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MODULO 3 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL; CLIENTELA E FREGUESIA

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21/05/2021 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos.
https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 1/64
1 ESTABELECIMENTO
A empresa é conceito jurídico que expressa a ideia de atuação econômica
organizada. Opõe-se, via de consequência, à ideia de trabalho desestruturado,
assistemático. Dessa forma, não é a produção em si de riquezas que permite
compreendê-la; um jurista que, em sua biblioteca, trabalha na confecção de um
parecer, pelo qual será remunerado, não é uma empresa; o garimpeiro que,
sozinho com sua bateia, recolhe preciosos diamantes, vendendo-os por valores
altíssimos, não atua empresarialmente. Fica claro, portanto, que não é a produção
e circulação onerosa de bens ou a prestação de serviços que dá a caracterização
da empresa, embora seja um dos seus elementos componentes. Na empresa,
essa produção, circulação ou prestação se conformam numa arquitetura maior,
definida em termos conceituais (perspectiva estática) e práticos (perspectiva
dinâmica), que é o empreendimento não eventual, desenvolvido para que sejam
auferidas vantagens pecuniárias (ou traduzíveis em pecúnia), a bem de seu
titular: o empresário ou a sociedade empresária, ainda que, nesta última
hipótese, esteja implícita a ideia da distribuição das vantagens, a título de lucro,
entre sócios ou acionistas.
Essa compreensão do instituto permite, por certo, análises diversas, compostas a
partir de ângulos diversos. Pode-se encará-la pelos resultados: a consideração do
lucro, em sua qualidade de remuneração do capital investido, dos valores com
expressividade econômica que foram alocados com a finalidade específica de se
multiplicarem, de produzirem mais pecúnia. Igualmente, pode-se focá-la pelo
ângulo dos procedimentos, do complexo de atos humanos, ainda que com o
auxílio de instrumentos mecânicos ou eletrônicos, que se envolvem, direta
ou indiretamente, na concretização do objeto econômico. Pode-se encará-la por
sua escrituração, o que será feito à frente, ou por outros ângulos, alguns
certamente inusitados.
Pensando a empresa como organismo, com partes com funções específicas,
estruturadas e voltadas para a consecução otimizada do objetivo empresarial
(individual ou social), afirmam-se valores de ordem diversa, muitos dos quais
passíveis de individualização física (coisas – res –, bens materiais) e/ou jurídica
(bens imateriais, ou seja, direitos patrimoniais com expressão pecuniária,
passíveis de negociação). Sob esse ângulo, a empresa é considerada por sua
apresentação objetiva e não pela atuação de seu titular (apresentação subjetiva);
como visto, pode-se, por tal prisma, conceituar a empresa como coletividade de
bens jurídicos, enfeixados e organizados para a concretização do objetivo
empresarial. Essa coletividade de bens, esse patrimônio especificado para os fins
empresariais, seja por uma secção escritural no patrimônio da pessoa natural (o
empresário individual) ou dotada como capital social da pessoa jurídica (sociedade
empresária), deve-se estruturar de forma a garantir o estabelecimento físico
(material e social) da empresa.
Coloca-se, assim, o conceito de estabelecimento empresarial: segundo o artigo
1.142 do Código Civil, o estabelecimento é o complexo organizado de bens,
estruturado para o exercício da empresa, por empresário ou por sociedade
empresária. Sob tal ângulo específico, a empresa é enfocada como realidade
tangível, concreta: trata-se de uma composição de bens; há bens materiais (res,
coisas), a exemplo dos imóveis de uso (ou imóveis de utilização, empregados
diretamente na atividade empresarial), coisas móveis do ativo permanente, isto é,
não destinadas à negociação, como bens de equipamento ou de serviço, ou coisas
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(imóveis ou móveis) destinadas à negociação, escrituradas no ativo circulante; há,
ademais, bens imateriais, a exemplo das marcas e das patentes, escrituradas,
também, no ativo permanente da empresa, destinando-se diretamente à
consecução de suas atividades.
O estabelecimento é, portanto, uma universitas bonorum e uma universitas iuris,
na forma como antevista pelos artigos 90 e 91 do Código Civil, vale dizer, como
“pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham
destinação unitária”, e como “complexo de relações jurídicas, de uma pessoa,
dotadas de valor econômico”. Tais disposições se harmonizam com o artigo 1.143
do mesmo Código Civil, inscrito no âmbito específico do livro destinado ao Direito
de Empresa, segundo o qual o estabelecimento pode ser objeto unitário de
direitos, bem como de negócios jurídicos, sejam eles translativos ou constitutivos,
desde que sejam compatíveis com sua natureza. Como universalidade de fato, isto
é, conjunto de bens singulares que têm destinação unitária, admite-se, a teor do
artigo 90, parágrafo único, do Código Civil, o estabelecimento de relações jurídicas
próprias, tomando um ou mais bens por sua singularidade. Pode-se, por exemplo,
hipotecar um imóvel, mesmo de uso, ou empenhar determinada máquina ou certo
conjunto maquinário, a marca ou uma patente. Mas pode haver, simultaneamente,
a negociação da universitas iuris em si, ou seja, de seu estabelecimento, da
coletividade dos bens que se enfeixam na empresa.
