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— f - r- r~~. - ~ A L I C E V I E I R A Graduada em Português e Francês pela FFLCH-USR Mestre em Literatura Portuguesa pela FFLCH-USP Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USR Professora do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da USR J O S É L U Í S L A N D E I R A Licenciado ern Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra (Portugal). Mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela USR Doutor em Educação pela USP Professor de ensino fundamental, médio e universitário. "- '• •^ /Í/OSÓ/ÍCO RSE f. "•* •^ '— Queridos alunos e queridas alunas n /•s -~ •~- ~- Vocês têm o privilégio de estudar numa escola salesiana, que faz da felici- dade de seus alunos e alunas a razão da própria existência. O seu Colégio faz parte da Rede Salesiana de Escolas. Por isso mesmo, usa livros didáticos exclusivos, cuja qualidade os coloca entre os melhores do Brasil. Eles foram produzidos por autores e técnicos altamente qualificados e seguem os princípios edu- cativos sugeridos pela Unesco, bem como as normas e diretrizes adotadas pelo MEC para a educação exigida nos tempos atuais. Esses livros têm o objetivo de ajudar cada um de vocês a edificar uma base sólida para a própria vida, construindo, com a orientação de seus educadores, os saberes indispensáveis para enfrentar os grandes desafios do século XXI: • Aprender o aprender, construindo e elaborando os conhecimentos de que precisa agora e precisará no futuro. • Aprendera fazer, tornando-se capaz de aplicar nas situações concretas da vida os conhecimentos adquiridos. • Aprendera conviver, participando dos grupos de que faz parte, reco- nhecendo e aceitando as diferenças, convivendo pacificamente com os outros e exercendo a cidadania, como personagem atuante na His- tória de seu País e do mundo. • Aprender a ser, tornando-se progressivamente uma pessoa humana- mente mais completa e mais perfeita. • Aprendera crer, abrindo-se para as realidades que ultrapassam as di- mensões materiais da vida. A construção desses saberes desenvolve progressivamente as competên- cias e habilidades que ajudarão você a vencer as provas e concursos que tiver de enfrentar ao longo da vida. A começar pelo ENEM que, a partir de 2009, ganhou mais importância como forma de ingresso em muitas faculdades, particularmen- te nas federais, substituindo no todo, ou em parte, o vestibular tradicional. Aproveite bem a ajuda oferecida por esse material pioneiro, inovador. Faça de cada livro uma ferramenta valiosa para a construção do futuro de seus sonhos. E lembre-se: Nas olimpíadas da vida, a vitória depende de dedicação, esforço, entusias- mo e perseverança. Busque e você conseguirá a vitória. Pé. Nivaldo Luiz Pessinatti Ir. Ivanette Duncan de Miranda Diretores da RSE -• Vieira, Alice. Filosofia: ensino médio - Caderno 1. / Alice Vieira e José Luís Marques López Landeira. 4a reimpressão, Brasília: Cisbrasil - CIB, 2012. 64 p. (Coleção RSE) ISBN n2,978-85-7741-087-3 l. Landeira, José Luís Marques López. II. Rede Salesiana de Escolas. 1. Filosofia. Todos os direitos reservados à Editora Cisbrasil - CIB Endereço: SHCS CR - Quadra 506 - Bloco B - Lojas 65 / 66 - Asa Sul • Brasília - DF - CEP 70350-525 Telefone: (OXX61) 3214-2300 • Fax: (OXX61) 3242-4707 • E-mail: cisbrasil@salesianosdobrasil.org.br Copyright © 2008: Coordenadoras: Editor: Coordenador de Arte: Coordenador Editorial: Coordenador de Produção: Assessoria Editorial: Capa e Projeto Gráfico: Ilustrações: Revisão: Alice Vieira José Luís Marques López Landeira Kátia Cristina Stocco Smole Maria Ignez de Souza Vieira Diniz Maria Ignez Diniz Ronilde Rocha Machado Sônia Rolfsen Diaz Prof. Gleuso Damasceno Duarte Marcos Lourenço Hermínio José Casa Marcefo Martins Clarisse Bruno, Ester Tertuliano Rizzo Lápis Lazúli Robson Araújo Ana Clara Ferreira Guimarães Menezes Marcília Vieira P. Silva Seculus Editoração Diagramação: Lápis Lazúli Equipe Administrativa Endereço: SHCS CR - Quadra 506 - Bloco B Lojas 65 / 66 - Asa Sul Brasília - DF - CEP 70350-525 Te).: (OXX61) 3214-2300 - Fax: (OXX61) 3242-4797 E-mail: cisbrasil@salesianosdobrasil.org.br Equipe de Comunicação e Marketing Endereço: Av. Amazonas, 6825/S9 andar - Gameleira Belo Horizonte - MG - CEP 30510-000 Tel.: (OXX31) 3332-2087 E-mail: celio.asses@rse.org.br Equipe Pedagógica Endereço: SHCS CR - Quadra 506 - Bloco B Lojas 65/66 - Asa Sul Brasília - DF - CEP 70350-525 Tel.: (OXX61) 3214-2300 - Fax: (OXX61) 3242-4797 E-mail: pedagogico@rse.org.br Equipe Editorial Endereço: AV. 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Desse modo, usamos o passado como experiên- cia, questionamos o presente e planejamos o futuro: vivemos no tempo. O ser humano é, antes de tudo, criador de conhecimento. De Sócrates aos nossos dias, temos mais de 25 séculos de História da Filosofia ou, melhor, História das Filosofias, uma vez que, no decorrer dos tempos, foram inúmeras as discussões acerca do que é filosofar, seus métodos, formas de apresentação, objetos e objetivos. Nos diversos percursos do pensar filosófico, a Filosofia emerge como espaço em que ela coloca todos os conhecimentos do homem, inclusive a si mesma, como objeto de investigação. Desse modo a Filosofia pode pensar os seus valores e o próprio pensar. Para esse fim, ela necessita de questões: a partir de um problema, investiga o conhecimento verdadeiro, na busca de chegar a um conceito que, de algum modo, revele-se uma resposta, ainda que temporária. A Filosofia faz os homens se lembrarem de si, instiga-os a buscar compreender o mundo por meio de questionamentos, o que, em outras palavras, significa desestabilizar a ordem dada. Em seguida, constitui-se como caminho para o conhecimento profundo de conceitos, na maior par- te das vezes, criados pelo próprio filósofo e que propõem uma recriação da realidade. Desse modo, a Filosofia cria e critica. O pensamento filosófico é, ao mesmo tempo, criativo e crítico. E, para atingir ao fim a que se propõe, deve ser criterioso e responsável, capaz de analisar e sintetizar ideias com rigor e método. Método, aqui, significa a capacidade de discernir usando critérios escolhidos, em um esforço racional de examinar minuciosamente uma ideia, um valor, uma manifestação humana e, é claro, uma proposta me- todológica. Ou seja, o primeiro espaço para o pensamento filosófico é a própria sala de aula, espaço em que desejamos construir relações sólidas de aprendizado. Esse é o objetivo maior desta coleção. Os Autores - • Sumário '-• ^ ^ - -- " -- - <~'. ^ -"• - - 1 " - rv -• CAPÍTULO 1 - Decifra-me ou te devoro! 9 O filósofo e a esfinge , 10 Manga com leite mata? - superando o senso comum 12 Os filósofos desejam perguntas! 14 Como os filósofos conseguem suas perguntas?14 Em que diferem os seres humanos dos animais? 16 A origem da Filosofia 20 A physis e o nomos 21 CAPÍTULO 2 - Pergunte à sua consciência! Ou como funciona a mente humana ao filosofar? 25 Você gosta de jogar xadrez? 27 Problemas para elaborar uma inteligência artificial 28 Pergunte à sua consciência 29 A consciência crítica: entre o eu e o outro 30 Como a consciência reconhece a verdade? 32 A inteligência, a verdade e a percepção 36 CAPÍTULO 3 - Um ser com muitas consciências faz muitas perguntas 43 A construção da verdade pelas diversas consciências do ser humano 44 A consciência mítica 45 A consciência religiosa 48 A consciência intuitiva 50 A consciência racional 50 Pergunta é tudo a mesma coisa? 52 Um mundo dequestionamentos 55 A importância da reflexão 57 — ^ APÊNDICE - Breve panorama da história da Filosofia 61 -^ - 1 - CADERNOS DE FILOSO t te - -- ^ -" n • ^ - r> - * •~ r» •~ n -> "-• *• rs - <~S - r • — - •^ r- -- Decifra-me ou te devoro! Os antigos gregos contavam histórias de um monstro mitológico, com ca- beça de mulher, corpo de leão e asas de águia-a esfinge. Esse mito, originalmen- te surgido no Egito, era famoso por seus enigmas. A esfinge ficava no caminho e lançava uma pergunta ao incauto transeunte. Ao final dessa pergunta, a cruel ameaça: "Decifra-me ou te devoro!". Ou seja, ou o coitado sabia a resposta à per- gunta da esfinge ou era devorado ali mesmo, sem direito nem a se despedir da família. Esse mito ainda apresenta importância para nós, hoje em dia. A esfinge repre- senta o desejo humano de se conhecer a si mesmo, de questionar. Todos nós temos esse desejo. A cabeça de mulher da esfinge representa a intuição humana. Como veremos, é pela intuição que começamos a encontrar soluções para os problemas mais complicados da existência humana. O corpo de leão nos faz pensar na coragem necessária para fazer perguntas, em especial numa época quando todos pensam já ter encontrado as respostas para tudo. As asas de águia levam-nos para o alto, para a conquista do conhecimento e da sabedoria. As asas da águia são um convite para a Filosofia. o c:-e Lie • /j,rj •" .DERMOS DE FILOSOFIA Uma bela placa E... mas as pessoas não gostam de ler! -^ /•-> '-• Você gosta de pensar? A palavra "filosofia" certamente não é nova para você. É comum nos depa- rarmos com expressões como "estou estudando a filosofia de Platão" ou "a filoso- fia devida dele é fantástica" ou ainda "ela adora a filosofia oriental". De fato, ao re- correr ao dicionário encontramos diversas acepções, procurando definir o termo. O filósofo e a esfinge A Filosofia relaciona-se a uma das principais características humanas: o de- sejo de fazer perguntas. A Filosofia enfren- ta, portanto, o desafio da esfinge e aceita decifrar a complexa natureza humana. Ela impede que nossas questões devorem nossa identidade. Questionar é parte de nossa identidade, relaciona-se com o nos- so desejo de saber mais, de superar nossas limitações e "ir além". Uma questão é, ba- sLcamentej _urna_ideiaLgue_orlenta. a nossa curiosidade, fazendo-a procurar respostas. Todos nós somos, por natureza, curiosos; temos, dentro de nós, um pouquinho da esfinge que deseja encontrar respostas, a partir de suas intuições, que alça voos altos ~~à procura da sabedoria. O sentido básico da curiosidade põe em movimento a maior parte de nossos pensamentos. / P . f - i íTJ O f-£< ~ ~ —> RODIN, Auguste. O pensador (1904). - - v f .