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DESENHO GEOMÉTRICO Tiago Giora Ponto, reta e ângulos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar os entes geométricos ponto, reta e ângulo. Descrever as aplicações do ponto, da reta e dos ângulos no design de interiores. Definir os instrumentos utilizados na construção do ponto, da reta e dos ângulos. Introdução A geometria teve origem na observação da natureza, das formas nela con- tidas e das relações existentes entre essas formas, e foi fundamental para o desenvolvimento do conhecimento matemático, permitindo ao homem compreender e controlar o espaço utilizando o sistema de pontos, linhas, superfícies e sólidos. Os seus fundamentos remontam à Grécia Antiga, aproximadamente no século VII a.C., e aparecem nos estudos de filósofos como Tales de Mileto, Pitágoras, Eudoxio e Euclides. Nesse sentido, o desenho geométrico é o conhecimento criado para resolver graficamente problemas de natureza teórica e prática ligados aos espaços de vida do ser humano. Neste capítulo, você vai estudar três elementos fundamentais do desenho geométrico: o ponto, a reta e o ângulo. Você vai verificar desde conceitos básicos e normas de representação até a sua aplicação nas dinâmicas de projeto em design de interiores e arquitetura. Tal estudo visa iniciar o aluno no uso do vocabulário geométrico relacionado às definições das formas em geral e a exemplos específicos da vida pro- fissional. Trata-se de uma linguagem que, apesar de histórica, continua intimamente ligada ao pensamento contemporâneo. Conceito de ponto, reta e ângulo O ponto é a fi gura geométrica mais simples, uma vez que é adimensional, isto é, não tem largura, altura ou profundidade. É determinado pelo cruzamento de duas linhas, que podem ser retas ou curvas, e identifi cado por uma letra maiúscula do alfabeto latino. O artista plástico russo Wassily Kandinsky (1866–1944), precursor da pintura abstrata e professor de design na icônica escola Bauhaus, dizia que o ponto de partida para a teoria das formas é o ponto, como afi rma no seu livro Ponto e linha sobre plano (KANDINSKY, 2001). Assim, em resumo, o ponto é a unidade mais simples e mínima da forma. A reta, por sua vez, é uma figura de uma dimensão, consistindo em uma sucessão de pontos, ou um ponto em movimento (KANDINSKY, 2001). Da mesma forma que o ponto, a reta não tem definição. A ideia de linha reta é a de um ponto que se move em uma mesma direção. Indicamos a reta utilizando letras minúsculas do alfabeto latino. As retas podem ter diferentes arranjos entre si (Figura 1), sendo: retas paralelas aquelas que, mesmo que se prolonguem, nunca se cruzarão; retas concorrentes aquelas que se cruzarão em um determinado ponto; retas perpendiculares aquelas que formam um ângulo reto (90º) ao se cruzarem. Figura 1. Retas paralelas, concorrentes e perpendiculares. Ponto, reta e ângulos2 Quando um ponto qualquer de uma reta a divide em duas partes distintas, essas partes são chamadas semirretas, e esse ponto recebe o nome de origem. Por fim, denomina-se segmento de reta o conjunto formado por dois pontos tomados sobre uma reta e todos os pontos da reta compreendidos entre os dois. A reta à qual pertence o segmento é chamada de reta suporte do segmento. Ângulos Ângulo é a fi gura plana formada por duas semirretas de mesma origem. A origem comum se chama vértice, e as semirretas se chamam lados. A medida usual do ângulo é o grau, e o instrumento usado para medi-lo é o transferidor. Ângulos de mesma medida são chamados de congruentes. Indica-se o ângulo utilizando-se letras do alfabeto grego, α, β, γ, por exemplo, ou três letras minúsculas ou maiúsculas do alfabeto latino, com a letra do meio indicando o vértice do ângulo, levando um acento circunfl exo, e as outras duas os lados (por exemplo, AÔB) (JORGE, 1998). A Figura 2 mostra as diferentes aberturas de ângulos e as suas classifi cações. Lugares geométricos Tão importantes quanto os elementos que estudamos até agora são as re- lações estabelecidas entre eles para a confi guração de diferentes lugares geométricas. A sequência de termos exibida a seguir descreve algumas das mais importantes relações de posições e medidas estabelecidas entre pontos, retas e ângulos. Circunferência: é o lugar geométrico dos pontos do plano que equi- distam de um ponto desse mesmo plano. O ponto central do plano chama-se centro da circunferência, e a distância é seu raio (Figura 3). 