2 INDIVIDUALIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO
Embora seja o estabelecimento empresarial um patrimônio especificado,
empregado para a consecução da atividade empresarial, ele não se confunde com
o patrimônio do empresário ou da sociedade empresária. Em primeiro lugar, pois o
empresário, pessoa natural, pode ter bens que não constem do patrimônio
especificado da empresa. Em segundo lugar, pois o empresário, no âmbito do
patrimônio especificado, e mesmo a sociedade empresária podem ter bens que
não constem deste complexo organizado para o exercício da empresa, a exemplo
dos bens que estejam no ativo como investimento; basta recordar que no balanço
patrimonial uma das rubricas do ativo permanente é, justamente, investimentos,
sendo nela anotados, segundo o artigo 179, III, da Lei 6.404/76, ações ou quotas
de outras sociedades e direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo
circulante e que não se destinem à manutenção da atividade da empresa: imóveis
(incluindo os destinados a aluguel), móveis e direitos (a exemplo de marcas e
patentes) que não sejam empregados na atividade empresarial. São parte do
patrimônio do empresário ou sociedade empresária, constam de seu ativo, mas
não compõem seu estabelecimento, isto é, não compõem o complexo organizado
de bens para o exercício da empresa.
Como se não bastasse, o patrimônio empresarial que é empregado no exercício da
atividade pode estar dividido em diversos estabelecimentos. A unidade jurídica de
cada um desses estabelecimentos, afirmados como subdivisão do estabelecimento
global da empresa (o artigo 140, I, da Lei 11.101/05, que regula a falência e a
recuperação judicial ou extrajudicial da empresa, fala em estabelecimentos em
bloco) pode ser afirmada por dois ângulos e, destarte, fixar-se em dois planos
diversos. Num primeiro plano, afirmar-se como unidades de fato, ou seja, cada
estabelecimento define-se como situação de fato, sem que haja uma
correspondente expressão formal. Mas pode afirmar-se, igualmente, como
unidade formal, afirmada a partir de elementos como número de inscrição em
cadastro de contribuintes (a exemplo da inscrição estadual dos contribuintes do
Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS) e/ou referência
escritural própria, que, ademais, pode dar qualificação aos diversos elementos do
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patrimônio empresarial, além de registrar a movimentação pecuniária que está
subjacente ao desenvolvimento das atividades empresariais. Melhor seria que a
cada estabelecimento correspondesseuma escrituração autônoma,
individualizada, dando uma dimensão mais específica à ideia de entidade na
escrituração contábil, sem prejuízo da adoção de escriturações conjuntas das
unidades maiores, como a escrituração de um conjunto específico de
estabelecimentos interdependentes ou, em plano maior, a escrituração geral de
todos os estabelecimentos (mesmo distintos, como lojas, depósitos etc.) de uma
sociedade empresarial. A lei permite a adoção de uma só contabilidade, na matriz,
para todos os estabelecimentos; ainda assim, a cada qual corresponde uma
unidade escritural, a exigir, por exemplo, a contabilização da transferência de
mercadorias entre os estabelecimentos. Foi esse o elemento central da discussão
travada no Recurso Especial 12.681/DF. A Corte reconheceu ser correta a tese da
empresa de não haver incidência de ICMS na simples transferência de
mercadorias do estabelecimento matriz para um estabelecimento secundário
(filial), mas considerou que a escrituração faltou para permitir um julgamento
favorável do recurso, pois impunha-se à empresa demonstrar tal simples
transferência, “mediante a apresentação da competente escritura contábil”. A
empresa argumentou adotar contabilidade centralizada na matriz, não havendo
livro diário na filial; o acórdão reconheceu a legitimidade da contabilidade
centralizada, mas insistiu que a simples transferência, por ter-se operado entre
estabelecimentos, deveria ter sido contabilizada e que tais lançamentos deveriam
ter sido apresentados ao juízo.
No entanto, a ideia de complexo organizado de bens para o exercício da empresa,
presente no artigo 1.142 do Código Civil como qualificadora do estabelecimento,
permite sejam focados diferentes conjuntos no âmbito da totalidade dos bens
pertencentes ao empresário ou sociedade empresário, enfoques esses, aliás, que
foram aproveitados pelo artigo 140 da Lei 11.101/05, que permite a realização
dos ativos: (1) a empresa, tomada por seus estabelecimentos em bloco ou (2) a
empresa, tomada por suas filiais ou unidades produtivas isoladas; mesmo (3)
blocos de bens que compõem um estabelecimento podem ser agrupados no
interesse da massa. Com efeito, a importância da escrituração para a
especialização patrimonial do estabelecimento – e, via de consequência – da
empresa, fica extremamente clara quando se contempla a figura do empresário
individual. Em fato, mesmo com o registro de uma firma empresarial, não se
estabelece uma dualidade de personalidades jurídicas: há apenas uma pessoa, a
pessoa natural do empresário. É certo que, para fins tributários, concede-se um
registro à empresa no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ); essa
concessão, contudo, se faz pela extensão excepcional do regime fiscal das pessoas
jurídicas para a empresa titularizada pela pessoa natural, garantindo, assim, que
uma tributação diferenciada impedisse condições iguais para concorrência no
exercício da mercancia. Essa extensão de regime, todavia, não traduz
personificação da empresa, a traduzir duplicidade de personalidades (e de
pessoas): há uma única pessoa, o empresário, pessoa natural. E a essa pessoa
natural corresponde, por óbvio, um patrimônio jurídico (conjunto de seus direitos,
faculdades, e deveres, obrigações). Nesse universo de direitos e deveres que é o
patrimônio da pessoa jurídica, a contabilidade empresarial garante a unidade e a
especialização do patrimônio para a empresa. Assim, é possível destacar – de fato
e de direito – o estabelecimento do restante do patrimônio, para os fins do artigo
1.143 do Código Civil, embora esse destaque não caracterize uma separação
estanque, no molde da limitação de responsabilidade entre sócios ou acionistas e
a sociedade, como se vê nas sociedades anônimas, sociedades limitadas e, para
alguns, nas sociedades em comandita, simples ou por ações.
