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A vida e morte de Sócrates

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Sócrates e os reveses 
da justiça ou a fé e a 
razão no tribunal
Fernando Tremoço
Só
cr
at
es
• Filósofo ateniense , mestre de Platão.
• Todo seu ensinamento foi oral, nos diálogos.
• O que sabe-se dele foi passado por Platão,
Xenofonte e outros autores posteriores.
• Nasceu por volta de 470 a. C. e morreu em 399 a.
C., aos 70 anos.
• Viveu em Atenas no período em que Péricles
governava Atenas (século de ouro / período
clássico), e que prosperavam a arquitetura, as
artes e a literatura.
• Por causa de seu ensino, será acusado de
desrespeitar os deuses da cidade e de corromper
a juventude.
• Sua filosofia é vista, na época, por uma parte da
cidade, como uma ameaça aos valores e
instituições que até então vigoravam
Sócrates cresceu e viveu, até sua maturidade, na era
de ouro de uma Atenas venturosa e fervilhante de
cultura. Contudo, em 431 a.C., tudo começa a mudar
com o início da Guerra do Peloponeso, que opôs
Atenas e Esparta, e trouxe os infortúnios e as
vicissitudes da guerra.
A população ateniense que vivia nos campos teve de
abandoná-los e abrigar-se na cidade, que era
protegida por muralhas.
A superpopulação causa carestia e condições de
higiene deploráveis, que fazem eclodir a peste.
O filósofo presencia a decadência de sua cidade, que
vai, paulatinamente, mergulhando no caos político e
social.
De acordo com Platão, Sócrates seria alguém voltado
para o problema do ser humano, em sua dimensão
moral e política
Ele representou um marco na Filosofia Antiga e os filósofos que o
precederam são chamados de pré-socráticos. Os pré-socrásticos
dedicavam-se a questões relativas à cosmologia e Sócrates inova,
trazendo para o centro da discussão filosófica o ser humano e seu
comportamento. Antes, a filosofia procurava explicar as causas do
mundo e da natureza; agora, ela se volta para as causas do agir
humano.
✓Cosmologia – O termo vem do grego, composto de κόσμος
(kósmos), mundo ou universo, e λόγος (lógos), discurso racional
e, logo, estudo. É a parte da filosofia que estuda a natureza, o
mundo, o universo. O termo grego κόσμος (kósmos) significa,
originalmente, “ordem”, “organização”. Derivando o sentido de
“universo”, pois este está organizado, em oposição ao caos. “A
cosmologia visava ao estudo do mundo e das leis que o regiam.
Sócrates encarna uma contradição: ao mesmo tempo em que
se coloca entre seus concidadãos para com eles dialogar
sobre o bem, a justiça, ele não é um professor ou mestre no
sentido estrito. Os professores, propriamente falando,
encarregavam-se da formação das crianças, dos adolescentes
e dos jovens. Essa compreendia a educação física, a educação
musical, a poesia tanto épica quanto lírica. A esses elementos
de formação, soma-se, finalmente, a escrita, que, no período
clássico, já tinha se expandido e tornado uma realidade
palpável. A criança aprende, assim, a “gramática” (do grego
γράμματα, letras), isto é, a ciência das letras: ler e escrever.
Sócrates, evidentemente, não se encarregava de nenhuma
dessas funções. Ele não era, nesse sentido, um mestre.
A essa educação tradicional, vem somar-se um novo
elemento: a sofística. Os sofistas eram “sábios profissionais”,
ou ainda, “profissionais do saber”, já que a palavra grega
σοφιστής (sophistés) designa um nome de agente calcado no
termo σοφία (sophía), saber ou sabedoria. A educação
sofística, ao contrário, estaria em um outro nível, equivalendo
ao ensino superior ou universitário.
Os sofistas estabelecem um sistema de ensino próprio, com
uma remuneração por vezes considerável, e procuram atrair
discípulos, dando demonstrações de suas habilidades
Sofistica...
Protágoras foi o primeiro a propor um ensino mediante
pagamento: não existia antes dele uma instituição semelhante; os
sofistas, no entanto, não encontraram uma clientela pronta:
precisaram fazê-la nascer, persuadir o público a recorrer a seus
serviços; o sofista ia de cidade em cidade em busca de alunos,
levando consigo aqueles que ele já conseguiu.
Para se tornarem conhecidos, mostrar a excelência de seu ensino,
dar amostras grátis de seu conhecimento, os sofistas faziam uma
exibição, ἐπίδειξις, seja na cidade à qual os conduz seu itinerário,
seja em um santuário pan-helênico como Olímpia.
