
todos os processos de transformação.
A possibilidade de movimento das partículas contidas em cada material é
estabelecida por vayu mahabhuta ou elemento ar/vento: a palavra vayu significa
“vento”, é invisível, mas pode ser percebido pelo sentido do tato, sendo classificado em
dois tipos – nitya, eterno e constante, e anitya, transitório. Sua forma molecular é eterna,
e as demais formas são transitórias e responsáveis por toda percepção de movimento.
O espaço interno e externo nas partículas de um material é oferecido pelo
elemento akasha mahabhuta ou espaço vazio: a palavra akasha significa “espaço livre
ou aberto”, é apenas um e ocupa todo o universo.
4 GUNAS
Segundo a filosofia samkhya, existem três principais gunas que servem como
princípios operacionais fundamentais ou “tendências” de prakṛti (natureza universal),
que são chamados de:
• sattva (bondade);
• rajas (paixão);
• tamas (escuridão).
Esses guṇas não são perceptíveis, mas são inferidos da existência das coisas.
Sattva é o elemento da prakṛti e sua natureza é prazer, luz e brilho. A manifestação
de objetos na mente, o conhecimento, o reflexo da luz, o reflexo no espelho, tudo
acontece devido à sattvaguṇa.
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O princípio de atividade dos objetos é conhecido como rajas. Tem sempre
movimento e faz outras coisas se moverem. É possuidor de cala (mobilidade) e
upaṣṭambhaka (estimulante). O fogo se espalha, o vento sopra, os sentidos seguem
seus objetos, a mente sente dor, tudo isso acontece devido ao raja e por isso auxilia
sattva e tamas a realizarem sua ação.
Tamas é inativo e é o oposto de sattva. É guru (pesado) e vāraṇaka (sem
manifestação), se opondo ao movimento das coisas, que é o princípio de rajas. Causa
sono, preguiça, desânimo.
Então, concluímos que gunas são atributos individuais que influenciam a
alteração da manifestação deles em seres e objetos. Os três gunas referidos afetam a
mente e o estado de espirito do indivíduo; neste contexto, podem ser considerados os
valoresde uma pessoa. Sendo mutáveis, oscilam entre si, carregando o indivíduo da
introspecção à ansiedade.
Na visão do ayurveda, todas as substâncias orgânicas e inorgânicas, assim como
todos os pensamentos e ações, têm atributos definidos. Esses atributos contêm energia
potencial, e as ações expressam energia cinética. Atributos e ações estão intimamente
relacionados, pois a energia potencial dos atributos acaba se tornando ação ou energia
cinética.
De acordo com o ayurveda, existem 20 atributos básicos. Após observação
atenta do universo e do homem, Charaka (ano VI a.C.) os categorizou em dez pares
antagônicos (por exemplo: quente e frio; lento e rápido; maçante e agudo; úmido e
seco). Essas forças opostas funcionam juntas.
O universo como um todo é a manifestação dos dois opostos mais básicos: a
energia masculina e a feminina. Assim, é possível entender o universo em termos das
interações de forças opostas, que se manifestam como atributos básicos.
Vata, pitta e kapha têm seus próprios atributos, e substâncias com atributos
semelhantes tendem a se agravar, pois semelhante atrai semelhante. Por exemplo: vata
é leve, sutil, seco, móvel, áspero e frio. Assim, na temporada de outono, que também
exibe esses atributos, ele tenderá a ser agravado na constituição humana. Então, um
indivíduo vata naturalmente tem excesso de atributos leves. No entanto, se o indivíduo
ingerir continuamente alimentos pesados causadores de kapha, que inibem os atributos
leves do corpo, durante um período de tempo os atributos corporais do indivíduo serão
alterados de vata (leve) para kapha (pesado). Dessa forma, os atributos do corpo podem
ser alterados, apesar das tendências naturais inerentes da constituição.
Para esse momento, o ideal é que sigamos caminhando pelos atributos. Então,
lembre-se: tudo aqui foi distribuído de maneira que facilite a correlação de cada conceito
estudado no samkhya. Para entender e apreciar o conceito ayurvédico de atributos,
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devemos meditar profundamente sobre eles. O exame dos atributos é uma experiência
muito sutil e exige consciência constante, pois nossos cinco sentidos também pensam
e refletem.
Quando ingerimos alimentos com características mais pitta, como pimentas,
devido à ação aguda e penetrante desse alimento, imediatamente experimentamos
sensações corporais, como calor, sudorese e sensação de queimação na boca. No dia
seguinte, a urina e as fezes podem criar uma sensação de queimação.
Os conceitos que regem a farmacologia, a terapêutica e a preparação de
alimentos no ayurveda são baseadas na ação e na reação dos 20 atributos entre si. Pela
compreensão desses atributos, o equilíbrio do tridosha pode ser mantido.
A fim de aprofundar nosso entendimento a respeito dos gunas, descreveremos
a seguir as qualidades/gunas associadas aos cinco grandes elementos e aos cinco
tanmatras. Listamos essas características para garantir que a reflexão, meditação,
observação e inferência sobre elas passem a ser cotidianas dentro do estudo de cada
um.
• Gunas: atributos, qualidades, características de naturezas.
• Shabda (som): qualidade do elemento akasha/espaço vazio.
• Sparsha (toque, sensação): qualidade do elemento vayu/vento.
• Rupa (visão): qualidade de agni/fogo.
• Rasa (sabor): qualidade do elemento jala/água.
• Gandha (cheiro): qualidade de prithvi/terra.
Os gunas relacionados aos cinco grandes elementos são chamados de
qualidades excepcionais. Cada elemento apresenta qualidades que os determinam em
sua especificidade e esse traço nos auxilia a identificar a presença ou a ausência desse
elemento em determinadas situações.
Parthiva guna: qualidades do elemento terra.
• Guru: pesado.
• Kathina: duro.
• Manda: lento.
• Saandra: sólido.
• Sthula: denso.
• Sthira: estabilidade.
Gandha guna bahulya: presença no olfato.
Gestão de parthiva dravya: substância terra no corpo.
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• Upachaya: nutrição de tecidos.
• Gourava: proporciona peso.
• Sanghaata: fornece dureza e densidade.
• Sthairya: oferece estabilidade.
Jala guna: qualidades do elemento água.
• Drava: liquidez.
• Snigdha: untuosidade.
• Sheeta: temperatura fria.
• Guru: peso.
• Manda: lentidão.
• Saandra: sólido.
• Sara: fluidez.
• Mrudu: suave.
• Pichchila: pegajoso.
Rasa guna bahula: presença no paladar.
Gestão de jala dravya: substância água no corpo.
• Upakleda: umidade.
• Sneha: untuosidade e lubrificação.
• Bandha: conecta as células e os tecidos uns aos outros, garante coesão e integridade.
• Vishyanda: conduz elementos dos srotas e para os srotas (canais físicos e sutis, os
dutos do corpo).
• Maardava: fornece suavidade e amortecimento.
• Prahlada: oferece satisfação e contentamento.
Agneya guma: qualidades do elemento fogo.
• Teekshna: argúcia.
• Ushna: temperatura quente.
• Ruksha: secura.
• Sukshma: diminuto, sutil.
• Laghu: leveza.
• Vishada: transparência.
Rupa guna bahula: presença na visão.
Gestão de agneya dravya: substância fogo no corpo.
• Daha: sensação de queimação.
• Paka: supuração (digestão, metabolismo).
• Prakasha: fornece brilho.
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• Prabha: fornece tez.
• Varnya: fornece boa cor.
• Vaayavya guna: qualidades do elemento vento
• Ruksha: secura.
• Sukshma: diminuto, sutil.
• Laghu: leveza.
• Vishada: transparência.
• Vikasi: propagação rápida.
• Vyavayi: difusão.
• Sheeta: temperatura fria.
Sparsha guna bahula: presença no tato.
Gestão de vaayavya dravya: substância ar/vento no corpo.
• Rookshata: secura.
• Laghuta: leveza.
• Vishadata: clareza.
• Glani: fornece fadiga.
• Vicharaka: promove e monitora diversas atividades.
Aaakasheeya guna: qualidades do elemento espaço vazio.
• Mrudu: suavidade.
• Sukshma: diminuto, sutil.
• Laghu: leveza.
• Vishada: transparência.
• Shlakshna: maciez.
• Vyavaayi: difusão.
• Sheeta: temperatura fria.
• Khara: áspero.
Shabda guna bahula: presença na audição.
Gestão de aaakasheeya dravya no corpo.
• Mruduta: oferece suavidade.
• Soushirya: fornece vazio.
• Laghuta: oferece leveza.
Agora que conhecemos os gunas associados aos cinco elementos e aos cinco
tanmatras, podemos conhecer, no Quadro 1, quais são os 20 gunas principais que regem
a observação de oscilação dos doshas (aquilo que gera desequilíbrio) em nosso corpo e
em nossa mente.
43
QUADRO 1 – OS 20 GUNAS PRINCIPAIS
FONTE: A autora
Como essas qualidades estão relacionadas aos tecidos e às substâncias do
corpo, elas também são chamadas de shareerika gunas, em que shareerika significa
“pertencente ao corpo”. Essas qualidades também são encontradas em todas as
substâncias compostas por cinco elementos da natureza, incluindo os medicamentos e
os alimentos que consumimos.
São qualidades gerais presentes nos elementos da criação e nas substâncias
que os compõem. Portanto, eles são chamados samanya gunas, ou seja, qualidades
gerais/comuns.
Quando pensamos em guru guna, devemos associar a tudo que contribui com
o peso e a gravidade. Quando um alimento é considerado guru, significa que ele é mais
difícil de ser digerido, logo isso aumenta a presença dos elementos água e terra, pois
esses são os elementos que lhe conferem peso. Sua qualidade oposta é laghu guna, que
confere leveza na alimentação, sendo os alimentos fáceis de serem digeridos, então os
elementos predominantes são o espaço vazio e o vento.
Sheeta guna representa tudo que é frio. A frieza se determina pela presença dos
elementos água e vento. Ushna guna é sua qualidade oposta, é quente. Pode ser percebido
pelo tato, calor, ardência, corrosão, sendo as presenças que constituem o fogo.
Snigdha é o que confere untuosidade, como quando untamos uma forma com
manteiga para assar um bolo. É oposto à secura, e a untuosidade está presente no
elemento água. Ruksha, o oposto de snigdha, é a secura, ou o que tira a oleosidade. A
secura está presente no elemento ar e percebemos isso quando secamos nossa roupa
em um ambiente arejado.
Guru guna: pesadoLaghu guna: leve
Sheeta guna: frio Ushna guna: quente
Snigdha guna: untuoso Ruksha guna: seco
Manda guna: embotado Teekshna guna: penetrante
Sthira guna: imóvel Sara guna: instável
Mrudu guna: macio Kathina gund: duro
Guna vishada: transparente Pichchila guna: viscoso
Shlakshna guna: suave Khara guna: rude
Sukshma guna: sutil Sthula: denso
Sandra guna: sólido Drava guna: líquido
44
Manda duna se associa ao embotamento. Na lassidão, é composto pelo elemento
terra e água; portanto, também tem lentidão. Seu oposto é theekshna guna, penetrância,
rispidez, também atribuída ao elemento fogo.
Sthira guna reflete a estabilidade, o equilíbrio, tem a presença de terra. Sara guna,
seu oposto, é instável, móvel, agitado, muito presente nos elementos água e vento.
Mrudu guna representa maciez, induz a frouxidão e o relaxamento, se relaciona
à água e ao espaço vazio. Kathina guna é o que tem dureza, rigidez e se relaciona ao
elemento terra.
Vishada guna significa “transparência”, “clareza”, utilizado para remover tudo o
que é viscoso e pegajoso, se associa à terra, vento, fogo e espaço vazio. Picchila guna
se associa ao que é viscoso, unifica e integra, se relaciona ao elemento água.
Shlakshna é a suavidade, a lisura, tem imenso poder curativo. De forma geral,
está associado ao espaço vazio, à água e ao fogo.
Khara guna se associa à rudeza, rugosidade, áspera, mas sem secura, nos
medicamentos são ditos das ervas que “raspam”, como banana verde, ou “amarra
língua”, na linguagem coloquial. É associado ao elemento espaço vazio e vento.
Sukshma guna é o sutil, associando-se ao fogo, ao espaço vazio e ao vento,
muito potente, e percebemos sua eficácia nos medicamentos de homeopatia, por
exemplo.
Sthula guna é o seu oposto, é denso, volumoso, robusto, sendo associado ao
elemento terra.
Sandra guna é a solidez e o peso, são ervas e alimentos muito nutritivos e
essenciais na manutenção da saúde e da longevidade, estando relacionado ao elemento
terra também.
Por fim, drava guna, que é tudo que escorre, ou seja, tudo que é ou se torna
líquido, confere fluidez, rapidez e penetrância, se relaciona com elemento água.
Nosso estudo sobre gunas será aprofundado na unidade sobre doshas.
A fim de que esse entendimento fique disponível, lembre-se de meditar
e refletir sobre cada uma dessas características. Observe seu dia a dia, a
fim de identificar essas percepções e relações.
ESTUDOS FUTUROS
45
4.1 GUNAS DA MENTE
A mente e as emoções também recebem influências dos cinco grandes
elementos, e a energia sutil dos elementos participa da formação das características
da mente.
Satwa, rajas e tamas são a denominação dessas qualidades, que também são
referenciadas como trigunas ou mahagunas da mente, pois temos as trigunas do corpo
físico. Logicamente, elas também são partes que integram o universo. Entre as três, rajas
e tamas são as que “contaminam” a mente e causam danos quando em desequilíbrio.
Satwa é a qualidade que sempre ilumina, responsável pelas boas vibrações,
reflete conhecimento, capacidade de controle do ego. Tudo o que se aprende depende
de satwa, ele traz a possibilidade de se adquirir o verdadeiro conhecimento e essa
qualidade é imperturbável, está sempre disponível para ser acessada. Todavia, ele pode
ser mascarado por rajas e tamas, e quando isso acontece nos percebemos envoltos pela
nevoa da ignorância.
Rajas ou rajo guna representa o movimento e as ações que ocorrem no corpo.
Essa qualidade deve ser mantida em equilíbrio: se rajas sofrer um excesso, domina a
mente e a conduz à hiperatividade. Isso significa que esse desequilíbrio pode conduzir
as pessoas a terem pensamentos ultrajantes, emoções viscerais, como raiva, ira,
ansiedade, agressividade e pânico. Essa inquietação da mente certamente vai acarretar
distúrbios do sono, mantendo a atividade excessiva do diálogo interno, levando a pessoa
a cometer equívocos, ofensas e crimes.
Exemplos relacionados ao movimento desmedido desse guna são: expressão
retumbante de desejos, ódio, tristeza, euforia, ganância, orgulho, ciúme, ansiedade,
perda do poder de discernimento.
Tamas é capaz de controlar rajas quando este está em uma manifestação errática,
sendo oposto ao rajas; portanto, representa o oposto de movimento, sendo responsável
pela calma, pela estabilidade, pela coerência. Quando em desequilíbrio, ele esconde
toda a manifestação de rajas, causando debilidade, depressão, melancolia, ignorância e
comportamento estúpido e débil.
4.2 ÓRGÃOS DE PERCEPÇÃO E DE AÇÃO
Em sânscrito, os órgãos de percepção e de ação recebem o nome de indriyas,
sendo essenciais na manifestação de ayu (vida) de um indivíduo. São ferramentas
insubstituíveis na obtenção do conhecimento e da execução de nossos deveres e de
nossas ações em resposta a todo o conhecimento que recebemos.
46
Jnanendriyas são os órgãos que permitem o funcionamento dos nossos cinco
sentidos: ouvido, pele, olho, língua e nariz. Objetivamente, a experiência do ouvido é o
som, da pele é a percepção do tato, a dos olhos é distinguir formas e cores, a da língua
é o paladar, do nariz é a capacidade de percepção de cheiros.
Karmendriyas são os órgãos motores do corpo humano: a boca, as mãos, os pés,
o ânus e os genitais. Objetivamente, a função da boca é proferir palavras, das mãos é
segurar objetos, dos pés é a locomoção, do ânus é a excreção de fezes e dos órgãos
genitais é o prazer.
Todos eles só podem funcionar harmoniosamente na presença de manas
(mente). Essa união é necessária para a nossa existência, pois na falta de um desses
órgãos nossa capacidade de percepção do mundo fica comprometida.
4.3 INTER-RELAÇÃO DOS ELEMENTOS
A manifestação sensorial dos cinco grandes elementos se dá pelo encadeamento
da presença de cada um deles entre si, ou seja, a expressão do mais sutil se mostra nos
demais mais densos.
Acharya Sushruta (ano VI a.C.) também explica o mesmo conceito e chama esse
processo de entrada mútua de um elemento no outro: quando o elemento vayu ganha
a qualidade do som de seu elemento precursor, akasha (espaço vazio), uma parte do
akasha entra em vayu. Dessa forma, há entrada mútua dos elementos nos elementos
de forma sucessiva. Assim, há entrada de vayu em agni, agni em jala e jala em prithvi.
Portanto, prithvi tem todos os componentes de outros elementos, já os elementos
anteriores terão um elemento a menos.
FIGURA 6 – RELAÇÃO DA MANIFESTAÇÃO DOS CINCO GRANDES ELEMENTOS
FONTE: A autora
Akasha
Akasha
Agni
Jala
Akasha
Agni
VayuJala
Akasha
Agni
Jala
Vavu
Prithvi
A
ka
sh
a
Vayu
47
LEITURA
COMPLEMENTAR
AYURVEDA: O CAMINHO DA SAÚDE
Maria Inês Marino
Walkyria Giusti Dambry
ÍNDIA: DOS VEDAS A SAMKHYA
A Índia para o Ocidente ainda é envolta por exotismo e mistério, porém nela
se conhece desenvolvimento e civilização desde antes do período do Mohenjo-daro,
em 2900 a.C. Estudos filosóficos dos upanishads desenvolveram-se oito séculos a.C.;
Shankara, o maior filósofo da Índia, oito séculos depois dele. Tudo isso demonstração a
evolução intelectual de um povo em um tempo tão remoto.
Os princípios da civilização humana certamente passam pela Índia. Escavações
arqueológicas habituais em seus objetos de território do período Neolítico, chamado de
cultura neolítica do Mysore, de aproximadamente 4000 a.C. Entretanto, esses achados
revelam a existência de uma cultura e não, ainda, de uma civilização.
Às margens do rio Indo foram encontrados os restos do que se chamou de Índia
pré-histórica ou Mohenjo-daro. Essa, sim, uma descoberta que declara a Índia como
uma das mais antigas civilizações, senão a mais antiga.
Foram encontradas quatro ou cinco cidades com centenas de casas sólidas
construídas de tijolos, com mais de um andar, dispostas em ruas estreitas e largas como
avenidas.
Na região de Sind e Punjab (ao norte de Bombaim), entre oquarto e o terceiro
milênio a.C., constatou-se que essas cidades eram altamente desenvolvidas. Em
muitas casas havia poços, banheiros, sistema de drenagem, o que necessariamente
uma condição social superior à que existia, na mesma época, na Babilônia e no Egito.
Foram encontradas peças de cerâmica em torno, peças de xadrez, moedas mais velhas
que todas as marcas, selos gravados em escrita pictográfica desconhecida, objetos de
faiança de excelente qualidade, pedras esculpidas, armas e instrumentos de cobre, um
carro de duas rodas e bem-acabadas joias de ouro e prata.
Com esse panorama, os historiadores do século XX passaram a crer que
estavam lidando com restos do que parecia ser a mais velha das civilizações, já que,
quando Mohenjo-daro estava no seu apogeu, Quéops construía sua primeira pirâmide.
48
Essas descobertas arqueológicas desencadearam estudos a respeito do
comportamento social, cultural, político e religioso relacionado a essa civilização.
Após o apogeu de Mohenjo-daro, várias das cidades e tribos sofrerão a invasão
de um povo, chamado ariano, vindo de uma região próxima da Pérsia.
Esse povo de perfil guerreiro trouxe um novo comportamento ao Mohenjo-daro,
que passou a adquirir a organização das instituições indianas mais características.
A evolução desse povo destaque na Índia Védica, um período muito rico sob
todos os aspectos da civilização, que se estendeu de 2000 a 1000 a.C.
Toda a história desse povo brilhante não se formou com base apenas nas
escavações arqueológicas, mas principalmente na pesquisa de escritos de uma época
remota, que revelam detalhes da vida do povo em relação à(s): sociedade, cultura, artes,
literatura, política, crenças, medicina e filosofia.
Os escritos mais importantes são os ghydas, os mais antigos e de principal
interesse para nosso estudo, que aprovado a Índia Védica de 2000 a 1000 a.C.,
Mahabharata e Ramayana, que descrevem a Índia Heroica de 1000 a 500 a.C.
A civilização indiana, carregada nos vedas, é dirigida a fundamentos religiosos,
e estes nortearão a vida, os estudos c como descobertas desse rico período. A ligação
com a natureza era muito forte, já que os mais antigos deuses vedas eram elementos ou
elementos dela o céu, o sol, o fogo, o vento, a água etc.
Por certo tempo, o principal deus védico foi Agni, o fogo, a chama sagrada.
Outros deuses muito adorados foram Indra, o deus do raio e do trovão, e Vishnu, o sol.
Pelos vedas é possível compreender o princípio de uma religião, o berço, o
crescimento e a morte dos deuses e da fé. Podem-se acompanhar os caminhos da
devida e do pensamento, observando a evolução desde o Atharva-veda, livro das mágicas
e encantamentos, até chegar ao upanishads, profundo estudo que orienta o sistema
filosófico hindu, base de toda cultura e ciência.
A grande barreira para compreender-se a Índia Antiga é o fato de lá não haver
uma língua única, já que cada tribo tinha seu dialeto próprio.
Nos vedas não se requer que seus autores conhecessem sua escrita, já que como
epopeias e os cantos escritos eram relatados de geração para geração e provavelmente
foram escritos muito tempo depois.
A escrita, boletim, era usada para propósitos comerciais e administrativos, e
não para literatura. Inicialmente, as lendas, os poemas, os cânticos e as histórias eram
somente falados entre o povo, que não conhecia a arte da escrita.
49
Muito da cultura hindu mais antiga certamente perdeu-se, e tudo o que sabemos
sobre ela está nos vedas, escritos em um dos mais velhos grupos de línguas, o sânscrito.
A palavra sânscrita veda significa "conhecimento"; um veda é um "livro do
conhecimento". Os vedas são uma coleção de livros, dos quais somente quatro se tem
conhecimento:
• Rig-veda - Conhecimento dos hinos de louvor.
• Sama-veda - Conhecimento das melodias.
• Yajur-veda - Conhecimento das fórmulas sacrificiais e mágicas.
• Atharva-veda - Conhecimento das fórmulas mágicas.
Cada um dos vedas se divide em quatro seções:
1. Os mantras ou hinos.
2. Os brahamanas ou manuais de ritual, prece e encantamento para sacerdotes.
3. Os aranyaka ou textos para santos eremitas.
4. Os upanishads ou escritos filosóficos.
A ciência na Índia é muito antiga e sua ligação com a religião fez com que seu
desenvolvimento, boletim, viesse pelas mãos de sacerdotes.
A astronomia nasceu do culto dos corpos celestes e da observação dos seus
movimentos e dos ciclos que os regem, a correção de um primeiro calendário que servia
a festas religiosas.
A gramática e a filosofia surgiram a partir das orações, de fonética específica,
para atender aos cânticos e às reflexões ligadas à fé.
Da Índia veio o método de representar os números por meio de dez símbolos, os
algarismos, injustamente chamados de arábicos, pois na cultura hindu eles já surgem nos
"Editos da Pedra Ashoca", em 256 a.C., um milênio antes de sua aparição na literatura árabe.
Mestres hindus como Aryabhata, Bramagupta e Bhasara foram grandes
estudiosos e criadores de conceitos de astronomia álgebra.
Conceitos físicos e químicos também eram amplamente experimentados nesse
período.
Anatomia e fisiologia fizeram parte dos primórdios da medicina hindu. No século
IV a.C., os indianos descreviam ligamentos, estruturas, vasos linfáticos, nervos, plexo,
tecidos adiposo e vascular, másculos, membranas sinoviais e mucosas a partir de
estudos em cadáveres humanos.
50
Escolas médicas védicas, em 500 a.C., já sugeriam o controle da prole com base
no ciclo menstrual.
Os primeiros escritos da medicina hindu definidos com o Atharva-veda, onde, em
meio a mágicas e encantamentos, já aparecia uma lista de doenças e sintomas.
A medicina surgiu como um adjunto da mágica: o curador estudava a natureza
e usava um meio natural nas suas fórmulas; por fim passou a ter mais fé nos meios
naturais, embora conservando a mágico como auxiliar psicológico.
Apenso a Atharva-veda, temos o Ajur-veda ou Ayur-veda (conhecimento
da vida ou segredo da longevidade), um livro que estuda os mecanismos da saúde e
dos tratamentos e atribuída a doença à desordem dos princípios básicos do indivíduo
(doshas).
Atharva-veda enumera centenas de plantas medicinais e seus benefícios e
prega, de forma veemente, a água como melhor remédio para a maioria das doenças.
Da combinação do estudo dos fundamentos médicos e filosóficos anteriores
nos vedas surgiram dois grandes nomes da medicina hindu: Sushruta e Charaka.
Em Sushruta Samhita, escrita em sânscrito, é descrito um sistema de diagnóstico
e terapia emanado do professor Dhanvantari.
Sua obra trata de cirurgia, obstetrícia, alimentação, uso de drogas, higiene
infantil, educação médica e sanitária.
Por volta do ano 120, Charaka escreveu Samhita (enciclopédia) sobre medicina,
que circula até os tempos atuais. Ela menciona o uso de drogas anestésicas, cirurgias e
tratamentos de grande parte das doenças atualmente.
Tanto para Sushruta como para Charaka os recursos terapêuticos mais usados
eram a dieta, os banhos, as lavagens e as inalações associados ao uso de ervas.
O uso de vacinas foi relatado no ano de 550 em texto atribuído a Dhanwantari.
Os fundamentos da medicina hindu estão na filosofia. Alguns upanishads
revelam-se mais antigos que qualquer forma de filosofia grega chegada até nós.
Pitágoras e Platão parecem influenciados pela metafisica indiana.
Na filosofia indiana abrigam-se vários sistemas de pensamento, e o Samkhya é
o que dá base para o estudo médico.
51
A filosofia Samkhya tem sua criação atribuída a Kapila no século VI a.C., e ao que
parece é o mais antigo dos sistemas filosóficos hindus. Outros cinco sistemas dão base à
civilização e ao pensamento hindu: o nyaya, o vaisheshika, o yoga, o purvamimansa e
o vedanta, que marca o fim dos vedas, isto é, dos upanishads.
Kapila criou Samkhya a partir da contemplação e doestudo da natureza, bem
como das respostas no homem pela sua integração a ela, Para Kapila, pelo encontro de
prakriti (princípio físico) e purusha ("pessoa", "eu") tem-se o elo entre o material e o sutil
que habita todo indivíduo.
A realidade (prakriti), em Samkhya, dá-se pela percepção; são os sentidos e o
pensamento que dão realidade, forma e significação ao mundo; mas a força que move
toda essa ação está em purusha.
Todos os fundamentos da medicina védica se apoiam no sistema Sumkhya,
considerado materialista, mas que graças a essa característica a evolução de uma
ciência médica precisa e independente do domínio religioso, sem deixar de considerar
o lado sutil e etéreo do homem.
FONTE: MARINO, M. I.; DAMBRY, W. G. Ayurveda: o caminho da saúde. São Paulo: Gaia, 2014.
52
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• As características associadas aos elementos têm como objetivo desnudar e
desassociar qualquer correlação prévia com qualquer outro saber ancestral. Aprender
ayurveda requer que estejamos “vazios” de outros conhecimentos.