3Ponto, reta e ângulos Figura 2. Diferentes aberturas de ângulos. Fonte: attaphong/Shutterstock.com. Ponto, reta e ângulos4 Figura 3. Circunferência. Mediatriz: é o lugar geométrico dos pontos do plano que equidistam de dois pontos A e B desse mesmo plano. A mediatriz contém o ponto médio do segmento e é perpendicular ao segmento. Paralela: é o lugar geométrico dos pontos do plano que equidistam de uma reta (r) desse mesmo plano. Bissetriz: é o lugar geométrico dos pontos do plano que equidistam de duas retas desse mesmo plano (Figura 4). 5Ponto, reta e ângulos Figura 4. Bissetriz. Fonte: kavalenkava/Shutterstock.com. Ao resolver graficamente um problema, é obrigatório nomear, ou seja, colocar letras, nos dados e nas respostas, mas é facultativo nomear os pontos e as linhas auxiliares. Cada figura geométrica possui uma convenção específica, como segue: Ponto: A — qualquer letra latina maiúscula Reta: a — qualquer letra latina minúscula Segmento de reta: AB — duas letras maiúsculas latinas Ângulo: α — qualquer letra do alfabeto grego Igual: = Diferente: ≠ Coincidente: ≡ Semelhante: ~ Equivalente: ≈ Diâmetro: d Perpendicular: ⊥ Paralelo: // Ponto, reta e ângulos6 Aplicações do ponto, da reta e dos ângulos no design de interiores O conhecimento da geometria plana e da prática do desenho geométrico são instrumentais para a criação em design. A habilidade de entender as formas, organizá-las e interpretá-las segundo padrões geométricos permite ao designer traduzir qualquer estímulo visual em formas que podem ser compreendidas racionalmente, representadas em padrões geométricos e recriadas no contexto de um projeto de edifi cação, um objeto, um mobiliário ou uma estampa. A partir do significado da palavra geometria (“medir a terra”), pode-se inferir que essa ciência tem, desde sua origem mais remota, uma ligação muito forte com a realidade, com o mundo que, desde então, tem se tornado cada vez mais caótico e superpovoado de informações visuais. Assim, por mais que a geometria pareça ter autonomia em relação ao mundo — um quadrado é apenas um quadrado, ele não precisa ser uma janela ou uma piscina, basta-se como forma abstrata independente —, ela sempre retorna ao cotidiano pelas mãos de profissionais como designers e arquitetos. Segundo Ocvirk et al. (2014, p. 55): Até certo ponto, a estrutura dos elementos visuais conduz a experiência do observador, do mesmo modo que uma partitura guia os músicos. Assim como a partitura indica o tempo (a velocidade ou ritmo da música), a posição das notas, pausas e o grau do som a ser reproduzido, a composição visual controla os movimentos dos olhos na velocidade e na direção, fornece pausas e até manipula o volume [...]. Trazendo o foco para o uso de pontos, retas e ângulos, e buscando des- crever situações relacionadas com a prática profissional, podemos falar, por exemplo, sobre a organização dos espaços. Uma reta descreve um alinhamento, uma organização serial; se pensarmos que essa reta é composta por pontos, podemos alternar o espaçamento dos pontos criando ritmos diferentes, capazes de orientar a percepção visual ou até o movimento e a velocidade dos corpos que percorrem esse espaço, tendo como base um leiaute linear (Figura 5). 