Pode ser um discurso cuidadosamente pensado ou, uma
improvisação brilhante sobre um tema proposto, uma discussão
livremente iniciada de qualquer coisa que possa ser sabida, a
critério do público.
• Sócrates não é classificado um mestre nesse sentido. Ele não faz discípulos, propriamente falando, mas sim
companheiros de diálogo e se nos referimos aos “discípulos de Sócrates”, isso se faz por comodidade de expressão e
deve ser entendido de um modo bem específico. A Apologia de Sócrates composta por Platão seria o discurso de
defesa que o filósofo apresentou no processo que contra ele foi movido e que o condenou à morte. Ele afirma
claramente que nunca teve discípulos e mostra que havia aqueles que ensinavam os homens mediante pagamento – os
sofistas:
• “E, se ouvirdes de alguém que eu me dedico a educar homens e ganho dinheiro assim, sabei também que não é
verdade. Parece-me excelente que haja alguém capaz de educar homens, como Górgias, de Leontinos, Pródico,
de Ceos, ou Hípias, de Élide, se é que o são. Cada um destes, ó homens, indo de cidade em cidade, naquelas em
que é permitido aos cidadãos associarem-se livremente com quem quiserem, persuade os jovens a deixarem as
suas companhias para se juntarem a eles. E estes dão-lhes dinheiro e ficam-lhes gratos. Aliás, nunca quis ser
mestre de ninguém. Se alguém, jovem ou velho, me desejar ouvir a falar ou me desejar ver a fazer o que me
compete, nunca o recusei. Não sou dos que conversam só quando lhes pagam e ofereço-me para interrogar
tanto o rico quando o pobre, se quiser responder-me e ouvir o que tenho para lhe dizer. E, se alguns se tornarem
homens bons e úteis e outros não, não podereis responsabilizar-me por isso, pois nunca prometi qualquer
instrução a qualquer deles, nem o ensinei. E se alguém disser que ouviu ou aprendeu alguma coisa comigo,
enquanto os outros dizem que não, sabei que não está a dizer a verdade.”
• Sua tarefa é mostrar aos homens o verdadeiro saber e a isso ele se dedicará até a morte.
O PROCESSO DE 
SÓCRATES
Ele foi processado e condenado à morte. Isso ocorreu em 399 a. C. A
atuação de Sócrates na vida política da cidade talvez tenha tido
influência na condenação. Sócrates menciona algumas atitudes suas
que poderiam ter desagradado a alguns, pois ele reagiu a injustiças
que iam ser perpetradas.
“Peço-vos que não vos irriteis comigo por vos dizer esta verdade.
Pois não há homem que esteja a salvo, se legitimamente se opuser
a vós ou a qualquer maioria, para impedir muitas injustiças ou
ilegalidades na cidade. É necessário que aquele que luta pelo que
é justo o faça como cidadão particular e não como homem
público, se quiser ficar a salvo algum tempo. Dar-vos-ei grandes
provas disto não por palavras mas por algo que mais prezais: por
atos. Ouvi o que me aconteceu e vede que não cedo ao que quer
que seja, quando vai contra o que é justo, pois não temo a morte
e prefiro morrer a ceder (...)”
Sócrates, mais de uma vez, contrariou interesses e arriscou sua vida
pela justiça e pelo bem. O filósofo nos ensina como o homem deve
comportar-se tanto em sua vida privada quando publicamente. Mostra
que aquele que comete injustiça prejudica somente a si mesmo.
• Sócrates é acusado de:
a) não cultuar os deuses da cidade, introduzindo novas divindades;
b) corromper a juventude.
A primeira acusação é manifestamente de cunho religioso. Atenas cultua
os deuses tradicionais da religião grega. Sócrates teria negado sua
existência e apresentado novas divindades. Ele teria corrompido a
juventude, ao afastá-la da religião tradicional, induzido os jovens a
adotarem novos valores e um novo modo de vida. Com seu ensino, que
era baseado na dialética e na filosofia. O processo contra Sócrates
inaugura, portanto, um longo embate entre fé e razão, entre religião e
ciência, que durará váriosséculos até encontrar uma solução satisfatória.
• A leitura da acusação movida contra Sócrates já seria suficiente para
fazer entender que a questão religiosa é realmente o cerne do processo.
Parte do diálogo entre Sócrates e Êutifron
• “ÊUTIFRON : -Que há de novo, Sócrates, para teres abandonado as conversas no Liceu e vires
conversar agora aqui, no Pórtico do Rei? Não tens tu, como eu, um processo junto do Arconte
Rei?
