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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 ANTROPOLOGIA ....................................................................................... 5 2.1 A constituição do conhecimento antropológico .................................. 10 2.2 A importância da antropologia ............................................................ 14 2.3 A antropologia dentro do campo das ciências sociais ........................ 17 2.4 Métodos científicos da antropologia ................................................... 18 2.5 Técnicas de pesquisa da antropologia ............................................... 19 2.6 Filosofia e antropologia filosófica ....................................................... 22 2.7 Legado da filosofia e da antropologia filosófica para as ciências humanas e sociais ................................................................................................. 26 2.8 A resposta da filosofia ........................................................................ 28 3 OBJETO DE ESTUDO .............................................................................. 30 3.1 Objetivo da antropologia ..................................................................... 33 3.2 Divisões e campo da antropologia ..................................................... 33 3.3 Antropologia física .............................................................................. 33 3.4 Antropologia cultural ........................................................................... 34 3.5 Arqueologia ........................................................................................ 35 3.6 Etnografia ........................................................................................... 35 3.7 Conhecer a trajetória da antropologia como campo de ideias disciplinares ........................................................................................................... 37 3.8 Etnologia ............................................................................................ 39 3.9 Linguística .......................................................................................... 40 3.10 Folclore ........................................................................................... 40 3.11 Antropologia social .......................................................................... 41 3.12 Cultura e personalidade .................................................................. 41 4 CONCEITUANDO O HOMEM .................................................................. 42 3 4.1 O homem e o ambiente ...................................................................... 44 4.2 O interno e o externo no homem de acordo com crítica de Michel e Foucault dentro da antropologia ............................................................................ 48 4.3 O lugar do conhecimento de si ........................................................... 53 5 A PSICOLOGIA E A ANTROPOLOGIA .................................................... 58 6 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 60 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 ANTROPOLOGIA Fonte: brasilcultura.com.br De acordo com ANDRADE et al., (2010), etimologicamente falando, o termo antropologia (anthropos, homem; logo, pesquisa) refere-se ao estudo dos seres humanos, o homem em si. Ela é a ciência humana, que envolve a compreensão científica de todo o conhecimento humano, ou seja, o homem em sua totalidade, o que lhe confere um tríplice aspecto: Ciência Social: propõe conhecer o homem enquanto elemento integrante de grupos organizados. Ciência Humana: volta –se especificamente para o homem como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia, linguagem etc. Ciência Natural: interessa – se pelo conhecimento psicossomático do homem e sua evolução, conforme ANDRADE et al., (2010). 6 Portanto, está relacionado às chamadas ciências biológicas e culturais, a primeira é para a existência física e a segunda é para a existência cultural. Hoebel e Frost (1981:3 apud ANDRADE et al., 2010) definem a antropologia como “ a ciência da humanidade e da cultura. Como tal, é uma ciência superior social e comportamental, e mais, na sua relação com as artes e no empenho do antropólogo de sentir e comunicar o modo de viver total de povos específicos, é também uma disciplina humanística”. A antropologia tem uma dimensão biológica, enquanto antropologia física uma dimensão sociocultural, enquanto antropologia social e/ ou antropologia cultural uma dimensão filosófica, enquanto antropologia filosófica, ou seja, quando se empenha em responder a indagação: o que é homem? Apesar da diversidade dos seus campos de interesse, constitui-se em uma ciência polarizadora, que necessita da colaboração de outras áreas do saber, mas conversa com sua unidade, uma vez que seu foco de interesse é o homem e a cultura, conforme ANDRADE et al., (2010). Pode- se afirmar que há pouco mais de cem anos a antropologia conquistou seu lugar entre as ciências. Primeiramente, foi considerada como a história natural física do homem e do seu processo evolutivo, no espaço e no tempo. Se, por um lado, essa concepção vinha satisfazer ao significado literal da palavra, por outro restringia o seu tempo de estudo as características humanas físicas, conforme ANDRADE et al., (2010). Essa postura marcou e limitou os estudos antropológicos por muito tempo, privilegiando a antropometria, ciência que trata das mensurações do homem fóssil e do ser vivo. A antropologia visa ao conhecimento completo do homem, o que torna suas expectativas muito mais abrangentes. Dessa forma, uma conceituação mais ampla a define como a ciência que estuda o homem, suas produções e seu comportamento. O seu interesse está no homem como um todo, ser biológico e ser cultural, preocupando – se em revelar os fatos da natureza e da cultura, conforme ANDRADE et al., (2010). Tenta compreender a existência humana em todos os seus aspectos, no espaço e no tempo, partindo do princípio da estrutura biopsíquica. Busca também a compreensão das manifestações culturais, do comportamento e da vida social, conforme ANDRADE et al., (2010). 7 Esta ciência foi formada a partir de diversas origens, estudos e fundamentos, documentados numa história de evoluções de ideias que levaram aos aspectos conclusivos de hoje. Laraia nos fala sobre a diversidade de pensadores que proveram os elementos necessários à ciência antropológica como Confúcio ao afirmar que “a natureza dos homens é a mesma, são seus hábitos que os mantém separados. A partir desta ideia fundamental da antropologia muitoslevantaram uma pergunta iniciadora no assunto: porque homens semelhantes em contextos semelhantes geram culturas tão distintas? Conforme LIDÓRIO A; 2009. Franz Boas descreve as narrativas de Heródoto (484-424 a.C; apud LIDÓRIO A; 2009) aos gregos, a respeito do que havia visto em diferentes terras citando, em uma de suas observações, que os Lícios possuíam “um costume único pelo qual diferem de todas as outras nações. Tomam o nome da mãe e não do pai. ” Este tipo de constatação veio a formar a categoria hoje conhecida como estrutura de parentesco matrilinear. José de Anchieta (1534-1597 apud LIDÓRIO A; 2009) observou a estrutura de parentesco patrilinear entre os Tupinambás escrevendo que “porque têm para si que o parentesco verdadeiro vem pela parte dos pais, que são agentes; e que as mães não são mais que uns sacos, em respeito aos dos pais, em que se criam as crianças, e por esta causa os filhos dos pais, posto que sejam havidos de escravas e contrárias cativas, são sempre livres e tão estimados como os outros”. Geertz discorre sobre diversos outros pesquisadores que contribuíram com esboços daquilo que formaria o atual pensamento antropológico como Khaldun, no século XIV, que elaborou a tese de que os habitantes de terras quentes são mais passionais que os de climas frios, Conforme LIDÓRIO A; 2009. Ou ainda Locke que pesquisou o conceito das ideias a partir das distinções geográficas. No século XVIII Rousseau, Schiller e Herder tentaram construir um esboço da história da humanidade a partir dos relatos de diversas viagens, de Marco Polo a Cook, conforme LIDÓRIO A; 2009. Todos estes exemplos demonstram métodos antropológicos de observação e interpretação das raízes e valores culturais em diferentes contextos humanos. Portanto, Antropologia poderia ser introdutoriamente conceituada como “o resultado da aglutinação histórica de impressões, fatos e ideias sobre a identidade do homem disperso em seus diferentes ajuntamentos sociais”, conforme LIDÓRIO A; 2009. 