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Essa realidade não é privilégio dos empresários (pessoas naturais); alcança
igualmente as sociedades empresárias (pessoas jurídicas), nas quais, igualmente,
não há uma identificação entre o patrimônio da sociedade e o estabelecimento,
em sua qualidade de patrimônio especificado. A sociedade empresária pode ter,
fora da atividade empresarial desempenhada (e do estabelecimento ou
estabelecimentos que a concretizam), bens de crédito (escriturados no ativo
permanente): bens materiais – móveis e imóveis – e imateriais (a incluir
patentes, marcas, ações de outras sociedades), cujo objetivo seja a produção de
renda, não compondo, portanto, o estabelecimento (o fundo de comércio ou
aviamento). A sociedade pode ser titular, ainda, de bens meramente patrimoniais,
não empregados na atividade empresarial (e não compondo o estabelecimento
que lhe corresponde), mas tomando parte no ativo imobilizado da sociedade
empresária, ou mesmo em seu ativo realizável, como títulos a receber que não
sejam fruto da atividade empresária. É nitidamente o que se passa, por exemplo,
com o chamado ativo morto, por bens (coisas e direitos) que não estejam
envolvidos na atividade empresarial – na produção de lucros –, como um terreno
que se comprou e se conserva sem utilização.
Note-se que o conceito de estabelecimento dá margem a uma dicotomia em seu
emprego, uma vez que é possível utilizá-lo para referir-se à totalidade da
estrutura física, conceitual e humana da empresa, a incluir unidades autônomas
(filiais, sucursais e agências), da mesma forma como é possível usá-lo para aludir
a uma unidade em especial, destacada da totalidade da empresa e de seu
respectivo estabelecimento. É o que se passa com o estabelecimento secundário,
por exemplo. Coerentemente, é possível estabelecer negócios que considerem o
estabelecimento nos dois níveis: em sua totalidade ou por uma de suas partes
autônomas, sempre tomando por referência a identificação escritural.
Aliás, a escrituração própria, especializada, permite a distinção de
estabelecimentos diversos, independentes ou não entre si, que sejam
titularizados pela mesma pessoa, natural (empresário) ou jurídica (sociedade
empresária), podendo, inclusive, ser objeto de relações jurídicas próprias,
seguindo a lógica do artigo 1.143 do Código Civil. Imagine-se um empreendedor
ou capitalista que queira desenvolver diversas iniciativas para a obtenção de
vantagens econômicas (pecuniárias). Ele pode simplesmente unir-se a outrem
(uma ou mais pessoas, naturais ou jurídicas) e constituir uma sociedade
empresária para cada uma dessas atividades; teremos pessoas diferentes,
empresas diferentes e estabelecimentos diferentes. Para transferir o negócio, pode
vender o estabelecimento, conservando sua posição na sociedade, ou transferir
suas quotas ou ações e, assim, o controle da sociedade. É muito comum, como
também o é uma única pessoa que, multiplicando seus esforços numa mesma
atividade, constitui vários estabelecimentos secundários que, de forma uniforme,
exercem a mercancia sobre um mesmo título; é o que se passa com a Lojas
Americanas S/A (sociedade empresarial) e seus vários estabelecimentos
intitulados Lojas Americanas.
Mas importa observar a possibilidade de um mesmo empresário ou sociedade
empresária manter estabelecimentos distintos, independentes (até o limite da
própria contabilidade do titular, empresário ou sociedade empresarial, em que
toda a contabilidade obrigatoriamente se unificará), cada qual compreendido
como coletividade de bens, cuja unidade e especificidade são garantidas por uma
escrituração individualizada, por meio de livros auxiliares, um para cada
estabelecimento. Imagine-se, para exemplificar, uma sociedade
denominada Antônio Francisco Lisboa Engenharia e Comércio Ltda., que
desempenhe suas atividades em setores diversos e para públicos
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diversos: Construtora Barroco, Depósito de Materiais Vila Rica, Loja deArtes do
Aleijadinho, Profeta Projetos Arquitetônicos. Obviamente, poder-se-ia criar uma
sociedade empresária para cada uma dessas atividades; mas é juridicamente
possível que todas essas atividades sejam desempenhadas pela mesma pessoa
jurídica (a mesma sociedade empresarial), cada qual constituindo um
estabelecimento empresarial com contabilidade e patrimônio individualizado. Sob
o ponto de vista fiscal, para além de um mesmo CNPJ, ou seja, número no
Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, pode-se ter estabelecimentos com
inscrição estadual, pois suas atividades são tributadas pelo ICMS (Depósito de
Materiais Vila Rica e Loja de Artes do Aleijadinho), estabelecimentos com inscrição
municipal, pois suas atividades são tributadas pelo ISS (Profeta Projetos
Arquitetônicos) e estabelecimentos que cumulem inscrição estadual e municipal,
por serem variadas suas atividades, podendo ser tributadas pelo ICMS ou pelo
ISS. A distinção de estabelecimento, com contabilidade própria, é, em muitas
oportunidades, uma solução particularmente interessante para gozar de benefícios
fiscais de regime especial, distinguindo, numa mesma atividade, aquelas que
sejam tributadas em situação mais vantajosa.