• Essas características e associar aos cinco grandes elementos é uma das principais
chaves para garantir o entendimento da mazela que aflige ao indivíduo e a escolha
do tratamento.
• Corpo e mente são dois lados da mesma moeda e que a mente também recebe
influência sutil e densa daquilo que acomete nosso corpo favorece o embasamento
do pensamento ayurvédico.
• Os atributos e as predominâncias de elementos na mente e no corpo transformam
tanto o corpo quanto a mente e alteram as características momentâneas do
indivíduo além de conferir a capacidade de identificar o elemento que requer ajuste
na terapêutica.
• Cada elemento ocorre na derivação do anterior habilita o entendimento e capacita a
mente para estabelecer as conexões futuras necessárias.
RESUMO DO TÓPICO 4
53
AUTOATIVIDADE
1 Guna é um atributo da natureza que deve ser associado aos elementos e às interações
que ocorrem entre eles. Em sânscrito, guna pode ser traduzido como “qualidade”,
“atributo”, “condição” ou “virtude”. Quanto ao elemento e seu guna predominante,
assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Devido à sua ação aguda e penetrante, a cocada, um alimento com característica
mais pitta, imediatamente traz sensações corporais, como calor, sudorese e
sensação de queimação na boca.
b) ( ) Aaakasheeya guna é a qualidade do elemento água.
c) ( ) O sthira guna reflete a estabilidade, o equilíbrio, tem a presença de terra.
d) ( ) O satwa é a qualidade que sempre cria ousadia.
2 Os panchamahabhutas são os cinco grandes elementos que formam o universo, logo
estão presentes em sua forma densa e sutil em tudo que compõe o que conhecemos.
Considerando as correlações dos panchamahabhutas com os seus respectivos
tanmatras, analise as afirmativas a seguir:
I- Karmendriyas são os órgãos de percepção do corpo humano: a boca, as mãos, os
pés e o ânus.
II- Objetivamente, a experiência do ouvido é o som, da pele é a percepção do tato, a
dos olhos é distinguir formas e cores, a da língua é o paladar, do nariz é a capacidade
de percepção de cheiros.
III- Objetivamente, a função da boca é se manter fechada, das mãos é segurar objetos,
dos pés é a locomoção, do ânus é a excreção de fezes e dos órgãos genitais é o
prazer.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 Os gunas se relacionam aos cinco grandes elementos, que são chamados de
qualidades excepcionais. Cada elemento apresenta qualidades que os determinam
em sua especificidade e esse traço nos auxilia identificar a presença ou ausência
desse elemento em determinadas situações. De acordo com nosso estudo, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
54
( ) Parthiva guna indica as qualidades do elemento terra.
( ) Vaayavya guna indica qualidades do elemento agni.
( ) Shabda guna bahula indica sua presença na audição.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 Ayurveda é um conhecimento ancestral que se ocupa em compartilhar a essência
do conhecimento da vida. Esse conceito é baseado em dois grandes princípios: o
primeiro é que o corpo e a mente são conectados, e o segundo é que a mente é
poderosa o suficiente para curar o corpo. Considerando o que estudamos, discorra
sobre a afirmativa: quando me refiro ao ayurveda como sendo a medicina tradicional
indiana, estou limitando seu alcance.
5 As quatro buscas humanas olham diretamente para tudo que nos move, demandas
e oportunidades, podemos nos referir a elas como os valores inerentes do universo; a
palavra purushartha significa “o propósito do ser”. Indique quais são as quatro buscas
humanas e discorra sobre cada uma delas e o porquê de elas serem consideradas
no ayurveda.
55
ALMEIDA, J. F. Índia, a maior democracia do mundo. Jornal de Negócios, Lisboa, 27
abr. 2021. Disponível em: https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/jorge-
fonseca-de-almeida/detalhe/india-a-maior-democracia-do-mundo. Acesso em: 19
jan. 2022.
AYRES, C. Ayurveda. O segredo das medicinas internas, [s. l.], c2020. Disponível
em: https://www.segredosdasmedicinasinternas.com/ayurveda. Acesso em: 20 jan.
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BROWN, C. M. The devi gita, the sing of the goddess. Delhi: Indian books Centre,
1999.
COUNTRY METERS. População da Índia, [s. l.], c2022. Disponível em: https://
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DHAWAN, S. Mother goddesses in early Indian religion. Delhi: National Publishing
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FEUERSTEIN, G. The yoga traditions. Chino Valley: Hohm Press, 1998.
FEUERSTEIN, G. A tradição do yoga. 2. ed. São Paulo: Pensamento, 2005.
FILME: PAD man. Direção de R. Balki. Produção de Anil Naidu, Hitesh Thakkar, Ravi
Sarin e Twinkle Khanna. Índia: Sony Pictures Entertainment Motion Group, 2018. 1 DVD
(140 min.).
FILME: O DISCÍPULO. Direção de Chaitanya Tamhane. Produção de Vivek Gomber. Índia:
Netflix, 2020. On-line (128 min.).
HART, L. G. A rapid sanskrit method. 5. ed. Nagar: Motilal Banarsidass, 2006.
ÍNDIA. In: INFOPÉDIA, Porto: Porto Editora, c2022. Disponível em: https://www.
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MARINO, M. I.; DAMBRY, W. G. Ayurveda: o caminho da saúde. São Paulo: Gaia, 2014.
MATTOS, V. Estude sânscrito, Rio de Janeiro, c2021. Disponível em: https://
estudesanscrito.com/. Acesso em: 14 jan. 2022.
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56
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SOUTHWORTH, F. Linguistic archaeology of South Asia. London: Routledge, 2004.
SRI, S. Tattvabodhah. 2. ed. Rio de Janeiro: Vidya Mandir, 2014.
SVOBODA, E. R. The greatness of Saturn: a therapeutic myth. Twin Lakes: Lotus,
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TINOCO, C. A. As upanishads do yoga. São Paulo: Madras, 2005.
TRISMEGISTO, H. Le kybalion. Paris: Yogi Publication Society, 1908.
57
ABHYANGA
UNIDADE 2 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• compreender a lógica do pensamento ayurvédico;
• conhecer as noções básicas de anatomia na visão do ayurveda;
• estudar a formação de cada dhatus e a dependência entre cada um;
• entender a importância dos updhatus e dos malas manifestados.
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – DOSHAS
TÓPICO 2 – AGNI
TÓPICO 3 – DHATUS
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
CHAMADA
58
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!
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59
TÓPICO 1 —
DOSHAS
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos o conceito e a aplicação do conceito
dos doshas na observação dos corpos e dos desequilíbrios que acometem os seres
humanos.
Serão considerados os corpos sutis e densos na visão do ayurveda e a função
de cada subdosha nos processos físico-químicos do corpo humano.
Por conseguinte, nosso estudo seguirá pela abordagem de agni (fogo) e,
além de sua definição, trabalharemos a sua importância nos processos de digestão e
transformação de pensamentos, emoções e alimentos físicos.
Após entendermos agni, estaremos aptos para adentrar no estudo da anatomia
do corpo humano, percorrendo os dhatus em sua essência e a importância na
manutenção da saúde geral, garantindo equilíbrio e longevidade.
2 DEFINIÇÃO
Os tridoshas são uma das principais chaves de entendimento e aplicação do
ayurveda e seus processos terapêuticos na prática. O equilíbrio deles é essencial para
a nossa saúde.
Dosha, além de sua definição etimológica, pode ser considerado uma grande
invenção, pois é uma plataforma dinâmica de observação da dança dos cinco grandes
elementos na trajetória de vida das pessoas.
Etimologicamente, ele significa “erro”, mas também pode ser definido como
um dos componentes do praṇa (energia vital) e que desempenha um papel causal na
fisiologia e na patologia.
Abrange a ampla gama de todo mundo vivo, podendo ser verificado em seres
animados e inanimados.
60
FIGURA 1 – OS ELEMENTOS E OS DOSHAS
FONTE: <https://shutr.bz/3vxVUFD>. Acesso em: 2 mar. 2022.
Os doshas têm uma ampla gama de funções e, embora sejam onipresentes, eles
se manifestam predominantemente em certos locais do corpo e são mais facilmente
percebidos nessas localizações. Quando praṇa (energia vital) se manifesta no corpo
humano, os três doshas – vata, pitta e kapha – se manifestam e assumem as funções
fisiológicas sob sua responsabilidade. A partir do momento que a eles se atribuiu essa
nomenclatura, ocorre a definição dos tridoshas, ou seja, os três doshas.
De acordo com o ayurveda, o primeiro requisito para curar a si mesmo e aos
outros é uma compreensão clara dos três doshas. O conceito de vata-pitta-kapha é
exclusivo do ayurveda, no entanto, ele não tem uma tradução literal para facilitar seu
entendimento; então, convido você a mergulhar nos conceitos que se seguem.
Vata tem por princípio o movimento, aquilo que se move. Portanto, até pode
ser entendido como o princípio do vento no corpo, todavia o elemento vento ou ar na
atmosfera não é o mesmo que o ar no corpo. O ar corporal, ou vata, pode ser caracterizado
como a energia sutil que governa os movimentos fisiológicos. Esse princípio biológico de
movimento engendra todas as mudanças sutis no metabolismo.
Vata é formado por dois elementos: espaço vazio e vento. É responsável, por
exemplo, pela respiração, pelo piscar das pálpebras, pelos movimentos nos músculos
e tecidos, pelas pulsações no coração, pelos peristaltismos, por toda expansão e
contração, pelos movimentos do citoplasma, das membranas celulares e dos impulsos
únicos nas células nervosas. Vata também dirige os sentimentos e as emoções, como
contentamento, nervosismo, medo, ansiedade, dor, tremores e espasmos. O intestino
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grosso, a cavidade pélvica, os ossos, a pele, as orelhas e as coxas são seus lugares
favoritos no corpo. No entanto, se o corpo desenvolver um excesso de vata, ele se
acumulará inicialmente nessas áreas.
Pitta pode ser traduzido como “fogo”, embora esse não seja seu significado.
O fogo de uma vela ou de uma lareira pode ser visto, no entanto a energia do calor
corporal, o pitta-dosha, que se manifesta como metabolismo, não é visível dessa forma.
Pitta rege a digestão, a absorção, a assimilação, a nutrição, a metabolização, a
expressão da temperatura corporal, a coloração da pele, o brilho dos olhos, a inteligência
e a compreensão. Na mente e nas emoções, o pitta desperta raiva, ódio, ciúme, ousadia,
paixão, coragem. O intestino delgado, as glândulas sudoríparas, o sangue, os olhos e a
pele são seus lugares favoritos no corpo humano. O pitta é formado pelos elementos
fogo e água.
Quanto ao kapha, pode ser atribuído aos líquidos corporais, sendo formado
pelos elementos terra e água. Ele é a amálgama dos elementos no corpo, pois fornece
o material para a estrutura física. Esse dosha mantém a resistência e a estabilidade do
corpo. A água é o principal constituinte do kapha, líquido responsável fisiologicamente
pela força biológica e pela resistência natural dos tecidos do corpo.
Assim, o kapha lubrifica as articulações e fornece hidratação à pele: ajuda a
curar feridas, preenche os espaços do corpo, dá força biológica, vigor e estabilidade,
caracteriza a capacidade de memorização, dá energia ao coração e aos pulmões e
mantém a imunidade. Ele está presente no peito (sede do kapha), na garganta, nos seios
da face, no nariz, na boca, no estômago, nas articulações, no citoplasma, no plasma e
nas secreções líquidas do corpo, como o muco. Na mente e nas emoções, é responsável
por apegos, ganância, inveja, calma, perdão e amor.
3 O CORPO DENSO E OS DOSHAS
Neste momento, passaremos a usar uma lente de aumento na observação e
verificação dos doshas, dos cinco grandes elementos e dos gunas nos corpos físicos.
É importante lembrar que essas descrições refletem o aspecto puro de cada dosha,
porém nenhuma constituição individual é composta apenas por um único elemento.
Cada ser humano é uma combinação dos três doshas, que se estabelecem pela
combinação em pares dos cinco grandes elementos – naturalmente, há uma tendência
predominante para um ou mais doshas.
Portanto, tenhamos a devida paciência e agucemos nossa capacidade de
observação a fim de não tirar conclusões precipitadas e definitivas sobre si mesmo ou
outrem com base nessas descrições fundamentais.
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Os tridoshas – vata, pitta e kapha – são determinados em nossa vida no exato
momento da nossa concepção, no útero de nossa mãe. O bebê recebe as características
de pai e da mãe na proporção de 50% de cada um. Essa constituição é o que chamamos de
prakrti e sattva, rajas e tamas, que são os gunas da mente, ou seja, as características
mentais, que também já compõem a mente desse bebezinho.
Então, a predominância de determinados doshas se dá pelo que recebemos
dos nossos pais na concepção. A quantidade distrubuída de elementos pelo corpo do
indivíduo é o que determinará a predominância do dosha, por exemplo: podemos ter um
bebê que receba 70% de vata, 20% de pitta e 10% de kapha, bem como podemos ter outro
bebê que apresente 30% de vata, 30% de pittae 40% de kapha.
Há outro elemento importante a ser considerado agora, afinal já falamos dos
doshas do corpo e dos gunas da mente e do corpo: toda mente tem dois doshas (rajas
e tamas), que compartilham as mesmas características e funções dos gunas, com a
diferença de que sattva não é considerado um dosha da mente.
De acordo com o Capítulo 1 do livro Ashtanga Hrdaya – Sutrasthana (VAGBHATA,
1939, p. 5):
वायुः पित्तं कफश्चेति त्रयो दोषाः समासतः॥६॥
विकृताविकृता देहं घ्नन्ति ते वर्तयन्ति च ।
ते व्यापिनोऽपि हृन्नाभ्योरधोमध्योर्ध्९ााभ्योरधोमध्योर्ध्वसंश्र्ध्वसंश्थ
vāyuḥ pittaṃ kaphaśceti trayo doṣāḥ samāsataḥ||6||
vikṛtāvikṛtā dehaṃ ghnanti te vartayanti ca |
te vyāpino'pi hṛnnābhyoradhomadhyordhvasaṃśrayāḥ||7||
Vata, pitta e kapha são os três doshas do corpo.
Um equilíbrio perfeito de três doshas leva à saúde e seu desequilíbrio
leva a doenças.
Os tridoshas estão presentes em todo o corpo, mas sua presença é
vista especialmente em partes específicas.
Se o corpo humano for particionado em três, teremos a seguinte divisão de
predominância dos doshas:
• do umbigo para cima, o regente é o kapha;
• do umbigo para baixo até o início da crista ilíaca, o responsável é o pitta;
• da crista ilíaca até a sola dos pés, temos o domínio do vata.
Lembrando que, como citamos anteriormente, o corpo todo tem a manifestação
dos três doshas, sendo que o equilíbrio sistêmico dos doshas manifesta o estado de
saúde em um indivíduo e, consequentemente, seu desequilíbrio manifesta muitas
doenças.
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Esse desequilíbrio pode ocorrer por aumento de um dos doshas, seja uma
diminuição, seja uma estagnação, ou ainda por todas essas ocorrências juntas – nesse
caso, todas as funções e responsabilidades deles serão afetadas, conduzindo o corpo e
o indivíduo ao sofrimento.
As manifestações equivocadas podem abranger doshas, cinco elementos
especificamente, além da ação e reação dos gunas na expressão do desequilíbrio. Um
bom exemplo disso é quando pitta invade as regiões de vata, momento em que há uma
grande chance de o indivíduo manifestar processos inflamatórios.
Acadêmico, sempre que um dosha se vicia, é um fator determinante para
alguma doença. Portanto, é muito importante desenvolver a habilidade de
perceber qual dosha ou qual elemento está perturbado.
IMPORTANTE
Nosso corpo pode ser considerado como o microcosmo do universo, em que o
universo é o macrocosmo. O homem, sendo observado como microcosmo, facilita nossa
percepção da presença dos cinco grandes elementos, que também estão presentes em
toda matéria animada ou inanimada.
O corpo humano apresenta regiões e órgãos com espaços, canais e orifícios
que são manifestações do elemento espaço vazio (akasha), que é o primeiro elemento
cósmico. Podemos citar como exemplos a boca, o nariz, o trato gastrointestinal, o trato
respiratório, o tórax, os vasos capilares, o tecido, as células etc. Esse espaço propicia a
manifestação por intermédio do movimento do elemento vento (vayu).
O vento é o segundo elemento cósmico, aquele que movimenta a si e aos
demais elementos dentro do corpo humano.
Vayu é percebido nos movimentos maiores dos músculos, nas pulsações do
coração, na expansão e contração dos pulmões, nos peristaltismos das vísceras etc. Sob
um microscópio, mesmo células isoladas podem ser vistas se movendo, e a resposta
a qualquer estímulo é o movimento dos impulsos nervosos aferentes e eferentes, que
são os sensoriais e motores. Todos os movimentos do sistema nervoso central são
governados pelo vento corporal.
O terceiro elemento é o fogo (agni). A fonte do fogo e da luz no sistema solar é o
Sol. No corpo humano, sua fonte é o metabolismo.
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Agni funciona no sistema digestivo e nos impulsos elétricos de nossas células
cerebrais. Ele se manifesta como inteligência e ativa a retina, que percebe a luz, expressa
a temperatura corporal, a digestão, os processos de pensamento e transformação
desses pensamentos em ideias, a visão etc., sendo funções do fogo corporal. Todo o
metabolismo e todos os hormônios e os sistemas enzimáticos são controlados por esse
elemento.
A água (jala) é o quarto elemento importante no corpo. Ela se manifesta nas
secreções dos sucos digestivos, nas glândulas salivares, nas membranas, nas mucosas,
no plasma e no citoplasma. É absolutamente vital para o funcionamento dos tecidos,
órgãos e vários sistemas corporais, por exemplo: a desidratação resultante de diarreia
e vômito deve ser tratada imediatamente para proteger a vida do indivíduo. A água
corporal é chamada de água da vida.
A terra (prithvi) é o quinto e último elemento do cosmos que está presente no
microcosmo. A vida só é possível dessa forma, pois a terra mantém todas as substâncias
vivas e não vivas em sua superfície sólida. No corpo, as estruturas sólidas vestem a pele,
os ossos, o cabelo, a cartilagem, os músculos e os tendões, sendo derivados de prithvi.
Assim como a natureza contempla e protege toda a vida em sua forma serena,
os doshas também sustentam o corpo e contribuem para a boa saúde quando estão em
equilíbrio — por isso que é tão importante estabelecer rotinas de autocuidado.
Costumamos dizer que ayurveda é uma ferramenta de autoconhecimento por
meio da observação e do cuidado do próprio corpo. Para entendermos melhor essa
afirmação, vamos entender o que ele significa: ayurveda é uma palavra do sânscrito
composta por outras duas palavras: ayu, que é “vida”, e veda, que é “conhecimento”.
Então, etimologicamente, ayurveda está mais para a biologia – que também é uma
palavra grega, sendo formada por outras duas palavras: bio, sendo “vida”, e logos, sendo
“conhecimento”.
Considerando essa percepção, o ayurveda está além da medicina, sendo muito
mais que um sistema médico, e um dos seus grandes objetivos é conduzir o indivíduo à
vida plena, com contentamento e discernimento na mente, a fim de que todos possam
fazer escolhas coerentes que os conduzam ao fim da história pessoal sem decrepitudes.
4 OS TRÊS DOSHAS
Vata, pitta e kapha existem em uma proporção definida. Ocorrendo qualquer
variação na proporção, a saúde declina proporcionalmente a essa queda, e a vida é
prejudicada. Se a proporção fixa for mantida (prakrti), esses doshas constroem os
diferentes tecidos do corpo e tonificam o sistema.
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Embora vata, pitta e kapha permeiem todo o corpo e estejam em estado de
difusão, existem centros especiais para eles.
O agni é intensificado ou perde sua intensidade se a proporção definida de
qualquer um dos doshas for alterada. Ele é o responsável pela capacidade digestiva
de cada um dos doshas e pela capacidade digestiva de cada um dos cinco grandes
elementos.
Logo, os tridoshas são compostos dos cinco ingredientes (chamados de
mahabhutas). Eles têm cores diferentes, perceptíveis pelas secreções do corpo, agem
de formas grosseiras no abdômen e na forma sutil em todo o corpo, circulam por todo o
organismo após a absorção e nutrem os sete tecidos e agem sobre os alimentos durante
a digestão.
Dieta correta, exercício, asanas (posturas de yoga) e pranayama (exercícios
respiratórios) mantêm os doshas saudáveis e em proporção adequada. Essa magnífica
forma de entender e visualizar a vida é aplicável em qualquer situação e estágio da
nossa existência.
Observar a expressão dos três doshas por meio da energia de seus atributos
(gunas) nos confere um grande trunfo.
Após o nosso nascimento, adentramos na fase kapha e permanecemos nela
até os 16 anos, quando se inicia nosso período de aclimatação da puberdade para a
idade adulta. Na idade adulta, que segundo o ayurveda se manifesta a partir dos 21
anos, adentramos na fase pitta e permanecemos até os 60 anos, quando novamente
entramos no período de aclimatação da idade adulta para a velhice. A velhice se
manifesta efetivamente a partir dos 65 anos e perdura até o fim da nossa vida, fase
chamada de vata.
Então, os doshas não apenas governam áreas específicas do corpo e seu
funcionamento como também regulam o desenvolvimento físico e psicológicode vários
estágios da vida.
Assim como dividimos o corpo em três segmentos distintos de acordo com a
influência dominante de um determinado dosha, também podemos dividir nosso tempo
de vida.
A fase em que o estágio inicial do desenvolvimento humano é caracterizado
pela nutrição e pelo crescimento do corpo é chamada de idade kapha, pois algumas
das principais qualidades desse dosha é acrescentar, nutrir e fazer crescer. É por causa
dessas qualidades que as crianças continuam a crescer e acumular massa corporal,
independentemente do que comem. Elas naturalmente têm uma grande quantidade de
tecido, que também é característico de kapha. Durante esses primeiros anos, distúrbios
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relacionados ao kapha – como resfriados, sinusite, alergias, infecções de ouvido e
respiratórias – são as doenças mais comuns. Observe que todas elas ocorrem dentro da
zona kapha do corpo.
O estágio pitta se inicia na puberdade, quando notamos que o potencial de
crescimento corporal é subitamente convertido em potencial reprodutivo, e o aumento
de massa e o tamanho do corpo começam a desacelerar. O organismo desenvolve
características sexuais distintas, e o shukra dhatu (tecido reprodutor) torna-se ativo,
gerando sêmen no homem e óvulo na mulher. A qualidade transformadora desse
estágio continua a se manifestar até a meia-idade, mas, após a puberdade, ela segue
uma natureza mais psicológica.
Durante esses anos pitta, o aumento do "fogo" dá ambição, competência,
energia e motivação das pessoas para alcançar seus objetivos e superar obstáculos.
Vemos principalmente distúrbios relacionados à pitta surgindo durante esse tempo,
incluindo problemas de pele, alergias alimentares, hiperacidez e distúrbios digestivos.
Por fim, o vata se manifesta com mais ímpeto na meia-idade, quando percebemos
que algo novo está surgindo para a mente e o corpo. Nossos impulsos começam a
diminuir, a pele fica seca e enruga, o corpo fica mais frágil e pode perder peso, os
músculos começam a perder um pouco de seu tônus e sua flexibilidade, os cabelos
afinam e se tornam grisalhos. O sistema está começando a sentir os efeitos da secagem,
separação e imobilização do vata dosha. A influência do vata traz uma tendência natural
à desidratação: os tecidos desaparecem, e os ciclos naturais da atividade metabólica
são interrompidos.
As doenças que mais frequentemente aparecem nos distúrbios relacionados
à vata são insônia, depleção sensorial (perda de audição e visão enfraquecida), perda
de memória, ansiedade, variação de humor e disposição, problemas degenerativos e
neurológicos. Para prevenir desequilíbrios e doenças dóshicas, esse estágio exige que
prestemos muito mais atenção à dieta e ao ciclo de vida do que durante o primeiro
estágio da vida.
Todos os seres vivos, sem exceção, crescem, se reproduzem e morrem, sendo
que essa afirmação vale para o reino vegetal, animal e humano.
Agora, podemos considerar essa influência dos três doshas na compleição dos
corpos humanos.
As pessoas que têm predominância vata são geralmente mirradas: o peito é
plano, as veias e os tendões musculares aparentes são visíveis. A tez é azeitonada, a
pele é fria, áspera, seca e rachada, podendo ser muito altas ou muito baixas, revelam
articulações e extremidades ósseas proeminentes devido ao desenvolvimento muscular
deficiente.
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O cabelo é crespo, seco, ralo e escasso, os cílios são finos e os olhos sem brilho,
podendo ser afundados, pequenos, secos, hiperativos e a conjuntiva é seca e opaca. As
unhas são ásperas e quebradiças. A forma do nariz é pouco harmoniosa, dando ar de
austeridade à face. Fisiologicamente, o apetite e a digestão são variáveis. As pessoas
vata anseiam por sabores doces, azedos e salgados, e gostam de bebidas quentes.
A produção de urina é escassa, e as fezes são secas, duras e em pequena
quantidade. Tendem a transpirar menos do que outros doshas. Seu sono pode ser
perturbado e dormem menos do que os outros dois doshas. As mãos e os pés costumam
estar frios. São pessoas criativas, ativas, alertas e inquietas, falam e andam rápido e
cansam facilmente.
Psicologicamente, têm memória parca, mas são rápidas no raciocínio e na
compreensão mental, entendem algo imediatamente, mas esquecem. Apresentam
pouca força de vontade, tendem à instabilidade mental e têm pouca tolerância,
autoconfiança e ousadia, são nervosas, medrosas e afligidas por muita ansiedade.
Cada tipo constitucional também exibe certos padrões nas interações com o ambiente
externo. Tendem a ganhar dinheiro rapidamente e a gastá-lo também rapidamente.
Assim, tendem a permanecer pobres.
Já as pessoas pitta são de estatura mediana, esbeltas e a estrutura corporal
pode ser delicada. Seu peito não é tão plano quanto os das pessoas vata e mostram uma
proeminência média de veias e tendões. Têm sardas, que são azuladas ou vermelho-
amarronzadas, os ossos não são tão proeminentes como no indivíduo vata.
O desenvolvimento muscular é moderado, e sua tez pode ser acobreada,
amarelada, avermelhada ou rosa-clara. A pele é macia, quente e bem hidratada, o cabelo
é fino, sedoso, vermelho ou acastanhado e há uma tendência para o envelhecimento
prematuro e para a perda do cabelo. Os olhos podem ser acinzentados, verdes ou cor de
cobre, com o olhar penetrante, cujos globos são de proeminência média. A conjuntiva é
úmida e quente, são aqueles olhos claros com ternura, as unhas são macias e fortes. A
forma do nariz é afilada e a ponta tende a ser avermelhada.
Fisiologicamente, essas pessoas têm um metabolismo forte, com boa digestão e
apetite voraz, ingerem grandes quantidades de água e alimentos líquidos, pois têm muita
sede. Os tipos pitta têm um desejo natural por sabores doces, amargos e adstringentes,
e amam bebidas geladas. Seu sono é de duração média, mas ininterrupto e profundo.
Produzem um grande volume de urina, e as fezes são amareladas. Há uma tendência à
transpiração excessiva, e a temperatura do corpo pode ficar um pouco alta e as mãos
e os pés tendem a ficar quentes e úmidos. Não toleram a luz do sol, se queimam com
facilidade, seja com o calor, seja com o trabalho árduo. Psicologicamente, as pessoas
pitta têm um bom poder de compreensão, são muito inteligentes e perspicazes,
tendendo a ser boas narradoras, com tendências emocionais para o ódio, a raiva e o
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ciúme. São arbitrárias e geralmente gostam de ser líderes. Apreciam a prosperidade
material e tendem a ser moderadamente bem-sucedidas financeiramente, gostando de
exibir sua riqueza e suas posses luxuosas.