• SÓCRATES: - Os Atenienses, Êutifron, chamam-lhe processo, mas trata-se de uma queixa.
ÊUTIFRON Quem foi ele? SÓCRATES Nem eu próprio conheço muito bem o homem, Êutifron,
parece-me ser um jovem desconhecido. Chamam-lhe, creio, Meleto e é do demo Pito. Tens em
mente algum Meleto, de Pito, com cabelo comprido, não muita barba e nariz adunco?
• ÊUTIFRON: - Não recordo Sócrates. Mas que espécie de queixa apresentou contra ti?
• SÓCRATES: Que queixa? Não é vulgar, pelo que me parece, pois, sendo jovem, ter-se decidido
por tão grande tarefa, não é coisa insignificante. Diz ele que sabe de que modo os jovens são
corrompidos e quem são os que os corrompem. E receio que seja um homem sabedor pois,
vendo a minha ignorância corromper-lhe os companheiros, vem acusar-me perante a cidade,
como perante uma mãe. E parece-me ser o único dos políticos a conduzir-se com correção,
porque é correto tratar primeiro dos jovens, com a finalidade de os tornar o melhor possível, tal
como um bom lavrador se ocupa primeiro das plantas mais jovens e depois das outras. Por isso,
talvez Meleto nos esteja a limpar, a nós, que corrompemos os jovens rebentos, como diz. Depois
disto, é evidente que, ocupando-se dos mais velhos, se há-de tornar a causa de muitos e dos
maiores bens para a cidade; como é natural que aconteça em semelhante ocorrência, a quem
começa pelo princípio.
• ÊUTIFRON: - Compreendo, Sócrates, é porque estás sempre a dizer que te aparece um gênio.
Então, por inovares nas coisas divinas, apresentou contra ti essa queixa e vai a tribunal caluniar-
te, sabendo como as calúnias nesta matéria são bem recebidas pela multidão. […]”
• Sócrates está junto ao Pórtico do Rei, onde o arconte-rei
exercia seu cargo, que era encarregado da vida religiosa da
cidade, inclusive dos processos ligados à religião. A denúncia
contra Sócrates, perpetrada por Meleto, envolvia uma ofensa
aos deuses cultuados em Atenas. O crime do filósofo é
“impiedade”. É por isso que ele deve comparecer diante do
arconte-rei.
• Pórtico – É uma estrutura arquitetônica coberta, caracterizada
por um teto sustentado por colunas, podendo estar à entrada
de um edifício. Em Atenas, os pórticos, sendo locais públicos
abertos, mas recobertos, permitiam que os cidadãos se
reunisse ao abrigo do sol ou das intempéries para tratar de
diversos assuntos de caráter público ou privado. O texto de
Platão menciona o Pórtico do Rei.
• Arconte – O termo, no grego (ἄρχων, árkhon), significa
“governante”. Na Atenas do tempo de Sócrates, os arcontes
eram encarregados cada um de uma função ou ofício (ἀρχή –
arché) específico na administração da vida pública da cidade.
Ao arconte-rei (ἄρχων βασιλεύς – árkhon basileús) cabiam os
assuntos religiosos, como presidir sacrifícios e cuidar de
processos que envolvessem ofensa ao sagrado, como é o caso
de Sócrates.
• Durante o diálogo, surgem várias definições de piedade: “a piedade e a devoção são a parte da justiça que respeita aos
cuidados com os deuses. A restante parte da justiça é acerca dos cuidados com os homens.”
• O termo grego εὐσέβεια (eusébeia) designa a piedade, ou seja, o temor e o respeito pela divindade (e daí vem o nome
Eusébio, cujo significado seria “piedoso”). A ἀσέβεια (asébeia) é o seu contrário, a impiedade, a falta de temor e de
respeito pela divindade. Esse é o crime que o filósofo teria cometido.
• A piedade é definida como “virtude que permite render a Deus o culto que lhe é devido” (Dicionário Houaiss). O sentido
corresponde à noção que perpassa a acusação sofrida por Sócrates.
• Contudo, São Tomás de Aquino, afirma que existe uma virtude específica para o culto divino, a virtude da religião:
“Portanto, como pertence à religião dar a devida honra a alguém, isto é, a Deus, está claro que a religião é uma virtude”.