3 OBJETIVAÇÃO JURÍDICA DO ESTABELECIMENTO
A possibilidade jurídica de se compreender o estabelecimento como objeto unitário
de direitos e deveres, tal como anotada no artigo 1.143 do Código Civil, permite a
constituição de relações jurídicas que digam respeito à totalidade, compreendida
como unidade e não como mera coletividade. Dessa forma, o estabelecimento,
abstraindo-se a pluralidade de elementos materiais e imateriais, pode ser objeto
de relações jurídicas próprias, o que permite apreender-lhe a excelência do
conjunto. Pode-se, portanto, alienar o estabelecimento e, com isso, alienar todos
os bens que o componham, sem a necessidade de os especificar; pode-se,
igualmente, locá-lo ou ceder o seu uso gratuito. Aceitam-se negócios jurídicos
translativos ou constitutivos; translativos são os negócios cujo efeito é a
transferência, a transmissão de um direito, implicando uma sucessão subjetiva;
há sucessão jurídica sempre que se tem a manutenção de uma relação jurídica,
embora se verifique uma alteração entre os respectivos titulares (sucessão
subjetiva), ou mesmo substituição do objeto do Direito (sucessão real, ou seja,
sucessão da coisa). É o que se passa, por exemplo, na morte do empresário com
um único sucessor hereditário que, inscrevendo-se como empresário na Junta
Comercial, recebe o estabelecimento; se não se inscreve, ou transfere o
estabelecimento para outrem (empresário ou sociedade empresária) ou liquida a
empresa, recebendo os bens resultantes da apuração de haveres, se resulta em
saldo positivo (ou seja, se sobram créditos).
O Código Civil também se refere a negócios constitutivos, referindo-se àqueles
que constituem uma relação jurídica na qual o estabelecimento é o objeto; é o
que se passa no penhor de estabelecimento empresarial, sendo constituído um
vínculo real entre a sua titularidade e uma obrigação cujo adimplemento passa a
ser por ele garantida. Também é negócio constitutivo a dotação do
estabelecimento para a consecução de uma das atividades listadas no artigo 62 e
parágrafo único, instituindo-se uma fundação, ou seja, personificando o
patrimônio (ato que se completa com o registro, conforme previsão anotada no
artigo 45 do Código Civil); uma sociedade empresarial dedicada, por exemplo, à
educação ou à prestação de serviços de assistência médica pode destinar o
estabelecimento para a constituição de uma fundação educacional ou de
assistência médica, respectivamente; com a dotação, obviamente, perder-se-á a
possibilidade de apropriação de lucros, passando o estabelecimento a gerir-se pela
lógica das fundações. O limite para a celebração de negócios, translativos ou
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constitutivos, que tenham o estabelecimento por objeto é a lei e, especificamente,
a compatibilidade do negócio com a natureza jurídica do estabelecimento.
Nada impede que a negociação do estabelecimento (por sua totalidade ou
determinada unidade autônoma), ou de estabelecimentos (mais de uma unidade
autônoma, mas não a totalidade do patrimônio do empresário ou da sociedade
empresária), se faça considerando-se a universalidade de fato e de Direito, para
dela destacar um ou outro elemento. A negociação é extremamente comum: uma
empresa, titular de uma rede de lojas (estabelecimentos com autonomia
escritural), negocia certo número de estabelecimentos com outra sociedade
empresária, mas sem transferir o título do estabelecimento ou a marca, operando
o adquirente com seu próprio título e/ou marca.
Foi assim que, em 2016, o Banco Citibank S/A decidiu alienar suas operações de
varejo e cartões no Brasil, Argentina e Colômbia. Só no Brasil, os ativos da
companhia totalizavam, em 2015, R$ 76 bilhões, segundo dados do Banco
Central. A oferta foi aberta: o banco divulgou seu interesse de desfazer-se dos
ativos e permitiu aos interessados formularem ofertas como preferissem,
indicando quais ativos pretendiam adquirir, valor e forma de pagamento.
4 AVIAMENTO
Há mais no conceito e na realidade do estabelecimento do que um mero
ajuntamento de bens e, destarte, uma especialização de patrimônio. Não se pode
jamais olvidar que a reunião e a organização desse complexo de bens se faz a
bem do exercício da empresa. Essa finalidade empresária marca inexoravelmente
o estabelecimento, ou seja, marca o complexo organizado de bens, da mesma
forma que marca a sociedade empresária, bem como a condição de empresário.