8 A ideologia antropológica, entretanto, sofreria forte impacto acadêmico do evolucionismo de Darwin (denominado na época de método comparativo), representado principalmente por Tylor. A principal oposição é encontrada exatamente nas claras ideias de Franz Boas (1858- 1949 LIDÓRIO A; 2009). Este método comparativo defendia que o homem é o resultado do seu ambiente. Para melhor entendermos tomemos como exemplo o povo Ewe no centro de Gana, África ocidental. Sua língua utilizou quatro vocábulos diferentes para designar o conceito de rio, porque habitam numa área fluvial que depende de uma compreensão melhor da evolução desta ideia, enquanto os Konkombas, que não transitam nos rios mas partilham o mesmo território, utilizam apenas um vocábulo para conceituar rio. Assim, segundo esta teoria, o ambiente define a cultura e define o homem levando-o a desenvolver língua, hábitos e formas de agrupamento a partir do contexto, conforme LIDÓRIO A; 2009. Boas interfere e nos propõe que a cultura humana não é apenas o resultado do ambiente, mas sim o resultado das ideias. Revolucionando a Antropologia da época, Boas fez escola ao mesmo tempo em que chamou a atenção para uma dualidade que tem como primeiro elemento o reconhecimento do que o ambiente pode produzir no indivíduo. Desta forma o ambiente seria de fato determinante em alguns aspectos da formação cultural do indivíduo, conforme LIDÓRIO A; 2009. Tomemos, como exemplo, um bebê recém-nascido, com três meses de idade, tendo nascido em uma família Tukano do Alto Rio Negro. Por algum motivo esta criança é levada para ser criada por uma família Italiana de Milão. Aos 15 anos de idade este adolescente, senão pelo aspecto físico, será um puro Italiano linguística e culturalmente. Enfrentaria todas as limitações como qualquer Italiano se necessário fosse se aculturar no universo Tukano, aprender sua língua, entender sua cosmovisão, adaptar-se ao clima, organização social e tudo o mais. A determinação do ambiente de fato é relevante e prioritária na formação direta do indivíduo em termos de identidade étnica e cultural, conforme LIDÓRIO A; 2009. Mas Boas acrescenta um segundo elemento, para compor sua dualidade. Apesar do determinismo geográfico ter seu fundamento bem embasado, há elementos que constroem a cultura em um determinado grupo que independe de sua regionalidade. A comprovação mais conclusiva, observada por Boas, foi o desenvolvimento dos Esquimós (Inuit) em uma mesma região dividida politicamente entre o Canadá e os Estados Unidos das Américas, conforme LIDÓRIO A; 2009. 9 As escolhas culturais do agrupamento foram extremamente distintas gerando grupos também distintos apesar de compartilharem a mesma história, região e ancestralidade. Falam hoje dialetos distintos e possuem costumes paradoxais mesmo vivendo tão próximos. Portanto a cultura é um elemento muito mais dinâmico do que se poderia esperar, e desta forma mais complexo ao ser analisado de forma linear, conforme LIDÓRIO A; 2009. A Antropologia, inicialmente, era tratada apenas como uma área de estudo dentro da História e da Filosofia. Com o descobrimento das complexidades culturais a humanidade viu-se diante da gritante necessidade de uma área específica e subdividida a ponto de cobrir algumas fontes de perguntas sociais. Surgiu o Estudo do homem, conforme LIDÓRIO A; 2009. Um dos fatos que despertou atenções ao redor do mundo no século XVI foi a inconcebível possibilidade de que fatos análogos possam estar desassociados em sua origem. Com as viagens e descobertas de novos mundos e povos os relatos rapidamente chegaram à Europa conduzindo uma série de questionamentos a respeito de respostas que antes eram tidas como certas. Percebeu-se, por exemplo, que o garfo foi usado primeiramente em Fiji e tempos depois inventado na Europa sem que houvesse entre estes lugares qualquer transmissão de conhecimento, conforme LIDÓRIO A; 2009. Os tesouros artísticos que chegavam do chamado novo mundo ocidental possuíam tremenda semelhança com os relatados por Marco Polo no mundo oriental. O golpe final foi dado através dos relatos de grupos isolados por gerações na Polinésia os quais, desenvolveram artifícios de bronze e arpões de pesca quase idênticos aos utilizados na Roma de dois milênios atrás sem que houvesse possibilidade de transmissão histórica de conhecimento. É claro, portanto, a conclusão de que necessidades comuns geram invenções e respostas análogas, conforme LIDÓRIO A; 2009. Tornou-se necessária a existência de uma área específica para o estudo do homem, suas interações sociais, herança histórica e identidade comunitária. Surgia a Antropologia que mais tarde viria a se desmembrar em Aplicada, Cultural, Etnologia, Fenomenologia e diversas outras estruturas de pesquisa e conhecimento do desenvolvimento humano em seu contexto social, conforme LIDÓRIO A; 2009. 10 2.1 A constituição do conhecimento antropológico De acordo com JORDÃO P; (2004), como toda construção intelectual, a antropologia permanece ligada às condições históricas de sua instauração e de suas manifestações, isto é, aos meios teóricos e práticos que a transformou no que é atualmente, buscando, assim, compreender o papel do pesquisador e de seus sujeitos de pesquisa no texto e no trabalho de campo. Não há dúvida de que esta disciplina se desenvolveu ao mesmo tempo em que se efetuava a expansão colonial européia e que se estendeu a uma porção cada vez mais vasta das terras habitadas. Vejamos como se deu este processo na antropologia. Fonte: medium.com O período de 1860 a 1920 coincide com a fase de conquista colonial por parte do mundo Europeu e o advento da antropologia como estudo sobre o outro. Já no próprio projeto de constituição de um saber mais sistemático sobre o homem, delineia- se como seu principal eixo uma compreensão da natureza e dacultura que eram o próprio fundamento epistemológico de sua cientificidade, conforme JORDÃO P; (2004). 11 Assim, durante um longo espaço de tempo, que compreende até os dias atuais, quase todas as suas variantes teóricas como, por exemplo, o evolucionismo, o funcionalismo, o estruturalismo, comprometeram-se com um saber sobre o outro vinculado às leis científicas que estabeleciam uma natureza una e hegemônica para todos os seres humanos, em contrapartida a constatação visível de culturas em constante transformação, conforme JORDÃO P; (2004). A natureza, entidade metafísica herdada da filosofia clássica, manifestava-se em nossa substância comum, enquanto que a cultura, ou as culturas no plural, já que o homem é essencialmente um animal fabricante de cultura, representa nossa pluralidade de línguas e a fragmentação do gênero humano, conforme JORDÃO P; (2004). O período seguinte, é considerado um momento transformador do fazer antropológico através da observação participante, ou seja, o estabelecimento de uma distância entre o antropólogo e sua cultura e a cultura do grupo estudado. Esse distanciamento, que não é consequência completamente desavisada ou aleatória do processo da construção do conhecimento antropológico, está na base do surgimento de um novo contexto, diferente do evolucionismo presente no período anterior, pela construção de um conhecimento que surgiu pelo estabelecimento de uma relação especifica, não somente entre o pesquisador e seu objeto, mas também entre estes e o leitor, conforme JORDÃO P; (2004). O início da década de vinte, coincide teoricamente com a influência do pensamento funcionalista de Émile Durkheim sobre a antropologia social inglesa. No mesmo ano de 1922, temos a publicação de Radicliffe-Brown com Os Ilhéus em Andanaman (1922 apud JORDÃO P; 2004) e, em 1925, O ensaio sobre o dom de Marcel Mauss. Assim, o conhecimento, pretensamente neutro do objeto etnográfico, substitui a construção especulativa das origens da família, do estado, da religião, da cultura como era praticado pelos chamados antropólogos de gabinete no evolucionismo. Tomemos como referência o funcionalismo tal como foi desenvolvido no estudo das sociedades tribais. A análise antropológica consiste em construir sistemas a partir de uma realidade que aparece, de início, como fragmentada. A aparência fragmentada e destituída de significação decorre da exterioridade do observador e a construção de sistemas coerentes pela antropologia deve corresponder a uma integração real, constantemente realizada pelos membros da sociedade portadores da cultura, através de processos que são, o mais das vezes, inconscientes. Esse tipo de 12 investigação pressupõe uma noção de totalidade integrada cuja reconstrução é objetivo último do pesquisador. (DURHAM, 1988, p. 21 apud JORDÃO P; 2004). Se o período de 1920 a 1945 assiste à uma expansão dos territórios colonizados, à época entre 1945 a 1960, corresponde ao início e depois a realização da descolonização, o que não deixa de ser traduzido por diversas pesquisas antropológicas. Contudo, as independências meramente formais decepcionaram: o imperialismo que sucedeu ao colonialismo. Nunca a dependência econômica foi tão forte e alienante, conforme JORDÃO P; (2004). Com o aparecimento da crise da ciência no mundo moderno, anunciada já na metade de nosso século, com a segunda guerra mundial, instala-se na antropologia o debate acerca de seus novos paradigmas: o que é a antropologia à luz dos novos questionamentos? Qual é o objeto de estudo da antropologia, já que as sociedades indígenas pareciam estar se extinguindo? Qual o critério de cientificidade na antropologia, imposto pelas novas transformações científicas culturais? Conforme JORDÃO P; (2004). Como caracteriza JORDÃO P; (2004), o problema se agrava quando tentamos estabelecer um novo status para noções até então monolíticas como a ciência, a natureza. É neste contexto que se instala a crise dos novos paradigmas na antropologia; uns prometendo a reformulação radical da própria natureza da cientificidade como alguns autores pós-modernos e, outros, procurando adequar o edifício epistemológico da ciência às novas bases em gestação como os hermenêutas e outras correntes fenomenológicas. Do ponto de vista de JORDÃO P; (2004), é dentro deste contexto, a partir dos anos setenta que se instala uma nova corrente teórica denominada antropologia interpretativa mais tarde hermenêutica propondo novos referenciais para a disciplina. Assim, para estes autores, cabe a antropologia não mais a busca de leis universais para o gênero humano, mas sim a interpretação das culturas existentes, a sua compreensibilidade por nós através de sua tradução. Ou seja, o critério de cientificidade deve residir na estruturação lógica da pesquisa, na compreensão do fenômeno estudado e não mais em uma neutralidade e objetividade absolutas do conhecimento. 