- 1 - CADERNOS DE FILOSOFIA - -~\ — - •** - - - - - •*• '- •~ — Não pense que é um exagero todo esse valor que estamos aqui dando à capacidade humana de questionar. O contrário é que é de estranhar. É uma pena que a curiosidade humana não seja devidamente valorizada! Todo o nosso conhecimento sobre o mundo origina-se da curiosidade básica sobre o nosso entorno. Sem curiosidade, os seres humanos teriam sido devorados peia iqno- rância. De fato, o ser humano é, por natureza, perguntador. As ações mais co- tidianas despertam a nossa curiosidade e nos levam a indagações: Com quem vou estudar este ano? Onde vou trabalhar? Será que ela/ele irá se apaixonar por mim? Qual o preço dessa camisa? Onde vou passar minhas férias?... Perguntas assim fazem a humanidade avançar. Como? Em primeiro lugar, é bom considerarmos que há perguntas de todos os ti- pos. Podemos perguntar-nos "Que horas são?" mas podemos perguntar-nos "Por que as pessoas sofrem?" ou "Eu sou capaz de fazer isso?". Nossos interesses, ao fa- zermos perguntas, abrangem uma variedade enorme de inquietações: desde ne- cessidades imediatas até dúvidas universais, que inquietam toda a humanidade desde sempre. Há também aquelas perguntas que fazemos na procura de conhe- cermo-nos melhor. Emília, a boneca quase gente do Sítio do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato, dá-se conta, ao iniciar as suas memórias, da importância de "interrogar-se a si mesmo". Veja: Emílio pensou, pensou, e por fim disse: - Bote um ponto de interrogação; ou, antes, bote vários pontos de inter- rogação. Bote seis... O Visconde abriu a boca. - Vamos, Visconde. Bote aí seis pontos de interrogação, insistiu a bone- ca. Não vê que estou indecisa, interrogando-me a mim mesma? LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. F PAUSA PARA REFLETIRVocê se conhece? Já vimos que conseguimos pensar sobre nós mesmos, "interrogando-me a mim mesma", como nos lembra Emília. Também conseguimos transferir para nós, indi- vidualmente, as perguntas Que a humanidade faz sobre ela desde sempre. Um dos primeiros filósofos da hu- manidade escreveu: Todos os homens podem conhecer a si mesmos e pensar sensatamente. Heráclito de Éfeso. Fragmento 116. Heráclito de Éfeso. - CADERNOS DE FILOSOFIA •"• CF- 1. Em sua opinião, o que é necessário para "conhecer a si mesmo"? 2. Identifique uma característica sua que melhor define aquilo que você considera importante na vida. Explique a relação. Há perguntas que vão além do interesse pessoal de um indivíduo, envol- vem a todos nós. Algumas dessas perguntas são: "Quem somos? O que fazemos da vida?". A coisa muda um pouco de figura se eu perguntar algo como:"Com que roupa vou ao aniversário do Cadu?". Tal pergunta diz respeito quase que total- mente a mim.Na verdade, pá rã tal questão tão pessoal, basta um pouco de senso comum para responder. l f j i- Sí-^iç O^vv ,^ /féç. e.Mfà Manga com leite mata? - superando o senso comum Diariamente lidamos com as mais diferentes opiniões sobre um assunto. Muitas dessas opiniões são facilmente aceitas como verdadeiras em um deter- minado meio social, mesmo que as pessoas não saibam o porquê nem a origem de tais noções. Trata-se de um conhecimento adquirido sem uma base crítica e coerente, A esse conhecimento denominamos senso comum. O senso comum é um conjunto de crenças aceitas como verdadeiras em um determinado meio social, mas cujos membros acreditam que tais supostas yerd a de s_sãp_cp mpartilh a d a s por todas as pessoas. É o que se nota na tira em quadrinhos a seguir: M5e, posso por manga na vitamina? De jeito nenhum! Todo mundo sabe que manga com leite mata, menina! Manga com leite mata. No senso comum, os elementos que compõem os conhecimentos surgem emaranhados, sem que se reconheçam exatamente suas origens. Aparecem no cotidiano como verdades consagradas e definitivas que devem orientar a vida prática das pessoas: ninguém deve beber manga com leite se quiser continuar vivo! Conhecimentos provisórios e parciais são transformados, pelo senso comum, em"verdades>'absolutas, sobre as quais não há o que questionar. -- "•"• -> /•s 1 - C A D E R N O S DE FILÓS O *• — RELACIONANDO... — *- - - -." r~* - - r*- /-v •^ -— •"• r-1 O sol se move em torno da Terra. Quem pode duvidar disso se todos os dias ouvimos expressões como "nascer do sol" ou "pôr do sol"? A astronomia demonstra, no entanto, desde Copérnico, que é a Terra que se move em torno do Sol. E que dizer, ao ouvirmos ditados como "Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher"? Vale a pena lembrar-se dos muitos casos de violência doméstica para questionarmos essa doutrina "in- questionável1. Os conhecimentos do senso comum revelam-se generaiizado- res., carregados de subjetividaole e, até, de preconceito. É o que se nota em provérbios como "Deus ajuda a quem cedo madruga", que poderia sugerir que os pobres são preguiçosos ou que não foram ajudados por Deus e que todos os ricos são trabalhadores e devotos. Embora a preguiça possa até resultar em pobreza, há muitas outras causas que explicam as diferenças sociais. Muitas vezes, o senso co- mum deixa de ver a realidade como um todo, exagerando o valor de alguns aspectos dessa realidade em detrimento de outros. Observe, agora, a tira em quadrinhos a seguir: ALGUÉM ME DISSE QUE VIAJAR EXPANDE OS HORIZONTES. R4Z40 PARA QUERER SER MEMBRO DA TRIPULAÇÃO DO NAVIO DÊ HAãAK, O TERRÍVEL? Hagar é um terrível, guloso e abrutalhado viking criado'pelo es- tadunidense Dik Browne. As tiras em quadrinhos de Hagar, o horrível, circulam em jornais de mais de 50 países. 3, A resposta à pergunta de Eddie Sortudo, o fiel amigo de Hagar, ("alguém me disse que viajar expande os horizontes") revela forte presença de senso comum que, dada a situação, distorce a reali- dade, Explique por quê. Usualmente, o senso comum vê a verdade a partir de ten_dê_nçja_s ditadas por políticos, publicitários, atores ou jogadores de futebol, por exemplo. Essas supostas verdades, como "o importante é se dar bem" ou "siga apenas o seu co- ração" seguem a moda de um determinado momento e são, na maior parte das vezes, apenas mentiras sobre as quais a maioria concorda. Embora nem sempre o senso comum seja mentiroso, não é dele que trata a Filosofia. Na verdade, a origem do filosofar surge, exatamente, do desejo de superar, questionando o senso comum. Os filósofos desejam perguntas! Como vemos, há vários tipos de questões. Algumas envolvem apenas pou- cas pessoas ou mesmo uma só - são as "pequenas questões do cotidiano"; ou- tras dizem respeito a muitas pessoas, são as chamadas "grandes questões" ou "questões fundamentais da vida" ou, ainda, "questões filosóficas". A verdade filosófica se constrói como exercício do pensamento e começa no desejo huma- no de questionar e de conhecer-se melhor. Como os filósofos conseguem suas respostas? Para entendermos isso, no entanto, antes temos de compreender como os filósofos conseguem as suas perguntas... Como os filósofos conseguem suas perguntas? FILOSOfA DE PLANTÃO Tem alguma pergunta que você não sabe a resposta? Você vai pagar à vista ou no cartão? O filósofo procura a resposta às questões essenciais da vida. Acompanhe o exemplo a seguir. Nele é possível observar como podemos, gradativamente, avançar das perguntas do cotidiano para as filosóficas. No dia a dia, é comum depararmo-nos com perguntas como"o que vou dar de presente de aniversário para o meu pai?". Essa é uma pequena pergunta do co- tidiano, mas, a partir dela, podemos chegar a uma grande questão fundamental da vida. Se mergulharmos nela, podemos decompô-la em várias outras e abstrair dela uma outra pergunta filosófica. Teríamos algo assim: "Meu pai vai gostar do presente que eu vou lhe dar?";"Por que eu estou dando este presente para meu pai: apenas porque é seu aniversário?"; "Eu quero que meu pai seja feliz com o -- -- "- 1 - CADERNOS DE FILOSO l—". - — f^ - •~ s CJ Vi *-t 8 I a presente que eu vou lhe dar?"; "0 que faz meu pai feliz?"; "Disso, o que eu posso comprar ou fazer para que ele se sinta feliz?";"Por que eu quero que meu pai seja feliz?". Nesse momento, começaríamos a avançar no campo da filosofia, com per- guntas do tipo: "Eu sou feliz?"; "Por que devemos procurar ser felizes?" Desse ra- ciocínio, é possível que surja, finalmente, "o que é a felicidade?" Bem, essa última pergunta não diz mais respeito a você, nem a seu pai, mas a todos os seres huma- nos. 0 exercício de abstraçào permitiu que chegássemos a essa pergunta, a que í-S /~\ t~\ f\ f l "i rv^ n r iníí-n-mi" r*f\ i-vxrt i i i-v* -* "f-t t- -\ n r-\ /-\ f-tí íf\r^--\ t-\ *-J^\ r^\íi^-í-Ai-ií«í— t Uni n-* -k « -»" rt i i *- ^ í ~* -"- — —- - - - - • • - - - uma questão filosófica! Como vê, é importante