Daí a tradição clássica, constituída fora do âmbito do Código Civil de 2002, de se
referir a um fundo de comércio, do qual não fariam parte apenas elementos
patrimoniais, tangíveis ou intangíveis, ou seja, materiais (móveis e imóveis) e
imaterias (direitos pessoais com expressividade patrimonial econômica, como as
patentes), mas igualmente elementos não patrimoniais, como a clientela. A teoria
da empresa resolve o problema de forma diversa, todavia. A empresa é, por si só,
essa reunião de um aspecto estático (patrimonial) e de um aspecto dinâmico: o
conjunto das atividades empresárias e o valor que o mercado lhes dá. Por isso,
não se pode considerar o estabelecimento empresarial sem atentar-se para a
atividade empresária e, assim, somando ao complexo organizado de bens a ideia
e a prática de empresa. Trata-se de um plus, um algo mais: sua estrutura, sua
lógica (e logística), seu funcionamento adequado: o jeito como as coisas são
feitas na empresa. Há, portanto, o reconhecimento de que a organização – as
características dinâmicas dos bens especializados para a empresa – pode definir
um sobrevalor (e, mesmo, um subvalor, em alguns casos), fruto da agregação de
elementos humanos, conceituais ou comportamentais; a percepção
desse plus ou minor, esse algo a mais ou algo a menos, levou à consideração de
seu valor jurídico e, destarte, à determinação de uma proteção jurídica
correspondente: mais do que o agrupamento estático dos bens singulares, é
preciso considerar a empresa, que constitui uma unidade própria, com a
respectiva identidade: é, a seu modo, um objeto de direito.
É, indubitavelmente, o engenho humano (pensamento e ato) que marca a
especialidade do estabelecimento. Isso pode ser proporcionado por um ser
humano, um grupo no universo da organização ou, mesmo, por todos os que a
compõem; uma química que justifica os estudos das ciências da administração de
empresas, buscando compreender – e ensinar – como se empregam recursos
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materiais, conceituais e humanos a bem do sucesso na atividade empresarial.
Entregue as mesmas condições materiais para vários empreendedores e verá
algumas empresas vingarem, outras não; entre as quevingarem, uma ou outra
será um sucesso. As expressões fundo de comércio e estabelecimento,
infelizmente, não traduzem adequadamente essa importante dimensão humana
da empresa, compreendida como um certo jeito de fazer; não expressam a
arquitetura e engenharia dos elementos materiais, conceituais e comportamentais
necessários para o sucesso. Em fato, a quantificação patrimonial do
estabelecimento (ou do fundo de comércio), ou seja, o inventário, pode
simplesmente não conseguir captar esse plus empresarial, esse sobrevalor
percebido pelo mercado. Não é raro assistir-se a aquisições empresárias nas quais
o valor pago pelo estabelecimento e/ou pela atividade negocial supera, e muito, o
seu valor meramente patrimonial.
Melhor, creio, é o conceito de aviamento (avviamento); aviar é fazer, concretizar,
concluir. Os elementos materiais (bens imóveis e móveis) e conceituais (bens
imateriais: direitos pessoais com expressividade patrimonial econômica, a
exemplo da marca) e os recursos humanos, aviados para o bem fazer, para o
sucesso empresarial. Igualmente eloquente é a ideia goodwill of trade (benefício –
ou vantagem – de mercado). O mercado tem enraizado em si, principalmente
nesses tempos de economia mais dinâmica, a ideia e a prática do
estabelecimento, mesmo quando não se faz uso do conceito técnico. Muitos, que
pretendem atuar em determinadas áreas da economia, não optam
por montar uma empresa; preferem simplesmente se aproveitar dos benefícios do
que está estabelecido, vale dizer, adquirir o estabelecimento de outrem. Tais
elementos, por certo, justificam uma proteção legal que se dá não apenas ao
estabelecimento, mas também ao estabelecimento considerado como parte da
empresa e como ambiente da empresa. Há um valor econômico que transcende o
valor dos bens, não sendo lícito reduzi-lo, em benefício do devedor, ao simples
valor dos bens. O Direito percebeu a importância da preservação jurídica dessa
dimensão maior do complexo organizado de bens, atendendo não só a interesses
do empresário ou sociedade empresária, mas também do mercado, preservando
os valores maiores que qualificam, por disposição constitucional, a ordem
econômica e financeira nacional.
Por ocasião do Recurso Especial 704.726/RS, a Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça examinou uma ação de desapropriação movida pela União,
autorizada pela Lei 7.315/85 e determinada pelo Decreto 91.290/85, tendo por
objeto a totalidade das ações das empresas SUL BRASILEIRO S.A. – Distribuidora
de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) – e SUL BRASILEIRO – Crédito,
Financiamento e Investimentos S.A. (CFI). Os acionistas da sociedade empresária
insurgiram-se contra o valor indenizatório, argumentando que em seu cálculo
deveriam ser incluídos os aspectos intangíveis da empresa, entendimento que foi
reconhecido pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região, em acórdão assentado
sobre as seguintes premissas: (a) o justo preço é aquele suficiente para habilitar o
expropriado a adquirir outro bem equivalente ao que lhe foi retirado; (b) no
cálculo da indenização devem ser computados o valor dos bens incorpóreos e o
aviamento do estabelecimento comercial; (c) os juros compensatórios são de 12%
(doze por cento) e incidem a partir do desapossamento; (d) os juros moratórios
incidem sobre todas as parcelas, a partir do trânsito em julgado. Em face da
interposição de embargos declaratórios, o Tribunal sulista esclareceu que, como o
elemento fundamental na desapropriação é a contrapartida, consubstanciada na
justa indenização, não têm valia disposições que pretendam minimizar ou excluir
o valor da indenização; dessa forma, o fundo de comércio compõe o valor da
indenização. O Superior Tribunal de Justiça não discordou: “(1) A jurisprudência
21/05/2021 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos.