As pessoas de constituição kapha têm corpos bem desenvolvidos; no entanto,
há uma forte tendência para sofrerem com oscilação de peso e obesidade. Seu peito é
amplo e largo, as veias e os tendões não são aparentes por causa de sua pele grossa e
sua massa muscular, e os ossos não são proeminentes. Sua tez é clara e brilhante, com
pele macia, lustrosa, oleosa, fria e pálida. O cabelo é grosso, escuro, macio e ondulado,
os olhos são densos, sendo castanhos bem escuros ou azuis, a esclera é geralmente
muito branca, brilhante, grande e atraente.
Fisiologicamente, as pessoas kapha têm apetite regular, a digestão funciona
de forma relativamente lenta. Tendem a se mover lentamente, anseiam por alimentos
pungentes, amargos e adstringentes, as fezes são moles e podem ser de cor pálida,
e a evacuação é lenta. Sua transpiração é moderada. O sono é bom e prolongado. Há
uma forte capacidade vital evidenciada pela boa resistência e geralmente são muito
saudáveis, naturalmente felizes e tranquilas. Psicologicamente, tendem a ser pessoas
tolerantes, calmas, conciliadoras, perdoam com facilidade e são amorosas, no entanto
também exibem traços de ganância, apego, inveja e possessividade. Sua compreensão
e seu raciocínio são lentos, mas definitivos: uma vez que entendem algo, esse
conhecimento é retido e memorizado. Tendem a ser ricas, ganham dinheiro e são boas
em mantê-lo.
5 OS 15 SUBDOSHAS
De acordo com a sabedoria ayurveda, nosso corpo e suasfunções são governados
por uma mistura única dos três doshas – vata, pitta e kapha. Dentro de cada um dos três
doshas, funcionam mais cinco subdoshas e eles são responsáveis por supervisionar e
executar ações, gerenciar órgãos e emoções específicas. O desequilíbrio relativo dessas
subcategorias tende a ser a causa raiz das doenças e mazelas que judiam do corpo e
da mente.
5.1 VATA DOSHA
Muitas vezes, é conhecido como dosha rei. Em nossa fisiologia, vata é composto
de espaço vazio e vento, sendo responsável pelo movimento, pela ação (karma), pelo
transporte, pela inspiração e pelo entusiasmo. Ele realmente governa toda a nossa
fisiologia, ou seja, sem o vata os outros dois doshas não podem se mover e exercer suas
funções. Assim, aonde quer que o vata vá, o pitta e o kapha o seguem – por isso que é
tão importante mantar vata e seus subdoshas em equilíbrio.
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5.1.1 Prana vata
Governa o cérebro, a cabeça, os pulmões e o coração, sendo responsável pelas
percepções sensoriais, pela inalação, pelos batimentos cardíacos, pela ingestão de
alimentos sólidos ou líquidos, pelo tossir, pelo cuspir, pela felicidade, pelo contentamento,
além de governar a conexão mente-coração. Prana, nesse contexto, pode ser também
traduzido como “energia vital” ou “respiração que entra”. Em desequilíbrio, traz falta de
ânimo para viver e descrença.
5.1.2 Udana vata
É responsável pela região do peito, se move para cima, do umbigo para cima,
em direção aos pulmões, ao coração, à garganta e chega ao cérebro. Causa o despertar
da energia, da ativação da mente, da fala e da respiração, especialmente do exalar.
A exposição ao frio causa o desequilíbrio nesse upadosha (subdosha), assim como
alimentos crus, secos e amargos. Esses sinais de desequilíbrio podem ser observados
em problemas respiratórios, aperto no peito, congestão, rouquidão, desconforto na
garganta, gagueira, indecisão e inabilidade em se expressar corretamente. Udana
significa “para cima”.
5.1.3 Vyana vata
Regula a circulação e o coração, representando a consciência, pois o coração
é a sede da consciência e do amor incondicional. Vyana circula por todo o corpo por
intermédio do tecido sanguíneo (rakta dathu) e por isso também controla as emoções,
os impulsos nervosos, motores e sensoriais, a contração e o relaxamento muscular.
Pode ser traduzido como “selvagem” ou “primal”. Em desequilíbrio, traz abrupta alteração
de humor, bradicardia, taquicardia, embotamento dos sentidos e fraqueza muscular.
5.1.4 Apana vata
Tem sua sede no intestino grosso. Lembrando que vata se relaciona ao espaço
vazio e ao vento, esse upadosha (subdosha) governa toda a cavidade pélvica, incluindo
os órgãos reprodutores. Sua direção é para baixo, do umbigo para baixo, fortalecendo a
musculatura abdominal e favorendo os peristaltismos pélvicos, governando a liberação
ou constrição de urina, fezes, sangue menstrual, ejaculação, qualidade do sêmen,
concepção, parto etc. Apana significa “respiração que sai”. Em desequilíbrio, pode
causar constipação ou diarreia, questões menstruais e aquelas referentes à ejaculação.
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5.1.5 Samana vata
Governa os órgãos digestivos e de todos que se encontram baixo do peito
e acima do umbigo: estômago, intestino delgado e uma parte do intestino grosso,
fígado, pâncreas, baço e vesícula biliar. Ele representa agni (fogo digestivo), sendo
responsável não apenas por digerir como também separar os nutrientes em nosso trato
digestivo. Sua direção é em espiral. Ele separa o que deve ser absorvido e o que deve
ser excretado. Quando se desequilibra, podemos observar indigestão, por exemplo.
Significa “homogêneo”.
QUADRO 1 – SUBDOSHAS DE VATA
FONTE: A autora
Subdosha
de vata
Significado Direção Atribuições Desequilíbrio
Prana "Energia vital"
De fora do corpo
para dentro do
corpo
Equilíbrio da mente,
do coração e dos
pulmões, acuidade
sensorial, inspiração
de ar
Perda de ânimo de
viver e descrença
Udana "Para cima"
Para cima por
meio da boca
Fala, exalação de ar,
ativação do cérebro
Gagueira, indecisão,
rouquidão
Vyana "Selvagem"
Movimento
descendente
e ascendente
com a circulação
sanguínea
Coordenação
motora, contração
e relaxamento
muscular
Alteração de humor,
fraqueza muscular,
embotamento dos
sentidos
Apana
"Respiração
que sai"
Do umbigo
para baixo
Força pélvica,
excreções
Problemas sexuais,
menstruais e intestinais
Samana “Homogêneo" Em espiral Digestão
Problemas digestivos
e de absorção
Observando a ideia concatenada de vata e seus cinco subdoshas, percebemos
que a função de cada um, de fato, é a respiração. Os cinco se tratam exclusivamente
de movimentos que devem ocorrer com sentido, direção e força corretos. Assim,
conseguimos entender a importância na respiração na vida de qualquer ser humano.
5.2 PITTA DOSHA
Tem tudo a ver com transformação, calor e energia, representando todas as
formas de atividades metabólicas que geram energia. É composto principalmente
de elementos agni (fogo) e jala (água). É aquela qualidade evolutiva e em constante
mudança de nossa fisiologia, que pode parecer estática às vezes, mas está passando por
transformações a cada segundo. As pessoas costumam associar pitta ao fogo digestivo
e à digestão, mas, como veremos, também governa outros sistemas.
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5.2.1 Sadhaka pitta
Governa o cérebro e o coração, estando associado à digestão de emoções, às
experiências de vida e ao manejo de estresse. Ele nos ajuda a alcançar as coisas que
desejamos, energizando a mente, o intelecto e o ego, portanto esse pitta é importante
para enriquecer as qualidades da própria consciência interior. Mantém a mente alerta,
desperta e limpa tamas (escuridão) ao redor do coração. O cérebro e o coração estão
intimamente ligados e, quando sadhaka pitta está desequilibrado, impede o florescimento
da felicidade no coração.
Pessoas com desequilíbrio de sadhaka pitta podem ter a tendência de
experimentar ondas de emoções de maneiras diferentes. É difícil de liberarem e
expressarem as emoções ou apenas lidar com elas. Na prática, chamamos isso de
ama emocional ou emoções não digeridas. A psicologia reichiana se refere a essa
situação como as couraças que armazenamos em nosso corpo por não manifestar
nossas emoções. Significa “verdade”.
5.2.2 Alochaka pitta
Governa o sentido da visão e os olhos, incluindo o funcionamento dos bastonetes
e dos cones dentro da retina. A palavra sânscrita alochaka – derivada de lochana,
que significa "olhos" – se traduz em “aquilo que vê ou analisa”. Embora esse subdosha
influencie amplamente os órgãos da visão e seu funcionamento geral, também tem
influências mais sutis. Em um significado mais profundo, alochaka pitta também é
entendido como tendo essa qualidade distintiva de ver o que é certo e o que é errado.
Dá clareza, compreensão e luz, ou seja, discernimento. Aqueles que têm problemas com
esse subdosha podem não entender claramente uma pessoa ou uma situação. Sendo
governados por pitta, os olhos são de natureza muito agneya (ardente) e é por isso que
a ayurveda recomenda evitar qualquer exposição de calor aos olhos. Quando esse pitta
está fora de equilíbrio, podem surgir problemas como visão fraca e infecções oculares
recorrentes.
5.2.3 Bhrajaka pitta
Governa o local do sentido do tato, portanto, rege a pele, o maior órgão do corpo.
O bhrajaka pitta governa essa cobertura externa e interna de todo o corpo, que fornece
proteção, ajuda a circulação, regula a temperatura e enfrenta todos os estímulos externos
e internos. Como parte mais externa do nosso corpo, a pele é a primeira resposta ao
ambiente, seja garoa, Sol quente ou clima seco e árido, pois é por meio desse órgão
que experimentamos todas essas sensações. Em uma fina camada de pele, existem
muitas estruturas, como capilares, glândulas sebáceas, folículos pilosos etc., que ajudam
a manter a umidade, proporcionam brilho, regulam o calor e mantêm a cor. Quando
72
esse subdosha está desequilibrado, dependendoda predominância do dosha de uma
pessoa (prakriti) ou de qualquer desequilíbrio, pode levar a vários problemas de pele.
Significa “brilho”.
5.2.4 Ranjaka pitta
Está localizado nos órgãos internos, que são responsáveis pela formação do
plasma e das células sanguíneas, e sua circulação pelo fígado, baço, estômago e coração.
Em sânscrito, ranjaka significa “aquele que tinge”. Esse subdosha transforma rasa
dhatu (plasma) em rakta dhatu (sangue).
Embora esse subdosha seja amplamente entendido como o componente
heme do sangue, que é responsável por sua cor, ele também é responsável por todos
os diferentes pigmentos da fisiologia – seja a coloração dos líquidos intestinais, da urina,
dos olhos, do cabelo e a compleição da pele. Em desequilíbrio, altera a cor da pele e
das excreções do indivíduo.
5.2.5 Pachaka pitta
Governa o estômago, mas também está localizado em todas as partes do canal
alimentar onde ocorre o processo de digestão. Como o ayurveda considera a digestão
a causa raiz da boa saúde e, inversamente, do desequilíbrio, é o mais importante dos
subdoshas. As pessoas tendem a associá-lo principalmente à digestão, pois pachaka pitta
significa “aquilo que digere” e definitivamente governa aquele aspecto do fogo digestivo –
jaṭharagni ou pachaka agni –, que é o responsável principal pela maior parte da digestão
dos alimentos que comemos.
Também rege as enzimas, como a ptialina em nossa saliva, até a assimilação
final e a excreção de nutrientes no intestino delgado. Em desequilíbrio, permite que
os nutrientes de nossa comida às vezes sejam processados de forma inadequada,
assumindo a forma de ama (produto não digerido).
73
QUADRO 2 – SUBDOSHAS DE PITTA
FONTE: A autora
Subdosha
de pitta
Significado Direção Atribuições Desequilíbrio
Sadhaka "Verdade"
Cérebro e
coração
Estimulação dos
desejos e das
intenções
Dificuldade em lidar e
expressar emoções
Alochaka "Olhos" Olhos e visão
Discernimento
sobre o que é visto
Problemas gerais
de visão
Bhrajaka "Brilho" Pele Percepções táteis
Alergias e problemas
de pele
Ranjaka "Tingir"
Fígado, baço,
estômago e
coração
Transformação
de rasa dhatu em
rakta dhatu
Alteração de cor nas
excreções e na pele
Pachaka
"Aquilo que
digere"
Canal alimentar e
estômago
Digestão dos
alimentos
Produção de ama
Ao observarmos e analisarmos pitta e seus subdoshas, somos capazes de
entender a importância do discernimento. Existem muitas divindades no panteão
hindu e cada uma tem um animal que auxilia sua locomoção e em sua comunicação,
especialmente com os homens. Uma dessas deusas, chamada Saraswati, que é a deusa
da música e do conhecimento, tem um cisne como animal de transporte. Esse animal
também é associado à capacidade de discernimento, pois é dito que, se oferecermos
leite e água misturados para essa ave beber, ela beberá apenas a água, deixando no
pote somente o leite. Ter esse discernimento significa aprimorar nossas habilidades de
conhecimento: tendo ciência, saímos da área da ignorância, que também é atribuída
à escuridão. Logo, pitta e seus subdoshas podem ser considerados como a luz do
conhecimento. O fogo (pitta) se alimenta com oxigênio (vayu) que, quando errático,
pode causar grandes incêndios.
Você se lembra que anteriormente comentamos sobre a interdependência dos
doshas? Pois bem, o quebra-cabeça está recebendo mais peças, e as imagens em nossa
mente começam a ficar claras.
5.3 KAPHA DOSHA
De modo geral, o kapha tem uma qualidade de ligação no corpo e governa
a estrutura, lubrificação e nutrição. Ele modera peso, crescimento, lubrificação dos
pulmões e formação dos sete tecidos: fluidos nutritivos, sangue, gordura, músculo, osso,
medula e tecido reprodutivo. Também tem uma influência refrescante. Como os outros
dois doshas, kapha contém cinco subdoshas distintos que regulam regiões e processos
corporais específicos. Entendê-los nos ajudará a obter percepções sobre as nuances
sutis da influência do kapha dosha na mente, no corpo e nas emoções.
74
5.3.1 Tarpaka kapha
Está localizado na cabeça e nutre todo o sistema nervoso. O cérebro humano é
o centro do sistema nervoso, onde todos os nervos sensoriais e motores surgem, sendo
responsável por lidar com todos os órgãos dos sentidos e da ação – indriyas. O tarpaka
kapha fornece lubrificação aos tecidos cerebrais e, com a perspectiva ocidental, muitas
vezes está correlacionado com o líquido cefalorraquidiano.
Quando está em desequilíbrio, esse subdosha pode levar a uma falta de clareza
na mente, prejudicando a aprendizagem, os reflexos e o raciocínio, assim como memória
enfraquecida e problemas emocionais, como irritabilidade, raiva, ganância e inveja. A
palavra sânscrita tarpaka significa “aquele que sacia ou nutre”.
5.3.2 Bodhaka kapha
Está localizado principalmente na boca, na língua, na região da garganta e na
raiz da língua. Como a língua é o órgão do sentido do paladar, esse subdosha também
está conectado ao lobo parietal do cérebro, que processa os sabores. Como sabemos,
a consciência é primordial em tudo – sem essa qualidade diferenciadora em relação à
consciência é impossível para o bodhaka kapha agir. Portanto, esse subdosha atua não
apenas no nível físico da saliva e das enzimas como também em um nível mais profundo
de inteligência. É responsável pela qualidade da voz e é muito sensível às oscilações das
emoções.
Quando está desequilibrado, esse subdosha faz o processo de digestão ser
perturbado em seus estágios iniciais. A regulação da saliva é interrompida, o que diminui
a produção de enzimas, e a qualidade da voz e da fala também pode ser prejudicada.
A palavra bodhaka significa “conhecimento”, e esse subdosha é responsável pela
inteligência sutil necessária para identificar corretamente os sabores.
5.3.3 Avalambaka kapha
Mantém os órgãos na parte superior ou na região do tórax do nosso corpo. Estas
estruturas são a localização de avalambaka kapha: os pulmões e as suas estruturas
internas, as camadas que cobrem os pulmões, a traqueia, os brônquios e o pericárdio, que
é a pele fibrosa que envolve o coração. Os pulmões se expandem e contraem à medida
que respiramos, e esse subdosha entre as camadas pleurais fornece a lubrificação e a
nutrição. O coração também funciona continuamente.
Para fazer funcionar todo esse mecanismo sem problemas, o avalambaka kapha
nas camadas pericárdicas desempenha um papel vital, tanto no nível emocional quanto
no físico. Pense em como o padrão respiratório de uma pessoa se modifica quando ela
75
está em perigo ou como um choque repentino na mente pode levar a dores no peito ou
problemas cardíacos. Quando está desequilibrado, podem surgir problemas nos pulmões
e no coração. A palavra avalambaka significa “segurar”.
5.3.4 Kledaka kapha
Está localizado na parte superior do estômago e no revestimento interno
das paredes estomacais. É responsável pelas secreções que auxiliam o processo de
digestão do alimento. No processo de digestão, os alimentos precisam ser umedecidos
e amolecidos para se decomporem adequadamente e avançarem para o trato
gastrointestinal. Como o ambiente do estômago é altamente ácido, o kledaka kapha
protege as paredes internas do estômago, evitando que o ácido danifique esse órgão.
Então, se houver muito ácido, ele o neutraliza, pois é de natureza alcalina.
O kledaka kapha representa o aspecto alcalino da digestão, que está localizado
no estômago. Quando esse subdosha é excessivamente aumentado, perturba o ácido
e pode causar digestão atrasada e ineficiente, resultando na produção de ama (produto
não digerido). Também pode ocasionar náusea, superprodução de saliva, paladar
enfraquecido, agni maçante ou mandagni, gosto de comida na boca horas depois de
comer, peso e até movimentos intestinais viscosos ou carregados de muco.
Por outro lado, quando ele está diminuído, o estômago produz muito ácido,
o que leva a sintomas como refluxo ácido ocasional ou hiperacidez estomacal, gosto
ácido na boca, desconfortoabdominal e outros sinais de aumento do fogo digestivo
(tikshna agni).
A palavra sânscrita shleshaka significa “ligar” ou “abraçar”.
5.3.5 Shleshaka kapha
É responsável pela lubrificação em todas as pequenas e grandes articulações
do corpo humano. Ao todo, existem 260 ossos e 360 articulações em nosso corpo, e a
articulação é um lugar onde dois ossos se unem, mas ligamentos e tendões também
desempenham um papel vital nessa conexão. O movimento em todas essas articulações
seria impossível sem o shleshaka kapha, que as lubrifica. É por isso que, do ponto de
vista da medicina ocidental, esse kapha é às vezes comparado com o líquido sinovial
localizado em muitas articulações.
Esse subdosha ajuda a lubrificar as articulações e como amortecedor, seja nas
articulações menores, como nos dedos, seja nas grandes articulações, como no osso
do quadril ou na coluna vertebral. Sem a ação adequada desse kapha, toda a estrutura
do corpo não seria forte e móvel o suficiente. Quando desequilibrado, podem surgir
76
problemas nas articulações, tais como secura ou excesso de lubrificação. Então, o
resultado do aumento pode deixar as articulações inchadas e irritadas, e, se estiver
reduzido, suas articulações podem estalar e ocorrer desgastes ósseos e cartilaginosos.
Significa “oleosidade”.
QUADRO 3 – SUBDOSHAS DE KAPHA
FONTE: A autora (2022).
Subdosha
de kapha
Significado Localização Atribuições Desequilíbrio
Tarpaka "Nutrição"
Líquido
cefalorraquidiano
Lubrificação dos
tecidos cerebrais
Problemas de
aprendizagem
Bodhaka "Conhecimento"
Garganta, raiz da
língua e língua
Saliva, inteligência
e qualidade da voz
Problemas
de digestão e
discernimento
Avalambaka "Segurar”
Pulmões,
traqueia,
brônquios e
pericárdio
Lubrificação e
nutrição
Secura nas
mucosas ou
excesso de
lubrificação
Kledaka
"Ligar",
“conectar”
Revestimento
interno do
estômago
Proteção do
estômago dos
ácidos digestórios
Acidez estomacal,
úlcera, azia
Shleshaka “Oleosidade"
Articulações e
coluna vertebral
Proteção e
amortecimento de
impacto dos ossos
Rompimento de
bolsas sinoviais
A observância dos subdoshas de kapha trazem, em sua maioria, a capacidade de
nutrição e manutenção da estrutura do corpo e da mente estáveis e saudáveis. Graças à
quantidade ideal de líquidos e fluidos em nosso corpo, ficamos em homeostase.
Nesse contexto, podemos dizer que um kapha em equilíbrio no corpo e na
mente é o resultado de vata e pitta trabalhando em harmonia.
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Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Há lógica por trás dos doshas e sua importância no ayurveda, bem como da maneira
de os antigos sábios encontrarem para observar a vida e os seus desequilíbrios.
• O aprofundamento na percepção pessoal ao utilizar doshas e gunas no entendimento
e na avaliação do indivíduo percebendo comportamentos e características inerentes
e de desarmonia traz facilidade de distinção em cada dosha.
• Doshas e gunas não estão apenas associados a fatores externos e materiais, pois o
indivíduo analisa de maneira integral, conferindo a possibilidade de oferecer cuidados
individualizados.
• Cada indivíduo apresenta uma constituição única, e manter essa constituição
organizada, limpa e equilibrada promove cura e longevidade, garantindo vida longa e
de qualidade.
RESUMO DO TÓPICO 1
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AUTOATIVIDADE
1 Dosha, além de sua definição etimológica, pode ser considerado uma grande
invenção, pois ele é uma plataforma dinâmica de observação da dança dos cinco
grandes elementos na trajetória de vida das pessoas. Sobre essa afirmação acerca do
dosha, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Dosha é uma palavra de origem asiática e se refere a um idoma extinto.
b) ( ) Podemos ter um bebê que receba 70% de vata, 20% de pitta e 10% de kapha,
bem como podemos ter outro bebê que apresente 30% de vata, 30% de pitta e
40% de kapha.
c) ( ) Na fase vata, o estágio inicial do desenvolvimento humano é caracterizado pela
nutrição e pelo crescimento do corpo.
d) ( ) Ele é chamado de tridhatus quando está em estado de desequilíbrio e quando
sustenta o corpo, fornecendo a nutrição e a energia necessárias.
2 Na idade adulta, que segundo o ayurveda se manifesta a partir dos 21 anos, adentramos
na fase pitta, quando permanecemos até os 60 anos, quando novamente entramos
no período de aclimatação da idade adulta para a velhice. Com base nas definições
dos enfoques das fases da vida, analise as afirmativas a seguir:
I- A velhice se manifesta efetivamente a partir dos 85 anos e perdura até o fim da
nossa vida.
II- Na fase kapha, o estágio inicial do desenvolvimento humano é caracterizado pela
nutrição e pelo crescimento do corpo.
III- Assim como dividimos o corpo em três segmentos distintos de acordo com a
influência dominante de um determinado dosha, também podemos dividir nosso
tempo de vida.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 Dentro de cada um dos três doshas, funcionam mais cinco subdoshas e eles são
responsáveis por supervisionar e executar ações, gerenciar emoções e órgãos
específicos, e as perturbações nessas subcategorias são consideradas a causa raiz
das doenças que afligem o indivíduo. Relacionando os conceitos de subdoshas,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
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( ) Os cinco subdoshas de vata são: prana, udana, samana, vyana e apana.
( ) O apana governa os impulsos descendentes, como micção, menstruação e
evacuação.
( ) O pachaka é um subdosha de kapha.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) V - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 Ainda falando sobre upadoshas (subdoshas) e suas funções no corpo, é sabido que
cada um deles tem funções específicas, bem como localização específica no corpo;
além disso, quando algo não permite que eles funcionem corretamente, ocorrem os
desequilíbrios. Assim, descreva cada um dos 15 subdoshas e discorra sobre suas
funções, sua localização no corpo e os desequilíbrios que podem causar quando não
estão funcionando adequadamente.
5 O ayurveda, baseado nos doshas, nos traz uma bela ferramenta de observação de
expressão dos próprios doshas nas pessoas. Quando associamos os formatos de
corpo e mente aos doshas, facilmente identificamos padrões. Sabendo disso, escolha
um dos três doshas e descreva as suas características associando-as aos indivíduos
que apresentam a predominância do dosha escolhido.
80
81
AGNI
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
1 INTRODUÇÃO
Agni é uma palavra sânscrita que significa “fogo” e se refere a uma divindade
hindu de mesmo nome. Agni, o deus do fogo, sacrifício e conhecimento divino, é um
dos principais deuses védicos e é considerado o segundo mais importante, ficando atrás
apenas de Indra, o rei dos deuses.
Representa a centelha de vida e energia dentro de todas as pessoas. Como
essa centelha, agni está presente em tudo que tem vida, ou seja, em todos os seres
animados.
Também representa o conhecimento divino que guia os iogues em direção aos
deuses. Ele é o fogo do Sol e do relâmpago e aquele que oferece sacrifícios aos deuses.
Agni também é o senhor protetor do lar, da casa e, como tal, é um mediador
entre deuses e pessoas. Hoje, na Índia, ele ainda é adorado e recebe oblações. Suas
bênçãos são procuradas em casamentos, mortes e outras ocasiões.
2 DEFINIÇÃO
De acordo com o ayurveda, o universo e o ser humano são manifestados pela
expressão dos cinco elementos (panchamahabhutas). Esses elementos e a atma
(elemento vital, alma) participam da nossa compleição (nossa forma física) e da nossa
mente. Portanto, o corpo humano é considerado um universo em miniatura.
Anteriormente, estudamos o motivo pelo qual os doshas foram criados, e
essa ideia brilhante nos oportuniza rapidez de raciocínio na observação dadança dos
elementos e de suas características em cada indivíduo.
Hoje é sabido que, graças ao advento da utilização do fogo para preparar nossos
alimentos, nosso cérebro pôde crescer e se desenvolver. Podemos acompanhar esse
raciocínio no seguinte texto:
Que invenção ancestral teria modificado mais o curso de vida da
humanidade? A roda? Ferramentas de caça? Nada disso. Segundo
as últimas pesquisas que buscam desvendar o curso da evolução
humana, o que permitiu que, hoje, você seja suficientemente
inteligente para ler estas linhas foi o surgimento da cozinha: a
combinação do carnivorismo com o uso do fogo. Tal explicação, que
ganhou força no meio científico nos últimos anos, é compartilhada
82
por um grupo de pesquisadores do Laboratório de Neuroanatomia
Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
especializado em investigar a diversidade do sistema nervoso de
animais, sua evolução e as origens do desenvolvimento.
Manter um cérebro como o humano tem um alto preço. Apesar de o encéfalo
representar apenas 2% da massa corporal, ele utiliza cerca de 25% da energia produzida
no organismo. Ou seja, para chegar ao seu estágio atual, o homem precisou encontrar
uma forma de ingerir mais calorias. Como fez isso? Levando o alimento ao fogo. “Cozinhar
é uma forma de pré-digerir o que se come. Isso facilita a mastigação e a deglutição.
Consequentemente, o tempo necessário para ingerir calorias é muito menor”, explica a
neurocientista Suzana Herculano-Houzel, professora e pesquisadora do Departamento
de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ [...] (COTTA, 2012, s. p.).
O corpo humano também precisa do fogo para que os mecanismos da vida
continuem a funcionar, e o elemento vida depende da qualidade e quantidade do fogo
localizado no sistema. Há uma atividade em cada célula e, de acordo com o ayurveda,
essa atividade é dependente do fogo, ou seja, sua qualidade e quantidade em cada uma
dessas células.