13 Recentemente, nos anos oitenta e noventa, e depois de alguns anos em que não se pode falar de nenhum paradigma dominante na antropologia, a disciplina tem sido influenciada, nas palavras de Reynoso (1991 apud JORDÃO P; 2004), por uma moda intelectual que corresponde a premissas do que vem a ser pós-moderno. O debate é orientado na linha que conduz a multiplicidade de interpretações. Nas décadas de sessenta e setenta, como nos aponta Roque de Barros Laraia (1992 apud JORDÃO P; 2004), a antropologia possuía várias teorias que giram em torno da tarefa de reconstrução do conceito de cultura. Assim para Kessing (apud LARAIA, 1986 apud JORDÃO P; 2004), as teorias dividem-se em: considerando a cultura como sistema adaptativo, tendo como representante Leslie White, Shalins, Harris, Carneiro, Rapparport, Vayda e outros. Em segundo, encontram-se as teorias idealista de cultura, que se subdividem em três abordagens. São elas: a cultura como sistema cognitivo, que podemos citar, como exemplo, o antropólogo Goodenough; a cultura como sistema estrutural, tendo Lévi-Strauss, como seu representante; e a cultura como sistema simbólico, posição desenvolvida por dois antropólogos, Clifford Geertz e David Scheider, nos Estados Unidos, conforme apud JORDÃO P; 2004. Em certos âmbitos da antropologia interpretativa é inquestionável, por exemplo, a influência da teoria crítica da Escola de Frankfurt, da filosofia de Nietzsche, da semiótica de Charles Sanders Peirce e do romantismo alemão, principalmente Willian Dilthey e Max Weber, através de seu método compreensivo, conforme apud JORDÃO P; 2004. Assim, propõe-se uma série de novas alternativas para a antropologia: dialogia, polifonia, evocação. Tais alternativas, bem como as tendências que as propõem, de um modo geral, estão presentes no volume Writing Culture, editado por James Clifford e George Marcus em 1986. Trata-se de uma coletânea de ensaios apresentados originalmente num seminário na Escola de Investigação Americana de Santa Fé, Nuevo México em 1984, cujo tema central gira em torno da redação do texto antropológico, da autoridade etnográfica e da relação entre pesquisadores e seus pesquisados, conforme apud JORDÃO P; 2004. 14 Segundo Reynoso (1991 apud JORDÃO P; 2004), é no fervilhamento dos acontecimentos históricos e, principalmente no advento da sociedade pós-industrial, que a sociedade ocidental parece estar caminhando para uma grande transformação histórica, caracterizando um desgastamento rápido das relações sociais. A fonte deste cataclisma inclui o racionalismo científico, as tecnologias, além de vários outros aspectos presentes em nossa cultura. Uma de suas transformações básicas é a burocratização crescente da ciência e da especialização do trabalho intelectual em parcelas cada vez mais microscópicas. E como consequência desse complexo processo histórico, dessas transformações, sociais, econômicase de perspectivas filosóficas, que a antropologia americana pós-moderna se desenvolveu (BELL, 1976), conforme apud JORDÃO P; 2004. 2.2 A importância da antropologia Ao considerar o homem como ser biológico, social e cultural, percebe-se que as dimensões que compreendem a antropologia, são muito amplas e cada uma dessas dimensões pode ser representada pelas organizações sociais e políticas, parentesco, instituições sociais, por sistemas simbólicos, religião, comportamento, ou ainda, pelas condições de existência dos grupos humanos desaparecidos. Além disso, podem-se utilizar termos como antropologia, etnologia e etnografia para distinguir diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas. Sobre essa questão, Lévi-Strauss (1970, p. 377 apud PEREIRA G; et al., 2015), acrescenta, A etnografia corresponde aos primeiros estágios da pesquisa: observação e descrição do trabalho de campo”. A etnologia, com relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese” e a antropologia “uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia. Porém, percebe-se que é possível entender a antropologia como a ciência que, ao estudar o diferente, acaba tendo conhecimento sobre a heterogeneidade cultural. Esse conhecimento amplia os olhares sobre as mais variadas maneiras de ser, pensar, agir e viver, conforme PEREIRA G; et al., (2015). 15 É importante ressaltar, no entanto, que essa diversidade humana nunca foi vista como um fato ou algo natural. As diferenças têm de ser explicadas, sejam por formas míticas, religiosas ou científicas. Neste contexto, pensar o papel da antropologia, é compreender a imersão dessa ciência em um cenário que, por sua vez é composto de cenários, autores e regras. Cabe aos antropólogos, normalmente, a tarefa de estudar culturas que são completamente diferentes das sociedades nas quais eles vivem, as diferenças entre as suas experiências e costumes, assim como, como estas funcionam, conforme PEREIRA G; et al., (2015). De acordo com Silva (2000 apud PEREIRA G; et al., 2015), a antropologia estabeleceu sua identidade como ciência por meio de uma abordagem metodológica, na qual a observação participante tornou-se elemento central. A partir da necessidade de se ir à campo, questionou-se então a antropologia de gabinete, tão criticada por alguns autores ao afirmarem que a não convivência com o objeto da pesquisa empobrecia a análise dos mesmos. Sobre a importância dessa abordagem metodológica o autor completa: Se um dos principais objetivos da antropologia é promover um alargamento da razão possibilitado pelo conhecimento das várias concepções de mundo presentes nas culturas diversas (considerando-se que as culturas só se encontram através dos encontros dos homens), o trabalho de campo é um momento privilegiado para o exercício desse objetivo, pois é nele que a alteridade, premissa do conhecimento antropológico, se realiza. (SILVA, 2000, p.25 apud PEREIRA G; et al., 2015). No livro a Magia do antropólogo (SILVA, 2000, p.25 apud PEREIRA G; et al., 2015), nos agradecimentos, é citado um dos rituais do Cabula, religião afro-brasileira: “O adepto deveria entrar no mato, com uma vela apagada e voltar com ela acesa, sem ter levado meios para acendê-la, e, além disso, com o conhecimento do nome de seu espírito protetor”. O objetivo do autor com essa citação é fazer uma analogia dessa cerimônia ao oficio do etnógrafo, pois, segundo ele, se sente muitas vezes “perdido em meio ao campo no reino obscuro de um conhecimento ainda não articulado, até que possamos voltar trazendo a luz, significados encobertos”. O trabalho do antropólogo, por meio da etnografia, seria equivalente a “voltar com a vela acesa”, à medida que o método fosse auxiliando o pesquisador a desvendar e compreender as particularidades daquela cultura. É importante ressaltar que, além da compreensão, os antropólogos sempre terão que dar testemunho das culturas estudadas, conforme PEREIRA G; et al., (2015). 16 Silva (2000 apud PEREIRA G; et al., 2015) comenta que Malinowski, o pai do funcionalismo, também percebia a magia que envolve o antropólogo, os métodos utilizados por ele e as relações construídas com os “nativos”. Foram esses “truques” que o possibilitaram a compreensão de todas as particularidades que envolviam a tribo indígena relatada em os “Argonautas do pacifico” (1976 apud PEREIRA G; et al., 2015). O autor esclareceu sobre a necessidade de que o antropólogo passasse longos dias de convivência com os grupos estudados, com o fim de acompanhar de perto suas atividades diárias, apreender a língua nativa e, desse modo, absorver os valores e sentimentos do grupo, por meio da observação atenta do que seus integrantes fazem e dizem, conforme PEREIRA G; et al., (2015). Geertz, (1989 apud PEREIRA G; et al., 2015) corrobora com Silva (2000 apud PEREIRA G; et al., 2015) ao perceber a importância do trabalho de campo do antropólogo, à medida que enfatiza que a prática etnográfica se refere a estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante. E sobre o papel da etnografia na antropologia o autor acrescenta: Cada vez mais a etnografia vem se consolidando como uma atividade acadêmica profissional realizada inclusive por povos antes considerados apenas “objetos” desse conhecimento. “Sujeitos” e “objetos” da antropologia têm mudado de perfil em decorrência das mudanças nas relações políticas, econômicas e culturais entre os países que tradicionalmente “produziram” os primeiros e os continentes que tradicionalmente “forneceram” os segundos (GEERTZ, 1989, p.24 apud PEREIRA G; et al., 2015). Além dessa magia, Pritchard apud Silva (2000, p. 66 apud PEREIRA G; et al., 2015), fala sobre outro tipo: a identificação subjetiva do antropólogo. “[...] embora eu pense que os diferentes antropólogos que examinam o povo, acabarão por registrar os mesmos fatos nos seus cadernos de notas, creio que eles escreveriam diferentes tipos de livros [...]. ” Ou seja, a subjetividade de cada antropólogo acaba por conferir livros únicos, fruto de olhares, questionamentos e concepções cada vez mais singulares. 