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desta Corte consolidou-se no sentido de incluir na indenização de empresa
expropriada o valor do fundo de comércio. (2) O fundo de comércio é considerado
patrimônio incorpóreo, sendo composto de bens como nome comercial, ponto
comercial e aviamento, entendendo-se como tal a aptidão que tem a empresa de
produzir lucros. (3) A empresa que esteja temporariamente paralisada ou com
problemas fiscais, tal como intervenção estatal, não está despida do seu
patrimônio incorpóreo, o qual oscila de valor, a depender do estágio de sua
credibilidade no mercado. Situação devidamente sopesada pelo Tribunal de origem
que adotou o arbitramento feito pelo perito, estimando o fundo de comércio em
1/3 (um terço) do patrimônio líquido ajustado a 31/05/1985.” Note-se que o
precedente toma por base o Código Comercial de 1850, que adotara a Teoria do
Ato de Comércio, de origem francesa, referindo-se a fundo de comércio (fonds de
commerce); no âmbito da Teoria da Empresa, de origem italiana e chancelada
pelo Código Civil de 2002, melhor será falar em empresa: o valor da empresa,
que é o somatório do estabelecimento (aspecto estático) e do aviamento
empresarial (aspecto dinâmico).
4.1Expressão isolada do aviamento ou benefício de mercado
Olhando por um ângulo, o aviamento não é um bem jurídico em sentido estrito,
ou seja, nos moldes dos artigos 79 a 103 do Código Civil: não é uma coisa (res),
nem é um direito pessoal com expressividade econômica, passível de compor o
patrimônio econômico de uma pessoa, sendo transferível ao patrimônio
de outrem. Somente nos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil – sem
excluir outros – pode-se afirmar tratar-se de um bem, mas no sentido de valor
juridicamente protegido, a exemplo da honra, dignidade etc. O aviamento é uma
qualidade do estabelecimento, dos bens materiais e imateriais que compõem o
patrimônio econômico – e não o patrimônio moral – da empresa (empresário ou
sociedade empresária): um jeito, um modo, uma cultura, uma habilidade.
“O goodwill não é separável do negócio todo e, consequentemente, não é um
ativo como caixa, bancos, clientes etc. Em outras palavras, o goodwill não pode
ser vendido sem que ocorra a venda do negócio.”
O fato de não poder ser destacado permite afirmar – e com razão – que o
aviamento não é individualizável; ele se afere na empresa, no seu modo de fazer
as coisas, na sua boa capacidade de produzir lucros. Se o patrimônio empresarial
for separado em partes, não se encontrará o aviamento; o aviamento é a vida, ou,
ainda melhor: a alma da empresa, não sobrevivendo ao seu fim. Dividir a
empresa é dela perder o aviamento, da mesma forma que o esquartejamento do
corpo implica a perda da vida (ou da alma).
O mercado, porém, rapidamente assimilou a ideia e a prática do aviamento,
deixando claro haver uma grande diferença entre o valor do patrimônio líquido de
uma empresa e o valor da empresa em si, como visto há pouco. Essa diferença
não seria fruto de uma percepção de que o patrimônio líquido escriturado estaria
sub ou sobrevalorizado – o que também pode ocorrer, como fruto do mau
gerenciamento da escrituração, como na falta de lançamento das depreciações do
ativo permanente. A diferença entre o valor da empresa e o valor de seu
patrimônio líquido seria fruto da percepção de as possibilidades de lucro serem ali
melhores ou piores. Aliás, não apenas a percepção positiva do aviamento, como
do aviamento negativo, ou seja, a percepção de que a empresa em si vale menos
do que o seu patrimônio líquido, que é inábil para produzir os resultados positivos
que dela se esperam.
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 Como se só não bastasse, rapidamente surgiu a necessidade de dar tratamento
contábil ao tema, principalmente para justificar a existência de ágio ou deságio
nas transações com empresas, com justificativas, respectivamente, de existência
de aviamento positivo (alta capacidade ou potencialidade para gerar lucros) ou
aviamento negativo (baixa capacidade ou potencialidade para gerar lucros). Issolevou à busca de métodos para mensurar o aviamento (goodwill of trade): método
Lawrence R. Dicksee, método New York, método de Hatfield, método do
valor atual dos superlucros, método de custo de reposição ou custo corrente,
método do valor econômico, método do valor de realização.
4.2 Outros tratamentos isolados do aviamento
A importância humana no estabelecimento merece ser destacada, já que surgem
questões interessantes na jurisprudência, a exigir um tratamento renovado do
tema. Entre elas deve-se listar a possibilidade de individualização jurídica do
aviamento ou benefício do mercado, no âmbito de relações contratuais. No exame
do Conflito de Competência 30.087-SP, a Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça tomou conhecimento de uma ação que fora proposta na Justiça comum,
“na qual se busca o recebimento da verba denominada goodwill e participação nos
resultados de uma empresa no mesmo exercício de sua aquisição pela ré, [...] em
virtude da participação do autor nas tratativas que antecederam à assinatura do
contrato e na condição de continuidade das atividades da empresa adquirida no
mercado”. A empresa ré, em sua contestação, arguiu tratar-se de “verbas
prescritas de natureza trabalhista, vinculadas à relação que o autor,” que seria
diretor da empresa adquirida, mantinha com ela.