A piedade é, segundo ele, também uma virtude especial, voltada para os pais e a pátria: “O homem torna-se devedor
de outros de diferentes modo, de acordo com a excelência diversa deles e os diferentes benefícios deles
recebidos. Em ambos os casos, Deus obtém o primeiro lugar, Ele que é excelentíssimo e princípio primeiro de
nosso ser e de nosso governo. Secundariamente, o princípio de nosso ser e de nosso governo são nossos pais e
nossa pátria, pelos quais e na qual fomos gerados e educados.”
• A religião e a piedade são, assim, partes ou virtudes anexas da justiça
No início do diálogo, Sócrates responde: “Os Atenienses, Êutifron, chamam-lhe processo, mas trata-se de
uma queixa”.
A distinção entre processo e queixa, reflete, na tradução, o original grego δίκη (díke) e γραφή (graphé). Há
uma diferença técnica entre ambos: δίκη designa a uma ação referente a interesses particulares, γραφή, ao
contrário, é uma ação pública, cujo objeto afeta o interesse da cidade, ίκη poderia ser comparada a uma
ação cível, γραφή, a uma ação penal (na qual é o Estado que processa o indivíduo, ainda que sob a queixa
de um particular). Sócrates, portanto, estaria sendo processado penalmente, pois cometeu um crime: a
impiedade.
Sócrates menciona dois tipos de acusadores: os antigos e os recentes. E começa a refutar os mais antigos,
pois, segundo ele, estão na raiz da acusação. Há muitos anos o caluniam, tendo incutido uma série de
mentiras nos cidadãos de Atenas que no tribunal se encontram.
Há, entretanto, um que é conhecido de todos, pois fez uma comédia em que figurava um Sócrates, que
caminhava pelos ares, falando de assuntos diversos. A comédia de Aristófanes a que alude o filósofo seria,
assim, uma prova de que essas calúnias circulavam há muito
A COMÉDIA NUVENS, DE ARISTÓFANES
O título da peça, Nuvens, é tomado do coro. Em Nuvens, o coro é
composto de nuvens, que são as divindades que Sócrates vai revelar a
um outro personagem, Estrepsíades. Temos aqui o paralelo com a
acusação que motivou o processo, ou seja, que ele introduziu novas
divindades na cidade. Na comédia, elas são representadas pelas
“nuvens”. Aristófanes é o único detrator antigo de Sócrates a ser
mencionado. O processo ocorreu em 399 a. C.. A comédia de
Aristófanes foi representada em 423 a. C.. São quase 25 anos que
separam a peça do processo, tempo em que, de acordo com o
filósofo, ele teria sido constantemente caluniado junto aos cidadãos
atenienses. o fato de Sócrates ser ridicularizado em uma comédia
encenada diante de uma multidão de espectadores mostra bem que
era ele um indivíduo bastante conhecido da cidade, de modo que
qualquer um pudesse identificar o Sócrates personagem com o
Sócrates real.
A comédia...
O velho Estrepsíades não consegue dormir, pois está afundado em
dívidas. O culpado de seu desastre financeiro é Fidípides, seu filho,
que, sendo viciado em corrida de cavalos. A insônia de
Estrepsíades parece ter-lhe trazido uma solução para seus
problemas com os credores. “Pensatório de almas sábias”, no qual
habitam homens que discorrem sobre as realidades celestiais e
ganham dinheiro para ensinar os jovens como vencer tanto as
causas justas quanto as injustas.
*Aristófanes inventa uma palavra com um sentido cômico,
φροντιστήριον (phrontistérion), literalmente, “lugar de
pensamento”. O sufixo grego τήριον (-térion) indica lugar, tendo
como equivalente em português “-tório” (pense em “laboratório” –
lugar de trabalho –, “auditório” – lugar de escuta –, “mictório” –
lugar de urinar –, “escritório” – lugar de escrever). Pode-se, assim,
traduzir o termo grego como “pensatório” (lugar de pensamento)
ou “elucubratório” (lugar de elucubrações), entre outras
possibilidades. É importante, no entanto, ter a clara noção de que
o termo é forjado pelo poeta com um sentido cômico, visando a
ridicularizaras escolas filosóficas que então pululavam por toda
Atenas.
• Fidípides, no entanto, não quer tornar-se discípulo no pensatório, pois o
modo de vida dos filósofos trará a ruína de sua saúde física, deixando-o
empalidecido e em frangalhos, e que sentirá, assim, vergonha diante de
seus amigos cavaleiros.