notarmos que podemos estabelecer uma impor- tante relação entre as "questões fundamentais da vida" e as "pequenas questões docotidiano". É que o cérebro humano pode abstrair, ou seja, separar as diversas partes que estão por detrás de uma pergunta e valorizar mais um de seus deter- minados elementos, de caráter mais geral. Ao partirmos das perguntas cotidianas para as mais abstratas, conseguimos transferir para nós as perguntas que a huma- nidade faz sobre si desde sempre. Da dúvida sobre qual o melhor presente para o aniversário do pai pode surgir uma pergunta própria da filosofia (o que é a felicidade?). Para isso é ne- cessário, antes de tudo, uma mente aberta e questionadora, uma mente que não se conforma com o senso comum ou com quaisquer respostas prontas. Al- guém que se pergunta "o que vou dar de presente de aniversário para o meu pai?" e responde para si mesmo "qualquer coisa, depois eu vejo!" ou "a moça da loja me ajuda!" e para aí, terá muita dificuldade em filosofar. Dificilmente chega- rá a questões mais abstratas, como "o que é felicidade?" As questões filosóficas não se preocupam com a mera informação adquirida, mas~cõrrrã"sabedoría, algo muífõrnãis profundo. O filósofo deseja"tòrriar^ê sábio" m PAUSA PARA REFLETIR. Quem deseja tornar-se sábio? A questão é que nenhum deus persegue a sabedoria ou deseja tornar-se sábio, pois já o é; e ninguém mais que seja sábio persegue a sabedoria. Nem o ignoran- te persegue a sabedoria ou deseja ser sábio; nisso, aliás, a ignorância é confrangedora: estar satisfeita consigo mesma sem ser uma pessoa esclarecida nem inteligente, O homem que não se sente deficiente não deseja aquilo de que não sente deficiência, PLATÃO, O banquete. In: MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos ao Wittgens- tein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Platão. ' 1JM$ , DERNOS DE FtLOSOFI Platão (428-348 a.C.) foi o grande filósofo do período grego da Filosofia. Por meio de diálogos ele desenvolve uma profunda reflexão sobre alguns dos principais temas de Filosofia, 4. Seguindo o raciocínio de Platão, o que é necessário para alguém dese- jar ser filósofo? -- s Para compreendermos melhor a procura da sabedoria pelos filósofos, veja- mos, a seguir, um outro exemplo. Já faz parte do nosso folclore, este famoso refrão de música: Eu não sou cachorro, não Pm viver too humilhado Eu não sou cachorro, não Para ser tão desprezado Waldick Soriano. Eu não sou cachorro não. Essa música pode fazer-nos pensar muitas coisas. Desde "Puxa! Que bo- bagem ele se sentir desprezado como um cachorro! Isso já era!"até"É verdade que seres humanos e animais somos bem diferentes, mas em que realmente somos diferentes?". Encontrar uma resposta satisfatória a essa pergunta obri- ga-nos a sair do senso comum. É quando começamos a filosofar. Em que diferem os seres humanos dos animais? oj ?oo l : r v^cf Gr - ? - Procurando sair do senso comum, damo-nos conta de que aquilo que muitas vezes parece óbvio, afinal não é uma pergunta tão simples de responder. Tanto seres humanos como animais somos produtos da natureza, regidos por princípios biológicos. Encontrar a real diferença entre uns e outros talvez nãoseja tão simples assim... Uma vespa fabrica um casulo, põe dentro um ovo, mata uma aranha, co- loca-a junto ao ovo, fecha cuidadosamente o casulo. Quando a larva nasce, en- contra proteção e alimento. Trata-se de uma atividade "pensada" o que a vespa realiza? Se pudéssemos retirar o ovo e a aranha do casulo, notaríamos que ainda assim a vespa o fecharia cuidadosamente, como se nada tivesse ocorrido. O que nos mostra isso? Que o trabalho da vespa não leva em conta o obje- tivo, ou seja, a procriação da espécie, mas é algo desenvolvido instintivamente, de forma 'cega', sem considerar a finalidade dos atos. A observação atenta do comportamento animal acabou por confirmar um conhecimento que, com certeza, você já tem: os animais agem motivados, principalmente, por reflexos e instintos, transmitidos hereditariamente. Uma teia de aranha, um formigueiro ou o ninho de um João-de-barro, embora nos •^ . •-- 1 - CADERNOS DE FILÓS' - - - — ~- '-"- - - - - - - - - - •~ — -- O ninho do joão-de-barro é resultado de uma ação instintiva cega por não levar em conta a finalidade a que se destina. causem admiração, são efetivamente resultado dessas ações instintivas. Por isso, podemos dizer que os instintos são "cegos" isto é, não levam em conta a finalidade das ações praticadas. Mas, nossa observação sobre esse assunto não estaria completa se dei- xássemos de lado alguns animais situados em níveis mais altos da escala zo- ológica, animais que realizam atos inteligentes. E o ato de filosofar exige que procuremos ser o mais completos possíveis. Uma experiência científica realizada com chimpanzés ilustra este ponto: um psicólogo colocou um chimpanzé faminto numa jaula onde havia uma ba- nana pendurada no teto. Na jaula, havia também um certo número de caixotes e o animal deveria "pensar" que, para conseguira banana, ele precisava puxar o caixote e colocá-lo sob a fruta para, assim, poder alcançá-la. Caixote e banana eram dois elementos que se encontravam separados no espaço e que preci- savam fazer parte de uma totalidade para resolver o problema da fome. Após diversos saltos instintivos, o chimpanzé, finalmente, resolve empilhar os caixo- tes para alcançar a banana. O que nos mostra essa experiência? Que algumas espécies animais apresentam uma visão de conjunto que supera o instinto e se localiza em um tipo de inteligênci_a_prát|ca. Outra experiência, realizada em 1964, mostrou que alguns macacos chegam até mesmo a sentir-se desconfortáveis diante do sofrimento de seme- lhantes, preferindo abrir mão de sua parte de alimentação a ver outro macaco sofrer. Como vê, estamos encontrando respostas para a nossa pergunta, a partir de observações e experiências feitas. Essas experiências, como retirar o ovo e a l /IríWi/ul k^- ^ 1 ERNOS DE FILOSOFIA • - à^ -. aranha do casulo da vespa ou observar chimpanzés numa jaula, no entanto, não surgiram do nada, foram pensadas por alguém que as planejou cuidadosamen- te. Esse tipo de inteligência, que permite planejar experiências, é semelhante à inteligência prática dos animais? A inteligência animal é uma inteligência vivida apenas no momento do problema. O animal não inventa o instrumento, como, por exemplo, o caixote que lhe permite chegar até a banana, não o aperfeiçoa, nem sequer o conserva para um uso posterior. Os cientistas observaram que, depois de comer a banana, o chimpanzé abandona os caixotes que ficam ao seu redor como objetos sem sentido. Trata-se de um gesto útil que não domina o tem- po, pois, por não ter sequência, esgota-se no seu. movimento. O macaco não se preocupa em investigar o que causa o sofrimento ou o que, realmente, significa sofrer. O ser humano dá respostas inteligentes aos problemas, superando de forma pess_p_aj_e criativa,, a programação biológica.. Isso ocorre porque_ps hu- manos desenvolvem uma inteligência abstrata, ou seja, uma forma de inte- ligência que supera o momento e se projeta no tempo, tornando-se parte da memória de um grupo, avançando no futuro. Uma criança, em uma situação similar à do chimpanzé, mesmo depois de apanhar o objeto desejado, examinaria os caixotes e tentaria dar-lhes um outro sentido. A inteligência humana se projeta para além das situações de aplicação imediata, ela problematiza o ambiente em que vive e procura apren- der com os erros anteriores, visando a um amanhã melhor. Nosso pensamento abstraio é, nesse sentido, ímpar. Ele permite-nos de- senvolver diferentes atividades, como a abstração e a análise. Abstrair significa isolar o que se considera essencial do todo, ou seja, considerar à parte determinados aspectos específicos de uma totalidade, muitas vezes indissociável, ppji causa da conexão usual de suas partes. Isso permite observar um ou mais elementos de um todo, conhecendo e ava- liando suas características e propriedades em separado. Analisar significa dividir o todo em partes, examinando minuciosamente cada uma de suas partes. Abstrair e analisar são dois procedimentos muito importantes, ao cons- truirmos verdades que superem o senso comum. As experiências com vespas e chimpanzés descritas de nada adiantariam se não houvesse, além da capaci- dade de criá-las, a capacidade de analisar os seus resultados. Uma outra característica de nossa mente é fazermos uso da linguagem com o objetivo de comunicarmo-nos. A linguagem permite que superemos as barreiras do espaço e do tempo, transmitindo os conhecimentos entre as gerações. Você talvez esteja pensando; "mas os animais também se comuni- cam!" Sem dúvidas, isso é verdade! Um cãozinho pode abanar alegremente o rabo para o seu dono quando ouve a sua voz. Trata-se de um ato de comuni- cação ligado ao seu instinto ou ao adestramento. A comunicação animal visa -- •—•i 1 - CADERNOS DE FILÓS' - ' P-V -. - - - - - - r*~- ~ a uma situação concreta. De forma bem diferente, a comunicação humana distancia o ser da experiência que vive, permitindo-lhe reorganizá-la em uma outra totalidade, dando-lhe um novo sentido. Por meio da linguagem, o ser humano cultiva o seu pensamento abstrato. É devido à nossa capacidade de pensar que construímos história e po- demos ajustar-nos às mais diferentes situações. Pensando e fazendo uso do conhecimento anterior, resultado da tradição acumulada, o ser humano é capaz de habitar nas regiões