E como o agni é criado? “वायोः अग्निः। (तैत्तरीय उपनिषद्) vayoho agnihi”
(SANKARACHARYA, 1903, p. 138), ou seja, o fogo é criado a partir de vayu (vento).
De akasha, vayu (vento) é criado. Este terá componentes do akasha, seu antecessor,
e criará agni (fogo), tendo os componentes de seus antecessores (vayu e akasha). De
agni, cria-se a água (jala), pelo fenômeno da condensação. Jala terá componentes dos
elementos anteriores (agni, vayu e akasha), levando à formação de prithvi (terra). Assim,
prithvi terá componentes de jala, teja, vayu e akasha.
Agni requer espaço e movimento para poder se expressar corretamente.
Esfregando as mãos uma contra a outra, quanto mais atrito ou fricção, mais
calor ou fogo é produzido. Quando fazemos esse ato, ocorre uma fricção não apenas
entre as mãos, mas também no ar presente entre elas.
Praticamente o vento ou o ar tem grandes quantidades de gases de oxigênio
e hidrogênio. Esses elementos participam da combustão e, portanto, da produção do
fogo. Podemos dizer que o fogo (tendência para acender fogo ou produzir combustão)
existe naturalmente no ar de forma latente. Esse fogo se manifesta quando há gati
(movimento) no elemento vayu.
Relembrando os atributos de agni, temos o seguinte: “तेज रूप स्पर्शवत्।
(वै.द.२/१/३१) Teja rupa sparshavat” (NANDALAL, 1923, p. 166), ou seja, o teja ou o agni têm
as propriedades de rupa (visão) e sparsha (toque): rupa é uma propriedade natural de
agni, e sparsha é herdado de seu antecessor vayu. Assim, contamos que vayu fabrica
agni e deixa seu componente em agni.
83
“तेजसः उष्णता। {वै.द.२/२/४} Tejasaha ushnataa” (NANDALAL, 1923, p. 166), ou seja,
o sinal de existência de teja tatva (fator fogo) é a presença de calor explica a presença de
fogo. Assim, o calor é a principal evidência da presença de fogo, a segunda é luminosidade.
Além dessas características, temos a capacidade de separação, transformação e fluidez.
3 OS AGNIS
De maneira geral, o agni se divide em dois tipos: em sua forma atômica e em
sua forma funcional. Aqui, inicialmente, discutiremos sobre sua forma funcional, que se
divide nos seguintes tipos:
• tejo shareera (corpo do fogo): está sempre localizado no universo e temos contato
com ele por intermédio do Sol;
• tejo indriya (sentido do fogo): está localizado no corpo e tem a forma de nossos
olhos e nossa capacidade de visão, ou seja, é o nosso sentido da visão e toda a parte
estrutural e mecânica do olho;
• bhauma teja (o fogo que está presente na terra): tem sua manifestação no núcleo da
Terra, onde há magma e se expressa por meio das erupções vulcânicas;
• divya teja (fogo sutil na água): é o fogo que percebemos na condução de eletricidade
por meio da força da água;
• udarya teja (fogo na barriga): o fogo que favorece nossa digestão de alimentos no
estômago;
• aakaraja teja (fogo mineral): o fogo que confere brilho aos minérios;
• abhyantagni (fogo externo): manifesta-se em nosso corpo e tem quase todas as
mesmas funções do fogo interno. Este agni é responsável pela digestão, metabolização,
inteligência, cor, tez e pelo ânimo na vida. Quando em equilíbrio, permite nossa estima
ficar elevada, sentirmos fome, termos coragem, inteligência e prontidão, todavia, se
por alguma perturbação emocional ou física ele se desequilibrar, causa doenças e
pode levar à morte.
O agni em nosso corpo se manifesta pelo pitta dosha e as funções de ambos
são as mesmas. Quando pitta está em equilíbrio, é profundamente benéfico ao corpo e
à mente. Todas as funções do corpo, como segregação, digestão, absorção, assimilação,
conversão de alimentos em elementos e tecidos do corpo, bem como os processos de
eliminação dos resíduos corporais, ocorrem de forma harmoniosa e imperturbável.
Quando o mesmo pitta fica mórbido, pode levar a consequências desagradáveis,
como problemas de saúde, no metabolismo e na imunidade, além da morte. O pitta
mórbido pode se manifestar de forma aumentada (vriddhi/prakopa) ou diminuída, em
termos de qualidade e quantidade.
Rao (1982, p. 159), em sua obra Sushruta samhita, declarou que “Não podemos
encontrar nenhum outro agni ou fogo no corpo que não seja pitta. Agni ou fogo no
corpo prevalece na forma de pitta”. Isso fundamenta e esclarece todas as confusões.
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विसर्ग आदान विक्षेपणैः सोम सूर्य अनिला यथा।
धारयन्ति जगत् देहं कफ पित्त अनिलाः
Visarga aadaana vikshepaihi soma soorya anilaa yathaa
Dhaarayanti jagat deham kapha pitta anilaaha tathaa (VAGBHATA,
1939, p. 163).
O trecho em sânscrito indicado recebe a interpretação que se segue:
A lua faz a função de visarga, ou seja, fornecer energia e vitalidade ao
mundo. Kapha representa a lua no corpo e faz o trabalho de dar, ou
seja, atua como um bloco de construção e é o elemento construtivo,
nutre, fortalece e possibilita a imunidade.
O Sol faz a função de adana, ou seja, obter a força, a energia e os
nutrientes de toda a vida devido ao seu calor. Pitta representa o Sol
no corpo e faz o trabalho de obter, ou seja, atua como agente de
eliminação e extração. Assim, equilibra o kapha eliminando o excesso
de fluidez e sua estagnação causada pelo kapha.
O vento faz a função de vikshepa, ou seja, distribuição de elementos
de frio e calor por toda parte. Vata ou vayu representa o vento no
corpo e distribui calor e frio por todo o corpo, além da distribuição
de vários elementos necessários para construção e manutenção e
também ajuda na eliminação de excreções.
Agni então, como foi dito, é representado no corpo na forma de pitta.
Uma vez que pitta é todo-penetrante, também se entende que agni
presente no pitta também é todo-penetrante. Assim, pitta e seus
subtipos estão presentes em todo o corpo (VAGBHATA, 1939, p. 163).
De acordo com Vagbhata (1939), uma pequena parte de kayagni (fogo do
trato gastrointestinal) é representada em todos os dhatus (tecidos e todas as células
incluídas nesses tecidos). Assim, agni está presente em cada célula do corpo. Esse agni é
chamado de dhatuagni (fogo tecidual). O aumento de dhatuagni leva ao esgotamento e,consequentemente, ao desaparecimento dos tecidos. Já a diminuição de dhatuagni leva
ao acúmulo e aumento de tecidos, de acordo com a manifestação irregular desse agni.
O pitta localizado no intestino grosso e o pitta localizado no estômago,
embora sejam ligeiramente diferentes, têm funções similares de digestão, e esse
arranjo possibilita que a digestão aconteça de forma adequada nos alimentos que são
mastigáveis, engolíveis, bebíveis e lambíveis.
Essa especialização do intestino grosso e do estômago auxilia a formação de
dathus, por intermédio do rasa (essência do alimento), e a eliminação adequada de
excreções saudáveis mutra (urina) e pureesha (fezes) a partir do alimento digerido.
Estando situado em seu lugar, esse pitta (agni) nutre e controla outros
pittas: bhrajaka, ranjaka, sadhaka e alochaka, e mantém os locais de pitta pelo corpo
organizados, harmoniosos e saudáveis. Há, assim, quatro tipos de digestão:
• vishama agni: produz oscilação de apetite, isto é, ora há voracidade, ora não há fome.
Isso indica oscilação de pitta, ora muito potente, ora ineficiente ou excessivamente
brando;
85
• teekshna agni: quando há voracidade e muita fome o tempo todo. É importante garantir
que haja alimento a ser digerido para que não ocorra a digestão dos tecidos corporais
por agni;
• manda agni: manda significa “lento” ou “débil”. Neste caso, a pessoa dificilmente sente
fome e, quando se alimenta, o processo digestivo se prolonga por muitas horas;
• sama agni: essa capacidade digestiva é a adequada e equilibrada, havendo poder de
digestão adequado.
Quando, por alguma razão, a eficiência de agni é perturbada, o corpo produz
algo definido como ama. Em sânscrito, essa palavra significa “produto não digerido”
que, quando ocorre com frequência, desenvolve uma similaridade com os doshas. Ele
é considerado um verdadeiro veneno para o organismo, pois quando se apropria da
característica de um ou dos três doshas começa a promover bloqueios celulares, nos
canais, nos tecidos e provocar retenção de excreções no corpo.
Rosseau (1979, p. 342) nos traz que “A felicidade requer três coisas: uma boa
conta no banco, um bom cozinheiro e boa digestão”. Considerando a visão do ayurveda
sobre a importância de pitta e agni associados ao discernimento e ao conhecimento,
o filósofo francês foi muito feliz no seu comentário, colocando a importância de ter
uma boa comida e uma boa digestão, pois estamos estudando que a grande maioria
das doenças e dos desequilíbrios que afligem nossa população são as indigestões que
permeiam nosso dia a dia.
Lembrando-nos de Bhattacharya (1987), teremos os agnis do corpo divididos,
enumerados e relacionados ao corpo humano, nossa usina físico-química, aos cinco
elementos e aos sete tecidos.
O agni principal do corpo humano é jatharagni, que se localiza no estômago e
no duodeno. Jaṭhar significa “intestino” ou “barriga” (a zona de digestão), e agni, como
sabemos, significa “fogo”.
Assim, significa "fogo na barriga" e representa os elementos fisiológicos da
digestão e do metabolismo que ocorrem no estômago e nos intestinos. É o fogo que
governa o processo preliminar da digestão antes que o alimento seja convertido em
uma forma na qual possa ser absorvido, assimilado e distribuído por várias regiões do
corpo. Ele funciona de forma independente e ajuda a digestão primária, que se inicia
na boca, durante a mastigação dos alimentos. Os outros tipos de agni dependem da
qualidade e da quantidade de jaṭharagni.
O jaṭharagni é o governo central de todos os outros agnis (microagnis que
controlam os processos micrometabólicos nas células e nos tecidos). Se esse fogo se
torna exacerbado ou diminuto, o metabolismo se perturba. Isso, por sua vez, dá origem
a uma cadeia de eventos patológicos que levam a muitas doenças sistêmicas. Se for
86
adequado, equilibrado e saudável, as outras formas de agni sob sua regência também
estarão em equilíbrio. Assim, proteger e cuidar do nosso fogo intestinal é obrigatório
para que sejamos saudáveis.
Por outro lado, se jaṭharagni ficar viciado, ele perturba todos os outros agnis no
corpo. Isso resulta na diminuição da imunidade celular e na formação de ama (produto
inadequadamente digerido). Assim, as células não podem absorver nutrição nem as
identificar como nutrição. Em vez disso, as células identificam a nutrição como produtos
inadequados, logo indesejados, todavia esse produto inadequadamente digerido, devido
à sua natureza pegajosa, adere às células e se torna contumaz. Isso é chamado de
dhatugata ama (indigestão celular), e as células ficam fracas e letárgicas. A consequência
de jaṭharagni fraco seguido por dhatu-agni fraco (fogo celular) e formação de ama
sistêmica e celular forma uma plataforma ideal para muitas doenças se manifestarem. O
jaṭharagni ajuda a digestão primária dos alimentos e a equaliza para que o metabolismo
ocorra em nível celular com o mesmo sucesso.
Existem mais alguns tipos de agni que basicamente dependem de jaṭharagni.
Eles estão presentes nos tecidos e nos níveis celulares, e trabalham sob a orquestração
de jaṭharagni. Seu status é diretamente proporcional ao quão bom ou ruim ele é em
termos de qualidade e quantidade.
O agni relacionado aos cinco grandes elementos se chama bhutagni, e existe
um agni para cada um dos cinco elementos. Conforme apontado por Rao (1982, p. 86),
Eles são os fogos estruturais ou anatômicos relacionados ao pancha
mahabhutas ou cinco elementos básicos da criação responsáveis
por nosso ser físico.
As conversões e combinações desses cinco elementos constituem
diferentes tecidos (dhatus) e órgãos em nosso sistema. Da mesma
forma, os desequilíbrios desses cinco elementos (um ou mais)
podem perturbar a dinâmica corporal, levando a uma ampla gama de
problemas de saúde.
Esses agnis pegam as partes essenciais da nutrição e as
metabolizam para se sustentarem. Portanto, temos cinco bhutagnis.
Bhutagni indica os cinco agnis elementares e metaboliza o quilo em
componentes elementares.
O fígado é o seu principal orquestrador. Os agnis reagem bioquimicamente aos
alimentos parcialmente digeridos por jaṭharagni, quebrando moléculas em átomos, de
modo que os dhatu-agnis possam convertê-los em sete camadas de tecido, os dhatus.
É preciso lembrar que cada célula do nosso corpo é composta pelos cinco
elementos básicos. Naturalmente, cada célula também recebe a capacidade digestiva
apropriada por meio dos cinco bhutagni. Todos os nutrientes que comemos nesse
mundo também são formados dos mesmos cinco elementos básicos com seus
respectivos agnis. Assim, eles são completamente semelhantes no que diz respeito aos
cinco elementos básicos, bem como em todos os nutrientes externos que ingerimos
para a nutrição do nosso corpo.
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Charaka (1972) mencionou que os cinco bhutagni digerem sua própria parte
do elemento presente nos alimentos. Após a digestão dos alimentos pelo bhutagni
específico, os materiais digeridos contendo os elementos e as qualidades semelhantes
a cada elemento nutrem seus próprios elementos do corpo, por exemplo: a parte do
elemento terra ou parte sólida do alimento é digerida primeiramente pelo jaṭharagni (fogo
intestinal). Quando esse alimento digerido chega aos tecidos, ele é posteriormente digerido
e microprocessado pelo parthivagni (fogo do elemento terra) localizado nos tecidos.
Após esse microprocessamento, a parte com elemento terra do alimento nutre
a parte desses dhatus (tecidos), srotas (canais ou sistemas de transporte do corpo
que são novamente formados pelos tecidos) e todo o corpo que tem a sua parte do
elemento terra.
A parte microprocessada do alimento sustenta e nutre todas as células e
todos os tecidos, mas nutre principalmente os tecidos que são predominantemente
constituídos por prithvi mahabhuta (elemento terra), como os tecidos duros do corpo,
ou seja, os ossos, os músculos etc.
O mesmo processo ocorre com o apya amsha (elemento água), taijasa amsha
(elemento fogo), vayavya amsha(elemento vento) e nabhasa amsha do alimento
(elemento espaço vazio). Em primeiro lugar, eles são digeridos pelo jaṭharagni. Mais
tarde, suas diminutas partes atingem os tecidos e lá elas são acionadas por seus
respectivos bhutagnis. As partes processadas dos alimentos nutrem ainda mais os
tecidos, os canais e o corpo.
Em condições normais, os bhutagnis digerem e microprocessam as minúsculas
frações dos alimentos fornecidos a eles após a ação e a digestão do jaṭharagni em todos
os tipos de alimentos que consumimos. Cada bhutagni atua sobre as frações da comida
que dizem respeito a eles.
O efeito geral da digestão dos bhutagnis sobre os alimentos no nível celular/
tecido os converte em componentes nutritivos que nutrem os tecidos, os canais
do corpo, o vayu, o calor e o corpo como um todo. O alimento, se assim digerido
adequadamente, flui nos canais do corpo ininterruptamente e nutre (fornece átomo
sutis) todos os tecidos, além de fornecer upachaya (construção de tecidos), bala (força,
resistência, imunidade), varna (cor e tez), sukha (contentamento) e ayush (vida plena
e boa).
Quando os bhutagnis sofrem perturbação (depleção ou excesso), os benefícios
que mencionamos anteriormente não são obtidos: a micrometabolização dos alimentos
não ocorre, levando ao esgotamento e subsequente à contaminação dos tecidos com
ama estagnada. Isso forma um ambiente ideal para o cultivo de doenças.
Logicamente, eles recebem a referência do elemento no qual esse agni atua:
88
• akasheeya agni (capacidade digestiva do espaço vazio, akasha): responsável por
nutrir o órgão da audição nos ouvidos, ele também está presente no tecido epitelial e
nas mucosas intestinais, principalmente;
• vayaveeya agni (capacidade digestiva do vento ou ar, vayu): responsável por nutrir o
órgão do tato na pele;
• taijasa ou agneya agni (capacidade digestiva do fogo, tejas): responsável por nutrir o
órgão da visão nos olhos;
• apya agni (capacidade digestiva da água, jala): responsável por nutrir o órgão do
paladar na língua;
• parthiva agni (capacidade digestiva da terra, pṛithvi): responsável por separar os
átomos terrenos de partículas de comida parcialmente quebradas, estes são então
oferecidos como nutrientes ao órgão do olfato no nariz.
Por fim, abordaremos os sete dhatuagnis. Dhatu significa “tecido” e agni
significa “fogo”. Assim, dhatuagni indica a capacidade digestiva que está localizada
dentro dos tecidos corporais, atuando na parte nutritiva do quilo (essência do alimento
digerido) que recebe do estômago e este passa pela metabolização, que o converte em
componentes mais finos.
Os componentes assim formados após a ação de dhatuagni sobre o alimento
(em circulação) auxiliam a formação do mesmo tecido, nutrem o próximo tecido em
sequência, produzem energia e produtos teciduais ou resíduos que devem ser expelidos.
Então, dhatuagnis são as capacidades digestivas fisiológicas relacionadas aos sete
dhatus ou tecidos do corpo; portanto, os responsáveis pela metabolização que ocorre
no nível celular.
Quando o jaṭharagni está funcionando normalmente, os dhatuagnis também
funcionam normal e harmoniosamente. Já se o jaṭharagni estiver hiperativo, os
dhatuagnis também se tornarão hiperativos. Isso leva ao esgotamento ou à depleção
do tecido. Por outro lado, se o jaṭharagni for fraco, o dhatuagni também será fraco.
Esse dhatuagni enfraquecido não será capaz de metabolizar os nutrientes
disponíveis, então ocorre um acúmulo de alimentos não digeridos (ama), dhatu e ama,
derivando de alimentos mal processados e agregados na formação das células do
tecido. Isso trará bloqueios celulares, pois a ama é adesiva, não pode ser expelida. Como
resultado, a nutrição dos tecidos do corpo será reduzida, levando ao enfraquecimento
da formação e da imunidade dos tecidos, o que leva à formação de várias doenças
sistêmicas. Nessa condição, a quantidade e a massa dos tecidos aumentam (dhatu
vriddhi), agregando ao corpo as condições patológicas.
Os dhatus, na condição de bhutagnis, estão envolvidos na digestão e no
microprocessamento das frações dos alimentos que estão atribuídos a eles, e os
dhatuagnis estão envolvidos na utilização das porções de alimentos de uma maneira
diferente, pois é necessário que considerem seus elementos respectivamente.
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Com a ajuda do calor autogerado, os dhatuagnis se digerem e se processam
em uma operação denominada dhatuagni paka (ponto de cozimento) e nas frações
fornecidas após a ação dos bhutagnis. Esse processo leva à formação de duas porções:
sara bhaga (essência da nutrição, também chamada de prasada bhaga, isto é, parte do
nutriente) e kitta bhaga (resíduos de tecido).
O prasada bhaga, mais uma vez, é dividido em três fragmentos: a primeira
parte forma o sthanika dhatu (tecido local) ou nutrição; a segunda forma o poshaka
dhatu (tecido de suporte ou responsável pela formação de seu dhatu subsequente); e a
terceira ajuda a formar os upadhatus (subtecidos).
O kitta bhaga é eliminado como resíduos de tecido e é finalmente eliminado
do corpo após se juntar aos principais resíduos metabólicos da digestão. Durante o
processo de dhatupaka, calor e energia são liberados, sendo usados para as funções
do corpo.
O dhatuagni, em estado normal, auxilia a formar os tecidos e participa de sua
alimentação e manutenção, ajudando também na formação de upadhatus, calor e
energia, além de executar a eliminação de ama do tecido. Quando o dhatuagni diminui
sua intensidade, os dhatus se acumulam com a ama e causam aumento patológico
nos dhatus.
Quando o dhatuagni aumenta o calor metabólico, os dhatus são queimados e
sofrem deterioração ou são destruídos. Ambas as condições levam à formação de várias
doenças. Além disso, os produtos mal metabolizados dos tecidos não são eliminados, os
upadhatus e os tecidos subsequentes não são formados adequadamente e, portanto, a
imunidade e a força diminuem, tornando-o suscetível a uma ampla gama de problemas
de saúde.
Temos sete dhatuagnis:
• rasa dhatuagni (tecido do plasma);
• rakta dhatuagni (tecido sanguíneo);
• mamsa dhatuagni (músculo ou tecido da carne);
• meda dhatuagni (gordura ou tecido adiposo);
• asthi dhatuagni (tecido ósseo);
• majja dhatuagni (tecido da medula óssea);
• shukra dhatuagni (tecido reprodutivo).
Então, segundo o ayurveda, nossa digestão não acontece apenas no estômago.
Saber disso é um fator norteador espetacular no entendimento dos processos de
adoecimento e nos processos de cura e reequilíbrio.
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Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Agni é essência da vida e é por meio dele que produzimos aquilo que temos de melhor
quando está em equilíbrio. Graças a ele podemos nos reorganizar, tanto na mente
quanto no corpo.
• A visão do ayurveda é muito distinta da visão da digestão moderna: tudo o que é
recebido por nossos cinco sentidos deve ser processado, metabolizado e excretado.
Assim, conhecer as 13 capacidades digestivas proporciona maior entendimento
sobre a importância de manter a disgestão equilibrada.
• Agni é a inteligência em cada célula, cada tecido e em cada sistema do corpo humano.
Ele determina o que deve ser mantido ou excretado do nosso sistema.
• Quando agni se apaga, temos o fim da vida. Na avaliação do indivíduo, é importantate
considerarmos agni como pitta, pois ambos compartilham de ushna guna.
RESUMO DO TÓPICO 2
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AUTOATIVIDADE
1 Quando os dhatuagnis diminuem sua intensidade, os dhatus se acumulam com a
ama e causam aumento patológico nos dhatus. Quando os dhatuagnis aumentam o
calor metabólico, os dhatus são queimados e sofrem deterioração ou são destruídos.
Sobre essa afirmação acerca dos dhatus, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Quando os produtos bem metabolizados dos tecidos não são eliminados, os
upadhatus não são formados adequadamente.
b) ( ) Os produtos mal metabolizados dos tecidos são eliminados com facilidade.
c) ( ) Ambas as condições levam à formação de várias doenças.
d) ( ) O hiperaquecimentodo dhatus favorece a digestão dos tecidos.
2 É o fogo que governa o processo preliminar da digestão antes que o alimento seja
convertido em uma forma na qual possa ser absorvido, assimilado e distribuído por
várias regiões do corpo. Ele funciona de forma independente e ajuda a digestão
primária, que se inicia na boca, durante a mastigação dos alimentos. Com base nas
definições de agni, analise as afirmativas a seguir:
I- Se jaṭharagni for adequado, equilibrado e saudável, as outras formas de agni sob
sua regência também estarão em equilíbrio.
II- Proteger e cuidar do nosso fogo intestinal são ações obrigatórias para que sejamos
saudáveis.
III- No total, o ayurveda fala sobre 17 tipos de agni.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 O fígado é o principal orquestrador de buthagni. Os agnis reagem bioquimicamente
aos alimentos parcialmente digeridos por jaṭharagni, quebrando moléculas em
átomos, de modo que os dhatuagnis possam convertê-los em sete camadas de
tecido, os dhatus. Sobre o assunto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:
( ) O efeito geral da digestão dos bhutagnis sobre os alimentos no nível celular/tecido
o convertem em componentes nutritivos que nutrem os tecidos, os canais do corpo,
o vayu, o calor e o corpo como um todo.
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( ) Em condições normais, os bhutagnis digerem e macroprocessam as minúsculas
frações dos alimentos fornecidos a eles após a ação e a digestão do jaṭharagni em
todos os tipos de alimentos que consumimos.
( ) Cada um dos cinco bhutagni atua sobre as frações da comida que dizem respeito
a cada um dos elementos, que são correspondentes aos cinco grandes elementos.
Portanto, cada buthagni precisa estar equalizado.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) V - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 Quando pitta está em equilíbrio, é profundamente benéfico ao corpo e à mente. Todas
as funções do corpo, como segregação, digestão, absorção, assimilação, conversão
de alimentos em elementos e tecidos do corpo, bem como os processos de eliminação
dos resíduos corporais, ocorrem de forma harmoniosa e imperturbável. Sabendo
disso, descreva com suas palavras o que ocorre quando pitta está em desequilíbrio.
5 O ayurveda considera basicamente quatro tipos de digestão considerando a
capacidade de agni. O agni equilibrado é a chave para a vida longa, saudável e
gratificante, e ele estando instável é uma forma infalível de problemas. Com suas
palavras, discorra sobre a importância de conhecer esses tipos de digestão e explique
cada uma delas.
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TÓPICO 3 —
DHATUS
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
A manifestação do corpo humano se dá pela expressão dos doshas, e a palavra
dhatu significa “se manter unido, coeso, coerente”. Então, todos os dhatus fazem o corpo
e o mantêm coeso. Considerando a ciência moderna, a descrição do corpo humano
começa com as células: um grupo de células forma os tecidos, um grupo de tecidos
forma um órgão, um grupo de órgãos forma o sistema e um grupo de sistemas é o corpo
humano (TECIDOS [...], 2022). Entretanto, o ayurveda explica o corpo humano de uma
maneira diferente: nosso organismo se manifesta por meio dos doshas – vata, pitta e
kapha –, suas expressões físicas, densas e sutis, bem como a influência externa dos
ciclos naturais da vida.
Ao longo de nosso desenvolvimento, as alterações em nossa base de formação
recebem o nome de vikrti, que significa “a forma patológica de vata”. A prakrti influencia
o corpo e a mente, sendo que, no corpo, receberemos as características associadas aos
doshas e seus elementos, e na mente a influência também será dos elementos, todavia
por meio de suas energias sutis, chamadas de satwa, rajas e tamas. De acordo com o
ayurveda, somos compostos por sete tecidos corporais, sendo que o funcionamento
deles é gerenciado por cada um dos doshas. Os dhatus são a plataforma dinâmica para
a expressão plena dos doshas. Dosha, dhatu e mala (produtos residuais) formam a raiz
do corpo.
Órgãos como fígado, estômago, intestino etc. são o local onde os dhatus são
formados por meio da metabolização dos alimentos. Um ou os três doshas, quando
desequilibrados, alojam-se nos dhatus. Os dhatus recebem seus nomes de acordo com
aquilo que produzem e, a partir da essência do alimento digerido, que conhecemos por
quilo, temos a seguinte construção:
• rasa dhatu – parte da essência logo após a digestão/plasma/linfa;
• rakta dhatu – tecido sanguíneo;
• mamsa dhatu – tecido muscular;
• meda dhatu – tecido adiposo;
• asthi dhatu – tecido ósseo;
• majja dhatu – medula óssea (tutano);
• shukra dhatu – sistema reprodutor masculino e feminino (espermatozoide e óvulo).
Portanto, os dhatus (tecidos) constituem e formam a estruturação física e a
natureza anatômica do corpo, sendo os blocos de construção da compleição.
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2 DEFINIÇÃO
Considerando a definição da palavra dhatus, podemos anuir que eles são
os responsáveis pela manutenção da coesão em nosso sistema corporal. Por meio
dessa coesão, toda a estrutura física é criada e mantida pela alimentação, nutrição,
digestão, assimilação e excreção. Segundo o ayurveda, nossa manifestação depende
da expressão dos cinco elementos e dos três doshas nos sete tecidos.