7Ponto, reta e ângulos Figura 5. Leiaute com organização linear. Fonte: Yurii Andreichyn/Shutterstock.com. Considerando a diferença entre uma área — espaço que define um am- biente,com medidas lineares em duas direções e, comumente, descrevendo um retângulo — e um ponto — entidade adimensional que descreve uma posição estática dentro de uma superfície plana —, podemos abordar a estratégia compositiva conhecida como pontuação do espaço. Em design de interiores, essa lógica consiste em criar pontos de atenção visual em posições definidas do espaço, de modo a orientar a atenção do observador, ou simplesmente como recurso para quebrar a monotonia e dar mais di- namismo ao ambiente que se oferece à percepção sensorial. Muitas vezes esses pontos são criados por meio do contraste cromático (Figura 6) ou da utilização de materiais destoantes em relação ao contexto mais amplo. É um recurso que se aproxima bastante da composição pictórica e tende a estabelecer pontos de observação mais favorecidos, à medida que a pessoa se desloca pelo ambiente. Ponto, reta e ângulos8 Figura 6. Pontuações de cor no espaço. Fonte: Antoha713/Shutterstock.com. Com relação aos ângulos, é importante considerar que, desde as mais primitivas construções executadas pela espécie humana, observa-se que a adoção do ângulo reto tem um caráter muito forte de regularidade e decisão consciente, que replica, em muitos aspectos, a racionalidade humana, posta em contraste com a organicidade mais espontânea e aparentemente caótica das formas da natureza. Desse modo, no que se refere às formas edificadas, e talvez, principalmente, em relação aos espaços interiores, temos convivido por milênios com o ângulo reto e as formas retangulares como signo de normali- dade, do lógico, daquilo que não chama a atenção. Nesse raciocínio, quando o designer faz uso de ângulos agudos, linhas diagonais ou curvas, ele está desviando dessa “normalidade” ortogonal e criando elementos de atenção no seu projeto. Sobretudo, os ângulos agudos tendem a gerar uma sensação que pode ser descrita como desconforto ou como excitação da percepção, e podem ser usados pelo projetista para tornar o ambiente mais dinâmico, sugerindo movimento e capturando a visão do observador (Figura 7). 9Ponto, reta e ângulos Figura 7. Linhas diagonais e curvas. Fonte: Robert Kneschke/Shutterstock.com. Objetos e superfícies Além dos espaços, quando se fala de aplicações do desenho geométrico no design de interiores, devemos mencionar os projetos de criação de mobiliário e, no campo bidimensional, o design de superfície, com estampas em tecido, tapetes e papéis de parede. No mobiliário, a tradição da linguagem geométrica remonta às vanguardas abstratas, como o construtivismo e a Bauhaus, juntamente com o movimento moderno na arquitetura. Todos esses antecedentes marcam uma tendência estática e filosófica que se apresenta esteticamente pela valorização da sim- plicidade e da pouca ornamentação em favor de uma visualidade puramente geométrica. Quadrados, retângulos áureos, triângulos equiláteros, bem como a preponderância do ângulo reto são características observáveis em peças de mobiliário desde os primórdios da era industrial até os dias de hoje. Muitos exemplos de mobiliário produzido durante as primeiras fases da Bauhaus (Figura 8) exibem uma abordagem rigidamente conceitual que se expressa na materialização de ideias simples, desornamentadas e fortemente geométricas. Esse mobiliário e o design do período, em termos mais gerais, embora tenham assumido um caráter icônico e escrito uma página muito importante na história da arte e da arquitetura, foram muitas vezes criticados, mais adiante, por aproximarem-se mais a um manifesto do que a objetos cotidianos, úteis à vida humana. Ponto, reta e ângulos10 Figura 8. Mobiliário Bauhaus. Fonte: Alizada Studios/Shutterstock.com. Ainda com relação às tendências contemporâneas, devemos somar a esse desejo de simplicidade geométrica (Figuras 9 e 10), herdado das vertentes modernistas e da Bauhaus, a grande importância dada à ergonomia, à repre- sentação simbólica e à pesquisa e à tecnologia dos materiais. Figura 9. Linhas e ângulos no mobiliário contemporâneo. Fonte: Room27/Shutterstock.com. 11Ponto, reta e ângulos Figura 10. Linhas e ângulos no mobiliário contemporâneo. Fonte: archideaphoto/Shutterstoc.com Divisão de segmentos de reta Além do desenho de mediatrizes, bissetrizes, retas paralelas e perpendiculares, uma operação importante dentro dos fundamentos do desenho geométrico é a divisão de segmentos de reta em partes iguais utilizando o teorema de Tales. O procedimento consiste em: 1. desenhar