O Ministro Aldir Passarinho Junior, relator do conflito de competência, destacou,
logo de início, relatar a inicial que, com a transferência da empresa, ajustou-se “a
permanência dos seus principais colaboradores, de modo a assegurar a
continuidade das atividades da empresa no mercado”. Fixou-se
o goodwill (benefício) em US$ 1.500.000, com pagamento vinculado à
permanência de sete executivos, um dos quais o autor, ao qual caberia US$
360.000, mais participação nos resultados da empresa no ano de 1992. Ajuizaram
a ação sob o argumento de que o benefício contratado não foi pago. A partir dessa
base fática (quaestio facti), o Ministro Aldir Passarinho Junior percebeu que o
fundamento da ação era a identificação do aviamento, da vantagem [empresarial]
de mercado, com a atuação daqueles sete executivos. Assim, essa vantagem, que
seria própria do titular da empresa, “teria sido, segundo se deduz do relato posto
na inicial, aparentemente – e aparentemente porque a alegação é apenas do autor
– repassada diretamente aos executivos da empresa alienada, para que,
continuando a prestar seus serviços à nova dona, dela recebessem aquela verba
individualizadamente”.
Por via contratual, vê-se, o núcleo humano do estabelecimento (aquela
arquitetura e engenharia que fazem a empresa funcionar de determinado jeito)
teria sido transferido, no todo ou em parte, para um grupo de executivos. Não
seriam, portanto, remunerados por seu trabalho, mas fariam jus ao pagamento
pelas vantagens organizacionais do estabelecimento, destacadas, ao menos em
parte, dos bens empresariais (coisas e direitos patrimoniais com expressividade
econômica). Completou o Ministro Aldir Passarinho Junior: “Tenho, que,
efetivamente, com relação a tal pedido de goodwill, não se cuida de direito
trabalhista, por ser oriundo, se for ele existente, de uma relação de direito
comercial, constituída ainda antes da vinculação do autor à empresa adquirente,
embora condicionada à sua permanência na empresa adquirida após a venda à
nova proprietária. Ademais, a natureza da verba é distinta, posto que constitui-se,
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do aviamento, elemento incorpóreo, materializado, simplesmente, na integração e
continuidade de colaboração dos executivos com experiência já adquirida na
empresa adquirida. Essa espécie de ‘capital’, de natureza pessoal, reflete, é certo,
no exercício da atividade, mas foi, na hipótese, determinado antes, quando da
transferência para a empresa ré, de sorte que, uma vez individualizado
preteritamente a qualquer vínculo obreiro, e por ser um dos elementos destacados
do antigo fundo de comércio vendido, a apreciação judicial compete à Justiça
comum estadual.”
Note-se que, quanto ao pedido de participação nos resultados da empresa,
entendeu o magistrado que “o fato de o empregado receber por lucros obtidos no
resultado de uma empresa não desnatura o contrato de trabalho, como se
depreende do disposto no art. 63, da Consolidação das Leis do Trabalho. [...] O
autor era empregado da empresa adquirida e assim continuou até o seu
desligamento e no Termo de Rescisão do contrato de trabalho constou ressalva
quanto ainda ter direito a ‘participação nos resultados operacionais do exercício de
1992, após a apuração formal dos mesmos e consequente da decisão da sua
distribuição por parte da Diretoria do Grupo Controlador da Empresa’. Tenho que,
no particular, a verba é de natureza trabalhista, como resultante, já aí, do
desempenho profissional na empresa sob subordinação jurídica da empregadora
no período após a sua passagem ao novo controle. [...] Em conclusão, no tocante
ao pedido de goodwill, ele é estranho ao contrato de trabalho, porém com
referência à participação nos resultados de 1992, cuida-se de pretensão de
natureza obreira”.
5 TRESPASSE
Chama-se de trespasse a transferência onerosa do estabelecimento empresarial.
Como estabelecimento empresarial é um complexo de bens ao qual se atribui
certa organização, é variável o objeto da cessão (trespasse). Nos casos mais
simples, é a loja: a livraria, o restaurante, o supermercado. Mas pode haver o
trespasse de várias unidades, enfeixadas numa só; por exemplo, uma instituição
financeira estrangeira que deixa de atuar no Brasil pode trespassar toda a sua
operação (agências, postos de atendimento bancário, centrais de compensação
etc.) para outra instituição financeira. Uma sociedade que explora diversas
atividades negociais pode abandonar uma delas, trespassando os
estabelecimentos por ela responsáveis; ilustro: uma indústria de alimentos, que
não se interesse mais pelo setor de atomatados (extrato de tomate, molho,
ketchup etc.), pode trespassar as unidades responsáveis para uma outra
sociedade. A dinamicidade do mercado demanda atenção do jurista para qualificar
cada situação, certo que alguns desafiam uma compreensão clássica do conceito.
É o que se passa com a prática de ceder a carteira de clientes (contratos de trato
sucessivo) em sociedades nas quais as instalações físicas tenham menos
importância, a exemplo de planos de saúde e afins.