3 DHATUS: UM POR TODOS E TODOS POR UM
Para entendermos a formação dos tecidos, começaremos a falar sobre o rasa,
que significa “essência”.
तत्र पञ्च भौतिकस्य चतुः विधस्य षड् रसस्य द्वि विध वीर्यस्य अष्ट विध
वीर्यस्य वा अनेक गुणोपेतस्य उपयुक्तस्य आह्हारस्य सम्यक् परिणतस्य यः
तेजो भूतः सारः परम सूक्ष्मः स रस इति उच्यते.
Tatra pancha bhoutikasya chatuhu vidhasya shad rasasya dvi
vidha veeryasya ashta vidha veeryasya vaa aneka gonopetasya
upayuktasya aahaarasya samyak parinatasya yaha tejo bhootaha
saaraha parama sookshmaha sa rasa iti uchyate (RAO, 1982 apud
RAGHURAM, 2016, s. p.).
O extrato ou a essência do alimento que está em forma ultrafina ou diminuta é
chamado de rasa. O rasa dhatu, primeiro tecido a se formar, é constituído diretamente
da essência do alimento que ingerimos. A comida que ingerirmos será enriquecida
com shad rasas (seis sabores): madhura (doce), amla (azedo), lavana (salgado), katu
(pungente), tikta (amargo) e kashaya (adstringente). Nós consumimos os alimentos em
quatro formas: ashita (mastigável), khadita (engolível), peeta (bebível) e leeda (lambível).
Essas formas de comida são pancha bhoutika na natureza (apresentam os cinco
elementos). Nosso alimento deve conter e respeitar algumas características (gunas)
para ter o aproveitamento adequado pelo corpo. Considerar essas recomendações é
uma das maneiras de favorecer o agni em nossa digestão.
• Shat rasa: seis sabores.
• Dwividha veerya: dois tipos de potência. Observando a natureza da temperatura dos
alimentos, temos a sheeta veerya (potência fria) e a ushna veerya (potência quente).
• Ashta vidha veerya: oito tipos de características físicas, ou seja, sheeta (potência
fria), ushna (quente), guru (pesado), laghu (leve), mrudu (suave), teekshna (afiado),
snigdha (untuoso ou oleoso) e ruksha (seco).
Quando o alimento atende às qualidades mencionadas, ele é submetido à
digestão adequada pelo jaṭharagni (fogo da barriga): ele é convertido em um extrato
ou uma essência microfino (assim como o suco extraído do alimento) chamada de rasa.
तस्य हृदयं स्थानम्।(सु.सू.१४/३)
Tasya hridayam sthaanam (RAO, 1982 apud RAGHURAM, 2016, s. p.)
95
Diz-se que a localização ou sede de rasa dhatu é hridaya ou coração. A comida
é digerida no estômago e nos intestinos. Após a digestão adequada, o ahara rasa
(poshaka rasa dhatu – a essência do alimento cuja função é nutrir) é formado. Esse
rasa sendo empurrado pelo vyana vayu (subtipo de vata) atinge o hridaya (coração).
O rasa de hridaya entra nos 24 dhamanis (aorta e seus ramos,ramos arteriais
principais) e atinge diferentes partes do corpo, bombeado pelo coração com a ajuda de
vyana vayu.
Por meio dos dez dhamanis viajando em direção ascendente, o rasa dhatu
viaja e nutre as partes superiores do corpo. Pelos dez dhamanis viajando em direção
descendente, o rasa dhatu viaja e nutre as partes inferiores do corpo, e viajando por
quatro dhamanis indo lateralmente, o rasa dhatu nutre as partes laterais do corpo.
Viajando por todo o corpo por meio dos dhamanis, o rasa dhatu nutre os tecidos,
órgãos, doshas e malas (excretas). Embora o rasa esteja circulando por todo o corpo,
dizemos que o seu local principal é hrudaya, porque é onde se distribui o rasa por meio
dos dhamanis. É controlado por kapha dosha, conforme mancionado por Vagbhata
(1939, p. 36): “Normalmente, o aumento do kapha dosha causa aumento do rasa dhatu
e a diminuição do kapha leva à diminuição do rasa dhatu. A ação nutritiva é provocada
por kapha”.
De modo recíproco, o aumento de pitta dosha leva ao aumento de rakta dhatu
(segundo tecido a se formar). Rakta significa vermelho, que é a cor desse tecido, e ele
adquire a cor vermelha devido à ação do pitta. O pitta, em boas condições, confere um
tecido sanguíneo de boa qualidade. Segundo Vagbhata (1939, p. 37),
O termo rakta implica o líquido que é nutrido pela essência (rasa)
dos alimentos, que é a causa da tez da pele, força e imunidade do
corpo. O ayurveda opina que o sangue se origina do fígado e do baço.
Portanto, sangue, pitta, doenças hepáticas e doenças da pele estão
relacionados.
Pessoas com sangue normal apresentam clareza e uniformidade
na tez da pele, funcionamento normal dos órgãos dos sentidos,
digestão desobstruída e evacuação intestinal fluida, felicidade,
contentamento, nutrição e força.
O sangue é responsável pela força e imunidade, tez da pele,
felicidade, conforto e longevidade do indivíduo. Ele desempenha um
papel muito importante no sustento da força vital.
Mansa dhatu é o terceiro tecido a se formar. É comparado ao tecido muscular e
obtém sua nutrição de rakta dhatu. Os músculos são ocomo uma cobertura gelatinosa –
a palavra mansa significa “carne macia”. Então, denota a própria carne e o tecido
muscular, dá estrutura e força aos ossos, determina tamanho, forma e dimensão ao
corpo, e nutre o próximo tecido.
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É constituído predominantemente do elemento terra. Esse tecido é responsável
por promover a locomoção musculoesquelética, promover o batimento cardíaco,
estabelecer o funcionamento de órgãos, como vasos sanguíneos, bexiga urinária, rins,
esôfago, estômago, intestino delgado etc.
Meda dhatu é o quarto tecido a se formar. A palavra meda significa “gerar
untuosidade” e pode ser associada à gordura presente na medula, à obesidade. Tem
presença de terra, água e fogo e por isso é oleoso. Esse tecido está presente na camada
subcutânea profunda na pele, em torno do coração e dos rins, na medula amarela dos
ossos longos, no acolchoamento ao redor das articulações, dentro da órbita ocular,
posteriormente ao globo ocular. Ele atua como uma camada isolante, ajudando a reduzir
a perda de calor pela pele, tendo também uma função protetora, fornecendo proteção
mecânica "acolchoamento" e suporte em torno de alguns dos principais órgãos – por
exemplo, dos rins –, sendo igualmente um meio de armazenamento de energia. O
alimento que excede as necessidades é convertido em gordura e armazenado no tecido
adiposo do corpo.
Asthi dhatu é o quinto tecido a ser formado e é relacionado ao tecido ósseo.
É nutrido por meda dhatu. Sua principal função é manter o corpo ereto, recebendo
influência de vata dosha. Mas o aumento de vata dosha leva à diminuição do asthi
dhatu, e a diminuição do vata dosha leva ao aumento do asthi dhatu. É por isso que, na
velhice, quando o vata é aumentado, ocorre a degeneração do tecido ósseo. Esse é o
dhatu mais duro e firme do corpo.
É predominantemente composto por prithvi mahabhuta (terra), tendo os gunas:
solidez, aspereza, secura e durabilidade. Todas as estruturas moles – como músculos,
vasos e nervos – são encontradas em torno desse dhatu. Ele dá forma ao corpo
esquelético e protege os órgãos vitais – como o coração e os pulmões – e todos que se
alojam na cavidade torácica. Ele é o local principal de vata dosha.
O sexto tecido a ser criado se relaciona à medula óssea e todo o tecido que
preenche a cavidade óssea. Os tecidos oculares e cerebral também são formados por
majja dhatu. Sua principal função é preencher as cavidades ósseas. O tecido ósseo
nutre o majja dhatu. É predominantemente feito de água e terra, sendo controlado por
kapha dosha.
Também tem a função de gerar glóbulos vermelhos e brancos. A medula
óssea produz gordura, cartilagem, tecido conjuntivo fibroso (encontrado nos tendões e
ligamentos), assim como remove células velhas da circulação sanguínea.
O sétimo tecido a ser criado é associado ao sistema reprodutor masculino e
feminino e suas secreções, sendo que sua principal função é a reprodução. É controlado
por kapha dosha e obtém nutrição de majja dhatu. A palavra shukra é derivada da
palavra sânscrita shucha, que significa “puro”.
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Ele permeia todo o corpo, promove a criação do tecido reprodutivo masculino e
feminino e se envolve na qualidade dos hormônios sexuais: estrogênio, progesterona e
testosterona, e na qualidade do sêmen, esperma e óvulo.
Chamamos de upadhatus os subtecidos ou tecidos secundários do corpo que
servem como componentes importantes e têm certas funções específicas a cumprir.
Eles estão associados aos principais dhatus, pois derivam e são nutridos por eles. Assim,
a palavra upadhatu significa “um tecido imediatamente inferior” ao dhatu principal,
que tem propriedades de constituição do corpo. Eles podem ser considerados como
blocos de suporte para os principais blocos principais (dhatus) no nosso organismo
e com exceção do asthi (osso), do majja (medula óssea) e do shukra (sêmen ou fluido
reprodutivo), todos os outros quatro dhatus têm seus upadhatus:
• o rasa dhatu (essência da nutrição, linfa, plasma, nutrição em circulação) tem como
upadhatus o stanya (leite materno) e o aartava (sangue menstrual, óvulo);
• o rakta dhatu (sangue) tem como upadhatus os siras (vasos sanguíneos, veias) e os
kandaras (tendões);
• o mamsa dhatu (músculo) tem como upadhatu o vasa (gordura muscular) e o twak
(pele);
• o medas (gordura) tem como upadhatus os nayus (ligamentos, nervos) e os sandhis
(articulações ósseas).
Os upadhatus não suportam o corpo nem implicam a responsabilidade de
construção tão importante quanto os dhatus. Portanto, eles não podem ser considerados
como dhatus.
Lembrando os significados:
• upa = sub, subordinado, adjunto, subsidiário, secundário;
• dhatu = tecido.
NOTA
4 FORMAÇÃO DE MALAS
Ao pé da letra, são os “resíduos” dos tecidos. A seguir, listamos os malas
produzidos pelo corpo:
• sara rasa: fezes e urina;
• rasa: catarro;
• rakta: bile do fígado;
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• mamsa: produtos residuais excretados das cavidades, como orelhas, olhos, nariz,
boca e órgãos genitais;
• medas: suor;
• asthi: kesha (cabelo) e loma (cabelo pequeno/pelos do corpo);
• majja: substância untuosa presente nos olhos, nas fezes e na pele.
Os processos metabólicos no corpo convertem essas substâncias alimentares
em minúsculos componentes para atender às necessidades do corpo e para se tornarem
compatíveis com os elementos, tecidos e órgãos do corpo.
Os malas podem ser associados às excreções corporais, formam-se diariamente
e naturalmente também devem ser expelidos do corpo diariamente, pois, se esse
procedimento não ocorrer, o corpo inicia um processo de desequilíbrio.
As substâncias residuais não são formadas apenas nos processos de digestão
e de metabolismo no intestino, mas também como resultado do metabolismo do tecido,
especialmente porque cada tecido tem sua própria capacidade digestiva.
Depois que o alimento é digerido, os nutrientes essenciais (ahara rasa) são
colocados em circulação.Essa essência do alimento finalmente chega aos dhatus.
Os tecidos absorvem essa nutrição e a convertem em formas mais refinadas, que se
tornariam compatíveis com o ser. No processo, a comida é dividida em:
• prasada bhaga (parte dos nutrientes): uma porção dela se torna tecido local. Essa é
a “reposição”, a nutrição desse tecido. A outra parte se torna poshaka dhatu, que é a
porção nutridora do próximo tecido, que também nutre os upadhatus (subtecidos);
• mala bhaga (excreta): é eliminado dos tecidos. Esses malas ou produtos residuais
formados nas células durante o metabolismo celular (dhatu paka) são chamados de
dhatu malas (resíduos dos tecidos) ou upa malas (resíduos dos tecidos acessórios)
ou sukshma mala (resíduos sutis). Mesmo esses malas devem ser limpos e expulsos
do corpo de vez em quando.
Esse conhecimento sobre dhatu malas é necessário, porque eles são os materiais
indesejáveis do corpo que precisam ser excretados e limpos regularmente. São dhatus,
seus acessórios e suas excreções:
• rasa: excreta a kapha;
• rakta: excreta a pitta;
• mamsa: excreta a cera, a remela e a coriza;
• asya (saliva): excreta os detritos orais, o tártaro e o emegma;
• meda: excreta o suor;
• asthi: excreta os pelos e as unhas;
• majja: excreta o sebo e os mucos, incluindo as fezes.
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Se não forem limpos, eles ficam para trás e danificam o tecido e as suas funções.
Quando o metabolismo do tecido é perturbado, isso causa um grande impacto em todos
os tecidos, na saúde geral e na imunidade.
O tecido produz esses malas e tenta expulsá-los de vez em quando. Precisamos
apenas facilitar o processo. Podemos ter que remover manualmente as descargas e
secreções impactadas do olho, do nariz, da língua, do ouvido etc. Podemos ter que
limpar nossa pele regularmente e facilitar o processo de suor.
É também nosso dever aparar regularmente os pelos e as unhas do nosso corpo.
Isso não apenas ajuda a expulsar os malas como também a ter uma boa aparência e
saúde.
100
LEITURA
COMPLEMENTAR
MEDICINA INTEGRATIVA: A CURA PELO EQUILÍBRIO
Paulo de Tarso Lima
A medicina moderna, associada ao avanço da ciência no último século,
desmembrou-se em uma série de especialidades que produzem conhecimento sobre
cada pequena parte do corpo humano. Ao terminar seus estudos, o médico tende a se
aprofundar em uma destas divisões – cardiologia, ortopedia, endocrinologia, anestesia,
oftalmologia, oncologia etc. Encontra técnicas variadas de exames de diagnóstico por
imagem, de cirurgias invasivas extremamente sofisticadas, de marcadores que indicam
células doentes, de medicamentos de última geração que tendem a se tornar cada vez
mais individualizados.
Mesmo assim falta alguma coisa. Continuamos sendo acometidos per doenças
crônicas, perdendo qualidade de vida e fazendo fila nos consultórios e hospitais. E,
mais importante, não nos sentimos cuidados e atendidos plenamente nesse processo
convencional nem conseguimos conviver melhor com a doença. Ele não previne o
adoecimento: reage aos sintomas. Não busca entender o paciente inteiro, somente
parte do seu corpo que está acomentida por alguma patologia. Mas não precisamos
continuar assim.
Uma nova abordagem, chamada medicina integrativa, tem conquistado espaço
em instituições de pesquisa, hospitais, unidades de saúde e consultórios médicos ao
propor transformações nesse cenário fragmentado e nem sempre eficiente. Organizada
como movimento em universidades norte-americanas de pesquisa a partir dos anos
1970, uma de suas grandes inovações está na mudança de paradigma: sai a doença
como foco principal da atenção e entra o paciente inteiro – mente, corpo e espírito – no
centro do cuidado. Parece simples, mas é um deslocamento gigantesco que modifica
toda a prática médica, numa reação em cascata: o paciente é visto como agente
responsável por sua melhora, a consulta inclui atenção diferenciada, a relação médico-
paciente se fortalece, a escolha de terapias se expande. Até mesmo o conceito de cura
é ampliado, deixando de ser entendido apenas como ausência de doença (visão ainda
comum hoje em dia) para ser visto como restauração do bem-estar físico, mental e
espiritual – definição, aliás, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
101
Outro diferencial da medicina integrativa é a ênfase na capacidade inata de
recuperação do organismo. Em outras palavras, isso significa dizer que somos capazes
de participar ativimente do nosso processo de cura, apesar de não sermos educados
para saber disso.
A cura não vem de fora, mas de dentro – remédios, tratamentos e cirurgias são
necessários para auxiliar e acelerar essa recuperação, mas não são tudo nem podem
fazer todo o trabalho sozinhos. Condicionados como estamos ao pensamento racional e
cartesiano, que primeiro divide em partes para depois tentar compreender e racionalizar,
temos mais dificuldade do que uma criança para entender a capacidade de recuperação
do corpo – um garoto de 10 anos, ao observar um machucado cicatrizando, entende
melhor do que muitos adultos.
FONTE: LIMA, P. T. Princípios e conceitos. In: LIMA, P. T. Medicina integrativa: a cura pelo equilíbrio. São
Paulo: MG Editores, 2009. p. 19-25.
102
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O raciocínio ayurvédico nos conduz a outros patamares de entendimento da
manifestação da vida. Avançando nessa percepção, alcançamos o índice avançado
do conhecimento.
• Cada tecido tem seu papel no metabolismo, na formação, na regeneração e na
manutenção do corpo humano.
• A formação dos dhatus é a expressão perfeita da elegância da natureza e da natureza
divina que existe em cada ser. A formação de cada tecido e a interdependência de cada
um deles opera de maneira incrível a possibilidade de restabelecimento da saúde.
• Os updhatus e os malas manifestados indicam como está a saúde do indivíduo e
onde podemos atuar para restabelecer o equilíbrio.
RESUMO DO TÓPICO 3
103
AUTOATIVIDADE
1 O shukra permeia todo o corpo, promove a criação do tecido reprodutivo masculino e
feminino e se envolve na qualidade dos hormônios sexuais – estrogênio, progesterona,
testosterona, e na qualidade do sêmen, esperma e óvulo. Sobre o shukra, assinale a
alternativa CORRETA:
a) ( ) É controlado por vata dosha.
b) ( ) Obtém nutrição diretamente exclusivamente de mamsa dhatu.
c) ( ) A palavra shukra é derivada da palavra sânscrita shucha, que significa “impuro”.
d) ( ) Algumas pessoas acreditam que o smashrus (bigode) é o mala de shukra.
2 Depois que o alimento é digerido, os nutrientes essenciais (ahara rasa) são colocados
em circulação. Essa essência do alimento finalmente chega aos dhatus. Os tecidos
absorvem essa nutrição e a convertem em formas mais refinadas que se tornariam
compatíveis com o ser. Com base nas definições de dhatus, analise as afirmativas a
seguir:
I- Uma porção de prasada bhaga torna-se tecido local. Essa é a “reposição”, a nutrição
desse tecido.
II- Os malas não devem ser limpos e expulsos do corpo.
III- O mala bhaga ou excreta é eliminado dos tecidos.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 Os processos metabólicos no corpo convertem as substâncias alimentares em
minúsculos componentes para atender às necessidades do corpo e para se tornarem
compatíveis com os elementos, tecidos e órgãos do organismo. Os malas são as
excreções do corpo. Sabendo disso, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:
( ) O prasada bhaga é a parte dos nutrientes.
( ) O mala bhaga também é chamado de dhatu mala ou upa mala ou sukshma mala.
( ) O sweda (suor) é a excreta de asthi dhatu.
104
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) V - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 O rakta dahtu é formado logo após o rasa dhatu, então é o segundo tecidoa ser
formado. É comparado diretamente com o sangue e seus componentes, e só é bem
formado se receber a nutrição de rasa dhatu adequadamente. Sua principal função é
vivificar. Além de vivificar, descreva quais são as suas outras funções.
5 O corpo mostra alguns sinais em termos de impulsos ou reflexos quando são
produzidos resíduos. À medida que os malas se acumulam e estão prontos para
serem eliminados, esses reflexos ficam incontroláveis. A eliminação do excesso ou
do déficit desses malas pode levar a patologias graves e causar muitas doenças.
Descreva sobre quais são os desequilíbrios e as doenças que podemos associar ao
problema de eliminação de malas.
105
REFERÊNCIAS
BHATTACHARYA, R. S. Samkhya: encyclopedia of indian philosophies. Varanasi: Motilial
Banarsidass, 1987.
CHARAKA, A. Charaka samhita. Bombaim: Chakpori, 1972.
COTTA, C. Preparo de alimentos no fogo ajudou na evolução do homem, indica
estudo. Correio Braziliense, Brasília, DF, 25 set. 2012. Disponível em: https://www.
correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2012/09/25/interna_ciencia_
saude,324269/preparo-de-alimentos-no-fogo-ajudou-na-evolucao-do-homem-
indica-estudo.shtml. Acesso em: 29 jan. 2022.
LIMA, P. T. Princípios e conceitos. In: LIMA, P. T. Medicina integrativa: a cura pelo
equilíbrio. São Paulo: MG Editores, 2009. p. 19-25.
NANDALAL, S. Vaisheshika darsana. 2. ed. New Delhi: Kashinath! Bajpaya at the
Vijaya, 1923.
RAGHURAM, Y. S. Rasa dhatu: definition, formation, circulation, imbalance diseases,
treatment. Easy Ayurveda, [s. l.], 2016. Disponível em: https://www.easyayurveda.
com/2016/07/21/rasa-dhatu-definition-formation-imbalance-diseases-treatment/.
Acesso em: 4 mar. 2022.
RAO, V. S. K. R. Sushruta Samhita. Varanasi: Chaukhambha Vishwabharati, 1982. 2 v.
ROSSEAU, J. J. Émile ou de l´éducation. Paris: Garnier Frères, 1979.
SANKARACHARYA, S. Taittiriya upanishad. Benares: The G. T. A. Printing Works, 1903.
TECIDOS, órgãos e sistemas de órgãos. Khan Academy, Mountain View, CA, c2022.
Disponível em: https://pt.khanacademy.org/science/biology/principles-of-physiology/
body-structure-and-homeostasis/a/tissues-organs-organ-systems. Acesso em: 30
jan. 2022.
VAGBHATA, A. Ashtanga hrudayam – sutrasthana. Varanasi: Jaikrishnadas Haridas
Gupta, 1939. (Capítulo 1).
Sushruta sootra 14/3
106
107
COMPONENTES E MANOBRA
UNIDADE 3 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• identificar os óleos adequados a cada cliente;
• preparar óleos medicados com óleos essenciais;
• entender os benefícios da recepção da abhyanga;
• executar as manobras da técnica.
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – RITUCHARYA
TÓPICO 2 – ABHYANGA
TÓPICO 3 – ABHYANGA NA PRÁTICA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
CHAMADA
108
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
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109
TÓPICO 1 —
RITUCHARYA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Uma das características definidoras do ayurveda é a relação que mantém com
a sabedoria da natureza, nos ensinando que nossos corpos não existem em exceção ao
mundo natural e são, em vez disso, parte dele, integrados a ele e dependentes dele para
a nossa saúde e o nosso bem-estar.
Na era moderna, no entanto, vivemos em um estado tão separado da natureza
que esquecemos as maneiras naturais e instintivas de nos nutrir. Com a industrialização
disponibilizando alimentos sazonais durante todo o ano, e o fato de passarmos cada vez
mais de nossas vidas dentro de casa, é fácil esquecer como é viver verdadeiramente em
harmonia com os ritmos das estações.
Acadêmico, neste tópico, vamos acompanhar como se dá a ritucharya, elemento
essencial para uma vida equilibrada e feliz.
2 DEFINIÇÃO
A palavra ritu significa “estações” e charya significa “rotina”. No ayurveda, ritu
são importantes para trazer um estilo de vida saudável e adequado, ao mesmo tempo
que promovem a felicidade. As diretrizes ayurvédicas prescrevem uma dieta saudável
e mudanças no estilo de vida ao longo do ano, incluindo várias desintoxicações
ayurvédicas. Isso possibilita espíritos e corpos elevados, mantendo nossas vidas
realizadas, como orienta Vagbhata (2016).
Cada estação tem um efeito diferente em nossos corpos. Há uma razão pela
qual nosso corpo reage a sugestões, como a de tomar um caldo quente de legumes
em um dia sufocante de verão: diferentes tipos de alimentos ajudam o organismo a
voltar ao equilíbrio durante as diferentes épocas do ano. Agir contra essas inclinações
naturais pode realmente prejudicar o corpo, tanto por dentro quanto por fora. Quando
você come fora de sincronia com a natureza, mesmo que tenha uma dieta “saudável”, as
consequências podem incluir um sistema imunológico comprometido, ganho ou perda
de peso insalubre, má qualidade da pele e do cabelo e até mesmo um risco aumentado
de doenças mais graves. Alimentar-se de acordo com as estações do ano não apenas
faz você se sentir bem no momento, mas também é uma poderosa medida preventiva
de saúde.
110
De acordo com o ayurveda, o ano é dividido em dois períodos:
uttarayana, que significa a jornada do Sol para o inverno (os meses
frios) e dakshinayana, que significa a jornada do Sol para retornar do
inverno (os meses quentes), sendo aquilo que conhecemos como
solstício e equinócio (VAGBHATA, 2016).
ATENÇÃO
2.1 MUDARAM AS ESTAÇÕES
Na Índia, existem seis estações bem-marcadas e naturalmente podemos fazer
a correlação com nossas estações também. Para eles, as seis estações consideram o
período de transição entre inverno e primavera e do outono para o inverno.
Sharath ritu é o período de outono (sharath significa “nublado”), sendo marcado
por uma forte presença de agni, ou fogo digestivo, devido ao qual a água e o fogo são
energias proeminentes associadas a essa estação. Esse é, portanto, o melhor momento
para pacificar as energias pitta. O principal objetivo dessa temporada é fazer uma
transição suave para o inverno. Isso ajuda a limpar e purificar o corpo e a preparar o
sistema digestivo para a próxima estação.
Hemantha ritu é o período do inverno (hemantha significa “inverno”), durante
o qual o agni é mais forte. As energias da terra e da água são altamente dominantes,
o que, por sua vez, pacifica o pitta dosha. Essa temporada visa manter o corpo bem
nutrido, então é o momento de comer comida quente para que o agni digestivo continue
queimando. Abhyanga e swedana, são alguns tratamentos ayuvérdicos que podem ser
realizados nesse período.
Shishira ritu é um dos períodos que não temos associados às estações do ano
aqui no Ocidente (shishira significa “frio”). Essa temporada é úmida e fria, sendo rica
em energia kapha e, portanto, agni precisa se manter vívido para manter o corpo em
equilíbrio. Alimentos adstringentes e frios devem ser evitados. Abhyanga, swedana e
patra potli são alguns tratamentos ayurvédicos que devem ser realizados durante essa
temporada.
व्यधित यां हिमचन्दनमण्डिताम्
अवनतो रसिकः शिशिरः स्वयम्।
विशदकुन्दनिभात् प्रमदोदयाद्
इह सती हसतीव मही स्म सा॥
vyadhita yāṃ hima-candana-maṇḍitām
avanato rasikaḥ śiśiraḥ svayam |
viśada-kunda-nibhāt pramadôdayād
iha satī hasatîva mahī sma sā
111
A estação fria, como um amante humilde,
adornou pessoalmente a terra, sua amada,
com neve, como se fosse pasta de sândalo.
A terra, como uma boa esposa, parecia rir,
sua alegria aparecendo na forma de jasmim branco (ANSELL, 2010, s. p.).
Vasanta ritu é o momento da primavera (vasanta significa “primavera”), a hora em
que a vida retorna, os meses passam a ser mais quentes, predominando as energiasde
terra e ar. As energias de kapha começam a se dispersar e isso traz muita oscilação de
agni. Nesse período, são recomendados tratamentos de nasya (relativos ao nariz), com o
objetivo de tratar alergias e muco.
Grishma ritu é o verão (grishma significa “verão”), quando as energias do fogo
e do ar tomam conta do nosso entorno, secam tudo e aumentam as energias de pitta
e de vata. O corpo está com o nível de agni mais baixo, comparado com qualquer outra
estação. Nesse período, a abhyanga é uma das principais recomendações terapêuticas.
Varsha ritu é a estação chuvosa (varsha significa “chuva”). Nesse período, nossa
capacidade digestiva começa a aumentar novamente e há presença de água e ar. Os
tratamentos mais intensos, como panchakarma (cinco ações), são recomendados.