17 2.3 A antropologia dentro do campo das ciências sociais Sabemos que o ser humano “sempre teve curiosidade a respeito de si mesmo, independentemente do seu nível de desenvolvimento cultural” (Ibid. p.10). Assim sendo, o surgimento da Antropologia está ligado a este desejo da humanidade de conhecer-se a si mesma buscando perceber e registrar as semelhanças e as diferenças entre os diversos grupos sociais e culturais. Esse dado histórico nos leva à definição do objeto e, do objetivo da Antropologia, conforme OLIVEIRA J; 2006. Podemos afirmar que o objeto do estudo da Antropologia é a pessoa humana e a sua atividade. No caso da Antropologia Cultural o objeto é o ser humano e os seus comportamentos, ou seja, o homem e a mulher enquanto integrantes de grupos sociais que fazem cultura. Por essa razão é possível dizer que o objetivo da antropologia é o estudo da humanidade como um todo, bem como das suas diversas manifestações e expressões. Assim sendo, pode-se dizer que no seu objetivo a Antropologia se preocupa com a pessoa humana na sua condição de ser biológico, ser pensante, ser que produz culturas e ser capaz de organizar-se em sociedades estruturadas (Ibid. p. 2-3), conforme OLIVEIRA J; 2006. No caso da Antropologia Cultural, dentro da qual se situa a Antropologiada Religião, seu objetivo é procurar uma compreensão do ser humano enquanto tal e da sua existência ativa, capaz de interferir no destino do planeta que habitamos. O papel da Antropologia Cultural é interpretar as diferenças culturais na medida em que elas formam sistemas culturais integrados. Sua função é captar o essencial dasculturas e buscar uma verdadeira compreensão de tais sistemas. O essencial do trabalho do antropólogo cultural é o estudo da vida das pessoas organizadas em grupos culturais, vendo o seu conjunto formado por tantos elementos como os valores, as reflexões, os costumes, as normas, etc. (DAMATTA, p. 143-150), conforme OLIVEIRA J; 2006. Trata-se, pois, de estudar o ser humano enquanto capaz de produzir cultura. Por isso é fundamental percebermos desde agora a diferença e a relação entre sociedade e cultura. De fato, pode existir sociedade sem cultura. O que caracteriza a sociedade é a vida ordenada, com divisões de trabalho, de espaços, de idades, de extratos sociais, de sexos e assim por diante. Por isso também os animais são capazes de viver em sociedade. Já a cultura, supõe uma tradição viva que passe de geração em geração o que foi elaborado coletivamente, de modo que o próprio grupo 18 perceba e tenha consciência de que seu estilo de vida é diferente dos outros), conforme OLIVEIRA J; 2006. A partir dessa percepção e dessa consciência o grupo estabelece as suas normas de inclusão e de exclusão. Consequentemente, podemos ter um grupo ordenado socialmente, mas sem consciência do seu próprio estilo de vida, isto é, sem cultura. A cultura se caracteriza, pois, pela tradição, ou seja, pela transmissão do jeito próprio de ser de um grupo, o qual é mais do que viver ordenadamente com regras e normas estabelecidas, conforme OLIVEIRA J; 2006. A cultura é a vivência coletiva consciente e responsável dos padrões, costumes e hábitos, dentro de um espaço e de uma temporalidade, e que identificam um determinado grupo. Na cultura há uma interação dialética entre as regras e o grupo, com possibilidades de reciprocidade e de mudanças. O grupo age ou não desta ou daquela forma porque tem consciência de que esse agir lhe dá ou não identidade e o diferencia dos outros grupos sociais (Ibid. p. 47-58), conforme OLIVEIRA J; 2006. 2.4 Métodos científicos da antropologia Enquanto ciência social que estuda o ser humano, a antropologia faz uso de diversos métodos, de acordo com os seus campos e com as situações (MARCONI; PRESOTTO, p. 11-14 apud OLIVEIRA J; 2006). Por método entende-se um conjunto de regras bem definidas que são utilizadas na investigação. Normalmente o método segue um procedimento anteriormente elaborado e que deve ser cuidadosa e escrupulosamente observado. O método tem como finalidade descobrir quais são as lógicas e as leis da natureza e da sociedade, visando respostas satisfatórias. Normalmente são utilizados sete métodos nas pesquisas de antropologia. O primeiro é o método histórico utilizado para a investigação de culturas passadas. Por meio dele o antropólogo, com a ajuda do historiador, tenta reconstruir as culturas, explicar fatos e observar fenômenos, como, por exemplo, as mudanças ocorridas e as adaptações. O segundo é o método estatístico empregado, sobretudo para analisar as variações culturais das populações ou sociedades. Os dados são obtidos por meio de tabelas, gráficos, quadros comparativos etc., conforme OLIVEIRA J; 2006. 19 O terceiro é o método etnográfico utilizado para descrever as sociedades humanas, de modo particular as consideradas primitivas ou ágrafas (sem escrita). O método consiste essencialmente em levantar todos os dados possíveis sobre uma determinada cultura ou etnia e, a partir desses levantamentos, tentar descrever o estilo de vida ou cultura desses grupos, conforme OLIVEIRA J; 2006. O quarto método é chamado de comparativo ou etnológico. É usado de modo particular para a pesquisa sobre populações extintas. Por meio da comparação de materiais coletados, especialmente fósseis, se estudam os padrões, os costumes, os estilos de vida das culturas, vendo de modo particular as diferenças e semelhanças existentes entre elas. O objetivo melhor para compreender as culturas passadas e extintas. O quinto método é conhecido como monográfico, conforme OLIVEIRA J; 2006. É também chamado de estudo de caso, consiste em estudar com profundidade determinados grupos humanos, considerando todos os seus aspectos como, por exemplo, as instituições, os processos culturais e a religião. O estudo monográfico é muito importante para os casos de culturas que estão ameaçadas de extinção, uma vez que permite analisá-las e descrevê-las de forma bem pormenorizada, conforme OLIVEIRA J; 2006. Por fim, temos o método genealógico e o método funcionalista. No primeiro caso trata-se de um método usado para o estudo do parentesco e todos os outros aspectos sociais dele decorrentes. Visa à análise da estrutura familiar e exige a presença de um informante, ou seja, de alguém que possa revelar os nomes das pessoas que compõem a árvore genealógica. No segundo caso, a cultura é estudada e analisada a partir do âmbito da função ou das funções. Por meio dele busca-se perceber a funcionalidade de uma determinada unidade cultural no contexto da cultura geral ou global, conforme OLIVEIRA J; 2006. 2.5 Técnicas de pesquisa da antropologia Métodos estão associadas determinadas técnicas de pesquisa. Por técnica entende-se a habilidade do cientista ou pesquisador no uso dos métodos, ou seja, daquele conjunto de regras bem definidas que são utilizadas na investigação e que lhe permite obter os dados desejados. As técnicas usadas no campo antropológico 20 são três: observação, entrevista e formulário (MARCONI; PRESOTTO, p. 14-16 apud OLIVEIRA J; 2006). A técnica da observação consiste na coleta e obtenção de dados. Nela os sentidos têm um lugar privilegiado, ela pode ser sistemática ou participante. Na sistemática o pesquisador vai ser direto (pessoalmente) ou indiretamente (por meio de outras pessoas) observa os fatos no local da investigação e por um período de tempo. Na participante o pesquisador, por um longo período de tempo, participa do seu campo de pesquisa. É muito utilizada para a pesquisa cultural. Neste caso o cientista torna-se um participante ativo da cultura que quer estudar. Ela exige fina capacidade de observação, superação de preconceitos, trabalho diário de anotação, registro de fatos e de dados, conforme OLIVEIRA J; 2006. Exemplo desse tipo de pesquisa é aquela feita pelo francês Roger Bastide sobre as religiões africanas em Salvador (Bahia) ou o caso de Dacyr Ribeiro que conviveu durante muito tempo com os índios Kayapós em Mato Grosso. Também Roberto DaMatta descreve a sua pesquisa entre os índios Gaviões no Pará e entre os Apinayé no atual estado de Tocantins (DAMATTA, p. 182-240 apud OLIVEIRA J; 2006). A técnica da entrevista consiste num contato direto, face a face, do cientista e pesquisador com a pessoa entrevistada, da qual ele pretende obter informações. A entrevista pode ser estruturada ou semiestruturada (livre). A entrevista estruturada é aquela na qual o entrevistador segue um roteiro preestabelecido. A semiestruturada é aquela do tipo informal, sem roteiro a ser seguido, na qual o entrevistador vai colhendo as ideias do entrevistado, manifestadas de forma espontânea, conforme OLIVEIRA J; 2006. O formulário é uma técnica que se parece com o questionário, consiste num levantamento de dados feito através de uma série organizada de perguntas escritas entregues ao entrevistado, às quais ele é convidado a responder. De certa maneira é uma pesquisa dirigida, uma vez que o rol de perguntas é feito pelo entrevistador, visando obter esclarecimentos sobre determinadas questões, conforme OLIVEIRA J; 2006. 