uma reta auxiliar a partir de um dos extremos do segmento que se quer dividir; 2. marcar uma medida aleatória sobre a reta auxiliar e repeti-la no número de vezes que se deseja dividir o segmento; 3. traçar uma nova reta ligando a última divisão da reta auxiliar ao segundo extremo do segmento principal; 4. copiar por paralelismo essa última reta em cada uma das divisões marcadas na auxiliar. Os pontos em que essas retas cruzam com o segmento principal determinam as suas partes igualmente divididas. Para saber mais, acesse o link a seguir: https://goo.gl/st1n3z Instrumentos utilizados na construção do ponto, da reta e dos ângulos Pode-se dizer que o desenho geométrico é um capítulo da geometria que, com o auxílio de dois instrumentos, a régua e o compasso, propõe-se a resolver Ponto, reta e ângulos12 grafi camente problemas de natureza teórica e prática. Os mesmos instrumentos são usados para desenhar pontos, retas, ângulos e quaisquer outras fi guras geométricas. É interessante descrever esses instrumentos, dado que a matéria tem um viés prático. Afi nal, saber os teoremas e conceitos elaborados por fi lósofos e matemáticos contribui para o entendimento da geometria e para justifi car escolhas de procedimentos, mas a tarefa normalmente se completa com a atividade prática de desenhar à mão sobre papel. A lista de materiais para o desenho à mão é bastante simples: lápis com grafite HB para os traçados de letras, contornos e esboços; lapiseiras com grafites 0.5 mm, pois elas têm grossura ideal para o desenho de precisão; borracha macia para não deixar marcas no papel; régua de acrílico graduada em centímetros e milímetros, que tenha um corte transversal chanfrado para facilitar a leitura; esquadros de 45º e de 60°, que são utilizados para traçados de paralelas e de perpendiculares e para a construção de ângulos; transferidor de acrílico graduado de 0º a 180°, usado para medir e construir ângulos; compasso usado para traçados de arcos de circunferência, transporte de medidas e construções de ângulos. O compasso é o instrumento mais versátil e importante do desenho geométrico; ele é também o utensílio que o aluno deve ser mais cuidadoso ao adquirir — uma régua ruim não afetará muito a qualidade do desenho, mas um compasso ruim pode impos- sibilitar a atividade. Assim, o aluno deve se assegurar de que os braços do compasso mantenham a sua abertura firme e que o grafite não se retraia no momento do uso. Mesmo em uma matéria tão antiga e tradicional como a geometria, é difícil não fazer menção ao instrumento mais dominante no desenho apli- cado à arquitetura e à engenharia nos últimos 50 anos: o computador. Ainda assim, o desenho geométrico mantém a sua relevância e se aplica ao desenho auxiliado por computador no que tange às ações de planejamento. Conhecer os elementos mínimos com os quais é possível desenhar até figuras muito complexas e as operações gráficas com as quais se executa essas tarefas são 13Ponto, reta e ângulos habilidades importantes para o desenhista, indiferentemente das ferramentas com as quais o desenho é produzido. De fato, até mesmo os comandos de software de desenho por computador recebem o nome das operações geomé- tricas executadas no desenho à mão, por exemplo: rotacionar, copiar, ampliar, encolher, esticar, rebater, etc. JORGE, S. Desenho geométrico: ideias e imagens. São Paulo: Saraiva, 1998. KANDINSKI, V. Linha e ponto sobre o plano. São Paulo: Martins Fontes,2001. OCVIRK, O. G. et al. Fundamentos de arte: teoria e prática. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. Leituras recomendadas CARVALHO, B. A. Desenho geométrico. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2005. CARVALHO, B. A. Desenho geométrico. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1959. JANUÁRIO, A. J. Desenho geométrico. Florianópolis: UFSC, 2000. NEVES, J. M. C. Desenho geométrico plano. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1943. RIVEIRA, F. Traçados em desenho geométrico. Rio Grande: FURG, 1986. Ponto, reta e ângulos14 Conteúdo:
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