• Aristófanes, nessa passagem, contrapõe o novo modus vivendi dos
filósofos, que afasta os jovens dos esportes e das atividades físicas, à
educação tradicional grega, da qual uma parte essencial é o culto à saúde
física e às habilidades esportivas, inclusive a luta.
• Os filósofos estariam corrompendo e destruindo a juventude
ateniense, que, seguindo os preceitos tradicionais, sempre buscou
uma excelência corpórea.
• Estrepsíades não encontra outra solução: apesar de velho, tosco e sem
memória, ele terá de entrar no pensatório como discípulo de Sócrates para
aprender as artimanhas da argumentação e poder vencer suas causas nos
tribunais. Ao bater à porta do pensatório, ele é mal recebido por um discípulo,
que não lhe quer revelar os segredos do pensatório, por ser ele um leigo.
• Aristófanes, aqui, ridiculariza uma vez mais as escolas filosóficas, assimilando-as
a um culto de mistérios do qual apenas os iniciados podem tomar parte.
Sócrates é ridicularizado pelo poeta. Ele dedica-se a questões importantíssimas,
como medir a distância do pulo de uma pulga ou descobrir a origem do
zumbido de um mosquito. E o filósofo apresenta ao velho Estrepsíades as
divindades cultuadas no pensatório: as Nuvens.
• As situações cômicas são várias, com Sócrates tentando ensinar e Estrepsíades,
abrutalhado, compreendendo tudo erradamente. O filósofo acaba por irritar-se
com tamanha estultícia e desiste de educar Estrepsíades.
• O velho vê-se, então, forçado a convencer o filho a entrar no pensatório. O
filho, por fim, aquiesce. Sócrates fará, então, com que Fidípides seja educado
pelos dois argumentos, o Justo e o Injusto. Confiado nas habilidades de
argumentação do filho, Estrepsíades põe para correr os seus credores sem nada
pagar. Mas a justiça não tardará. O filho desentende-se com o pai e dá-lhe uma
surra, tranquilo por poder usar suas técnicas persuasórias e provar que era
justo espancar o próprio pai.
• Estrepsíades cai em si e vê o quanto se deixou iludir, a ponto de abandonar sua
crença nos deuses tradicionais em prol da argumentação, da dialética, dos
“novos deuses” trazidos pelos sofistas. Irritado por ter levado seu próprio filho
para o mal caminho, o velho resolve cortar o mal pela raiz: pede que seu
escravo, Xântias, o ajude a demolir o pensatório, enquanto ele próprio, com um
tocha, põe fogo na escola de Sócrates, “porque eles ultrajavam os deuses”
• Para que o Sócrates da peça pudesse ser facilmente identificado com o Sócrates real, seria preciso que este já fosse
bem conhecido dos Atenienses, que fosse uma figura pública.
• A comédia trabalha com exageros e distorções que visam a criar o efeito cômico, mas, no caso de Nuvens, parte de
uma realidade tangível para todo e qualquer ateniense: a existência de escolas de sofistas e filósofos e o impacto
que elas representavam na cultura grega, no modo de vida e na educação tradicional que vigoraram até
então.
• A crítica do poeta está voltada não contra o nosso filósofo, mas contra os sofistas e sua arte da persuasão. O
retrato aristofânico de Sócrates é o de um sofista, que cobra por suas lições e que ensina as técnicas de
argumentação para que se possa prosperar na vida pública e nos tribunais. A figura de Sócrates é usada para
encarnar o protótipo da educação sofística.
• Nem Aristófanes nem seu público podiam, portanto, prever o destino que o esperava. Pode-se estimar que o
Sócrates das Nuvens é uma espécie de híbrido que apresenta certas particularidades próprias de Sócrates, às quais
se acrescentam elementos que se referem de fato às pessoas que ele representa enquanto cristalização dos Sofistas
da época.
• É, de fato, novamente, a crítica dos novos costumes da juventude que interessava a Aristófanes, muito mais
do que a pessoa mesma de Sócrates.
• A comédia pode visar, na realidade, aos sofistas, utilizando a figura de Sócrates apenas como um recurso
dramatúrgico. Entretanto, é o filósofo ateniense que será punido com a morte. Como se disse, quaisquer que sejam
as reais motivações por detrás do processo contra Sócrates, a acusação de impiedade nos leva à conclusão de que
estamos diante de uma primeira ocorrência do choque entre a razão e a fé, entre a religião e a ciência.