21 Convém observar que no caso das duas últimas técnicas, embora as respostas sejam dadas pelo entrevistado, o modo de formular as perguntas e a escolha do público alvo pode induzir a um determinado resultado. Isso acontece, por exemplo, em certas pesquisas de opinião pública, como ficou bem evidente por ocasião das recentes eleições no Brasil.O risco de manipulação dos resultados pode sempre existir. Neste caso temos um problema ético muito grave e o cientista encarregado da pesquisa pode ser responsabilizado por falsificar os resultados, conforme OLIVEIRA J; 2006. A antropologia é uma ciência de extrema atualidade, ela pode contribuir para o desenvolvimento dos seres humanos e dos povos. O resultado de seus estudos e pesquisas ajuda na superação de desequilíbrios e de tensões culturais. Os antropólogos costumam apontar as causas das tensões sociais e indicar soluções para que se restabeleça o equilíbrio entre os diversos grupos culturais. O grande desafio está no fato de que as culturas dominantes nem sempre concordam com as conclusões dos estudos e das pesquisas dos antropólogos. Por isso muitas tensões sociais permanecem e até tendem a se agravar. Não se quer escutar uma verdade que incomoda, conforme OLIVEIRA J; 2006. “A ação do antropólogo é de relevância, mas a perspectiva histórica tem demonstrado que sua tarefa lhe tem sido decepcionante, em face das pressões da cultura dominante, que nem sempre concorda com as posições teóricas e os métodos humanísticos por ele adotados, ao desempenhar o papel de conciliador entre o mundo dominante e o mundo dominado” (MARCONI; PRESOTTO, p. 19 apud OLIVEIRA J; 2006). A importância da antropologia no mundo de hoje, com a sua função de produzir interpretações das diferenças e de captar, com reverência e profunda compreensão, o essencial de cada cultura diferente, ela contribui para alargar nossas visões e romper esquemas ideológicos que tendem a desvalorizar aqueles que não são e não pensam como nós (DAMATTA, p. 143-150 apud OLIVEIRA J; 2006). A antropologia, mesmo no atual contexto, tem essa função de ser ponte e mediação entre dois mundos. Cabe-lhe a tarefa de ajudar-nos a ver o diferente não como algo exótico, distante e marginal, mas como uma realidade familiar. Embora não deixe também de ter a função de manter o caráter “exótico” de cada cultura, ou seja, de insistir sobre o direito que cada cultura tem de permanecer diferente, com suas 22 características próprias, sem que lhe seja imposta uma aculturação forçada, conforme OLIVEIRA J; 2006. 2.6 Filosofia e antropologia filosófica A Filosofia nos permite a especulação, o exercício do pensamento, nos pressupõe a transcendência, a investigação lógico-argumentativa e a fazermos uma análise precisa quanto aos fenômenos. As ciências não construíram seus métodos, mas utilizaram os métodos construídos pela Filosofia. A Filosofia por sua vez criou a epistemologia e os métodos. O diálogo entre antropologia e filosofia ao longo da história, contribuiu de forma direta e indireta para seus estudos, conforme QUEIROZ S; (2011). As ciências física e matemática são tidas como ciências puras e não dão conta do ser em sua amplitude, nem mesmo a História e nem a Filosofia. Logo nem a Filosofia e nem as ciências dão conta do estudo do ser humano. A Filosofia implica na aquisição de um conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais amplo possível. Esse conhecimento em benefício do homem, conforme QUEIROZ S; (2011). São reconhecíveis, por exemplo, na definição de Descartes, segundo a qual “essa palavra significa o estudo da sabedoria, e por sabedoria não se entende somente a prudência nas coisas, mas um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode conhecer, tanto para a conduta de sua vida quanto para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes” (DESCARTES, 2003, p. 4 apud QUEIROZ S; 2011). O fundamento desta concepção é que o homem é um “animal racional” e, portanto, como diz Aristóteles no início da Metafísica, “todos os homens tendem, por natureza, ao saber”: “tendem” significa que não somente desejam o saber, mas também podem obtê-lo. O saber não é privilégio ou patrimônio reservado a poucos; qualquer um pode contribuir para sua aquisição e para seu enriquecimento, tendo, por isso direito de julgá-lo, aprová-lo ou rejeitá-lo. A tarefa fundamental da Filosofia é a busca e a organização do saber, conforme QUEIROZ S; (2011). A primeira concepção da Filosofia é a metafísica; dominou na Antiguidade e na Idade Média, distinguindo ainda hoje muitas correntes filosóficas. Sua característica principal é a negação de qualquer possibilidade de investigação autônoma fora da filosofia. Um conhecimento é filosófico ou não é conhecimento. Aristóteles define a 23 filosofia como “ciência da verdade”, no sentido de que ela compreenda todas as ciências teóricas, ou seja, a filosofia primeira, a matemática e a física, e exclui somente a atividade prática: mas também esta deve recorrer à filosofia para esclarecer sua natureza e seus fundamentos. Todo o Iluminismo participou do conceito de filosofia como conhecimento científico. Como disse verdade: “Filósofo, amante da sabedoria, da verdade”, conforme QUEIROZ S; (2011). Mais especificamente, a tarefa da antropologia filosófica deveria ser considerar o homem não simplesmente como natureza, como vida, como vontade, como espírito etc., mas como homem, isto é, relacionar o complexo de condições ou de elementos que o constituem com seu modo de existência específico (ABBAGNANO, 2007, p. 75 apud QUEIROZ S; 2011). Podemos dizer que de todas as questões o problema que se encontra por trás de todos os outros é o da determinação do que seria o homem, qual é o lugar ocupado por ele na natureza, qual a sua relação com o cosmo, sua função no mundo e seu destino. Daí as perguntas: de onde viemos? Para onde vamos? Que poder temos sobre a natureza? Que poder a natureza tem sobre nós? Qual é o sentido da nossa existência? Essas são perguntas que ao longo da vida nos fazemos, mas que não são fáceis de serem respondidas por que não são próprias ao mundo da técnica, da produtividade, da mídia e do consumismo que nos cerca. Essas questões se referem à filosofia, ao exercício do pensamento, a um tipo de conhecimento importante, porém muito pouco relevante para a maioria das pessoas, ” conforme QUEIROZ S; (2011). De acordo com QUEIROZ S; (2011), a antropologia pode ser dita filosófica se seu método é filosófico, quer dizer se ela se aplica em considerar a essência mesmo do homem. Neste caso, a antropologia se esforça por distinguir o ente que chamamos homem da planta, do animal e dos outros tipos de entes, e busca por esta delimitação por em luz a constituição essencial específica desta região determinada do ente. A antropologia filosófica afirma-se, desde então, como uma ontologia regional tendo o homem por objeto, coordenada às outras ontologias que com ela partilham o domínio total do ente. Uma antropologia filosófica assim compreendida não pode ser considerada sem outra explicação como centro da filosofia e ela o pode menos ainda fundando esta pretensão sobre a estrutura interna de sua problemática, conforme QUEIROZ S; (2011). 24 De acordo com QUEIROZ S; (2011), levando em conta nossa forma de estar e atuar sobre o mundo, nossas necessidades e criações, em Antropologia Filosófica nos interessa a busca da compreensão dos seguintes elementos: o universo simbólico humano, o mito, a espiritualidade e a religiosidade como formas específicas do homem se localizar no mundo; as produções técnicas, estéticas e artísticas como maneira de expressão e realização interna e externa da vida humana; a vida cultural e todo o universo das ideologias que constrói as culturas de massa e nos envolve num mundo de consumismo exacerbado e de indiferença ao que verdadeiramente importa em termos culturais; interessam-nos também as produções científicas e as questões éticas, morais e valorativas que envolvem essas produções, sobretudo, na área das ciências biológicas; a política e os problemas sociais que enfrentamos atualmente como a violência, as guerras e as drogas; a liberdade humana, asleis e as normas com todas as determinações e necessidades que as cercam; os aspectos positivos e negativos da revolução tecnológica contemporânea, no que diz respeito ao meio ambiente e à saúde desse meio, em que se inclui o próprio homem; enfim, interessa- nos o mundo do trabalho, a exigência de qualificação e os retornos econômicos e pessoais que temos em nossas profissões. Fonte: unieducar.org.br 25 Antropologia não estuda só a sociedade, mas estuda as sociedades humanas como um todo em suas diversidades históricas e geográficas. Podemos perceber que a ciência antropológica não é empírica. Nossa cultura passa por uma gradação, nós temos que conhecer outras culturas. Percebemos que as ciências utilizaram princípios e procedimentos criados pela Filosofia, tudo pronto. O objeto de estudos das ciências antropológicas é o modo de vida das pessoas, conforme QUEIROZ S; (2011). Um dos fatores importantes para um antropólogo é fazer perguntas sempre, tipo como acontece com a Filosofia. É um exercício da antropologia de reencontrar uma memória e não negar a história do indivíduo, conforme QUEIROZ S; (2011). De acordo com QUEIROZ S; (2011), reafirmando Sócrates, conhecer-se a si mesmo é o primeiro tema que envolve o homem na história da filosofia e também o tema de toda a antropologia filosófica. A reflexão sobre si - exige uma análise sempre renovada dos aspectos da nossa vida cotidiana e dos conhecimentos em termos científicos. Por isso não basta identificarmos os problemas no nível do senso comum, é preciso aprofundá-los no nível científico da pesquisa e do pensamento, bem como na forma especificamente curiosa e questionadora que a filosofia nos possibilita. É preciso, portanto, ultrapassar o simples nível da experiência pessoal e procurar o sentido das coisas em conceitos mais elaborados a fim de alcançar uma visão de conjunto da vida humana e dar-lhe a unidade e a profundidade necessária em meio à infinita multiplicidade das coisas. É preciso que nos esforcemos para que consigamos agrupar os acontecimentos de maneira a ter uma visão crítica sobre a realidade, para além do tecnicismo que engessa as nossas mentes. É preciso que tenhamos a coragem de criar nós mesmos os nossos próprios conceitos, na condição de seres autônomos e reflexivos, conforme QUEIROZ S; (2011). Com a experiência que existe na antropologia filosófica, se relaciona do homem como homem, diferente de animal e planta. Ela percorre o nível transcendental, com a resposta sobre o que é o homem, utilizando do sujeito como mediação entre Natureza e Forma ou como Eu propriamente dito. O campo para a antropologia filosófica é imenso, e sua especificidade sobre o que realmente o homem vem acumulando nos seus anos de história. E nos apresenta que o ser humano é complexo, conforme QUEIROZ S; (2011). 