QUADRO 1 – ESTAÇÕES E RECOMENDAÇÕES TERAPÊUTICAS
FONTE: A autora
Estação do ano Palavras-chave Recomendação
Sharath ritu Nublado, outono. agni forte Pacificação de pitta
Hemantha ritu Inverno, ápice de agni Nutrição. abhyanga e swedana
Shishira ritu Frio, umidade Estimular agni, abhyanga, swedana, patrapotal
Vasanta ritu Primavera Tratar alergias e excesso de muco
Grishma ritu Verão Aumento de pitta e vata, abhyanga
Varsha ritu Chuva Panchakarma
Agora, sabendo essas alterações e oscilações que as estações do ano
trazem para os cinco grandes elementos, ganhamos um trunfo para nos adaptarmos
corretamente ao momento que iremos vivenciar.
A cada dia, você experimenta seis fusos horários de quatro horas: três durante o
dia e três à noite. Cada período do tempo é regido por um dosha específico e, portanto,
é influenciado pelas qualidades desse dosha. Em geral, vemos cada dosha duas vezes
em um dia de 24 horas.
2.2 TEMPO
112
QUADRO 2 – RELÓGIO AYURVÉDICO
FONTE: A autora
• Kapha (das 6h às 10h): está relacionado à estabilidade. O peso ao acordar pode ser
curado por meio de alongamento, caminhada ou treino para estimular e aquecer
o corpo. Segundo o ayurveda, devemos acordar alguns minutos antes da aurora.
Despertar no período kapha tende a nos trazer baixa energia e letargia ao longo do
dia. No entanto, esse não é o melhor momento para refeições pesadas, pois pode
fazer você se sentir mais lento e indisposto ao logo do dia. Deve ser feito um café da
manhã leve, nutritivo e revigorante.
• Pitta (das 10h às 14h): está relacionado à metabolização. Durante as horas de pitta,
você deve fazer a refeição principal do dia. O corpo está ativo e você pode facilmente
estimular o agni. Portanto, deve comer muito bem durante essas horas para que o
seu corpo possa digerir bem os alimentos.
• Vata (das 14h às 18h): está preocupado com os movimentos corporais e mentais.
Refere-se ao sistema nervoso e à experiência sensorial, estimula a criatividade. É
necessário descanso suficiente para altos níveis de energia e funcionamento mental.
Tente reduzir o estresse mental por meio de um passeio, tomando um chá quente
ou simplesmente descansando, lembrando que vata é o dosha mais sensível e pode
facilmente sair do equilíbrio.
• Kapha (das 18h às 22h): durante esse tempo, o kapha tenta nos preparar para um
bom sono e descanso, por meio do aumento de tamas em nossa mente. É melhor
comer cedo e em pequenas proporções para estimular a digestão, relaxar o corpo e
prepará-lo para o dia seguinte. Atitudes simples, como deixar a luz mais amena, ouvir
uma música suave e acender uma vela perfumada podem ter um impacto relaxante
e positivo, favorecendo o período de preparo para o descanso.
• Pitta (das 22h às 2h): dormir cedo estimula o bom funcionamento do corpo, então
permanecer acordado não é aconselhável, pois pode estimular a fome. Como
resultado, comer à meia-noite pode afetar drasticamente o funcionamento do corpo
e naturalmente desequilibrar os doshas. Portanto, evite se alimentar depois das 20h.
• Vata (das 2h às 6h): os sonhos são mais comuns nesse momento e podem conter
percepções e interpretações significativas. Se você acordar durante esse período,
poderá ter dificuldade para dormir novamente, pois os hormônios naturais que
induzem o sono começarão a diminuir por conta do estímulo sensorial recebido.
Kapha Das 6h às 10h Das 18h às 22h
Pitta Das 10h às 14h Das 22h às 2h
Vata Das 14h às 18h Das 2h às 6h
A beleza da rotina é que essas recomendações são flexíveis e podem ser
ajustadas de acordo com as suas prioridades e o seu estilo de vida atual.
113
2.3 MEDICINA INDIANA
Conforme pudemos perceber e entender a abrangência do ayurveda, chamá-lo
de medicina, conforme a definição moderna, o tornaria extremamente limitado. Por isso,
gostamos de dizer que o ayurveda é mais que um estilo de vida: é uma atitude que nos
possibilita encontrar a saúde, a plenitude e o equilíbrio em qualquer local do planeta, em
qualquer fase de nossa vida, estação do ano ou hora do dia.
Saúde, para o ayurveda, pode ser descrita como o estado de equilíbrio dos
doshas, o funcionamento normal dos tecidos e produtos residuais em conjunto com a
alma alegre, os sentidos controlados e nutridos, e o bem-estar da mente. O ayurveda
cobre os aspectos espirituais, sociais, mentais e físicos da saúde sob essa definição.
O estado saudável é o bem-estar físico, aspecto social e mental da vida.
Vagbhata (2016) define que a busca da mente virtuosa deve ser pela compaixão por
todas as criaturas, pelo sacrifício, pelo controle da mente em ações físicas, verbais e
mentais com a ajuda da sabedoria e considerando os outros sentimentos como seus
e agindo de acordo com os valores elevados.
2.4 MENTE SÃ E CORPO SÃO
Segundo o ayurveda, o corpo é uma cristalização da mente. Assim como
o agni e a indigestão estão na raiz de todas as doenças, a mente também desempenha
um papel crítico em nossa saúde geral. Na verdade, o ama mental (produtos emocionais
não digeridos) e as emoções não resolvidas podem levar a doenças de maneiras muito
concretas.
Por exemplo, a raiva não resolvida pode se acumular no fígado e prejudicar o
funcionamento desse órgão, a tristeza não processada pode perturbar os pulmões e
a ansiedade crônica pode perturbar a saúde do cólon. Além dessas, existem inúmeras
outras maneiras pelas quais os desequilíbrios na mente podem se manifestar como
doenças físicas.
Quando se trata disso, a mente é incrivelmente influente e tem um impacto
muito direto e potente em nossa saúde e nosso bem-estar geral – tornando o canal da
mente genuinamente digno de nosso cuidado e de nossa atenção sinceros.
Em última análise, nossos esforços focados para apoiar o canal da mente não
podem deixar de se espalhar para impactar positivamente todas as células, os tecidos e
os caminhos sutis em toda a nossa usina físico-química da mente e do corpo.
114
Substâncias e energias se movem por todo o corpo por meio de canais distintos
– tanto físicos quanto energéticos – conhecidos como srotamsi. Notavelmente, um dos
principais canais nomeados na tradição ayurvédica é o da mente, conhecido em sânscrito
como mano vaha srotas. O simples fato de ele existir nos diz o quão importante é o papel
que a mente desempenha em nossa saúde geral e em nossa longevidade. Quanto
mais explorarmos as particularidades desse canal, mais veremos quão significativo e
influente ele realmente é.
Nossa cultura tende a associar a mente ao próprio cérebro e, portanto, somos
naturalmente inclinados a imaginar a “mente” residindo dentro dos limites do crânio.
No entanto, de forma alguma o ayurveda concorda com essas mesmas limitações.
Estudamos esse ponto na cosmogênese do samkhya (RADHAKRISHNAN, 1989). Então,
o ayurveda revela de forma muito elegante o significado e a importância da mente
em uma visualização bem mais ampla de quem somos, tanto em relação ao seu
nível de importância quantoem relação ao seu vasto campo de influência em nossa
manifestação mente e corpo.
115
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O ayurveda é a essência da possibilidade de viver uma vida bem vivida. Este
conhecimento disponibiliza orientações e sugestões que englobam os elementos
mais inusitados, todavia, isso é curioso apenas na percepção ocidental.
• O bem viver é a capacidade de apreciar e entender os ciclos naturais.
• O conhecimento das estações e suas influências no corpo, nos elementos
externamente se movimentando, favorece o entendimento para a conduta e a
escolha do protocolo de tratamento.
• Perceber a influência dos doshas nas horas do dia proporciona a possibilidade de
entendimento de desequilíbrios e seus antídotos.
• Estar consciente da movimentação dos doshas ao longo do dia e da noite nos oferece
a oportunidade de perceber pontos-chaves para o tratamento.
• Corpo e mente são dois lados da mesma moeda, reforçando as teorias de conexão
corpo e mente que muitas doenças se instalam no organismo por influência direta
das alterações psicoemocionais.
RESUMO DO TÓPICO 1
116
AUTOATIVIDADE
1 No ayurveda, ritu (estações) são importantes para trazer um estilo de vida saudável
e adequado, ao mesmo tempo que promovem a felicidade. As diretrizes ayurvédicas
prescrevem uma dieta saudável e mudanças no estilo de vida ao longo do ano.
Isso possibilita espíritos e corpos elevados, mantendo nossas vidas realizadas.
Considerando essas informações, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As consequências de não seguir as recomendações sazonais podem incluir
um sistema imunológico comprometido, ganho ou perda de peso insalubre, má
qualidade da pele e do cabelo e até mesmo um risco aumentado de doenças
mais graves.
b) ( ) Com a industrialização disponibilizando alimentos sazonais durante todo o ano,
podemos escolher com mais certeza o alimento que se refere determinada
estação do ano. Essa oferta permanente é ótima para a nossa rotina.
c) ( ) De acordo com o ayurveda, o ano é dividido em três períodos, cada um contendo
seis estações. Essa divisão das estações favorece o terapeuta nas escolhas dos
tratamentos, das ervas e dos óleos necessários.
d) ( ) Cada estação tem um único efeito em nossos corpos. Por isso, dificilmente
sentimos qualquer tipo de alteração física no período que engloba a época de
transição de uma estação à outra.
2 A cada dia você experimenta seis fusos horários de quatro horas: três durante o dia
e três à noite. Cada período do tempo é regido por um dosha específico e, portanto,
é influenciado pelas qualidades desse dosha. No geral, vemos cada dosha duas
vezes em um dia de 24 horas. Com base nas definições dos enfoques dos horários
associados aos doshas, analise as afirmativas a seguir:
I- Alimentar-se à noite deveria ser algo muito bem escolhido, pois, devido ao início da
predominância do horário pitta, às 18h, nosso corpo precisa estar apto a digerir os
alimentos antes de nos deitarmos.
II- Os sonhos são mais comuns entre 2h e 6h da manhã. Eles podem conter percepções e
interpretações significativas quando ocorrem nesse período.
III- Peso ao acordar pode ser curado por meio de alongamento, caminhada ou treino
para estimular e aquecer o corpo. Segundo o ayurveda, devemos acordar alguns
minutos antes da aurora.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
117
3 Na Índia, são consideradas seis estações no ano, cada uma com suas influências nos
elementos e consequentemente nos doshas. Conhecer essa dinâmica nos orienta e
embasa para fazer as melhores escolhas de alimentos e tratamentos. Sabendo disso,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) Sharath ritu é o período de outono, sendo que a palavra sharath significa “nublado”,
marcado por uma forte presença de agni.
( ) Hemantha ritu é o período do inverno, sendo que a palavra hemantha significa
“inverno”, durante o qual o agni é mais fraco.
( ) Varsha ritu é a estação chuvosa, sendo que a palavra varsha significa “chuva”,
quando nossa capacidade digestiva começa a aumentar novamente.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 Segundo o ayurveda, o corpo é uma cristalização da mente. Assim como o agni e
a indigestão estão na raiz de todas as doenças, a mente também desempenha um
papel crítico em nossa saúde geral. Na verdade, o ama mental (produtos emocionais
não digeridos) e as emoções não resolvidas podem levar a doenças de maneiras
muito concretas. Discorra sobre essa afirmação.
5 Nossa cultura tende a associar a mente ao próprio cérebro e, portanto, somos
naturalmente inclinados a imaginar a “mente” residindo dentro dos limites do crânio.
No entanto, de forma alguma o ayurveda concorda com essas mesmas limitações.
Justifique essa afirmação.
118
119
ABHYANGA
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —
1 INTRODUÇÃO
“Abhyanga deve ser feita diariamente. Afasta a velhice, o esforço e o agravamento
de vata” (VAGBHATA, 2016, p. 8-9). Massagem, quando ouvimos essa palavra, muitos de
nós imaginamos um luxuoso tratamento de Spa reservado para ocasiões especiais. No
ayurveda, no entanto, a prática de abhyanga (massagem com óleo) é recomendada
diariamente, sendo uma forma única de terapia, originária do ayurveda.
É conhecida por beneficiar a mente, o corpo, a pele e o sistema imunológico.
Envolve grandes quantidades de óleo e uma sequência única de um ou dois terapeutas
que aplicam o óleo pelo corpo, considerando o que aquele indivíduo necessita equilibrar.
2 DEFINIÇÃO
A palavra abhyanga é composta de duas palavras em sânscrito: abhi e anga,
sendo que abhi significa “movimento em direção a”, e anga significa, nesse contexto, “[...]
os seis membros principais – śiras (cabeça), hasta (mãos), uras (peito), pārśva (lados),
kaṭi (cintura), pada (pés) – nos quais são realizados os vários āṅgika (gestos), de acordo
com o nāṭyaśāstra” (MANOMAHAM, 1959, p. 149, grifos do original).
Abhyanga é uma forma de esfregar o óleo no corpo, sincronizada
ao movimento do sangue arterial. A explicação lógica por trás dessa
convenção pode ser expandir a corrente sanguínea em direção às
partes mais distais do corpo e abster-se de dominar o coração por
meio do retorno venoso.
IMPORTANTE
Para as pessoas saudáveis, sua aplicação faz parte das rotinas diárias, pois
garante o bem-estar das articulações, nutre os dhatus (tecidos do corpo) e leva os
doshas perturbados de volta ao ajuste. Muito mais que uma massagem, a abhyanga
tem por principal objetivo nutrir o corpo e a mente por meio da aplicação de óleos.
O processo de oleação do corpo estabelece muitos benefícios, tanto físicos
quanto emocionais. Em sânscrito, a palavra óleo é sneha, também sendo traduzida
como “amor”.
120
2.1 NUTRIÇÃO
Certamente, há um momento adequado para fazer qualquer atividade e a
ingestão de alimentos não é exceção. Precisamos seguir o tempo adequado para
consumir alimentos. Da mesma forma, os padrões, a quantidade e a qualidade dos
alimentos e a maneira de comermos diferem de estação para estação.
Charaka Samhita cita que “[...] ahara (comida ou dieta) enfatiza a ingestão de
alimentos na hora certa (kala bhoji) junto com a ingestão de alimentos compatíveis
(conducentes, hita ahara) na quantidade certa (mita ahara) de alimentos para manter
uma boa saúde e evitar doenças” (SHARMA, 1972, p. 115, grifos do original).
Quantas vezes por dia devemos nos alimentar? Há umditado famoso na Índia
sobre o número de vezes que devemos nos alimentar e ele diz mais ou menos assim:
A pessoa que come uma vez é um yogi, ou seja, um santo.
Uma pessoa que come duas vezes é um bhogi, ou seja, que vive de acordo com as
condições disponíveis com um pouco de disciplina.
Uma pessoa que come três vezes é um rogi, ou seja, um doente, sempre um paciente.
Uma pessoa que come quatro vezes ou mais é quase considerada morta.
Os alimentos só devem ser ingeridos quando os que foram ingeridos
anteriormente foram digeridos adequadamente. A fome se manifesta apenas quando
o rasa (sucos digestivos em circulação), o dosha e o mala (excrementos, resíduos) são
eliminados adequadamente. O aparecimento deles é chamado de anna kala ou “hora
adequada para comer”.
O fogo digestivo presente na barriga digere a comida quando está equilibrado
e no melhor de sua intensidade. Quando a comida não é fornecida na hora e na
quantidade certas, o fogo digestivo digere doshas. Na ausência de doshas, o agni digere
os dhatus (tecidos). Isso leva à falha do sistema de suporte do corpo. Em última análise,
na ausência de dhatus, o agni digere e destrói o prana (força vital). As atividades da vida
serão interrompidas e a pessoa acabará enfrentando a morte.
O ayurveda foi a primeira ciência da saúde a defender "comer alimentos na
hora certa", mantendo em vista o equilíbrio entre qualidade e quantidade. A etiqueta
alimentar explicada pelo ayurveda é exemplar e, quando devidamente seguida, ajudaria
a manter a saúde física e mental ideal.
Alimentar-se em horários inadequados é a origem de muitas doenças,
desencadeia e agrava muitos distúrbios sistêmicos e de estilo de vida, como diabetes,
obesidade, insônia, hipertensão, problemas relacionados ao colesterol, úlceras pépticas,
indigestão, anorexia, doenças inflamatórias intestinais etc.
121
Todas as pessoas precisam ser criteriosas em suas prioridades. Saúde é
riqueza. Se a saúde for mantida da melhor maneira possível, qualquer objetivo pode ser
alcançado na vida. Portanto, a alimentação é considerada um dos pilares importantes de
apoio à saúde no ayurveda. Isso porque a melhora substancial nas condições de saúde
daqueles que seguem o horário da alimentação e as recomendações do ayurveda são
inquestionáveis.
A causa raiz da maioria das doenças pode ser definida como ajeerna (indigestão):
à medida que o tempo passa, é natural que nossa capacidade digestiva fique menor, até
porque o destino natural de todo ser humano é a morte, então, o fogo digestivo e o
próprio pitta já seguem o caminho adequado para que o processo de finitude se inicie.
Para manter o relógio da hora da alimentação funcionando em favor da nossa
saúde, é preciso comer na hora certa, levando em consideração:
• a qualidade e a quantidade da comida;
• a capacidade digestiva.
Uma alimentação boa, equilibrada e oportuna é capaz de manter o ritmo
circadiano do corpo em um estado de equilíbrio.
2.2 O SABOR DA PAIXÃO
Você recorda que a visão filosófica do ayurveda nos faz enumerar as variáveis
que devem ser consideradas para obtermos uma vida saudável e longa, certo? Então,
saiba que três sustentáculos sempre devem ser considerados com extremo cuidado
e prioridade: a nutrição, o repouso/sono e a busca pelo autoconhecimento. Dos três, a
nutrição é o principal eixo de sustentação da vida, do corpo e da mente, sendo primordial
na conquista da vida saudável e plena. Afinal, como se vive sem comida?
Em sânscrito, ahara é comida e ela foi classificada no século XVII por
Valmikiramayana. Ele definiu que existem seis formatos de comida:
• cosya: que precisa ser sugado como cana-de-açúcar ou romã;
• peya: que precisa ser bebida, como o leite;
• rasala: que precisa ser lambida, como o mel envelhecido;
• polika: que precisa ser comida sem mastigação, como o purê de
batata;
• ladduka: que precisa ser mordida, como a maçã;
• carvya: que precisa ser mastigado, como quase todos os alimentos
(RAMASHARYA, 1971, p. 232).
Ao longo da evolução da civilização, os seres humanos têm ampliado suas
experiências com a forma da comida que ingerem, desde comer crus os animais caçados
até formas de comida adequadamente processadas, aparadas, calculadas e medidas e,
nos dias modernos, preparadas com extrema cautela e precisão pelos melhores chefs.
122
Não há inflexibilidade na escolha da comida, mesmo quando preparada em
casa. Todos nós temos diferentes gostos e opções de alimentos. Em última análise,
comemos para viver, para sustentar a vida dentro de nós, para continuar o processo de
vida, para evoluir e viver com saúde.
Uma referência do taittariya upanishad (CHINMAYANANDA, 2013) dá o status
de supremacia ao ahara e chama ahara de Brahma ou o criador. Naturalmente, todos
nós somos criados e mantidos por ahara. Desde o ponto de nossa concepção no
ventre de nossa mãe, somos nutridos pelo ahara rasa ou os nutrientes fornecidos
incondicionalmente e compartilhados conosco por nossa mãe. Esse alimento guarnecido
de amor e carinho chega até nós pela circulação fetal, passando pela placenta. O feto
cresce e amadurece com a ajuda desse ahara rasa vindo da mãe. Se essa fonte de
ahara for cortada, o feto não sobreviverá e, portanto, uma vida terminará.
Nenhum medicamento é equivalente ao alimento. Ahara é chamado de
maha bhaishajya, o maior e melhor medicamento. Apenas com a administração de
alimentação e dieta adequada é possível curar as doenças, mesmo sem a necessidade de
administração medicamentosa. Qualquer doença pode ser curada de forma abrangente
sem qualquer medicamento, bastando seguir a pathya ahara (alimentação equilibrada).
2.3 A ORQUESTRA DE SABORES
É dito que, na Índia, nem tudo o que arde é pimenta. As especiarias têm um lugar
de destaque, tanto na culinária quanto no ayurveda, todavia a principal recomendação
relacionada aos tratamentos propostos deve seguir a premissa de que qualquer terapia
poderia ser servida como uma refeição. E por quê? Pois a chance de ocorrer reações
adversas ou efeitos colaterais é reduzida drasticamente.
Para você, o que é sabor?
Muitas das ações terapêuticas dos medicamentos ayurvédicos são explicadas
pelo sabor do medicamento isolado ou combinado. Por exemplo, ervas amargas atuam
como redutoras de febre. O sabor, no ayurveda, não serve apenas para explicá-lo como
uma característica, mas também é uma ferramenta para explicar a farmacologia. Outra
observação importante é o fato de termos o paladar, um dos nossos sentidos, como
uma das bases para a recepção dos tratamentos.
Todos os sabores têm suas raízes no elemento água. Logo, concluímos que
mesmo ervas secas têm sabor, pois todos os objetos existentes têm a água como
elemento em seu nível atômico e no físico.
123
QUADRO 3 – ELEMENTOS
FONTE: A autora
Tanmatra Panchamahabhuta
Som Espaço vazio: akasha
Tato Vento: vayu
Visão Fogo: agni
Sabor Água: jala
Aroma Terra: prthivi
Rasa é a palavra em sânscrito para “sabor”, “gosto”, ela conta com mais de 50
definições, como “propriedade das ervas”, “terra”, “líquidos transparentes que fluem pelo
corpo”, “mercúrio”, “sentimento”, “emoção” etc.
Rasa é o sentido especial conhecido por intermédio do rasna ou rasanendriya
(língua ou papilas gustativas). O gosto é a ação direta de um medicamento nas
terminações nervosas da membrana mucosa da boca. O sabor é identificado e
decodificado pelas papilas gustativas.
O sabor de uma erva deve ser medido tomando a amostra seca. A erva fresca
terá muita umidade, e esse excesso de umidade diluirá os elementos, diluindo, assim,
seu sabor.
O sabor que você sente e percebe claramente no início e no fim do contato com
a língua é o sabor da substância. Há variação do sabor de acordo com o lugar e a hora
em que as ervas foram analisadas.Às vezes, em diferentes livros de ayurveda, você
pode encontrar a mesma erva explicada por ter gostos diferentes. Isso pode ser porque
os autores podem ser de diversos lugares com diferentes condições climáticas.
A laranja pode ser mais azeda em algum lugar, assim como menos azeda e mais
doce em outro. O contexto de tal explicação também deve ser levado em consideração.
Por exemplo: se um autor explica “manga azeda”, ele está se referindo a frutas verdes.
Na visão do ayurveda, existem apenas seis sabores:
• madhura: doce;
• amla: azedo;
• lavana: salgado;
• katu: picante;
• tikta: amargo;
• kashaya: adstringente.
124
Sim, eles também derivam dos cinco grandes elementos. Todavia, a base de
todos os sabores é o elemento água, que orquestra os outros elementos para dar origem
a sabores específicos. Cada um dos shadrasa (seis sabores) é constituído ou originado
pela combinação de dois dos panchamahabhutas:
• sabor doce: madhura rasa = prithvi + jala (terra e água);
• sabor azedo: amla rasa = prithvi + agni (terra e fogo);
• sabor salgado: lavana rasa = jala + agni (água e fogo);
• sabor picante: katu rasa = vayu + agni (ar e fogo);
• sabor amargo: tikta rasa = vayu + akasha (ar e éter);
• gosto adstringente: kashaya rasa = vayu + prithvi (ar e terra).
Se uma substância for doce, ela terá mais terra e água. Se tiver gosto amargo,
indica que contém mais ar e espaço vazio. No caso do doce, é composto de terra e água,
ambos são elementos pesados. Consequentemente, as substâncias de sabor doce são
geralmente pesadas para digerir. Eles trazem estabilidade ao corpo. Da mesma forma,
as substâncias de sabor amargo são leves para digerir, porque o ar e o espaço vazio –
ambos são de natureza muito leve. Consequentemente, eles trazem leveza ao corpo.
O doce é formado por terra e água, então, juntos, eles trazem frescor ao corpo e
à mente. O sabor picante tem ar e fogo, por isso alimentos com gosto picantes, como a
pimenta, são geralmente quentes por natureza.
Nenhuma substância tem um único sabor, pois qualquer substância tem
todos os cinco elementos, mas alguns são dominantes. Com base nesse domínio, um
determinado sabor se torna mais evidente do que o outro. Uma substância não precisa
necessariamente ter um sabor particular, por exemplo: a groselha indiana (amla) tem os
cinco sabores, exceto o salgado.
Em determinadas estações do ano, há a predominância de sabores particulares
devido à necessidade natural do organismo naquela época. O que isso significa? A
doçura das substâncias é maior no inverno, por isso temos a oferta natural específica
de verduras, frutas e legumes, por exemplo: o abacate é uma fruta que tem sua colheita
no inverno.
• Os sabores doce, azedo e salgado aumentam o kapha dosha e diminuem o vata
dosha.
• Os sabores picantes, amargos e adstringentes aumentam o vata dosha e pacificam o
kapha dosha.
• Os sabores azedo, salgado e picante aumentam o pitta dosha.
• Os sabores doce, amargo e adstringente diminuem o pitta dosha.
O sabor doce é compreendido pela sua qualidade de aderir à cavidade oral,
proporcionando uma sensação de contentamento e prazer ao corpo e conforto aos
órgãos dos sentidos. Esse sabor é agradável ao corpo, confere saúde, melhora os fluidos
125
corporais, o sangue, os músculos, a gordura, os ossos e a medula, além de nutrir o
sistema reprodutor e produzir ojas (imunidade), aumentar a expectativa de vida e
acalmar os órgãos dos sentidos e a mente. Além disso, provoca robustez no corpo, faz
bem à garganta, aumenta o leite materno, une os ossos fraturados. Ele não é facilmente
digerível, mas prolonga a vida, ajuda nas atividades vitais.
É untuoso, mitiga pitta, vata e veneno. Pelo uso excessivo, produz doenças
decorrentes de gordura e kapha, obesidade, asma, inconsciência, diabetes, aumento
de glândulas do pescoço, tumores malignos (câncer) e outros. É composto pelos
mahabhuta: prithvi (terra) e jala (água). Portanto, suavidade e frieza devido à água e
peso devido à presença de terra são as principais qualidades do sabor doce. Assim,
as substâncias com sabor doce são geralmente pesadas para digerir, mas são macias,
untuosas e frias. Geralmente, as substâncias de sabor doce aumentam o kapha.
O sabor azedo é composto por elementos prithvi (terra) e agni (fogo). Suas
qualidades são pesadas, untuosas e quentes. Por causa de seu elemento terra, tem
qualidades como peso, o que aumenta o kapha dosha. Devido ao seu elemento fogo,
aumenta o pitta dosha. Por não conter nenhum elemento ar e por causa do calor do
fogo e do peso de terra – ambos opostos às qualidades de vata –, o sabor azedo acalma
o vata dosha.