A DEFESA DE 
SÓCRATES
• A vocação filosófica de Sócrates nasce de uma consulta feita ao
oráculo de Delfos por seu amigo Querefonte, que queria saber se
havia alguém mais sábio do que o filósofo. O oráculo respondera
que não, mas que Sócrates era o mais sábio de todos. Ele, então, vê-
se em uma delicada situação: por um lado, sabia que não tinha
nenhum sabedoria; por outro lado, compreendia que o Apolo, que
falara através do oráculo, não podia mentir. Apolo estava,
obviamente, certo e Sócrates precisava compreender em que
consistia sua sabedoria.
• Aqui nasce sua vocação e ele põe-se a conversar com todo e
qualquer homem que se pretenda sábio ou seja tido como tal. Ao
mostrar que aqueles que pensavam ser sábios na verdade nada
sabiam, Sócrates ganha muitos inimigos. E, assim, vê-se que a
sabedoria humana é de pouco ou nenhum valor e que o verdadeiro
sábio é aquele que sabe que nada sabe, ou seja, que reconhece a
fragilidade e a limitação da sabedoria humana.
• O senso de dever e de justiça é fundamental para Sócrates. O
homem não deve preocupar-se em viver ou morrer, mas em fazer o
que é justo e cumprir com o seu dever. No caso dele, Apolo o
incumbiu de filosofar.
• O filósofo prefere enfrentar a morte a renunciar à tarefa que recebeu
do deus
• Sócrates é condenado à morte. É-lhe, então,
oferecida a oportunidade de propor uma pena
alternativa e de escapar da morte. Mas ele não
o aceita. Está convencido de que é inocente e,
como tal, não acha justo que proponha uma
pena qualquer que seria cabível a um culpado.
Ele propõe penas simbólicas e mesmo
ridículas, para que sejam rejeitadas pelo
tribunal. Prefere enfrentar a morte a
reconhecer-se culpado, contra a verdade dos
fatos, apenas para salvar a própria vida.
• Confirmada a sentença de morte, Sócrates
pede que seus concidadãos cuidem de seus
três filhos, sejam duros e exigentes com eles
sempre que se desviarem do caminho da
excelência. E despede-se dos juízes com um
pensamento profundo sobre o verdadeiro
sentido e valor da vida e da morte: ele parte
para morrer, os juízes, para viver. Quem terá o
melhor destino?
É PREFERÍVEL MORRER A COMETER UMA 
INJUSTIÇA
• Após ser sentenciado à morte, ele é enviado à prisão, para
aguardar a execução da sentença. Recebe, então, a visita de um
seu amigo, Críton, que tenta persuadi-lo a fugir para escapar da
morte. Sócrates começa, então, uma conversa com seu amigo,
tentando examinar se seria justo ou injusto fugir e escapar da
condenação que lhe foi decretada pelo tribunal ateniense. Críton
chega cedo à prisão. Sócrates ainda dorme. Começam a conversar
sobre a data da execução, que está próxima: o filósofo deverá
morrer no dia seguinte. Críton tenta convencê-lo a fugir da prisão
para escapar da morte, pois tem um plano e pode subornar as
pessoas certas.
• Para Sócrates, não devemos importar-nos com a opinião alheia.
Não vale a pena continuar a viver, se, para isso, tivermos de
corromper nossa própria alma. O mais importante não é
simplesmente viver, mas viver bem, de acordo com a virtude e a
justiça.
• O filósofo diz que os indivíduos se deixam guiar não pelo sentido
do dever e da justiça, mas pelo simples gosto e prazer, ainda que
grandes males possam daí advir. Sócrates afirma que é preferível
tudo sofrer a cometer uma injustiça. Não se deve nunca cometer
uma injustiça nem pagar um mal sofrido com um outro mal
Sócrates foi condenado à morte, o que pode levar-nos a
crer que foram os juízes que escolheram o destino de sua
vida, que essa não mais lhe pertencia.Mas ele nos dá um
ensinamento bem diferente. É ele que está
determinando, com suas escolhas, o desfecho de sua
vida. Ele poderia ter acatado os conselhos de seu amigo
Críton. Prefere, entretanto, não agir de modo precipitado
e contra a razão. Examina, então, se sua fuga seria justa.
Vendo que ele, ao fugir, estaria desrespeitando as leis de
Atenas e a decisão do tribunal e que, assim, se
pretenderia alguém melhor e superior a seus
concidadãos, merecedor de um privilégio que outros
condenados não teriam, decide não fugir, mas respeitar
as leis, ainda que sua condenação tenha sido injusta. A
mensagem não poderia ser mais clara: alguém justo não
pode cometer uma injustiça em nome da justiça. Isso
seria um contrassenso.

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