26 2.7 Legado da filosofia e da antropologia filosófica para as ciências humanas e sociais Ao focalizarem a realidade humana e social, caracterizada pelo esforço de construir um meio artificial que pudesse proporcionar o conforto e a vida boa aos seres humanos justamente o mundo da cultura, da sociedade e da história, protegendo-os das penas do habitat natural e dos acidentes de uma natureza cega e indiferente aos seus desígnios, as ciências humanas foram levadas a tomar distância do paradigma das ciências naturais. Não podendo manter os padrões e os esquemas da biologia, seja via redução, seja via ampliação do escopo, elas trataram de encontrar uma chave de explicação diferente para os problemas e os fenômenos atinentes ao Anthropos, visto da perspectiva da cultura espiritual, da civilização material e da história total dos povos, conforme DOMINGUES I; (2011). Assim, no lugar do carbono, dos genes, dos genótipos, dos fenótipos e dos ambientes, vamos encontrar as forças sociais, as instituições, a educação, a linguagem, a técnica/tecnologia, as mercadorias, as moedas, a concorrência, a divisão das tarefas, os imperativos morais, a religião, as guerras, as conquistas, as derrotas, a escravização dos derrotados, o poder do Estado, e assim por diante, conforme DOMINGUES I; (2011). A questão que está em jogo é como dar coerência e uma explicação unificadora para a estonteante diversidade dos povos, das culturas, de tempos e de lugares, considerando que a humanidade é a mesma, mas os indivíduos e os grupos variam, e muito. E mais: não só dar coerência e descobrir a chave, mas ajustar aquilo que no mundo humano parece reclamar e depender da liberdade de iniciativa e de criação dos indivíduos e aquilo que reclama e depende de forças coercitivas e se impõem de toda necessidade: pactos, contratos, convenções, obrigações, leis, etc., conforme DOMINGUES I; (2011). Tais são os casos da moral, da economia e da política, que mais do que freios, corveias, relações de poder e domínio do mais forte, devem ser vistos como estabilizadores da ação humana, provedoras do habitat humano e o mundo humano por excelência, conforme DOMINGUES I; (2011). 27 Mas como explicar o imperativo do trabalho, a necessidade da técnica, a imposição de coerções e de regras de convívio, e as diferenças de toda sorte, os quais, em vez de creditados à atividade cega da natureza e às pressões do ambiente, são fabricados, chancelados, transformados e ensejados pelos humanos? Conforme DOMINGUES I; (2011). Para responder a essas questões sem dúvida difíceis, várias antropologias foram formatadas pela filosofia, pela religião e a própria ciência, cada uma delas pondo o foco num conjunto de caraterísticas dos seres humanos, Conforme DOMINGUES I; (2011). Assim, a antropologia do homem interior, de Sócrates, que define o homem por uma essência interna : a alma-psyché; a antropologia do homem lacunar, a um só tempo ser da falta e de necessidade e ser de artifício e de invenção, formulada por Platão no Banquete; a antropologia da queda e do homem pecaminoso, elaborada por Agostinho e de grande influência na cristandade; a antropologia do homem dual, meio besta e meio anjo, formatada por São Thomás, mas cujos fundamentos remontam a Platão e Agostinho (dualismo alma/corpo); a antropologia do homem perfectível e vazada na ideia do aprimoramento do gênero humano, elaborada pelos renascentistas (Pico della Mirandola) e adotada pelos modernos, como Herder e Kant; a antropologia do homem bestial que faz do homem vivendo em estado de natureza o lobo do homem (homo homini lupus), proveniente de Thomas Hobbes; a antropologia do homem- máquina, ou antes do corpo-máquina, oriunda de Descartes e de grande impacto na medicina e nas ciências humanas; a antropologia do homem-histórico, vinda da biologia, Darwin à frente, que historicizou a espécie humana, e à qual será adotada pela escola histórica alemã, não sem antes trocar a perspectiva da história natural pela da história espiritual ou cultural; a antropologia do homo duplex, de Durkheim, fundada não no dualismo corpo/mente, mas do indivíduo e da sociedade; a antropologia do homem-pulsional, centrada no desejo e no mal infinito do desejo, proposta por Freud e com raízes em Platão, conforme DOMINGUES I; (2011). O que não faltaram foram antropologias e diferentes visões de homem, e as ciências humanas nascentes puderam se servir à vontade de cada uma delas, e mesmo fazendo-lhes um mix ou um amálgama, ao se defrontarem com os diferentes problemas e fenômenos humanos e sociais, conforme DOMINGUES I; (2011). 28 Podemos dizer que, da mesma forma que a filosofia, as ciências humanas e sociais não elaboraram uma visão unificada do ser humano, havendo mais de uma maneira como elas lidaram com as potências e as características dos humanos, elas invocaram os instintos e as tendências que nos caracterizam em nossa vida em sociedade e nas relações interpessoais, conforme DOMINGUES I; (2011). Assim, ao falarem do serhumano, a sociologia e a antropologia abrem a caixa de bondades, por assim dizer, e colocam em primeiro plano os instintos gregários e as disposições cooperativas dos seres humanos, conforme DOMINGUES I; (2011). O resultado é a grande bifurcação que irá clivar as ciências humanas e as biológicas ao se ocuparem de um mesmo objeto, o homem, porém visto de ângulos diferentes, dando razão à Snow ao falar do choque das duas culturas, conforme comentamos antes, e mais ainda a Ingold, ao se referir ao ponto de inflexão. De um lado, a biologia e a história natural, ao forçarem o componente “natureza” da natureza humana, colocando em evidência a animalidade do homem e a passagem lenta e gradual da natureza à cultura. De outro lado, as ciências humanas e sociais, ao forçarem a componente “humana” da natureza humana, colocando em evidência a humanidade do homem e a passagem abrupta da natureza à cultura, conforme DOMINGUES I; (2011). 2.8 A resposta da filosofia A pergunta que deve ser feita, é: E a filosofia? Ou antes: E a antropologia filosófica? O que ela tem a dizer do relativismo, do historicismo e da questão antropológica? A via adotada pela filosofia ao pensar a questão antropológica, desde os tempos de Sócrates, foi a rota do «homem interior», definido pela alma-psyché, centro em torno do qual vão gravitar as categorias antropológicas de pessoa, sujeito, intersubjetividade, corporeidade, psiquismo, e, mesmo, espiritualidade, nas linhas cristã e católica, conforme DOMINGUES I; (2011). Porém, ao procurar ocupar esse terreno e voltar-se para o interior do homem, visando conquistar a sua fortaleza interior, a antropologia filosófica vai sofrer a concorrência da psicologia e da psicanálise, e em vez da unidade da pessoa, da consciência e do ser humano, descobrirá a cisão do eu, o inconsciente e a fragmentação do indivíduo, conforme DOMINGUES I; (2011). 29 A outra alternativa é voltar-se para fora e explorar as formas objetivadas ou as expressões objetivas do ser humano, como fizeram Hobbes e Hegel, tomando como objeto as normas jurídicas e as instituições políticas. Ao seguir essa rota e procurar ocupar esse terreno, como Cassirer na filosofia das formas simbólicas em ambiente contemporâneo, a antropologia filosófica não tardará a descobrir a concorrência da antropologia científica e de outras disciplinas das ciências humanas, ocupadas não com a unidade, mas como a diversidade das culturas e das instituições humanas, conforme DOMINGUES I; (2011). O ponto é que a filosofia não tem os meios ou as ferramentas para lidar com o empírico, e a situação da antropologia filosófica não poderia ser diferente. Seu propósito é levar a cabo sua tarefa, ao pensar a questão antropológica, por meios puramente especulativos e formatar um discurso universal, apoiando-se em conceitos abstratos e definições essenciais, e procurando circunscrever seu objeto o homem sem a menor referência ao espaço e ao tempo, diferentemente da ciência. Contudo, ao propor a definição do homem, cada filósofo terá a sua, em regra mediante o isolamento de um aspecto ou propriedade da mente ou do corpo humano, pretendendo que ela é determinante e universal, conforme DOMINGUES I; (2011). Em consequência, havendo mais de uma propriedade, como a capacidade de pensar, falar e agir, haverá mais de uma definição, sem chegar a um denominador comum: zôon politikón, zôon lógon echon, homo sapiens, homo faber, homo ludens, homo pictor, animal simbólico o que não faltaram foram definições essenciais, correlacionando atributos e substratos, e neste aspecto a imaginação do filósofo mostrou-se fértil, acreditando que bastava uma definição para abarcar o conjunto da humanidade, conforme DOMINGUES I; (2011). Todavia, quando a referência ao espaço e ao tempo é feita ou se infiltra em suas considerações, o filósofo se vê às voltas com a opacidade e a contingência do empírico e logo parte para o tudo ou nada: ou o tudo do universal da razão ou o nada do particular do empírico ou da experiência, conforme DOMINGUES I; (2011). Simplesmente, não há formas intermediárias ou generalidades médias, como as taxis, os clusters, os agregados estatísticos e as classes das ciências biológicas