mais inóspitas, superando as dificuldades que lhe são apresentadas. Graças à nossa inteligência abstrata, tornamo-nos, ao mesmo tempo, seres biológicos e culturais. Dentro da biosfera (a parte do mundo que pej.mLte_Q_gLesenVQ_|vinientp da vida) o ser humano constrói a antroposfera (a parte do mundo que surge da ação humana sobre a natu- reza). Um novo milénio todinho diante de nós... Que grandes mudanças Nenhuma delas terá importância sem pequenas mudanças em nós mesmos... ocorrerão no mundo! Pequenas mudanças em nós mesmos exigem que nos conheçamos cada vez melhor! O pensamento humano permite que antecipemos uma determinada si- tuação, transformando a realidade em que vivemos. Além disso, podemos lem- brarmo-nos de uma situação passada e, por meio dessa lembrança, organizar o nosso presente, prevendo uma situação futura. Nosso pensamento também permite-nos imaginar situações novas, algumas delas possíveis apenas em nos- so pensamento. E, o que mais nos interessa nesta obra, o pensamento humano permite-nos filosofar! CADERNOS DE FILOSOFIA A origem da Filosofia -fí> C L "^ c A filosofia, tal como a conhecemos hoje no ocidente, surgiu há cerca de 3 000 anos. Para uma grande parte dos filósofos, ser sábio é ter conhecimento da "verdade" a fim de ser guiado por ela. A verdade filosófica, no entanto, foge ao que o senso comum considera verdade. Sempre houve, em todas as civilizações, pessoas consideradas sábias. No entanto, foi no séculoVI a.C, nas colónias gregas da Jônia, na Ásia Menor, particu- larmente na cidade de Mileto, que apareceram os primeiros sábios que a tradição, posteriormente, chamaria de filósofos: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Sua per- píexidade diante do mundo levou-os a questionamentos complexos que superaram as explicações mitológicas e religiosas de sua época. Olbia QUERSONESO Heracleia» -.y 'Oflessa Epidauro Bizâriclo . Eleia * Tarento Crotona MAGNA GRÉCIA • Estagira * Ilion (Troi Atenas IMPÉRIO PERSA :feso •Miíeto CARIA • Rodes Chipre Náucratis EGITO Mundo grego por volta do século VI a.C. A originalidade de seu pensamento consistiu, principalmente, em utilizar-se das dimensões intuitiva e racional da consciência para compreender as realidades que se manifestam aos homens. Suas explicações sobre a chuva, o raio, o trovão ou mesmo sobre a origem do universo buscam princípios, ou seja, fundamentos para aquilo que dá origem a todas as outras coisas. O princípio (em grego, orché}, por ex- celência, seria aquele que não foi derivado nem deduzido do nada e do qual derivam todas as outras coisas. Outra característica desses filósofos é a busca da verdadeira natureza das coisas. Observe a explicação filosófica a seguir atribuída a Anaxágoras: Chamamos de arco-íris ao reflexo do sol nas nuvens. É, por isso, sinal de tormenta: pois a água que está ao redor da nuvem ou produz vento ou derrama a chuva. (Fr. 19. BTea in itiodem 17,547) —> - C A D E R N O S DE FILOS< - - - • - - - - - - * • - O pensamento de Anaxágoras talvez não seja a última palavra em matéria de ciência, mas apresenta uma característica fundamentai: abandona as consci- ências mítica e religiosa das explicações sobre os fenómenos da natureza. Esses filósofos construíram uma cosmologia, ou seja, uma explicação ra- cional e sistemática das características do universo, abandonando a antiga cos- mogonia, explicação mitológica sobre a origem do universo. A physis e o nomos Durante todo o século VI a. C. esse pensamento filosófico emergente vai se concentrar naquilo que os gregos chamaram de physis. Physis, de onde se origina a palavra "Física", origina-se do verbo grego phyein (emergir, fazer nascer, crescer) e se refere a tudo o que brota, surge, vem a ser, independente- mente da vontade e da cultura humanas. São, então, fenómenos físicos aque- les próprios da natureza. Em contraste com a physis, temos o nomos, ou seja, a produção cultural: valores, leis, crenças, costumes, regras de conduta que surgem por convenção humana e, por isso, não são parte da natureza. Embora guiados, principalmente, pela intuição, diversos desses pensa- dores pré-socráticos chegaram a conclusões de grande importância filosófica. Um deles foi Heráclito de Éfeso. Para ele, tudo o que existe é um fluxo inces- sante, onde apenas o logos (lei) é estável e inalterável. É o logos que rege a transformação de todas as coisas. Contrário a esse pensamento, destacou-se Parmênides de Eléia. Para ele, o ser é uno, imutável e imóvel. Para Parmênides o"ser"é aquilo que toda coisa existente verdadeiramente possui. Sua linha de raciocínio foi impactante ao defender que nenhum ser pode vir de um não- ser, ou seja, do nada. O que em outras palavras, equivale a dizer que há um princípio eterno que dá origem ao cosmo, ou seja, ao universo, considerado como um todo ordenado. Já antes desse filósofo, no entanto, se discutia a existência de um princípio originador de todas as coisas. PfiRA DESENVOLVER O OLHAR ATENTO SOBRE O MUNDO Nada pode surgir do nada, dizia Parmênides. E nada que existe pode se transformar em nada. [..J Todos conhecemos a frase 'só acredito vendo', Mas Parmêni- des não acreditava nem quando via. Ele dizia que os sentidos nos fornecem uma visão enganosa do mundo; uma visão que não está em conformidade com o que nos diz a razão. Como filósofo, ele achava que sua tarefa consistia em desvendar todas as formas de ilusão dos sentidos. -CADERNOS DE FILOSOFIA • , •• — £ 3 £"553 forte crença na razão humana é chamada de racionalis- mo. Um racionalista é aquele que tem grande confiança na razão humana enquanto fonte de conhecimento do mundo. GAARDER, N Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 5. O pensamento racionalista é comum hoje em dia? Justifique, 6, O que pensa das ideias de Pannênides? Tales, Anaximandro e Anaxímenes já haviam filosofado sobre a existência de uma substância que originasse todas as outras. Para Tales, esse princípio que dava origem ao cosmo era a água, já para Anaximandro, discípulo deTales, o cosmo origina-se do'infinito'. É difícil definir o que Anaximandro entendia por"infinito"; talvez uma espécie de energia ou força cósmica eterna. Para Anaxímenes, o ar ou sopro de ar era a substância básica de todas as coisas. Demócrito, de Abdera, não acreditava que as coisas pudessem se trans- formar em outras, mas também não acreditava que as coisas surgissem do nada. Ele desenvolveu a ideia de que a natureza é composta de pequenas pecinhas minúsculas que se combinam entre si e depois se separam: os átomos. Para ele, as únicas coisas que existem são os átomos e o vácuo. Sua teoria apoiava-se to- talmente no "material", por isso é chamada de "materialista". Ele está de acordo com Heráclito quando esse afirma que tudo flui na natureza. No entanto, apesar de que as coisas vão e vêm, há algo eterno e imutável, os átomos. A perplexidade desses primeiros filósofos levou-os a questionamentos que lançaram bases para uma variedade de conceitos ainda válidos hoje em dia. Uma pergunta que eles se fizeram e que ainda é válida hoje é: v^ O nosso cosmo é uma única coisa ou muitas coisas variadas? Os que defendem a primeira hipótese são chamados de monistas. Os ou- tros, de pluralistas metafísicos. Essa reflexão levou a outra pergunta: V O mundo é o que parece ser ou é outra coisa diferente? A partir daí as perguntas filosóficas e as discussões sobre as suas possíveis respostas não pararam mais. Realmente, isso é o que ocorre muitas vezes com os filósofos: encontrar a resposta a uma pergunta apenas faz com que surjam outras perguntas nas suas mentes que, igualmente, exigem resposta. E viver parece que é também isso: encontrar a resposta para o constante desafio "Decifra-me ou te devoro!" Qual o sentido da vida? • - — •- A 1 - CADERNOS DE FILÓS' - '- - - - A - - n - - o - --• ^ F PAUSA PARA REFLETIR Tem um sentido a minha vida? A vida de um homem tem sentido?"Posso responder a tais perguntas se tenho espírito religioso. Mas "fazer tais perguntas tem sentido?" Respondo: "Aquele que considera a sua vida e a dos outros sem qualquer sentido é fundamentalmente infeliz, pois não tem motivo algum para viver, EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 7. Concorda com o pensamento de Einsíein? Por quê? 8, Imagine que você tem de escrever um torpedo, desses enviados pelo celular, sobre o que dá sentido à sua vida e por quê. Pense bem, antes, para quem vai enviar e o que lhe vai dizer Leve em consideração que, devido ao modelo do seu celular, você dispõe de apenas 120 caracteres para a sua mensagem. n r- "\ •^ •~ r n n o 55 - * - "- - - • - - - - ** r- - - - ' ^ - ." - *~ - - - -- ^ - - ^ r* " - - Pergunte à sua Ou como funciona a mente humana ao filosofar? No início do século XXI, uma grande corporação desenvolve robôs mais for- tes e ágeis que os seres humanos e com igual inteligência - os replicantes. Eles são utilizados na colonização e exploração de outros planetas. Um grupo desses repli- cantes, mais evoluídos, provoca um motim, em uma colónia fora daTerra, levandoesses robôs a serem considerados ilegais na Terra, sob pena de morte. A partir de então, policiais de um esquadrão de elite, conhecido como Blade Runner, têm or- dem de atirar para matarem quaisquer desses andróides encontrados na Terra... Esse é o mundo apresentado no filme Blade Runner-o caçador de andrói- des. A narrativa sugere que há uma delicada relação entre os seres humanos e as suas invenções. Ao fazer isso, coloca em discussão uma das mais intrigantes perguntas dos cientistas e filósofos: é possível construir robôs que disponham de uma inteligência artificial de tão boa qualidade como a humana? Em outras palavras: J O que impede que construamos inteligência artificial tão boa como a inteligência humana? ^ PARA DESENVOLVER O OLHAR ATENTO SOBRE O MUNDO O que é ficção científica? Uma estória estruturada em torno de seres humanos, com um problema humano e uma solução humana que não seria viável sem seu conteúdo científico. FINKER, R. Ficção científica: ficção, ciência ou uma épica da época? Porto Alegre: LP&M, 1985. 