O azedo ou amla melhora o sabor dos alimentos, força a digestão, nutre o corpo,
melhora o entusiasmo, agrada a mente, fortalece os órgãos dos sentidos, causa sensação
de formigamento nos dentes, causa a salivação, a secreção de órgãos internos, induz
o suor, limpa a cavidade oral, causa a sensação de queimação na boca e garganta,
excita a língua, causa piloereção, sacia a mente, estabiliza os órgãos dos sentidos,
aumenta a força de digestão, é carminativo, promove o movimento natural de fluidos e
substâncias nos canais do corpo, promove a saúde do coração, pode causar distúrbios
hemorrágicos de pitta, se tomado em excesso, esgota a qualidade e a quantidade de
sêmen e esperma, induz a formação excessiva de urina, aumenta a força, é nutritivo. O
gosto azedo dá água na boca, causa horripilação, leva o fechar dos olhos e enrijece as
sobrancelhas.
O sabor do sal diminui o vata, aumenta o pitta e o kapha dosha. Não é muito
pesado, é quente e oleoso. Existem diferentes opiniões sobre a composição do elemento
básico do sabor do sal. A composição da água e do fogo é amplamente aceita (terra e
água = amla rasa). Por causa do elemento água, é pesado e untuoso, e por causa do
fogo, tem qualidade quente. Devido ao seu elemento fogo, aumenta o pitta dosha. Por
causa de seu elemento água (peso), ele equilibra o vata e aumenta o kapha.
Salgado ou lavana, derrete e se distribui no corpo muito rapidamente, dá umidade
e suavidade ao corpo, melhora o sabor, quebra as partículas, favorece o movimento dos
doshas na direção descendente, causa leve sensação de queimação na boca, liquefaz
o kapha dosha, decompõe o kapha e causa seu movimento/sua excreção, aumenta a
força de digestão, é carminativo, untuoso, quente, forte e penetrante.
126
Nos tratamentos corporais, os sais são usados para unção, oleação, swedana
(tratamento de suor), em decocção e enema de óleo, como parte da dieta, no tratamento
nasya, em procedimentos cirúrgicos, em supositórios retais etc. Geralmente, os sais são
ruins para os olhos (visão), exceto o saindhava (sal-gema).
O sabor picante diminui o kapha, aumenta o pitta e o vata dosha. É leve, quente
e seco por natureza, sendo composto pelos elementos vayu (ar) e agni (fogo). Quando
você pensa em ar e fogo juntos, pode imaginar leveza, calor e secura. Essas três são as
qualidades dos alimentos com sabor picante. Por causa de seu elemento ar, aumenta
o vata dosha e, quando esse elemento é aquecido pelo fogo, seu volume aumenta,
portanto, o fogo também contribui para o aumento do vata dosha. Calor e a leveza
são contra as qualidades do kapha (frio e peso), portanto acalma o kapha dosha, que
pode ser comparado ao gelo. Então, se você expuser o gelo à qualidade quente, ele vai
derreter, ferver e evaporar.
O sabor picante, ou katu, estimula a língua, piora a sensação de queimação,
induz a lacrimação e as secreções do nariz e da boca, limpa a cavidade oral, aguça
os órgãos dos sentidos, aumenta a força de digestão, é carminativo, ajuda a aliviar
vermes intestinais, absorve o líquido, estimula o coração, induz/piora o sangramento,
diminui o interesse e o desempenhosexual, causa a perda de peso, desincrusta os
canais do corpo, é desintoxicante, acalma o crescimento excessivo de úlceras, raspa o
tecido muscular, ajuda na oleação, no suor, na eliminação de resíduos pegajosos, é útil
em algumas doenças de pele, cura doenças como indigestão, inflamação, obesidade,
urticária, conjuntivite crônica e coceira – esta última é um sintoma de kapha e, como o
katu rasa diminui o kapha, então ajuda a aliviar a coceira.
O sabor amargo é composto de elementos vayu (ar) e akasha (espaço vazio).
Quando você pensa em ar e espaço vazio juntos, pode imaginar leveza, frio e secura.
Essas são as qualidades dos alimentos com tikta rasa. O amargo aumenta o vata dosha.
Quando você sopra o ar com força sobre o fogo (pitta), o fogo se apaga. Logo, o amargo
acalma o pitta dosha. Por ser oposto ao peso (qualidade kapha), pacifica o kapha.
O sabor amargo (tikta) destrói outros sabores, todavia, com o tempo e o
uso adequados, ajuda a melhorar a capacidade de degustação da língua e a aliviar
doenças relacionadas, como a anorexia, pois limpa a cavidade oral, causa secura na
boca, atua como refrigerante, causa felicidade, eleva o humor, aumenta a força de
digestão, é carminativo, diminui o interesse e o desempenho sexual, ajuda a aliviar os
vermes intestinais, desintoxica o sangue, não é bom para o coração, é útil para aliviar
a expectoração do trato respiratório, alivia a inflamação na ferida, cura feridas sem a
formação de pus, reduz a formação de pus, diminui a umidade e o colesterol, é antitóxico,
alivia a sensação de queimação, diminui a transpiração, limpa o leite materno, alivia a
coceira, portanto é útil em doenças de pele.
127
A maioria das ervas usadas em doenças de pele – como karanja, neem etc. –
tem o amargo como um de seus sabores. É útil na febre, pois a maioria das ervas de
sabor amargo – como nim, giloy etc. – tem benefícios antimicrobianos e antipiréticos.
O sabor adstringente é composto por elementos vayu (ar) e prithvi (terra).
Quando você pensa em ar e espaço vazio juntos, você pode imaginar peso (devido à
solidez), frio e secura (devido ao ar). Essas três são as qualidades dos alimentos com
kashaya rasa.
O elemento ar aumenta o vata dosha. Por apresentar ar e terra, causa aspereza
e ressecamento, ambos são opostos às qualidades de kapha dosha (que tem suavidade
e oleosidade), portanto pacificam o kapha dosha.
Quando você coloca areia (terra), ou sopra o ar com força para o fogo (pitta), o
fogo se apaga. Portanto, o sabor adstringente também acalma o pitta dosha. Kashaya,
ou adstringente, é um sabor calmante, curador, absorvente, constipativo, causa pressão,
peso em partes do corpo, seca a umidade, higieniza a língua, alivia o excesso de salivação,
causa secura na cavidade oral e na garganta, pode causar ou piorar a dor no peito, traz
cura, ajuda a aliviar a expectoração, transmite peso ao corpo, causa interrupção do fluxo
sanguíneo em caso de sangramento, causa prisão de ventre, diminui o interesse e o
desempenho sexual, é útil em distúrbios hemorrágicos, usa a umidade do corpo.
2.4 A PELE
A twacha (pele) é um dos importantes jnananendriya (órgão dos sentidos)
que cobre todos os outros indriyas e todo o corpo. É composta pela combinação
de panchamahabhutas dos quais o vayu mahabhuta é o mais importante. O
desenvolvimento da pele ocorre no terceiro mês de vida intrauterina. Acharya Charaka
(apud AGNIVESHA, 2001, p. 529, grifos do original) descreveu:
[...] o desenvolvimento da pele por um exemplo adequado. A pele
desenvolve-se como uma camada de creme no leite. O aquecimento
do leite resulta na formação da pele resulta do calor gerado no
processo de união de shukra e shonita e o formação de outros dhatus
no corpo fetal. Visões diferentes sobre o desenvolvimento.
Como já estamos acostumados, o ayurveda enumera tudo o que estuda e
explana, então são citadas sete camadas da pele, cada uma com sua própria estrutura
e função. As camadas são projetadas para que cada uma forneça suporte as camadas
acima dela. A pele como um todo é capaz de desempenhar efetivamente suas funções
gerais quando todas as camadas são saudáveis e equilibradas.
Avabhasini é a camada mais externa. Reflete a tez e a qualidade do rasa dhatu
(fluido nutritivo, o primeiro dos sete tecidos do corpo). Também atua como um espelho:
indica se a fisiologia como um todo está equilibrada ou desequilibrada e se há saúde ou
128
desordem interna. A camada avabhasini também reflete a aura do indivíduo: se houver
bem-aventurança interior, ela aparece nessa camada. Não apresenta cor própria, e sim
reflete as cores das camadas internas. A reidratação interna e externa, e a massagem
regular apoiam a saúde e a aparência da camada avabhasini da pele.
Lohita é a camada que suporta a camada mais externa. Indica a qualidade
do rakta dhatu (sangue). Se houver ama (impurezas) no sangue, ela afeta a aura da
camada externa e acentua a sensibilidade ao Sol. A cor dessa camada se assemelha ao
ferro fundido.
Shweta é uma camada branca e proporciona equilíbrio à cor da pele, iluminando
as cores mais escuras das camadas internas.
Tamra é a camada que nutre as camadas superiores da pele. Suporta o sistema
imunológico e ajuda a pele a desempenhar sua função de ser uma "barreira". As infecções
de pele refletem um desequilíbrio nessa camada. É cor de cobre.
Vedini é a quinta camada e liga sensualmente a pele ao resto do corpo. É o
centro de transformação da sensação, como a dor, por exemplo.
Rohini é a camada que suporta a cura e a regeneração. O desequilíbrio nessa
camada retarda a cura e o desaparecimento de cicatrizes ao longo do tempo. Uma dieta
equilibrada, rica em valor nutricional, suporta a camada de rohini.
Mamsadhara é a camada mais interna e é a plataforma para a estabilidade e
firmeza da pele. Quando ela está em equilíbrio, a pele fica jovem e macia. Nutrir essa
camada ajuda a retardar o processo de envelhecimento.
2.5 OS CORPOS SUTIS
Vata, pitta e kapha são o caminho da maioria das pessoas para compreender
o ayurveda. É fácil entender como o vata dosha pode ser responsável por todos os
movimentos, o pitta por todas as transformações e o kapha por todas as estruturas
de nosso corpo e do mundo ao nosso redor. Porém, há um nível mais profundo desse
entendimento, e os três doshas têm suas raízes ou formas mestras, que às vezes
são chamadas de as três essências sutis: prana (força vital e energia), tejas (brilho e
coragem) e ojas (vigor e força).
Prana é a nossa força vital, energia e vitalidade e é a raiz ou essência sutil
de vata dosha. Ele é a inteligência que orienta todas as nossas funções fisiológicas e
psicológicas, governa processos – como respiração, circulação, digestão e excreção – e
coordena nossa respiração, nossos sentidos e nossa mente. Em um nível mais profundo,
ele governa o desenvolvimento e a integração de estados superiores de consciência.
129
Tejas é o nosso brilho interno, brilho, destemor, inteligência e compreensão. É
a essência sutil de pitta e o meio pelo qual digerimos e metabolizamos as impressões
que recebemos por meio de nossos sentidos e os pensamentos e as emoções que
ocupam nossa mente. Em um nível mais profundo, ele governa o desenvolvimento de
habilidades perceptivas superiores.
Ojas é o nosso vigor, a nossa força, a nossa imunidade, a nossa longevidade e
o nosso bem-estar primordiais, é a essência sutil de kapha, bem como de todos os sete
tecidos de nosso corpo. Ele é o depósito de bala (força) e a base de nossa resistência
física e mental. Diz-se que cada um de nós nasce com oito gotas de ojas no coração. No
entanto, ele também é visto como o produto final da digestão e está presente em todos
os nossos tecidos. É considerado a cola que mantém tudo unido, incluindo nossocorpo,
nossa mente e nossa consciência. Também nutre e fundamenta o desenvolvimento de
estados superiores de consciência.
De acordo com o ayurveda, não temos apenas um corpo: temos cinco. Enquanto
os doshas têm sua principal influência em nosso corpo físico denso, prana, tejas e ojas
atuam principalmente no nível de nossos corpos mais sutis.
Cada um dos nossos cinco corpos (koshas) atua como uma bainha, que cobre
ou oculta nossa natureza essencial: nosso atman ou o eu interior. Todos os cinco koshas
estão interconectados e em constante interação uns com os outros. Há uma sequência
em nossos koshas, do grosseiro ao sutil, e, dentro dessa sequência, o kosha mais
refinado ou sutil tem uma influência reguladora no kosha anterior, mais grosseiro.
Dentro do estudo da tradição védica, a taittiriya upanishad (CHINMAYANANDA,
2013, p. 383) nos conta que nossa verdadeira natureza está protegida por cinco invólucros:
“Os cinco invólucros do não ego ou grupo objetivo constituem, respectivamente, as
essências materiais de que são constituídos os cinco invólucros do ego ou grupo
subjetivo. Ao perceber a natureza dos dez koshas do ego e do não ego [...]”.
São elas:
• annamaya kosha: anna significa “comida”, e annamaya kosha é o corpo que construímos
com a comida que comemos. É o mais grosseiro e o mais material de todos os nossos
corpos e o que detectamos por meio de nossos sentidos. É geralmente referido como
nosso corpo físico e está associado ao elemento terra (prithvi);
• pranamaya kosha: prana é frequentemente traduzido como “força vital”. Este
invólucro é nosso prana ou corpo de energia e controla o fluxo de energia por meio
de nosso corpo físico por intermédio de um sistema de canais sutis chamados nadis.
Nosso corpo também tem vários centros de energia chamados marmas, por meio
dos quais nosso corpo de energia interage com nosso corpo físico. Esses pontos
(marma) controlam o fluxo de energia para diferentes sistemas e órgãos do corpo,
como coração, cérebro, estômago e fígado. Esse kosha está associado ao elemento
água (jala);
130
• manomaya kosha: manas significa “mente” e esse kosha atua como um depósito de
memórias, emoções, gostos e desgostos e todas as informações que recebemos por
meio dos nossos sentidos. Manomaya kosha é frequentemente referido como nosso
corpo emocional ou mental e está associado ao elemento fogo (agni ou tejas);
• vijnanamaya kosha: vijnana é geralmente traduzido como “intelecto”, mas também
pode ser considerado o aspecto superior de nossa mente, nosso buddhi. Esse
corpo é composto por nossa faculdade de inteligência, discriminação, sabedoria e
compaixão. Quando esse invólucro é mais proeminente em nossa experiência, nossa
mente e nosso coração ficam livres de agitação, equilibrados e claros. Esse kosha
é algumas vezes referido como nosso corpo de conhecimento e está associado ao
elemento ar (vayu);
• anandamaya kosha: ananda significa “felicidade” e esse invólucro é composto de
sattva, felicidade, harmonia, paz e contentamento. Alguns chamam isso de corpo
causal, outros de corpo de êxtase. De todos os nossos corpos, o anandamaya kosha
é o reflexo mais verdadeiro de nosso atman subjacente, o ser cuja natureza é sat-
chit-ananda (pura consciência de bem-aventurança). Esse kosha é o mais difundido
e está associado ao espaço ou elemento éter (akasha).
Esses aspectos fisiológicos e sutis, abordados no ayurveda, são o grande
diferencial na aplicação de qualquer terapia corporal em um indivíduo, sendo este
saudável em busca da manutenção da saúde ou adoecido, buscando a redenção da cura.
131
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Abhyanga é muito mais do que uma simples massagem: é um ato de nutrição e
reorganização da capacidade digestiva do indivíduo.
• É importante associar a nutrição e a alimentação à capacidade digestiva do indivíduo,
considerando sua habilidade de assimilação e excreção.
• A alimentação saudável deve considerar muito mais variáveis do que sugere a
nutrição moderna.
• O ayurveda traz outro ponto de vista em relação à anatomia e à fisiologia da pele.
• É necessário correlacionar os sabores de forma adequada e coerente para que eles
possam ser aplicados de forma correta nas composições terapêuticas.
• Um tratamento de ayurveda abrange aspectos sutis e densos.
• O ato mais simples, como sanar a sede, é um protocolo terapêutico.
RESUMO DO TÓPICO 2
132
AUTOATIVIDADE
1 Os aspectos fisiológicos e sutis abordados no ayurveda, são o grande diferencial na
aplicação de qualquer terapia corporal em um indivíduo, sendo este saudável em
busca da manutenção da saúde, ou adoecido, buscando a redenção da cura, um
sistema elegante e completo de bem-estar. Sabendo disso, assinale a alternativa
CORRETA:
a) ( ) Anandamaya kosha é o reflexo mais verdadeiro de nosso atma subjacente, o ser
cuja natureza é sat-chit-ananda (pura consciência de bem-aventurança).
b) ( ) Ananda significa infelicidade e esse invólucro é composto de sattva, desarmonia,
conflito e tristeza.
c) ( ) Esse kosha é o mais difundido e está intimamente ligado a rakta dhatu, estando
associado ao espaço ou elemento água (akasha).
d) ( ) Esse kosha é algumas vezes referido como nosso corpo de conhecimento e está
associado ao elemento ar (vayu).
2 Vijnana é geralmente traduzido como “intelecto”, mas também pode ser considerado
o aspecto superior de nossa mente, nosso buddhi. Esse corpo é composto por
nossa faculdade de inteligência, discriminação, sabedoria e compaixão. Com base
nas definições dos enfoques das modalidades de análise do ayurveda, analise as
afirmativas a seguir:
I- Buddhi deriva de prakrit e, com o desdobramento dele, temos a manifestação de
ahamkara.
II- É frequentemente referido como nosso corpo emocional ou mental e está associado
ao elemento fogo (agni ou tejas).
III- Quando esse invólucro, identificado como vijnanamaya kosha, é o mais proeminente
em nossa experiência, nossa mente e nosso coração ficam livres de agitação.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 Todos os cinco koshas estão interconectados e em constante interação uns com os
outros. Há uma sequência em nossos koshas, do grosseiro ao sutil, e, dentro dessa
sequência, o kosha mais refinado ou sutil tem uma influência reguladora no kosha
anterior, mais grosseiro. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as
falsas:
133
( ) Enquanto os doshas têm sua principal influência em nosso corpo físico denso,
prana, tejas e ojas atuam principalmente no nível de nossos corpos mais sutis.
( ) Ojas é considerado a cola que mantém tudo unido, incluindo nosso corpo, nossa
mente e nossa consciência.
( ) Cada um de nós tem 15 corpos ou koshas, sendo que cada um deles atua como uma
bainha, que cobre ou oculta nossa natureza essencial.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - V - F.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 Vata, pitta e kapha são o caminho da maioria das pessoas para compreender o
ayurveda. É fácil entender como vata dosha pode ser responsável por todos os
movimentos, pitta por todas as transformações e kapha por todas as estruturas de
nosso corpo e do mundo ao nosso redor. Disserte sobre os elementos sutis que se
associam a cada dosha.
5 As camadas da pele, segundo o ayurveda, são projetadas para que cada uma forneça
suporte às camadas acima dela. A pele como um todo é capaz de desempenhar
efetivamente suas funções gerais quando todas as camadas são saudáveis e
equilibradas. Nessecontexto, disserte sobre a forma como o ayurveda divide nossa
pele.
134
135
TÓPICO 3 —
ABHYANGA NA PRÁTICA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
O saber de um médico é incompleto se não conhecer todo o corpo de
conhecimento. Na Antiguidade, a abhyanga (massagem com óleo) era a parte inseparável
da vida cotidiana por causa dos enormes benefícios que fornece ao corpo humano e à
mente para torná-lo forte e livre de doenças. Tanto no tratamento quanto na prevenção
de desequilíbrios e doenças, ela tem sido utilizada com ótimos resultados.
Manter-se nas melhores condições se reflete em todas as atividades de nossa
vida. O equilíbrio diário do nosso estado físico proporciona não apenas desempenho
máximo, mas também uma vida emocional mais rica.
Todo o estresse e a tensão da vida moderna atraem muitas pessoas para os
centros de terapia de massagem acessíveis para um alívio temporário. Cerca de 250
tipos de terapias corporais estão disponíveis em todo o mundo.
O ayurveda tem a sua própria posição sobre a importância de abhyanga, pois
é, principalmente, um método natural e poderoso para reorganizar a saúde. Embora
encontremos com facilidade na internet, ou em muitos livros, vários tipos de métodos
para “massagem ayurvédica”, a abhyanga segue as orientações dos textos clássicos,
sendo um dos métodos terapêuticos mais praticados no ayurveda.
Após a devida consideração de prakriti (compleição pessoal), satmya (tradições
de ascendência), ritu (estação do ano), dosha (aquilo que desequilibra), Desha (região
em que se está localizado) e roga (doença), a abhyanga deve ser realizada com taila
(óleo vegetal de gergelim), ghrita (ghee/manteiga clarificada) ou qualquer outro sneha
(óleo) adequado.
Devido à aplicabilidade e aos bons efeitos, a abhyanga com taila tem o seu uso
preferencial. A utilidade da abhyanga se dá como a principal modalidade de tratamento
em vários distúrbios neurológicos, praticada também como técnica de relaxamento na
maioria dos centros de saúde da Índia. Pode ser praticada em um indivíduo saudável
para manter a saúde e em doentes para combater as doenças.
Pode ser comparada à massagem na linguagem moderna, que significa um
conjunto de procedimentos, geralmente feitos com as mãos, na superfície externa do
corpo de várias maneiras, seja do ponto de vista curativo, paliativo ou higiênico. Produz
efeitos benéficos nos sistemas nervoso e muscular, na circulação local e geral do sangue
e da linfa.
136
Por meio da massagem com óleo, o corpo humano torna-se forte e resistente
às doenças de vata e torna a pessoa resistente a esgotamentos e esforços. O vayu
domina no órgão sensorial tátil, que está alojado na pele. Então, uma pessoa saudável
deve receber esse procedimento regularmente, pois auxilia na manutenção da saúde.
Ela faz parte do dinacharya (rotina diária) para a manutenção e a promoção da
saúde. Ao realizar a sarvanga abhyanga de maneira científica, a qualidade de vida pode
ser melhorada, sendo que esta não é meramente o estado geral de saúde, mas sim o
componente coletivo de fatores físicos, psicológicos, socioeconômicos e ambientais.
No atual estilo de vida, é sempre difícil de manter intacto o estado geral de
saúde. O ser humano é assombrado por muitos distúrbios físicos. A própria vida
“automática” também perturba o homem psicologicamente em termos de depressão,
insônia, ansiedade e transtornos relacionados ao estresse, por exemplo.
Então, ao considerar essas situações, é importante frisar que a abhyanga pode
ser utilizada nas seguintes situações: na rotina diária, em indivíduos saudáveis, promove
a saúde e auxilia a manter a aptidão física; nos períodos de transição de estações, ajuda a
proteger o corpo e a mente; e em questões de desequilíbrios, é indicada, principalmente,
em estados predominantes de doenças vata.
2 SNEHANA E PREPARAÇÕES TERAPÊUTICAS COM
ÓLEOS ESSENCIAIS
Charaka (apud AGNIVESHA, 2001) menciona snehana como uma das shat-
upakrama (seis terapias básicas) no ayurveda. Seu significado é “óleo”, “untuosidade”,
“umidade”, “amor”. As ações ou os procedimentos que tornam o corpo untuoso são
chamadas de sneha.
Snehana, ou ato de untar ou de tornar oleoso, ou de oferecer amor, alivia o
vata agravado, suaviza o corpo e descarrega (desintegra) o material mórbido aderido
nos canais de circulação. Cada óleo tem suas propriedades (gunas) específicas e por
isso é importante conhecer essas características e associá-las adequadamente ao
tratamento.
As principais gorduras ou os óleos que usamos na execução da abhyanga são:
• gritha (ghee/manteiga clarificada): sua ação alivia e acalma o pitta e nutre o vata,
propicia o rasa dhatu, o sukra dhatu e o ojas, tem efeito refrescante e suavizante
sobre o corpo, confere clareza à voz e brilho à pele, pois tem predominância de
madhura rasa e deve ser usada desde o nascimento;
• taila: deriva de tila, que significa “gergelim”, todavia podemos usar a palavra taila
para acompanhar outros óleos, como o eranda taila, que é o óleo de rícino. Quando
estiver apenas a palavra taila sem outro complemento, ela se refere ao óleo vegetal
137
de gergelim. Ele mitiga todo o excesso de vata, mas, se usado em excesso, aumenta
o kapha. Confere força e disposição ao corpo, características bem presentes em um
kapha equilibrado. Também é quente (usna), por isso também pode agravar o pitta;
• vasa: nesse contexto, significa “gordura muscular”. Na Índia, usam a gordura muscular
da cabra para efetuar a abhyanga, sendo utilizada nas injúrias profundas da pele, em
fraturas, no prolapso uterino, para dores de ouvido e de cabeça;
• óleo de coco: tem o madhura rasa, é naturalmente refrescante e pesado, logo
aumenta o kapha, nutre o vata, mas deve ser usado com cuidado, pois o vata
também tem natureza fria. Acalma o pitta, é um excelente nutrido de todos os dhatus
e previne a queda de cabelo;
• eranda: tem o madhura rasa e o kashaya, é quente, ajuda a preservar a pele do
envelhecimento, é benéfico para a memória e muito utilizado no tratamento de
artrite reumatoide. No entanto, aumenta o pitta, nutre o vata e deve ser usado com
moderação em indivíduos com o kapha em excesso.
A abhyanga pode ser aplicada no corpo (sarvanga abhyanga), na cabeça (shiro
abhyanga) e nos pés (pada abhyanga) isoladamente, de acordo com a necessidade
terapêutica do indivíduo. É possível medicar os óleos vegetais ou de animal com óleos
essenciais e, seguindo a observação dos gunas, dos óleos e dos desequilíbrios a serem
tratados, temos composições muito eficientes.
Em geral, a dosagem se refere a 100 ml de óleo vegetal ou animal e dez gotas
de óleo essencial. Essa proporção deve ser respeitada caso haja mais óleos essenciais
na composição.
A exceção para dez gotas de óleo essencial é referente a cravo,
canela, capim-limão e outros óleos que queimem a pele. Nunca
use óleo essencial diretamente na pele nem use em pele irritada
com lesões ou alergias.
IMPORTANTE
Os óleos essenciais que já proporcionam a pacificação dos doshas e não lhe
causam perturbação são:
• rosmarinus oficinale: pacifica o vata e o kapha, aumenta o pitta;
• juníperus virginiana: nutre o vata e o pitta, aumenta o kapha;
• mentha spicata: acalma o pitta, é neutro para o vata, aumenta o kapha;
• lavandula oficinale: pacifica o pitta e o kapha, aumenta o vata;
• melaleuca alternifólia: equilibra os três doshas.
Vejamos agora os benefícios da massagem com óleo.
138
3 BENEFÍCIOS DA ABHYANGA
Vaidya Haridas (apud KASTURE, 2004, p. 104) diz: “Aprofundando o significado
do termo abhyanga, temos a seguinte proposição: as palavras ang e abhi podem indicar
o movimento do dhatu”. Então, considerando essa afirmação, a abhyanga não é um
procedimento simples de aplicação de óleo por meio de determinadas manobras, mas
sim mantém a excelência dostecidos do corpo, especialmente se o óleo aplicado é
adequado para a prakriti do indivíduo. Daí é recomendado em pessoas saudáveis para
a prática diária de rotina de manutenção da saúde.
Quando o óleo é selecionado de acordo com a doença no doente, ele cura os
males também. Além disso, temos os seguintes benefícios: melhora a tez do corpo,
ajuda a manter a elasticidade da pele, restaura a imunidade natural, rejuvenesce os
tecidos do corpo, promove a saúde, previne o processo de envelhecimento, alivia o
vata dosha, alivia o kapha dosha, ajuda a superar a ansiedade e o estresse, relaxa os
músculos, alivia a fadiga, melhora a força física, promove a excelência dos tecidos do
corpo, induz o sono profundo, melhora a visão, recupera e nutre os tecidos do corpo,
prolonga a vida de uma pessoa.
4 SARVANGA ABHYANGA
Sarvanga significa “o corpo todo”, então sarvanga abhyanga é uma terapia
eficaz e promotora da saúde. Apesar desses benefícios terapêuticos, a abhyanga não
deve ser aplicada nas seguintes condições: distúrbios de kapha, indigestão, excesso de
ama, dosha viciado e com ama, febre, câncer, período menstrual.
O uso de óleos medicados na pele propicia que os princípios ativos das ervas
sejam absorvidos pelos poros e direcionados ao segundo tecido (rakta dhatu), e esse
procedimento amacia a musculatura, aliviando consideravelmente as dores.