e humanas. Então, não tem como e o que fazer: a relatividade das culturas e dos costumes dos povos é uma realidade, e se a ciência pode neutralizar o relativismo histórico ou cultural com o método e a ajuda de alguns parâmetros, como a estrutura, 30 os modelos e as constantes culturais, conforme mostrou Lévi-Strauss, a filosofia não tem o que fazer e como lhe contrapor uma doutrina: uma nova doutrina do homem, que pudesse competir com a ciência e mesmo vencê-la, ao vencer o relativismo, , conforme DOMINGUES I; (2011). Stuart Mill ao pensar a questão antropológica junto com a questão moral: tomar a busca do prazer e do menor dano como algo comum aos humanos e aos animais, visto que uns e outros buscam o prazer e evitam a dor, e desde logo compreendendo essa propensão como constante ou lei, fazendo do sentimento o fundamento da moralidade e da razão um instrumento calculador da maximização da felicidade, conforme DOMINGUES I; (2011). Nietzsche ao pensar a questão antropológica, a moralidade e a decadência dos homens: psicologia das profundezas, aliando o ponto de vista do médico e do fisiólogo (patologias do corpo e da mente) e a perspectiva do artista que Alberti havia introduzido na arquitetura, perspectiva espacial no caso, e que com Nietzsche em sua genealogia da moral se converterá em temporal então, o antídoto do relativismo será buscado no perspectivismo, na multiplicação dos pontos de vista e na adoção de uma perspectiva elevada ou superior, marcada pelo pathos da distância: a perspectiva do nobre, conforme DOMINGUES I; (2011). O desafio consistirá então em encontrar os meios intelectuais os conceitos para dar sentido à diversidade e à relatividade das coisas, sem cair no relativismo. O caminho, a nosso ver, são os universais in situ, fortemente contextualizados, com abrangências diversas e definidos como síntese do uno e do múltiplo. Assim, a razão, a linguagem, a experiência, a moral e a existência, conforme DOMINGUES I; (2011). E assim, também, as categorias existenciais de finitude, corporeidade, pessoalidade, sentido, não-sentido, etc. Ou seja, como no caso da linguagem, em linguística, que reconhece uma única faculdade da linguagem junto com a diversidade das línguas, e a exemplo das espécies em biologia, cujo fenótipo varia sem cessar no tempo e o genótipo segue sendo o mesmo, ao se transmitir para a descendência, a humanidade em sua diversidade, conforme DOMINGUES I; (2011). 3 OBJETO DE ESTUDO A antropologia como ciência do biológico e do cultural tem seu objeto de estudo definido: o homem e suas obras. Segundo Beals e Hoijer (1968:5 apud 31 ANDRADE et al., 2010), “ seus problemas se centram, por um lado, no homem como membro do reino animal e, por outro, no comportamento do homem como membro de uma sociedade”. Para ANDRADE et al., (2010), o objeto da antropologia engloba as formas físicas primitivas e atuais do homem e suas manifestações culturais. Interessa –se, preferencialmente, pelos grupos simples, culturalmente diferenciados, e também pelo conhecimento de todas as sociedades humanas, letradas ou ágrafas, extintas ou vivas, existentes nas várias regiões da Terra. Atribui-se ao antropólogo a tarefa de proceder a generalizações, formulando princípios explicativos da formação e desenvolvimento das sociedades e culturas humanas. Exemplo: o estudo do homem fóssil, suas mudanças evolutivas, sua anatomia e suas produções culturais, conforme ANDRADE et al., (2010). De acordo com ANDRADE et al., (2010), toda investigação antropológica vale- se do método comparativo em busca de respostas para uma infinidade de porquês, na tentativa de compreenderas semelhanças e as diferenças físicas, psíquicas, culturais e sociais entre os grupos humanos. Exemplos: brancos e negros, línguas diversificadas, a indumentária do índio e do não índio, o culto ao sol e a presença da pirâmide no Egito e nas civilizações pré- colombianas, duas regiões muito distanciadas geograficamente. Na ausência de um laboratório experimental, o antropólogo lança mão da pesquisa de campo, que lhe fornece os dados desejados e permite testar as hipóteses levantadas na observação de situações peculiares. Daí a importância da contribuição dos antropólogos de campo, fornecendo o maior número possível de estudos sobre grupos humanos, uma vez que cada um deles é o produto de uma experiência cultural particular, conforme ANDRADE et al., (2010). Exemplos: os Apinajé, estudos por Curt Nimuendajú, os Guarani, estudados por Egon Schaden, os Esquimós, pesquisados por Franz Boas, e os Samoanos, investigados por Margaret Mead, conforme ANDRADE et al., (2010). A antropologia, portanto, é a ciência que tem por objetivo de estudo o homem, embora a pretensão possa ser, nomeadamente a luz de uma lógica científica pós- moderna, demasiada exagerada (Harris, 1999; apud LEAL J; 2009), ela corresponde ao conjunto de estudos teóricos de índole conceitual, metodológico e técnico orientado para a pesquisa em torno das diversas facetas do Ser humano, ou seja, para as 32 múltiplas dimensões de um objeto de investigação sujeito a um estudo sistemático que formaliza a <ciência homem>. No quadro da história natural, o homem é entendido como um ente físico que faz parte do todo natural, globalmente designado de <natureza>, podendo ser descrito a partir dela. Embora tenha decorrido num plano de ampla complexidade no presente, não exposta, realça – se que a adaptação da faceta descritiva dos estudos científicos naturais (nomeadamente, a <biológica>) ao contexto de estudo social positivista (referido como <sociológico>) funcionou como um modo de explorar as temáticas humanas na vertente dos Estudos Sociais, conforme LEAL J; (2009). Na decorrência dos registros em ciências naturais e/ou subjacente a exploração em ciências naturais sociais das experiências dos grupos sociais humanos no âmbito de múltiplas realidades vividas (em diversos contextos geográficos de ocupação humana bem como em variados sentidos temporais, diacrônico e sincrônico), emerge uma constatação analiticamente incontornável: o Homem, como ser natural, cognitivamente consciente, de vivência em grupos sociais, comunicador em múltiplos suportes, produtor e reprodutor de cultura através de esferas materiais e sócio- simbólicos, conforme LEAL J; (2009). De acordo com LEAL J; (2009), estabelecer uma definição absoluta e última sobre o conceito de cultura, corresponde a uma tarefa que os autores de antropologia preferem não empreender intensivamente, face ao objeto de estudo, as possibilidades de combinação conceitual são quase exponenciais. Recorde- se, a propósito, a < síntese> realizada por Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn na obra “culture”: A critical Review of Concepts and Definitions” (1952), correspondente a uma lista com mais de uma centena de definições. Como medida simplificadora, é comum adotar – se a citação do antropólogo britânico Edward Burnett Tylor, quando o autor, ainda durante o século XIX, e a respeito da matéria do evolucionismo cultural, descreve a <cultura> no quadro da definição etnográfica do seguinte modo: Cultura ou civilização, tomada em seu amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade, conforme LEAL J; (2009). 33 3.1 Objetivo da antropologia Hoebel e Frost (1981: 3-4 apud ANDRADE et al., 2010), afirmam que a “ antropologia fixa como seu objetivo o estudo da humanidade como um todo...” e nenhuma outra ciência pesquisa sistematicamente todas as manifestações do ser humano e da atividade humana de maneira tão unificada. Para ANDRADE et al., (2010), é um objetivo extremamente amplo, visando ao homem como expressão global, biopsicocultural, isto é, o homem como ser biológico pensante, produtor de culturas e participantes da sociedade, tentando chegar, assim, a compreensão da existência humana. 3.2 Divisões e campo da antropologia Como caracteriza ANDRADE et al., (2010), antropologia sendo a ciência da humanidade e da cultura, tem um campo de investigação extremamente vasto: abrange, no espaço, toda a terra habitada, no tempo, pelo menos dois milhões de anos e todas as populações socialmente organizadas. Divide –se em dois grandes, campos de estudos, com objetivos definidos e interesses teóricos próprios: Antropologia Física ou Biológica e Antropologia Cultural. 3.3 Antropologia física A antropologia física ou biológica estuda a natureza física do homem, procurando conhecer suas origens e evolução, sua estrutura anatômica, seus processos fisiológicos e as diferentes características raciais das populações humanas, antigas e modernas. Vincula – se assim as ciências biológicas e naturais, aproximando – se intimamente da Zoologia, da Anatomia, da Fisiologia, da Serologia, da Medicina etc., conforme ANDRADE et al., (2010). A antropologia Física ou biológica divide – se em: PALEONTOLOGIA HUMANA: a paleontologia (palaios, antigo, onto, Ser, logos, estudo) humana ou paleoantropologia estuda a origem e a evolução humana através do conhecimento das formas fósseis do passado, intermediarias entre os primatas e o homem moderno, conforme ANDRADE et al., (2010). 34 SOMATOLOGIA: a somatologia (somato, corpo humano, logos, estudo) descreve variedades existentes do homem, diferenças físicas individuais e diferenças sexuais (tipos sanguíneos, metabolismo basal, adaptação e etc.), conforme ANDRADE et al., (2010). ANTROPOMETRIA: a antropometria (anthropos, homem, metria, medida) usa as técnicas de medição, procedimento quantitativo que fornece medidas do corpo humano (crânio, ossos etc.), elaboradas por instrumentos especiais. Entre eles o antropômetro, largamente utilizado, conforme ANDRADE et al., (2010). ESTUDOS COMPARATIVOS DO CRESCIMENTO: recentemente, os somatólogos ampliaram seu campo de estudo, no sentido de conhecer as diferenças grupais relacionadas aos índices de crescimento e os outros aspectos correlatos: alimentação, exercícios físicos, maturidade sexual etc., conforme ANDRADE et al., (2010). 