1. Em sua opinião, a ficção científica pode servir cie base para filoso- farmos? Por quê? Para iniciarmo-nos nessa pergunta filosófica, propomos que paremos para pensar em como funciona o jogo de xadrez. Mas o que o jogo de xadrez tem a ver com a inteligência artificial? - ^ ^- - - . • ^ ••• •^ " •"- -- ^ n • - - - - - - <-s - — - <-> Você gosta de jogar xadrez? Conta a lenda que o Rei da índia estava muito doente, vítima de uma profunda tris- teza, causada pela morte de sua amada esposa. Os médicos lhe recomendaram uma dis- tração para a melhoria de sua doença. Todos na corte, então, procuraram meios para que o Rei recuperasse a sua alegria. Um de seus súditos, quando soube, pôs-se a pensar muito e, finalmente, elaborou o jogo de xadrez. O Rei, segundo contam, adorou o jogo e, tanto se animou a jogar e a inventar estratégias que, distraído, logo esqueceu sua doença. Muito grato, o rei se dirigiu ao seu súdito e lhe disse: "Peça uma recompensa, o que quiser eu lhe darei". O homem pediu então uma moeda de prata, um dirhem para a primeira casa do tabuleiro do jogo que havia inventado e que fosse dobrando progres- sivamente este número a cada uma das casinhas restantes. O Rei comentou :"A verdade é que eu pensava que você fosse mais inteligente. Inventou um jogo tão maravilhoso e pede em troca uma recompensa tão fraquinha! Mas, você que sabe! Que receba imedia- tamente aquilo que pede!". O homem limitou-se a responder; "A verdade nem sempre é o que parece!". O assunto chegou rápido aos ouvidos do Vizir, que quase morreu de susto. Rapídi- nho, ele correu, então, para falar com o Rei e disse-lhe: "Ó Majestade, mesmo vivendo rnil anos e recolhendo para tí todos os tesouros da Terra, não poderemos jamais pagar o que nos foi pedido. A quantidade que resulta de dobrar o primeiro número para cada uma das casas do tabuleiro é de 18.446.744.073.709.551.615 moedas de prata!" Inteligente esse súdito, não? Deu ao Rei a ilusão de estar pedindo uma recom- pensa pequena quando, na verdade, pedia uma fortuna incalculável! A verdade reve- lou-se algo bem diferente do que parecia ser aos oíhos do rei. O certo é que, lenda ou não, desde a sua origem, o jogo de xadrez está associado à inteligência humana. E, naturalmente, espera-se que alguém muito inteligente o tenha inventado. Não é de espantar, então, que tal história circule há gerações entre as pessoas. A verdade sobre a origem do xadrez talvez nunca a consigamos saber. Para a grande maioria de nós, contudo, interessa o fato de termos o jogo. É também pensando no jogo de xadrez que muitos se têm perguntado o que, efetivamente, está envolvido nesse jogo. Em outras palavras, o que faz o jogo de xadrez ser aquilo que é: as regras ou o tabu- leiro? as peças ou as posições que elas podem ocupar? Ou seja, eu posso jogar xadrez em um tabuleiro de papelão com peças de plásti- co ou em um tabuleiro da madrepérola com peças de marfim, mas será sempre um jogo de xadrez, certo? Mudar a matéria que compõe a parte física do xadrez - o tabuleiro e as peças - não altera o fato de que estamos jogando xa- drez, de qualquer maneira, certo? Pensar nes- sas perguntas pode levar-nos a compreender efetivamente o que é a mente humana, para depois pensarmos em como reproduzi-la arti- ficialmente. Para alguns filósofos, assim como jogo de xadrez não é as regras nem o tabuleiro, embora deles precisemos para jogar, da mesma forma, a mente não se reduz ao cérebro. Para tais estu- diosos, o cérebro elabora uma mente, mas essa não é o cérebro, nem se reduz a ele. Isso permiti- ria, de acordo com alguns cientistas, pensar em um cérebro artificial, produzindo uma mente. Não haveria necessidade, de acordo com tais estudiosos, de que seja o cérebro humano a produzir a mente humana. De forma simples, podemos dizer que um sinal cerebral se con- verte em um sinal mental, embora ainda tenha- mos inúmeras dificuldades em compreender como isso ocorre. O medo de que robôs controlem seres humanos é também o ponto de partida do filme Eu, robô. Por enquanto, no entanto, nem sequer sabemos como o cérebro elabora uma mente. Problemas para elaborar uma inteligência artificial Pense em um cavalo branco! Se nesse instante alguém lhe pudesse abrir o cérebro, o que encontraria ali? Algum cavalo? Certamente que não! Há um espaço entre a primeira pessoa, o eu que pensa, e a terceira pessoa, o ou- tro que nos vê pensando, que se tem mostrado um obstáculo intransponí- vel, tanto para a Ciência quanto para a Filosofia! Podemos ver um cérebro, mas__nãp. podemos ver uma mente! Chegar do cérebro à mente é um dos grandes desafios para os cientistas e filósofos dos próximos anos! A mente é uma instância da primeira pessoa, de uma identidade que reúne em__sj r-> 1 - CADERNOS DE Fl - - - - - - - - - "• -~ razão e emoção. Inteligência, emoções e cérebro também fazem parte desse todo que é a mente humana. Além disso, a mente afeta o corpo que possibilitou que ela se manifestasse, ou seja, há uma passagem entre o mental e o físico que tanto os cientistas, como os filósofos ainda não explicaram. Tudo isso não deixa de ser instigante. Mas, se as dificuldades apresentadas anteriormente parecem, no entanto, instransponíveis, elas são apenas a parte me- nor dos problemas a enfrentar. Antes de tudo, para produzirmos uma inteligên- cia artificial, temos de compreender como funciona a consciência elaborada pela mente humana. Pergunte à sua consciência A palavra "consciência" origina-se do latim. A sua formação (com + sdencia) sugere uma composição do tipo: com + ciência. O termo "ciência"aqui tem o senti- do de "estar ciente", ou seja, saber algo. Consciência faz referência, então, à capaci- dade humana de estar no mundo ciente de algo (com ciência de algo), ou seja, de apreender uma dada realidade em si mesmo. A consciência humana permite fazer a nossa inteligência ocupar-se dela mesma, para apossar-se de seu próprio saber, avaliando-o e desenvolvendo-o. Dessa forma, podemos afirmar que estar conscien- te é estar com o conhecimento de algo e saber que se tem esse conhecimento. Tomemos como exemplo a abelha. Ela sabe produzir mel, mas não tem consciência que sabe produzir mel. Por isso, ela não vai aperfeiçoar o mel que produz. É o homem que, sabendo que sabe como conseguir mel, o transforma em uma vasta variedade de produ- tos: da simples coleta à fabricação de sabonetes, remédios e doces. Não é à toa que o ser hu- mano é classificado pela Ciência como "homo sapiens sapiens" ou seja, homem que sabe que sabe. Aconsciência humana permite-nos saber coisas e ter consciência de que as sabe- mos. Aprendemos a jogar xadrez, sabemos que desenvolvemos esse aprendizado e, por conta disso, esforçamo-nos por tornar-nosmelhores. O ser humano é um sistema aberto a si mesmo e ao outro: pode voltar-se para dentro e sondar o seu íntimo ou projetar-se para fora e sondar a alterídade (de novo uma palavra de origem latina, alter = "outro"). Dessa forma, a conscien- tização faz o ser humano um ser dinâmico, capaz não apenas de saber, mas de saber que sabe e adequar_g.seufazer a. esse saber, ou seja, agir de acordo com o que sabe. O ser humano é capaz de saber e de fazer em função desse saber. - - CADERNOS DE FILOSOFIA Efetivamente, é a consciência que nos distingue do que se tem chamado de "inteligência artificial". Fazer um robô que faça tudo o que um ser humano faz não é o grande problema da Ciência. É questão de tempo. O problema é fazer um robô que não seja apenas um zumbi, mas que tenha consciência. Como fazer que os sinais cerebrais se convertam em sinais mentais e como fazer que essa mente desenvolva um processo de consciência? PARA DESENVOLVER O OLHAR ATENTO SOBRE O MUNDO AdjvutUaMHtVti óe «m Um robô que desenvolve uma consciência, esse é o problema central do filme O homem bicentenário. Temos ainda uma outra questão na qual pensar; "saber se a consciência de alguns esta- dos mentais ou experiências pode fazer alguma diferença no comportamento ou nos estados pe- los quais o corpo passa". TEIXEIRA, João de Fernandes, "Filosofia da mente". In: Filosofia: ciência e vida. n. 9, a. I. São Paulo: Escala. 