A cura pelo toque é definitivamente uma das melhores técnicas para qualquer tipo
de enfermidade. Além das questões de reflexologia, o toque sempre vem manifestado
por amor e é impossível performar adequadamente uma massagem se não nos
concentrarmos no momento presente.
Em cada uma das posições descritas a seguir, a pessoa que recebe o
procedimento deve permanecer de dois a cinco minutos. Assim que o procedimento for
finalizado, é importante deixar a pessoa descansar na maca por dez minutos.
139
5 HORA DA ABHYANGA
Segundo os livros clássicos, a abhyanga deve sempre começar pela cabeça,
depois seguir para os pés e então para o restante do corpo. O procedimento total de
aplicação deve levar 48 minutos.
As primeiras horas da manhã são ideais para a abhyanga. O paciente deve estar
com o estômago vazio, e os alimentos consumidos no dia anterior devem ser digeridos
adequadamente, ou seja, a evacuação das fezes deve ter ocorrido antes da recepção
da terapia.
As posturas comumente empregadas para a abhyanga são as seguintes:
• sentado ereto com os joelhos estendidos sobre a maca;
• posição supina;
• posição lateral esquerda;
• posição supina;
• posição lateral direita;
• posição supina;
• sentado ereto com os joelhos estendidos sobre a maca.
As posturas alternativas são:
• sentado ereto com os joelhos estendidos;
• posição supina;
• posição lateral esquerda;
• posição lateral direita.
Depois de espalhar o óleo morno, cada parte do corpo é massageada uma após
a outra. O terapeuta move as palmas das mãos na superfície do corpo da pessoa, no
sentido anuloma (do crescimento dos pelos do corpo). Esse é o princípio geral da técnica
abhyanga.
Os movimentos atribuídos podem ser observados e aplicados considerando a
Figua 1:
140
FIGURA 1 – ESQUEMA DE MASSAGEM
FONTE: A autora
Técnica
Movimento
intenso
Movimento
suave
Profundidade
do tecido
Profundo
Superficial
Parte do
corpo
Local
Geral
Pressão
exercida
Profunda
Superficial
Então, com a pessoa disposta na maca na Posição 1, começamos colocando um
pouco de óleo no topo da cabeça, na sola dos pés e nas palmas das mãos.
Auxiliamos a pessoa a ficar na Posição 2 e iniciamos as manobras após aplicar
óleo morno na região a receber a terapia. As manobras aplicadas se iniciam no crânio e
na face são:
• movimentos suaves e gentis nas têmporas dos dois lados do crânio simultaneamente;
• movimentos suaves e gentis na testa e no couro cabeludo, a fim de promover o
relaxamento da área;
• movimentos com pressão média no couro cabeludo usando a ponta dos dedos das
duas mãos;
• movimentos deslizantes com as pontas dos dedos, com pressão suave ao longo das
orelhas.
As manobras nos pés devem aplicar a terapia em um pé de cada vez:
• aplicar óleo morno no pé;
• fazer movimentos deslizantes, para cima e para baixo, com pressão suave e
aumentando a pressão gradativamente até que a pressão seja profunda, a fim de
trazer relaxamento muscular da região;
• aplicar movimentos circulares e suaves nos maléolos.
Manobras no restante do corpo:
• aplicar óleo morno na perna a ser massageada;
• posicionar as palmas inteiras das duas mãos sobre a perna, próximo ao tornozelo, e
deslizar a mão no sentido ascendente com pressão suave e intensificar a pressão no
movimento descendente (anuloma);
141
• nas articulações, não exercer pressão e promover movimentos circulares;
• aplicar óleo morno no tronco e no braço;
• com a mesma posição das mãos, fazer o deslizamento subindo da cintura até o ombro
com pressão suave e descendo do ombro até os dedos com pressão mais intensa.
Para o movimento ascendente, partir dos dedos até o ombro com pressão suave, e
do ombro até a cintura com pressão mais intensa.
Repetir as manobras em ambos os lados do corpo e em todas as posições do
indivíduo na maca conforme indicamos. A pessoa jamais deve ficar de barriga para baixo
na maca, pois isso interfere na digestão.
O subdosha de pitta bhrajaka está localizado na pele. Ele confere as
características de cor e brilho, gerencia a temperatura do corpo, bem como a cor da
pele. As variações na cor da pele são também funções de bhrajaka pitta.
Jadavaji, no sushruta samhita, descreveu o bhrajaka pitta e suas funções como
deepana (ativador das capacidades digestivas) e pacana (capaz de digerir ama). Logo,
as substâncias aplicadas na pele por abhyanga, ou qualquer outro procedimento, são
digeridas por bhrajaka pitta, pois nenhuma substância pode agir corretamente no corpo
e na mente sem ser digerida (TRIKAMJI, 2007).
142
LEITURA
COMPLEMENTAR
PRANA: O SEGREDO DA CURA PELA YOGA
Atreya
PRÓLOGO
Prana é a energia fundamental que vitaliza tudo no universo. É, em última análise,
a energia da consciência propriamente dita, responsável por todos os movimentos
neste mundo consciente. Todos os sistemas de medicina atuam por meio de algum
aspecto do prana, ainda que não compreendam o que vem a ser isso. Apesar de não
ser reconhecido pela medicina alopática como uma entidade em si mesma, ainda assim
o prana afeta nossa vitalidade de diversas maneiras, as quais a medicina alopática
descreve como circulação ou homeostase. Portanto, poderíamos dizer que toda cura é
uma cura prânica.
Os sistemas naturalistas de medicina baseiam-se na compreensão da energia
vital e de como mantê-la em equilíbrio. O próprio prana, que em sânscrito significa
força vital, é a base do ayurveda, sistema tradicional de cura natural originário da Índia.
Ayurveda significa a ciência (veda) da vida (ayur). Ayur, vida, é ele mesmo um sinônimo
de prana. O ayurveda é uma medicina prânica; e todas as suas terapias baseiam-se
num reconhecimento da energia vital e dos vários modos de equilibrá-la.
A cura prânica também está relacionada com o sistema da yoga. Esta não é
apenas um sistema de exercícios ou mesmo de meditação. E uma forma de trabalhar
com as energias sutis do corpo e da mente, e a principal delas é o prana. A ciência yogue
pranayama e seus diversos exercícios de respiração baseiam-se na compreensão do
prana e das maneiras de trabalhar com ele. Sem um desenvolvimento do prana não
podemos avançar muito em qualquer caminho yogue, pois nos faltará a vitalidade
necessária para percorrê-lo.
Os sistemas naturais de medicina utilizam diversas substâncias como
veículos para o prana, tal como alimentos ou ervas. Essas substâncias são definidas
energeticamente de acordo com suacapacidade de aquecer e de esfriar, ou de acordo
com seus elementos constituintes e qualidades; ou seja, de acordo com o modo pelo
qual elas afetam nosso prana. Tanto o ayurveda quanto a medicina chinesa apresentam
esses sistemas de classificação. Todas as diversas dietas e ervas recomendadas visam
afetar a energia vital de maneira específica.
143
Quando procuramos um médico ou um agente de cura não é apenas o que eles
nos receitam que nos ajuda. Antes de mais nada, reagimos à força de cura, ao prana ou
à vitalidade, dos médicos. Podemos sentir essa força na forma pela qual eles nos falam
ou nos tomam o pulso. Penetramos em sua aura de cura, no campo de seu prana. Se o
terapeuta é amigável, gentil, confiante e sensível (ou seja, se ele vibra em seu prana),
reagimos positivamente a ele e lhe seguimos as recomendações alegremente. Sem que
haja alguma relação prânica com o terapeuta, o tratamento dificilmente trará um bom
resultado.
Os sistemas de medicina natural empregam diversos métodos que trabalham
com o prana, tais como acupuntura, trabalho corporal, ou karma pancha (práticas de
purificação do ayurveda). São casos nos quais lida-se com o prana de forma mais
direta. O toque, propriamente dito, qualquer que seja, transmite o prana, pois o toque é a
qualidade sensorial que se relaciona com o elemento ar, ao qual o prana ou a respiração
estão ligados.
É possível, além do mais, usar o prana de forma direta, com objetivos de cura,
seja em conjunto com outros veículos de prana, como os alimentos ou as ervas, ou
sozinho. Podemos aprender a projetar a força do prana para curar a nós mesmos ou às
outras pessoas. Existem inúmeras formas de trabalho direto com o prana, tais como
o pranayama (exercícios de respiração). Pode-se projetar diretamente a energia da
respiração, usando o poder da mente, em particular por meio da visualização. Onde quer
que concentremos nossa atenção, estaremos também colocando algum aspecto de
nosso prana ou vitalidade. Quanto maior nossa concentração, maior o poder do prana
de que podemos dispor. Os terapeutas corporais sabem da importância de regular sua
respiração, paralelamente ao tratamento do paciente, pois isso garante um fluxo mais
positivo de energia de cura. Os terapeutas que trabalham com acupuntura e acupressão
sabem da importância de colocar seu chi nesses pontos de acupuntura.
Nem sempre é fácil, entretanto, usar o prana para a cura. Para isso, é necessário
que primeiramente se cultive o próprio prana, o que, por sua vez, requer disciplina física,
mental e espiritual. Para influir diretamente na energia vital de outra pessoa, precisamos
estar seguros de que a nossa própria energia vital e as nossas motivações são puras.
Nossa meta deve ser a de servir de veículo para o prana, não o de obter algum tipo
de poder ou de nos glorificar como agentes de cura, e certamente não o de interferir
no fluxo natural de energia vital do paciente, segundo nossos próprios conceitos ou
desejos.
O ayurveda recomenda uma dieta vegetariana para os que querem ser agentes
de cura prânicos. Se comemos carne, estamos ingerindo a energia da morte que
interferirá em nossa própria energia vital. Deveríamos também praticar ahimsa, ou não
violência, pois qualquer forma de violência torna nossa energia vital negativa.
144
Todas as doenças, quer sejam físicas ou mentais, refletem algum tipo de
bloqueio na energia prânica. O resultado é a debilidade, a depressão e as emoções
tumultuadas, todos eles sintomas de desequilíbrios prânicos. Por essa razão, qualquer
doença pode ser tratada através do prana. Os terapeutas que podem dispor de um
prana puro para transmitir a seus pacientes não precisam se preocupar com detalhes
do diagnóstico. Projetando a força prânica, eles podem atingir com precisão o âmago de
todos os nossos problemas de saúde.
Há atualmente na Índia um novo movimento que, como parte de um
renascimento da medicina natural, está ligando a cura prânica a terapias semelhantes
no mundo todo. No Ocidente, entretanto, até o momento, é bastante difícil encontrar
livros, ou mesmo material autêntico acerca da cura prânica.
Atreya, em seu livro Prana: o segredo da cura pela yoga, apresenta essa ciência
e preenche essa necessidade. Ele examina a natureza do prana e suas funções no
corpo físico, no corpo sutil, e na mente, descrevendo sua relação com os chakras. De
maneira notável, ele acrescenta vários exercícios práticos para desenvolvermos o nosso
próprio prana e para tratarmos outras pessoas usando essa força vital. O livro, repleto de
informações, irradia entusiasmo e reflete o grande desenvolvimento prânico do próprio
autor. O livro não é apenas uma excelente introdução para a cura prânica, mas também
pode ser usado como um manual. E útil tanto para o leigo como para os profissionais
de cura.
Atreya analisa a cura prânica do ponto de vista espiritual e a relaciona com
os profundos ensinamentos dos vedas, visando ao autoconhecimento. Dessa forma,
ele orienta o leitor através da cura prânica rumo ao autoconhecimento. A orientação
espiritual do livro realça suas qualidades e transporta o leitor a um nível mais profundo
de compreensão de si mesmo.
Dr. David Frawley
CAPÍTULO 1 – O QUE É PRANA?
A espiritualidade nada mais é do que compreender o jogo da consciência
tentar descobrir o que vem a ser essa fraude, buscando-lhe a origem. – Sri
Nisargadatta Maharaj
Existe uma antiga história acerca do prana no prasna upanishad. Um grupo de
busca espiritual procurou um mestre que os ajudasse a atingir a sabedoria suprema.
Para responder as suas perguntas, o professor exigiu que eles permanecessem por um
ano em meditação e em celibato.
145
Agiu dessa forma para que eles pudessem adquirir controle sobre os próprios
sentidos. Eles concordaram. Depois de passado um ano, um deles perguntou: "Do que
nascem todos os seres humanos?". O mestre respondeu que a consciência, buscando
a diversão, criou os opostos, matéria e energia, com a ideia de que essas duas coisas
produziriam todos os seres. O prana, a energia, é representado pelo Sol, e a matéria é
representada pela Lua. Esses opostos, energia e matéria, criaram juntos o universo.
Os estudantes fizeram outra pergunta: quantas "divindades" amparam uma
pessoa e qual delas é a principal e mais gloriosa? Eis a resposta do professor: quantas
divindades (impulsos inteligentes) controlam o corpo e qual a principal dessas? As
divindades responderam todas ao mesmo tempo. O espaço disse: "Eu sou a principal", e
também disseram o Ar, o Fogo, a Água e a Terra, as funções da Fala, da Mente, da Visão,
da Sensação e da Audição. Cada uma delas alegava ser a responsável por manter a
integridade do corpo e por permitir que ele funcionasse.
O chefe Prana disse a essas divindades: "Não se iludam. Sou eu quem não
permite que o corpo se desintegre". As outras divindades estavam descrentes. Notando
essa atitude, o chefe Prana começou a estender-se acima do corpo. De imediato,
todos os outros o acompanharam. Em seguida, o Prana permaneceu tranquilo e todas
as outras divindades ficaram tranquilas. Percebendo a realidade, todas as divindades
começaram a louvar o Prana como seu chefe. A verdade é que, assim como os raios da
roda de uma carroça se fixam no centro da roda, tudo gira em torno do prana.
O mestre então ampliou essa ideia: o prana reside com os órgãos e mantém o
corpo numa unidade. O prana é adorado como aquele que cria, destrói e preserva todo
o universo. Ele aparece como o Sol, a chuva, o fogo, o ar, como a força que controla todo
o mundo e os céus. O prana é louvado como a entidade que a tudo permeia e como
o senhor de todas as criaturas. Mais uma vez, um estudante perguntou: "De onde vem
esse prana, como ele penetrano corpo e como ele sustenta o mundo psíquico?". O
mestre respondeu: "O prana vem do Eu (da consciência pura). Ele é atraído para o corpo
pela mente e se divide em cinco forças que governam o corpo. O prana funciona como
um rei, que distribui o trabalho entre seus ministros – nesse caso, cada um dos cinco
pranas controla uma região do corpo".
Essa história, simbólica, explica a natureza e as ações do prana. Quase todas as
antigas escrituras usam metáforas e símbolos para explicar o conhecimento do sábio,
derivado de suas percepções imediatas da realidade.
Os sábios antigos usavam um método subjetivo para observar e perceber a
realidade, tal como os cientistas hoje usam métodos objetivos para estudar a realidade.
Ambos são métodos válidos, mas, uma vez que a ciência precisa ainda reconhecer o
prana, nosso manual seguirá a sabedoria dos antigos yogues ou videntes que, muito
tempo atrás, já conheciam os segredos do prana.
146
O prana é a energia vital do universo. Os seres estão vivos devido ao prana.
As tradições apresentam nomes diversos para o prana: força vital, ki, chi, orgônio e
simplesmente "energia". Embora muitas vezes entendido como respiração, prana não
é respiração; o prana cavalga na respiração, mas é diferente da respiração. O prana
penetra no corpo e sai dele seguindo o movimento da respiração. Tal é a natureza do
prana: movimento.
O termo prana vem do sânscrito; significa antes (pra) da respiração (ana). O
prana é neutro; é pura energia, sem quaisquer qualidades. Essa energia pura pode
adquirir qualquer qualidade sem perder sua pureza; é o que ocorre conosco, por exemplo,
quando vestimos nossas roupas: ao fazê-lo, nós nos adaptamos a um modo de vestir,
mas, ainda assim, continuamos sendo a mesma pessoa.
O prana pode ser usado para facilitar a meditação, o sexo, o combate ou a
cura. Ele dá vitalidade ao corpo físico e nos dá também forças para pensar. Prana é
energia física e mental: "O movimento do pensamento na mente surge do movimento
do prana; e o movimento do prana surge em função do movimento do pensamento na
consciência. Eles formam assim um ciclo de dependência mútua, como o movimento
das ondas e das correntes marítimas". Essa citação encontra-se numa antiga escritura,
uma das mais respeitadas na Índia, e tem mais de 5.000 anos. Portanto, a informação
apresentada aqui não é nova. Existe há milhares de anos toda uma ciência construída
sobre os efeitos do prana.
Tradicionalmente, a yoga ensina que existem cinco tipos de prana no corpo:
o prana, o apana, o samana, o udana e o vyana. Existe também o Prana cósmico que
a tudo permeia e que é a fonte dos cinco pranas confinados ao corpo, cada qual com
uma função específica. Dos cinco pranas do corpo, em geral se admite que o prana e o
apana são os mais importantes.
O prana repousa no coração e na cabeça; o apana repousa na base da coluna
e é conhecido como a "respiração para baixo". Juntos, o prana e o apana formam a
polaridade da respiração. Essas duas forças são, na verdade, o que dá força à respiração.
O prana é o aspecto solar (masculino) e o apana, o aspecto lunar (feminino).
Dos outros pranas, o samana repousa na região do umbigo e é conhecido como
a "respiração para cima"; o udana concentra-se na garganta, porém move-se para cima
e para baixo no corpo todo; e o vyana se espalha pelo corpo todo, mantendo-o unido.
Ao longo deste livro, iremos nos referir aos cinco pranas simplesmente como prana;
usaremos a inicial maiúscula quando se tratar do Prana cósmico.
A cura prânica é um ramo da yoga, que é uma das ciências védicas. O que é
exatamente a yoga? Há muitos ramos da yoga. Alguns dizem respeito ao corpo, outros
à mente, alguns têm poderes ocultos e alguns dizem respeito à percepção de si mesmo
ou à iluminação.
147
Originariamente, os antigos videntes eram mestres em todas as ciências
conhecidas: ayurveda (medicina), posturas de yoga, meditação, matemática, astrologia,
geologia, guerra e religião. Essas eram as chamadas ciências védicas. Normalmente,
um sábio se especializava em um campo, mas esperava-se que ele conhecesse os
fundamentos de todos os oito ramos de conhecimento. Ayurveda, hatha-yoga e
pranayama estavam relacionadas com corpo físico. A cura prânica é originária desse
ramo da tradição védica.
Em geral, a yoga é entendida como um método pelo qual se atinge uma "união"
com o divino ou com Deus. Embora seja possível praticar o hatha-yoga sem estar ciente
do divino, isso não é yoga em seu sentido mais puro, mas simplesmente um programa
de exercícios indiano para conservar a saúde física. Se, entretanto, praticarmos o hatha-
yoga conscientes de que a mente, o prana e o corpo se originam de uma mesma fonte,
para nós desconhecida, isso é yoga em seu significado mais puro.
Yoga não é o método nem a prática; na verdade, yoga é nossa busca pela fonte
desconhecida. A cura prânica é apenas um método; ela também pode ser usada como
yoga, para nos levar à fonte de nossa força vital e de tudo o que existe.
Yoga, tal como usamos nesse livro, é a tradição de sábios e textos que faz a pessoa
transcender o corpo, a manifestação, e atingir o inalcançável, que está além tanto do que é
manifesto quanto do que é não manifesto. "Eu saúdo o Eu Supremo. Foi o Eu que primeiro
me ensinou o conhecimento brilhante do hatha-yoga. O hatha-yoga é como uma escada:
aquele que desejar pode subir até o estado mais elevado de raja-yoga".
A cura prânica é uma abordagem não violenta da saúde e qualquer pessoa pode
aprendê-la. Não agride o corpo, a mente nem as emoções. Não tem nenhum sistema,
nenhuma classificação e não é nociva à saúde.
Energizando o corpo, o prana o revitaliza naturalmente, deixando-o apto para
lutar contra as doenças e para conservar a saúde. Esse é um método de cura tão antigo
quanto a própria humanidade, um método totalmente natural para a raça humana.
A cura prânica é uma abordagem holística; em outras palavras, ela revitaliza todo o
organismo humano – corpo/mente/emoções. Para ser mesmo eficaz, a verdadeira cura
deve trabalhar não apenas com a doença manifesta, mas com a raiz do problema.
Tal qual a mente, o prana tem um movimento natural. O que é a mente? A mente
é o processo pelo qual os pensamentos se desenvolvem e se desvanecem, ou aparecem
e desaparecem, na consciência, habitualmente conhecido como o ato de "pensar".
A mente é uma sequência de pensamentos. A mente e o prana são dois
aspectos do mesmo fenômeno; ambos existem juntos e são inseparáveis. O prana é o
princípio do movimento e a mente é o princípio da inteligência. Portanto, todas as ações
requerem prana, inclusive a ação de pensar. Quando tornamos a respiração mais lenta,
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os pensamentos também diminuem seu ritmo. O pranayama yoga, eficiente técnica de
meditação, usa essa compreensão para aquietar a mente em contínua atividade. "Pelo
controle da energia vital, a mente também é refreada: assim como a sombra desaparece
quando a substância foi eliminada, a atividade mental cessa quando a energia vital
é refreada".
Essa compreensão é a base de toda cura esotérica. As consequências do fato
de haver uma completa interdependência entre a mente e a energia são tão amplas, que
poucos de nós nos damos conta de seu potencial.
O termo consciência, como o usamos aqui, é sinônimo de Existência, de Fonte,
de Eu, de Amor ou de Deus. A mente é, com frequência, confundida com Consciência. A
mente é aquilo de que a Consciência tem notícia. O que é então consciência? "Podemos,
quem sabe, defini-la nestes termos: A Existência, ou consciência, é a única realidade. A
Consciência acompanhada do ato de despertar, chama-se estar desperto. A Consciência
acompanhada do ato de dormir, chama-se dormir. A Consciência acompanhada do ato
de sonhar, chama-se sonhar. A Consciênciaé a tela na qual as figuras surgem e se
desvanecem".
FONTE: Adaptada de ATREYA. Prana: the secret of yogic healing. York Beach: Samuel Weiser, 1996.
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Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O ayurveda apresenta inúmeras modalidades terapêuticas, sendo a abhyanga a mais
aplicada.
• Na técnica de abhyanga, é possível associar aromaterapia, yogaterapia, herbologia,
terapias de som e cor, terapias de desintoxicação, exercício, meditação, técnicas de
respiração e estilo de vida.
• O ayurveda respeita os ciclos da natureza e a natureza que fornece tudo o que
for necessário à obtenção da plenitude do ser humano, pois são esses ciclos que
sustentam um ritmo de vida adequado.
• Viver em harmonia com os ciclos da natureza é um princípio básico do ayurveda e
isso ainda é praticado atualmente em muitas culturas tradicionais e modernas.
• A abhyanga é um procedimento terapêutico que promove cura e reorganização do
corpo e da mente, bem como evita que pessoas saudáveis adoeçam.
RESUMO DO TÓPICO 3
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AUTOATIVIDADE
1 A abhyanga não é um procedimento simples de aplicação de óleo por meio de
determinadas manobras, mas sim mantém a excelência dos tecidos do corpo,
especialmente se o óleo aplicado é adequado para a prakriti do indivíduo. Além da
prakriti, quais variáveis devem ser consideradas na prática da abhyanga? Assinale a
alternativa CORRETA:
a) ( ) Satmya, ritu, dosha, desha e roga.
b) ( ) Madhura, roga, rakta e pitta.
c) ( ) Roga, dhatu, prana e vyana.
d) ( ) Ritu, dosha, dushya e roga.
2 Snehana é uma das shat-upakrama (seis terapias básicas) mencionadas no ayurveda
por Charaka (AGNIVESHA, 2001). O significado de sneha é “óleo”, “untuosidade”,
“umidade”, “amor”. As ações ou procedimentos que tornam o corpo untuoso são
chamadas de sneha. Considerando o exposto, analise as afirmativas a seguir:
FONTE: AGNIVESHA. Charaka samhita de agnivesha com comentário. Varanasi: Chowkhamba
Sanskrit Series Office, 2001.
I- A abhyanga pode ser aplicada no corpo (sarvanga abhyanga), na cabeça (shiro
abhyanga) e nos pés (pada abhyanga) isoladamente, de acordo com a necessidade
terapêutica do indivíduo.
II- Energizando o corpo, o prana o desvitaliza naturalmente, deixando-o apto para lutar
contra as doenças e para conservar a saúde.
III- Segundo os livros clássicos, a abhyanga deve sempre começar pela cabeça, depois
seguir para os pés e então o restante do corpo.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
3 A abhyanga pode ser comparada à massagem na linguagem moderna, que significa
um conjunto de procedimentos geralmente feitos com a mão na superfície externa
do corpo de várias maneiras, seja do ponto de vista curativo, paliativo ou higiênico.
Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
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( ) Produz efeitos benéficos no sistema nervoso, sistema muscular, bem como na
circulação local e geral do sangue e da linfa.
( ) Por meio da massagem com óleo, o corpo humano torna-se fraco e suscetível às
doenças de vata e torna a pessoa favorecida a ter esgotamentos.
( ) Bhrajaka, o subdosha de pitta, está localizado na pele. Ele confere as características
de cor e brilho, gerencia a temperatura do corpo, bem como a cor da pele.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.
4 O termo prana vem do sânscrito e significa antes (pra) da respiração (ana). O prana
é neutro; é pura energia, sem quaisquer qualidades. Essa energia pura pode adquirir
qualquer qualidade sem perder sua pureza; é o que ocorre conosco, por exemplo,
quando vestimos nossas roupas: ao fazê-lo, nós nos adaptamos a um modo de
vestir, mas, ainda assim, continuamos sendo a mesma pessoa. Considerando essa
premissa, discorra sobre para que serve o prana.
5 Segundo Atreya (1996), a mente é uma sequência de pensamentos. A mente e o prana
são dois aspectos do mesmo fenômeno; ambos existem juntos e são inseparáveis. O
prana é o princípio do movimento, e a mente é o princípio da inteligência. Portanto,
todas as ações requerem o prana, inclusive a ação de pensar. Sabendo disso, o que
nos acontece quando tomamos a respiração de forma mais lenta?
FONTE: ATREYA. Prana: the secret of yogic healing. York Beach: Samuel Weiser, 1996.
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REFERÊNCIAS
AGNIVESHA. Charaka samhita de agnivesha com comentário. Varanasi:
Chowkhamba Sanskrit Series Office, 2001.
ANSELL, V. The seasons: shishira. Sanskrit Literature, Bengaralu, 16 fev. 2010.
Disponível em: https://venetiaansell.wordpress.com/2010/02/16/the-seasons-
shishira. Acesso em: 21 fev. 2022.
ATREYA. Prana: the secret of yogic healing. York Beach: Samuel Weiser, 1996.
CHINMAYANANDA, S. Taittiriya upanisad. Mumbai: Central Tinmaya Mission True, 2013.
KASTURE, H. S. Ayurvediya panchakarma vignana. Kolkata: Sri Baidyanath
Ayurveda Bhavana, 2004.
MANOMAHAM, G. The natyashastra. Kolkata: The Royal Asiatic Society of Bengal, 1959.
RADHAKRISHNAN, S. Indian philosophy. New Delhi: Oxford University Press, 1989.
RAMASHARYA, S. A social politic study of the valmikiramayana. Patna: Motilal
Barnasidass, 1971.
SHARMA, R. K. Charaka samhita. Bombaim: Chakpori, 1972.
TRIKAMJI, J. Sushruta: sushruta samhita with nibandha sangraha. Varanasi:
Chowkhamba Orientalia, 2007.
VAGBHATA. Astanga hrdayam. Varnasi: Chowkhamba Krsinadas Academy, 2016.