3.4 Antropologia cultural De acordo com ANDRADE et al., (2010), campo mais amplo da ciência antropológica, abrange o estudo do homem como ser cultural, isto é, fazedor de cultura. Investiga as culturas humanas no tempo e no espaço, suas origens e desenvolvimento, suas semelhanças e diferenças. Tem foco de interesse voltado para o conhecimento do comportamento cultural humano, adquirido por aprendizado, analisando – o em todas as suas dimensões. Como ciência social, seu objetivo básico consiste no “problema da relação entre modos de comportamento instintivo (hereditário) e adquirido (por aprendizagem), bem como o das bases biológicas gerais que servem de estrutura as capacidades culturais do homem” (Heberer, 1967:28 apud ANDRADE et al., 2010). É o homem (estrutura biológica) criando o seu meio cultura, mediante formas diferenciadas de comportamento, e evidenciando o caráter biocultural do desenvolvimento humano. Todas as sociedades humanas passadas, presentes e futuras interessam ao antropólogo cultural. Segue abaixo os tópicos que abrange o campo de estudo da mesma: 3.5/ 3.6 / 3.7 / 3.8 / 3.9 / 3.10 / 3.11 / 3.12. 35 3.5 Arqueologia A arqueologia (archatos, antigo; logos, estudo) tem como objeto de estudo as culturas do passado, extintas, que, em épocas remotas, desenvolveram formas culturais, representando fases da humanidadenão registradas em documentos escritos. Trata – se da tentativa de reconstrução do passado por meio da busca de vestígios e restos materiais não perecíveis e resistentes a destruição através do tempo, conforme ANDRADE et al., (2010). Cabe ao arqueólogo desenvolver técnicas adequadas para o trabalho e escavação e coleta material que, devidamente interpretado, possibilitará a reconstrução dos fatos do passado, conforme ANDRADE et al., (2010). Arqueologia clássica: tenta reconstruir as antigas civilizações letradas (Egito, Grécia, Mesopotâmia, Etrúria etc.). Antropologia Arqueológica: trata dos primórdios da cultura, relativa as populações extintas (culturas do Paleolítico, Mesolítico e Neolítico). 3.6 Etnografia É frequente se afirmar que o método etnográfico é aquele que diferencia as formas de construção de conhecimento em Antropologia em relação a outros campos de conhecimento das ciências humanas. De fato, o método etnográfico encontra sua especificidade em ser desenvolvido no âmbito da disciplina antropológica, sendo composto de técnicas e de procedimentos de coletas de dados associados a uma prática do trabalho de campo a partir de uma convivência mais ou menos prolongada do (a) pesquisador (a) junto ao grupo social a ser estudado, conforme ROCHA A; et al., (2003). A prática da pesquisa de campo etnográfica responde, pois, a uma demanda científica de produção de dados de conhecimento antropológico a partir de uma inter- relação entre o (a) pesquisador (a) e o (s) sujeito (s) pesquisados que interagem no contexto recorrendo primordialmente as técnicas de pesquisa da observação direta, de conversas informais e formais, as entrevistas não-diretivas, etc., conforme ROCHA A; et al., (2003). 36 O método etnográfico é a base na qual se apoia o edifício da formação de um (a) antropólogo (a). A pesquisa etnográfica constituindo-se no exercício do olhar (ver) e do escutar (ouvir) impõe ao pesquisador ou a pesquisadora um deslocamento de sua própria cultura para se situar no interior do fenômeno por ele ou por ela observado através da sua participação efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a realidade investigada se lhe apresenta, conforme ROCHA A; et al., (2003). A etnografia (éthnos, povo; graphein, escrever) consiste em um dos ramos da ciência da cultura que se preocupa com a descrição das sociedades humanas. Lévi Strauss (1967:14 apud ANDRADE et al., 2010) define – a de modo mais preciso e objetivo. Para ele, a Etnografia “ consiste na observação e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade (frequentemente escolhidos, por razoes teóricas e práticas, mas que não se prendem de modo algum à natureza da pesquisa entre aqueles que mais diferem do nosso), e visando a reconstituição, tão fiel quanto possível, da vida de cada um deles”. O objeto de estudo da Etnografia centra- se nas culturas simples, conhecidas como “primitivas” ou ágrafas. São as chamadas sociedades de linhagem e segmentárias. São grupos humanos que se opõem as sociedades complexas ou civilizadas. Também estas podem constituir –se em foco de atenção do etnógrafo, por exemplo, o interesse no estudo de sociedades rurais, conforme ANDRADE et al., (2010). As sociedades simples encontram- se, ainda hoje, espalhadas pela Terra, cada uma desenvolvendo uma cultura específica. Algumas já desapareceram, outras estão em contato com o mundo exterior, em processo de mudança, poucas se conservam isoladas. Exemplos: “Primitivos” dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, África. No Brasil, em 1957, dos 143 grupos tribais existem, 33 estavam ainda isolados, 276 em contato esporádico, 45 em contato permanente e 38 integrados a sociedade nacional (D. Ribeiro, 1957 apud ANDRADE et al., 2010). O etnógrafo é o especialista dedicado ao conhecimento exaustivo da cultura material e imaterial dos grupos. Observa e descreve, analisa e reconstitui culturas. Trata-se de um investigador de campo dedicado a coleta do material referente a todos os aspectos culturais passíveis de serem observados e descritos, primeiro passo 37 forma que o pesquisador deve ser, ao mesmo tempo, etnógrafo e etnólogo, conforme ANDRADE et al., (2010). 3.7 Conhecer a trajetória da antropologia como campo de ideias disciplinares De acordo com ROCHA A; et al., (2003), a prática do método etnográfico é seguida do estudo sistemático da construção do campo da disciplina antropológica. Este procedimento permite a compreensão das disposições intelectuais e ideológicas da trajetória do método antropológico em que o pesquisador se engaja. Compõe-se, portanto, de um dos processos de formação pelos quais um aluno do curso de ciências sociais necessita apreender para se formar na prática de investigação crítica que delimita a produção de conhecimento em Antropologia na sua relação com os demais campos das ditas “sociais”. No dizer de ROCHA A; et al., (2003), o encontro/confronto do cientista social com as sociedades não-europeias foi evidentemente que deu origem a este modo de conhecimento particular elaborado desde a técnica da observação rigorosa contínua e regular da vida social a partir da localização do investigado no interior das formas da vida social que pretendia estudar. Procurava impregnar-se lenta e sistematicamente dos grupos humanos com os quais mantinha, então, estreita troca e interação. Nas palavras do antropólogo alemão Franz Boas: suas alegrias e seus sofrimentos, que tenha conhecido com eles seus momentos de provação e abundância, e que não os encarem como simples objetos de pesquisa examinados como célula num microscópio, mas que os observe como seres humanos sensíveis e inteligentes que são, admitiria que eles nada possuem de um “espírito primitivo, de um “pensamento mágico” ou “prélógico” e que cada indivíduo no interior de uma sociedade “primitiva” é um homem, uma mulher ou uma criança da mesma espécie possuindo uma mesma forma de pensar, sentir e agir que um homem, uma mulher ou uma criança de nossa própria sociedade. (Boas, 2003, p. 32 apud ROCHA A; et al., 2003). Conforme ROCHA A; et al., (2003), Bronislaw Malinowski e Franz Boas foram os pais fundadores deste método ao explorarem a distância que separava suas sociedades daquelas por eles investigadas. Suas obras, os argonautas do pacífico ocidental e A alma primitiva, respectivamente, são exemplos da experiência de alteridade na elaboração da experiência etnográfica, tão necessária à formação de 38 um antropólogo, mesmo nos dias de hoje. Diz o antropólogo polonês e posteriormente naturalizado inglês: Se um homem embarca em uma expedição decidido a provar certas hipóteses e se mostra incapaz de modificar sem cessar seus pontos de vistas e de abandoná-los em razão de testemunhos, inútil de dizer que seu trabalho não terá valor algum. (Malinowski, 1976, p. 6532 apud ROCHA A; et al., 2003). Estranhamento e relativização foram conceitos cunhados na tradição do pensamento antropológico na sua tentativa de dar conta dos processos de transformação do olhar o outro, o diferente, desde os deslocamentos necessários do olhar do (a) antropólogo (a) sobre si mesmo e sua cultura, o igual, de acordo com ROCHA A; et al., (2003). A antropologia dos mestres fundadores foi assim responsável, no campo das ciências sociais, por uma revolução epistemológica pela forma como a pesquisa etnográfica, tendo como fundamento o trabalho de campo junto as sociedades ditas primitivas, provocaria nas formas das ciências sociais: produzir conhecimento ao longo do século XX conquistando vigor metodológico na investigação antropológica nas modernas sociedades complexas, conforme ROCHA A; et al., (2003). A etnografia como método de investigação das modernas sociedades complexas como método de investigação, influenciou as formas de se fazer pesquisa entre os sociólogos da Escola de Chicago. Este grupo
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