2. Imagine-se que urn filósofo da mente, elabore, em tópicos, quais os problemas a solucionar para construir um andróide que seja, de fato, semelhante aos humanos. Como vimos, o processo de se reconhecer como ser consciente apresenta duas dimensões complementares: a consciência de si próprio e a consciência do outro. A consciência crítica: entre o eu e o outro A consciência de si mesmo exige meditação, ou seja, concentrarmo-nos nos nossos estados interiores (veja o comentário do filósofo Ortega y Gasset). Palavras do filósofo: ORTEGA Y GASSET O que é meditar? O homem pode, de quando em quando, suspender sua ocupação direta com as coisas, desligar-se de seu contorno, desentender-se dele e, subme- tendo a sua faculdade de atender a uma torção radical - incompreensível zoologicamente, - voltar-se, por assim dizer, de costas ao mundo, e meter-se •- ~ - -" -~- - "» CADERNOS DE FILÓS - - - - ' - - °* ^\ ~ - dentro de si, atender ã sua própria intimidade ou, o que é igual, ocupar-se de si mesmo e não do outro, das coisas. [...] Note-se que essa maravilhosa f acuidade que o homem tem, de libertar-se transitoriamente de ser escravizado pelas coisas, implica dois poderes muito diferentes: um, o de não atender, em mais ou menos tempo, ao mundo em torno, sem risco fatal; outro, o de ter onde meter-se, onde estar, quando sair virtualmente do mundo. [...] São, pois, três momentos diferentes que ciclicamente se repetem, ao longo da história humana em firmas cada vez mais complexas e densas: I) O homem se sente perdido, nau- fragado nas coisas; é a alteração. II) O homem, com enérgico esforço, se recolhe à sua intimi- dade para formar ideias sobre, as coisas e seu possível domínio; é o " ensimesmamento", a vida "contemplativa" como diziam os roma- nos, o theoretikòs híos dos gregos, a theoria. Ill) O homem torna a submergir no mundo para atuar nele conforme um plano preconce- bido; é a "ação, a vida ativa, a práxis ", De acordo com isto, "não se pode falar MIRO, joan.Poitraír li (1938). Madrid: MU- de ação senão na medida em que esteja regida seo Nacional Centro de Arte Reina Sofia. pQY uma prév{a contemplação; e VÍCC-versa, O ensimesmamento não é senão um projetar a ação futura", O destino do homem é, portanto, primariamente ação. Não -uivemos para pensar, mas ao contrário: pensamos para conseguir perviver. ORTEGA Y GASSET, José. O homem e a gente: intercomunicação humana. Rio de Janeira: Livro Ibero-Americano, 1973. JOSÉ ORTEGA Y GASSET (1883-1955): nascido em Madrid (Es- panha), filho de um jornalista, Ortega y Gasset teve importante participação política na conturbada Espa- nha da primeira metade do século XX, seja como jor- nalista, seja como professor de Metafísica na Universi- dade de Madrid, como conferencista ou também como autor de uma vasta bibliografia. Seu pensamento teve importância substancial na formação do pensamento filosófico em língua espanhola. Ortega y Gasset con- sidera que o homem é forçado a ser livre, a escolher a José Ortega Y Gasset. todo o momento aquilo que vai ser, de onde se segue uma visão de ser humano que não é, mas "vai-sendo" de acordo com as escolhas de vida que faz. - A consciência do outro obriga-nos a desenvolver um olhar atento, reco- nhecendo no outro o que o faz diferente e único. De modo simples, isso equivale a dizer que o outro não somos nós. Cuidado! Ver as coisas desse modo não é tão fácil como parece, pois implica considerar a legitimidade das diferenças desse ou- tro, mesmo em relação àquilo que nós consideramos correto. Surge a pergunta: como viver em um mundo em que temos de reconhecer a legítima alteridade do outro, mas, ao mesmo tempo, valorizar a nossa própria identidade e essência? A consciência crítica - ou senso crítico - surge da interação entre essas duas dimensões da consciência: refletir sobre si mesmo e olhar atentamente o mundo. Excesso de reflexão sobre si mesmo, sem atenção sobre o mundo, conduz ao isolamento, ao egocentrismo, à decepção e, fatalmente, à amargura de viver. Porém, uma excessiva consciência do outro, sem a devida compensação na refle- xão de si mesmo, pode levar-nos à perda da identidade pessoal, à falta de amor próprio. Nesse caso, a busca do equilíbrio é fundamental. Viver como ser humano é um contínuo processo de reconhecer-se no mundo e reconhecer o mundo em si mesmo. A todo instante, movemo-nos do eu ao mundo e, imediatamente, somos convidados a mergulhar do mundo ao mais profundo do eu e, nesse mover-se, encontrar o desejado equilíbrio que nos permita viver bem. Bem, mas se algum dia soubermos como construir uma consciência artifi- cial, ainda assim, teríamos que enfrentar o problema da verdade. Ou seja: __ Ao construirmos um robô que pensasse como os seres humanos, podería- mos, inicialmente, supor que bastaria programá-lo para reconhecer como verda- de àquilo do qual não houvesse nenhuma incerteza e que fosse evidente e lógico para todos, o tempo todo. Mas aí, teríamos o nosso primeiro grande problema: é que, praticamente não há assuntos tão certos. Mesmo "dois e dois são quatro" é uma verdade questionada por alguns filósofos da matemática por depender de princípios que não podem ser provados (postulados) e sobre os quais não se tem certeza de como justificar. E o primeiro aspecto a considerar é até que ponto pode haver um conheci- mento independente das opiniões pessoais? Outra questão relacionada a essa é: se a verdade existir em si mesma como forma de conhecimento independente do ser humano, ela pode ser conhecida de forma objetiva e verdadeira por nós, seres humanos? N'^ Repúblico, o filósofo grego Platão conta a alegoria de uma caverna onde os habitantes, presos de costas para a fonte de luz, apenas vêem as suas próprias sombras e as do mundo atrás de si, projetadas na parede em frente. Assim, como desde o nascimento apenas vêem as projeções na parede e não a realidade que elas representam, passam a considerar como realidade as som- bras que se projetam diante deles. Um desses habitantes presos consegue li- bertar-se dos grilhões e sair da caverna. Ao olhar a realidade iluminada pelo sol CADERNOS DE FILÓS - - -~ - - - -- • • - • - -^ - compreende o fato de que até aquele momento apenas vira projeções na pare- de. Volta ao meio dos outros habitantes na caverna, mas passa a ser hostilizado, pois ninguém acredita na experiênciaque ele tivera. arede baixa que\se ergue ao longo do caminho Sombras projetam-se , V nesta parede A caverna de Platão. Essa alegoria permite muitas interpretações e estudos. Para nós, basta-nos, por agora, aprofundarmo-nos no fato de que, segundo Platão, o mundo se desvelaria para nós como sombras, mas há uma realidade superior e permanente no planp_da verdade a que certos indivídups__p_qdem__a|cançar. A Filosofia e a Ciência permitiriam entrever, na forma de modelos, essas ideias que chegam a nós, no nosso cotidiano, como projeções. Mesmo assim não teríamos chegado ainda a uma resposta aceitável por to- dos. Muitos chegam a questionar se, de fato, alguém consegue conhecer as ideias "o mundo lá fora", apenas observando as sombras da realidade. *i O que as sombras nos mostram efetivamente da verdade? -\ Os céticos não acreditam na possibilidade de o mundo ser conhecido, ppr- tanto concluem que não vale a pena buscar a verdade. O ceticismo tem diversas vertentes e gradações. Na antiga Grécia, havia professores de retórica denominados sofistas, que ensinavam a ganhar os debates usando as palavras, independentemente de os argumentos serem verdadeiros ou não. Protágoras (480 - 410 a.C.) era um sofista que defendia o relativismo do co- nhecimento. Por esse ponto de vista, algo pode ser verdade para um. mas não o ser para o outro, ou algo pode ser verdade em uma determinada época de nossa vida, mas deixá-lo de ser em outra. Isso equivaleria a dizer que, a rigor, pada é verdadeiro ou falso. As ideias de Protágoras, duramente condenadas por Sócrates e Platão, lan- çam raízes em uma tendência dominante na cultura atual de considerar que todas as posições em relação ao conhecimento da verdade são igualmente válidas. A posição de ceticismo absoluto de Pirro (365-275 a.C.} nega toda a pos- sibilidade de que um ser humano venha a conhecer a verdade. De acordo com o filósofo, nossos sentidos são contraditórios e não são dignos de confiança. Muitas vezes acontece de uma pessoa achar que aquela cor é verde e a outra afirmar que é azul. Em uma nova terra, é comum que o visitante sinta frio ou calor enquanto os habitantes da localidade consideram o tempo normal. O mesmo com a comida. Um turista pode achar a comida da índia muito apimentada ao paladar, enquanto que os habitantes do país a irão considerar normal. Afinal, nesses casos, o que é **s verdade e o que não é? Pirro também questiona a razão. Ele diz que, se a razão fosse confiável. não haveria tantas opiniões diferentes sobre um mesmo assunto. Acontece que acreditar numa forma de ceticismo que defende que nada é verdadeiro é admitir que, pelo menos, há sim uma verdade: "nada é verdadeiro". A essa contradição somam-se as críticas de que o ceticismo absoluto é estéril, por não levar a nada de efetivamente produtivo com suas ideias. O dogmatismo se opõe, radicalmente, ao pensamento dos céticos, pois defende, de forma categórica, a possibilidade humana de conhecermos a verda- de. O dogmatismo ingénuo é uma manifestação do senso comum e defende que o mundo é tal qual o percebemos, ou seja, não leva em conta, por exemplo, a maior parte do avanço científico. Já o dogmatismo crítico acredita em nossa çapacida^ de de usarmos inteligência e sentidos para, em um esforço conjugado, atingir a verdade, mas para isso devemos deixar de lado, o que não é fácil, as afirmações f~. lógicas que faz Pirro contra confiarmos totalmente nos sentidos e na razão. A atitude dogmática tende a ser conservadora, ressente-se das novidades, de tudo aquilo que ameace desequilibrá-la. Esse conservadorismo pode trans- formar-se em preconceito que pode até prejudicar o contato intelectual entre os seres humanos. Em especial, se o dogmatismo estiver convencido de que a sua versão de verdade é de origem divina, de uma fonte que não deve ser contestada. "* Nesse caso, afastam-se todas as situações que ponham em perigo tais crenças re- veladas. Em certos casos, aqueles que sustentam opiniões contrárias a essas cren- ças são tidos como hereges, blasfemadores ou, até, como criminosos. O criticismo desenvolveu-se, a partir da filosofia do alemão Immanuel Kant (1724-1804). Representa uma tentativa de superar as correntes céticas e - - • - *• - - - - - - - - - dogmáticas. Procura compreender quais as_çondjc_õe_s_que tornam possível o co- nhecimento da verdade, posicionando-se criticamente diante desse conhecimen- to. Todo conhecimento da verdade ocorre em condições específicas e é sempre limitado. Kant afirma que a realidade a que a Filosofia e a Ciência podem chegar não é a realidade em si das coisas, mas a realidade tal qual ela apareçe_estrutura- da_pej_a nossa consciên_CLa_._D_e_ssa_fo_rm_a, conhecer a verdade é conhecer o sentido Qy_a_sjgnificacão das_çoisj_s_t_a|_çjuâLfQrarn produzidos na nossa consciência. Deste ponto de vista, a verdade é o conhecimento das significações cons- tituídas pela nossa consciência reflexiva. Daí a importância do ser humano ser orientado por princípios morais, pela sua consciência devidamente exercitada. Diálogos literários Observe como a compreensão dos conceitos de verdade analisa- dos facilita a compreensão do poema "Chove? Nenhuma chuva cai...", de um dos mais importantes nomes da Literatura em Língua Portu- guesa, Fernando Pessoa (1888-1935). Chove? Nenhuma chuva cai... Então onde é que eu sinto um dia Em que ruído da chuva atrai A minha inútil agonia? Onde é que chove, que eu o ouço? Onde é que é triste, ó claro céu? Eu quero sorrir-te, e não posso, Ó céu azul, chamar-te meu... E o escuro ruído da chuva É constante em meu pensamento. Meu ser é a invisível curva Traçada pelo som do vento... E eis que ante o sol e o azul do dia, Como se a hora me estorvasse, Eu sofro... E a luz e a sua alegria Cai aos meus pés como um disfarce. Ah, na minha alma sempre chove. Há sempre escuro dentro de mim. Se escuro, alguém dentro de mim ouve A chuva, como a voz de um fim... 3. O poema de Fernando Pessoa confirma que aspectos do ceticismo de Pirro? 4, No entanto, Fernando Pessoa não é uni cético. Ele se preocupa em compreender as diferenças entre o que sente, ele deseja atingir a ver- dade. Comente de que forma o poema "Chove, Nenhuma chuva cai..." confirma aspectos do criticismo de Kant, Na - -»:- Fernando Pessoa. - A inteligência, a verdade e a percepção Toda essa discussão sobre apreender a verdade torna-se imprescindível ao discutirmos a possibilidade de criarmos inteligência artifical. Fernando Pessoa, em "Chove? Nenhuma chuva cai..." observa como é difícil para a inteligência hu- mana a percepção da verdade. No entanto, a nossa mente percebe o mundo e a construção de robôs ou andróides que pensem como os humanos deve levar em conta como a inteligência humana percebe a realidade. A palavra inteligência tem origem latina. O verbo inteligere que dá origem à palavra "inteligência" significa literalmente "ler dentro" (intus + legere). Ler dentro da_s coisas, descobrir_p significado que está por trás delas, isso é, de acordo com o sentido original da palavra, fazer uso da inteligência para chegar à verdade. A percepção, por sua vez, é a capacidade de reter as coisas em seu aspecto exterior a partir do que nos é acessível pelos órgãos dos sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar). A sensação é que nos dá as qualidades dos objetos, bem como os seus efeitos em nós. Assim, sentimos o azul e o vermelho, o grito e o sus- surro, o frio e o quente, o doce e o amargo, o liso e o áspero. Sentir é ambíguo, pois o sentimento é tanto_a_q_ualidade que está no objeto como o que essa qualidade nos provoca. Por isso, uns podem considerar algo doce, enquanto para outros, ele é amargo. Além do que, sentimos as qualidades como parte de objetos mais amplos e complexos. A sensação isolada raramente existe - é o motivo pelo qual ninguém diz que tomouo quente, mas que o café estava quente. Na maior parte das vezes, a sensação existe sob a forma de per- cepção; sentimos e percebemos formas, ou seja, totalidades estruturadas que nos permitem elaborar sentido e significação. Por isso Pirro podia olhar de forma tão desconfiada para os sentidos como forma de chegar à verdade. Palavras do filósofo: HUSSERL Que relações existem entre percepção e realidade? A consciência é precisamente consciência de qualquer coisa; é a sua es- senda de detectar em si um "sentido", que é, por assim dizer, a quinta-essên- cia da "alma", do "espírito", da "razão". [...] O nosso olhar, suponhamos, passeia com um sentimento de prazer, por uma macieira em flor, por um jardim, no verde macio da relva, etc. Manifesta que a percepção e o prazer que o acompanha não são aquilo que ao mesmo tem- po é percebido e agradável. Na atitude natural, a macieira é para nós um exis- tente situado na realidade espacial transcendente, e a percepção, assim como o prazer, é um estado psíquico que nos pertence a nós homens reais da Natureza. Entre uma e outra realidades naturais, entre o homem como realidade natural ou a percepção como realidade natural, e a macieira como realidade natural, existem relações que são igualmente unia realidade natural. [...] - "" - •* - • - - - ^ * - - MONDRIAN, Ptet. A árvore cinzenta ('\9'\2). Haia: Gemeentemuseun Den Haag. O sentido da árvore, que pertence necessariamente à sua essência, foi o ponto de partida para a obra de arte de Mondfian. A "árvore pura e simples", a coisa na Natureza, não se identifica de maneira alguma com este "apercebido de árvore" como tal que, em sentido da percepção, pertence à percepção e é dela inseparável. A árvore pura e simples pode arder, ficar reduzida a seus elementos químicos, etc., mas o sentido - o sentido de estar, que pertence necessariamente à sua essência - não pode ser queimado, não tem elementos químicos nem força, nem propriedade naturais. HUSSERL. In: Filósofos de todos os tempos-4: Husserl ou o regresso das coisas [Apresentação, escolha de textos, biografia e bibliografia de Daniel Christoff]. Lisboa: Estúdios Cor. HUSSERL (1859-1938): filósofo alemão, iniciador da corrente filo- sófica denominada Fenomenologia. Nasceu em Prossnitz, Moravia, que hoje faz parte da República Tcheca. A percepçãQ_é_sernp[e_u_ma_experiência com sentido para o ser humano, fa- zendo parte de nosso mundo e de nossa vivência. O mundo em que vivemos não é uma somatória de coisas isoladas, mas está organizado de maneira a apresentar forma e sentido a quem o percebe. Nós sentimos percepçõesglobais de umafprma ou de uma estrutura. Embora nunca consigamos ver os seis lados de um cubo ao mesmo tempo, o percebemos - CADERNOS DE F ILOSOF1 . • como cubo, ou seja, trata-se de um cubo-percebido. A percepção do cubo como totalidade completa facilita que, na aula de matemática, quando o pensemos, ele se nos apresente como uma figura de seis faces, todas presentes ao mesmo tempo pela nossa inteligência abstrata, mas já não mais como cubo-percebido. Isso ocorre porque a percepção é sempre uma experiência carregada de significação, ou seja, aquilo que percebemos carrega de sentido a nossa história de vida, fazendo parte de nosso mundo e de nossa história pessoal. Diálogos literários 5. Experimente explicar como se constrói a percepção da realidade na experiência do filho no conto a seguir, do uruguaio Eduardo Galeano (1940-): A função da arte/1 Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, cjue o menino ficou mudo de beleza. BRETTJohn.Br/rannia's/?ea/m (1880). Londres: TateGallery. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: -Me ajuda a olhar! GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Porto Alegre: LP&M, 1997. - - 1 - CADERN - - -- - - ' ?*>• -- - A percepção estabelece a relação entre as coisas e nós mesmos, ré! a c i o n ando-nos com o mundo, permitindo-nos construir uma forma de estar nele. Q pensamento permite que abstraiamos aquilo que percebemos, reformu- lando nossa realidade interior. A percepção, nesse sentido, pode facilitar a experi- ência do pensamento abstrato. A percepção não é uma soma de sensações parciais, mas trata-se sempre da percepçãQ.d_e_uma_reaLidade completa, E isso o que nos per- mite entender o texto, a seguir, como um todo, mesmo que ele apresente algumas dificuldades parciais. Por vezes, a nossa percepção e o nosso pensamento levam-nos a lugares bem diferen- tes. Isso ocorre quando a percepção nos conduz à ilusão. Os sentidos estabelecem a nossa interface com a realidade. Contudo, podem também ser a ori- gem dos e n g a n o s Um pato ou um coelho? <-|o nosso conhecimento. Isso porque o número de realidades não é semelhante ao número de olhares. O conhecimento não resulta de acor- dos entre os nossos sentidos, mas de compa- rações entre os sentidos e a realidade. A obra Belvedere, do artista holandês Mauritius Es- cher, confunde os sentidos, provocando-nos uma ilusão de óptica. A consciência humana apresenta a capacidade de apreender o conheci- mento da verdade por meio de diversos modos que permitem construir a nos- sa identidade individual e social. Criar inteligência artificial, como a humana, significaria construir individualidades que poderiam questionar a si mesmas e imaginar novas possibilidades para a sua existência, a partir do que percebem do mundo em que participam. Tais andróides poderiam conhecer a ESCHER, Mauritius. Belvedere (1958). Haia: Geme- entemuseum Den Haag. - - DERMOS DE FILO verdade na interação en- tre os fatos e a sua própria consciência. Mais ainda, não apenas conheceriam essa verdade, mas ques- tionariam, como nós, a existência de uma verdade e dos diversos modos de conhecê-la. Nós, adotando um ponto de vista diferente dos céticos e dos dogmáti- cos, podemos afirmar que o conhecimento será tanto mais verdadeiro quanto mais interagir com todas as suas diferentes áreas de interesse. O conhecimento ^ •^M da verdade se dá de forma global, por meio das diver- humano. Falaremos mais sobre isso no Palavras do filósofo: DESCARTES Por que sou filósofo? Enfim, para a conclusão desta moral, lembrei-me de fazer um exame minucioso das diversas ocupações que os homens têm nesta vida para es- colher a melhor; e sem que queira nada dizer das dos outros, julguei que o melhor que eu poderia fazer era continuar naquela em que me encontrava, isto í, empregar toda a minha vida a cultivar a minha razão e a progredir, tanto quanto pudesse, no conhecimento da verdade, segundo o método que me havia prescrito. [...JTendo Deus concedido a todos alguma luz para dis- cernir a verdade do erro, não deveria contentar-me, um só momento, com as opiniões de outros, se não me tivesse proposto a empregar o meu próprio juízo em examiná-las quando fosse o tempo; e não teria sabido isentar-me de escrúpulos seguindo-as, se não esperasse perder, com isso, nenhuma ocasião de encontrar outras melhores, caso existissem. DESCARTES. Discurso do método. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. sãs consciências que constituem o ser próximo capítulo. •~- -•-• "•• •*> _. •"N — • - 1 - CADERNOS DE FILOSO W o - - rs 7 •~ - r*. O n - * r\ n r* - r» - ~ n r PAUSA PARA REFLETIR. 6, Procure, na biblioteca e na Internet, mais informações sobre Des- cartes; Onde nasceu? O que pensava? Quais as suas contribuições para a humanidade? 7,João tem quase certeza de que um de seus professores é extrater- restre, só não sabe qual, Ele precisa descobrir a verdade. Desen- volva a narrativa, coerente a estas informações, de tal maneira que a solução encontrada desautorize essas ideias iniciais. Siga urna das posições em relação com a verdade que estudamos: ceticis- mo, dogmatismo ou criticismo, 8, Explique de que forma a ilusão, em nossa percepção, contribui para construir a mensagem do anúncio publicitário a seguir, veicu- lado pelos Correios brasileiros no ano de 2007. mundí - - - CADERNOS DE FILOSOFIA •* - - - rs - - - - - - - - - - - - • - - * - fs '- - - - Um ser com muitas consciências faz muitas perguntas Não é à toa que tenho corpo de leão... O conhecimento de si mesmo exige grande coragem para não se desistir no meio do caminho... Sim, também achavam impossível que um dia viessem a criar inteligência artificial e olha só eu aqui! É a discussão filosófica, meu caro... Tudo começa por aí... Claro, isso motivado pelo desejo de conhecer quem somos! l - CADERNOS DE FILOSO --• E verdade... A inteligência humana permite que saibamos algo e que tenhamos consciência daquilo que sabemos. O ser humano sabe e sabe que sabe! Por isso você é especial, porque você possui tal inteligência... O filósofo se dá conta de que esse conhecimento de si mesmo exige que ele faça interagir os diversos modos como se manifesta a sua consciência! Olha só! Com essa conversa toda vou acabar atrasando o almoço... e ainda nem terminei de varrer a sala!. eu já vou pra cozinha ajudar... ^ A construção da verdade pelas diversas consciências do ser humano A consciência humana se realiza em uma pluralidade constitutiva que pode ser resumida no seguinte esquema: Consciência mítica religiosa intuitiva racional "i - -~- : "*• - ^ *"> •~ - - - -*- científica filosófica -~ --• —^ r». 1 - CADERNOS DE FIL - - - - - - - r> - - n - ^ * A seguir, falaremos de cada uma dessas cons- ciências que constitui o ser humano e que difi- culta que construamos inteligência artificial tão boa quanto a humana... MOHALYl, Yolanda. Abertura (1970/72). Museu de Arte de São Paulo. A consciência mítica A consciência mítica centra-se no.çgahecimento do mito e da_s_conse- quências do significado desse conhecimento para o indivíduo na sua_re]ação com ocoletivo. O termo "mito" significa muitas coisas em diferentes contextos. Para nós, neste livro, mjtos__são as na__rrativas_e ritos que fazem_parte_de um povo_e que p_ermitem_uma_expJiç_a_ção da realidade, dando sentido à vida humana. Por meio do mito, explica-se como uma realidade passou a existir em um passado mágico e sagrado. Na antiga Grécia, o mito era uma narrativa proferida para ouvintes que a aceitavam como verdadeira pela confiança que sentiam naquele que a narrava. O narrador do mito era o poeta, visto como um escolhido dos deuses para preservar a memória de um povo. O mito é sagrado porque se origina de uma revelação divina. Além disso, por meio dos mitos os antigos fixavam os modelos de todos os s.eusjitps e atividades que consideravam significativas. A consciência mítica é operativa, pois apresenta resultados, transmitindo valores para os membros de um grupo social: os seres humanos repetem, nos ritos explicados nos mitos, as ações dos deuses. Por suas ações, as pessoas deveriam imitar os deuses nos ritos que rememoravam os mitos primordiais para que houvesse a caça, a semente brotasse, a mulher desse à luz e as estações do ano se sucedessem. A consciência mítica é uma consciência comunitáriaj_na_q promove a valo_- nzacjLo de discernimentos individuais. O ser humano não comanda a ação, já que sua experiência faz parte da experiência da comunidade e se faz por meio dela. iDERNOS DE FILOSOFIA O coletivo predomina sobre o individual. Hoje, embora tenha- mos desenvolvido outros modos de consciência, o mito continua ocupando um lugar importante na constituição fundamental da vida humana. Ainda é o ponto de partida para a compreensão de muitos aspectos da existência hu- mana. Quer seja um con- to popular ou um astro de televisão ou um objeto da moda, os mitos represen- tam os anseios humanos essenciais: medo, sucesso, poder, sensualidade, etc. Além disso, nossos comportamentos ainda incluem rituais: o nascimento, o casamento, as datas especiais, o carnaval, entre outros, apenas revelam que mito e razão podem complementar-se. Contudo, a consciência mítica, hoje, divide o seu espaço com outros mo- dos de consciência, o que permite ao ser humano escolher os mitos aos quais deseja aderir. A consciência mítica não necessita dominar as nossas ações, mas permite-nos dispor de uma outra forma de vero mundo, que ofereça um diálogo produtivo ao nosso raciocínio. Os mitos funcionam como uma rica biblioteca de conhecimentos sobre o homem e seus desejos e necessidades fundamentais. No carnaval, mitos, ritos e desejos humanos dividem espaço com a consciência racional. PARA DESENVOLVER O OLHAR ATENTO SOBRE O MUNDO Ao término da leitura deste breve texto, você será capaz de ex- plicar por que a procura cio esclarecimento da sociedade contempo- rânea negou o conhecimento mitológico. "Na tradição do esclarecimento, o pensamento esclarecedor foi ao mesmo tempo entendido como antítese e força contrária ao mito. Como antítese, porque opõe à vinculação autoritária de uma tradição engrenada nas cadeias das gerações a coação não coercitiva do me- lhor argumento; como força contrária, porque deve quebrar o feitiço das forças coletivas por meio dos discernimentos conquistados indi- vidualmente e convertidos em fonte de motivação. O esclarecimento contraria o mito e escapa, com isso, de seu poder, (...) O mito, contudo, deve sua força totalizadora, com que organi- za todos os fenómenos percebidos na superfície em uma rede de - - - - - - - - - - correspondências, de relações, de semelhanças e contrastes, a concei- tos básicos, nos quais une categorialmente aquilo que a compreensão moderna do mundo não pode mais juntar." HABERNAS, Júrgen. O discurso filosófico do modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 1. O texto fala do "pensamento esclarecedor". A que se refere? a) Ao pensamento produzido pela consciência racional. b) Aos mitos que permitem maravilharmo-nos com ávida. c) Aos anseios humanos essenciais, como medo e poder. d) Unicamente ao pensamento filosófico, e) À nomos ou seja, a produção cultural humana. 2. O texto constrói uma oposição entre a "tradição engrenada nas ca- deias das gerações" e a "coação não coercitiva do melhor argu- mento", que ser referem respectivamente a a) nomos e physis (tudo aquilo que existe independemente da von- tade humana); b) physis e nomos (toda a formação cultural humana); c) razão e mito (tradição ancestral humana); d) mito e razão (em especial a capacidade de argumentação); e) mito e physis (em especial, a cultura humana). 3. O texto afirma que o esclarecimento é uma força contrária ao mito porque "deve quebrar o feitiço das forças coletivas por meio dos discernimentos conquistados individualmente e convertidos em fonte de motivação". Com isso o texto destaca; a) A dimensão comunitária do mito que não valoriza o discerni- mento individual. b) Aspectos sociais da razão humana, preocupada com o bem- estar de todas as forças coletivas. c) A integração harmoniosa entre mito e razão humana. d) O aspecto modelar do mito que serve de norma de conduta para todos nós. e) A impossibilidade da razão humana aceitar que um indivíduo possa realizar feitiçaria. 4. Em que sentido "O esclarecimento contraria o mito e escapa, com isso,
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