Se o estabelecimento é transferido, há sucessão subjetiva, vale dizer, sucessão de
sujeito: o estabelecimento passará a ter um novo titular. Em fato, caracteriza-se
sucessão jurídica sempre que haja: (1) a existência de uma relação jurídica; (2)
uma alteração em um dos polos subjetivos (a substituição de uma pessoa por
outra, em qualquer dos polos da relação) ou, na sucessão real, de um objeto por
outro, que ocupe o seu lugar e função na respectiva relação jurídica; (3) a
permanência da relação jurídica, não obstante a alteração experimentada; e (4) a
existência de um vínculo de causalidade entre as situações anterior e posterior à
sucessão, permitindo certificar-se de que se trata da mesma relação
jurídica. Note-se que, na relação de titularidade do estabelecimento, o polo ativo é
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ocupado pelo empresário ou sociedade empresarial, sendo o polo passivo ocupado
pelo restante da sociedade, tratando-se de relação jurídica válida erga omnes.
A dinamicidade jurídica das atividades empresariais recomenda redobrado cuidado
com a sucessão de direitos e deveres, bem como com a constituição de relações
jurídicas (mormente ônus) sobre o estabelecimento, sempre com a preocupação
de preservar o interesse de eventuais credores, entre os quais se podem listar,
exemplificativamente, titulares de créditos acidentários, de créditos trabalhistas, o
Estado, por créditos fiscaise parafiscais, fornecedores, instituições financeiras
com as quais tenham sido estabelecidas relações creditícias (mútuo),
consumidores – pelos direitos decorrentes de relações contratuais, a exemplo da
garantia de manutenção concedida, além de ilícitos contratuais –, bem como
terceiros, eventualmente titulares do direito à reparação de perdas e danos por
ilícitos extracontratuais. Com essa preocupação, o artigo 1.144 do Código Civil
exigiu que o contrato cujo objeto seja a alienação, a constituição de usufruto ou
mesmo o arrendamento do estabelecimento só produza efeitos em relação aos
terceiros após terem sido levados a registro, sendo averbado à margem da
inscrição do empresário ou sociedade empresarial (a permitir certificação do ato
pela Junta Comercial), devendo, ademais, ser publicado na imprensa oficial.
O registro e a publicação não são, porém, pressupostos de validade do ato ou
negócio jurídico, mas de eficácia perante terceiros, tendo sido tecnicamente
cuidadoso o legislador quando usou a locução só produzirá efeitos quanto a
terceiros após registro e publicação na imprensa. Mesmo sem o registro e/ou a
publicação, o ato ou negócio é plenamente válido, vinculando as partes, desde
que atenda aos requisitos legais para a sua constituição. O ato ineficaz é aquele
que não tem atributos para produzir os efeitos jurídicos que dele se esperam; a
distinção está na origem, pois um ato pode ser válido, mas ineficaz, ou seja, pode
ter sido constituído segundo as normas jurídicas, atendendo aos requisitos
genéricos fixados para a sua constituição válida, mas não se prestar para os fins
para os quais foi concretizado. No caso, criaram-se requisitos específicos para a
produção de direitos junto a terceiros, o que não afetará a validade do ato, mas
implicará a faculdade jurídica de desconsiderar a sucessão ou o direito constituído.
Entre as partes, no entanto, o negócio é válido e eficaz, mesmo diante da
iniciativa de um terceiro, que pretenda não se submeter aos seus efeitos diante da
previsão do artigo 1.144 do Código Civil, salvo estipulação em contrário.
Duas são as razões específicas da estipulação: (1a) proteção às relações jurídicas
anteriores à transferência do estabelecimento ou constituição do ônus sobre o
estabelecimento; (2a) proteção às relações jurídicas posteriores à transferência do
estabelecimento ou constituição do ônus sobre o estabelecimento. No segundo
caso, de mais fácil compreensão, protege-se aquele que se supõe estar
negociando com uma pessoa, ou ter sua relação garantida pelo patrimônio de uma
certa pessoa (natural ou jurídica), mas, na verdade, ou está negociando com
outra pessoa (sucessor do estabelecimento), ou negocia tendo contra si uma
diminuição da segurança jurídica do adimplemento, em face do ônus constituído
tanto sobre o patrimônio empresarial, como constituído sobre o estabelecimento.
Preserva-se, nessa hipótese, a boa-fé nas relações jurídicas, razão pela qual a sua
aplicação às relações jurídicas que sejam celebradas após a transferência do
estabelecimento ou constituição de ônus sobre o direito ao estabelecimento
pressupõe desconhecimento do ato jurídico, não se aplicando àqueles que, por
outros meios, saibam do ato translativo ou constitutivo. Para tal hipótese, a
ineficácia da transferência se traduz tanto no (a) direito de desconsiderar a
transferência, podendo exigir que a obrigação seja satisfeita pelo sucessor ou pelo
sucedido, embora o negócio, estabelecido após a sucessão, tenha por principal
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obrigado o sucessor. Também expressa-se no (b) direito de satisfazer o seu
crédito na integridade do estabelecimento (do patrimônio especificado), já que o
ônus, mesmo tendo sido constituído antes do novo vínculo jurídico, não fora
tornado público e, destarte, não produz efeitos em relação aos terceiros. De outra
face, a disposição tem por fim a proteção daqueles que titularizem direitos contra
o empresário ou sociedade empresária, fruto de relações anteriores à
transferência ou constituição do ônus, como crédito, direito de preferência etc.,
podendo opor-se à transferência ou constituição de direito, a partir da respectiva
publicização do ato. De qualquer sorte, sem interesse jurídico em concreto, a
norma não pode ser aproveitada a qualquer um.
O estabelecimento empresarial é garantia genérica, não especializada, das
obrigações assumidas, ex voluntate ou ex legibus, no desempenho das atividades
empresariais. Se com aquele que transfere o estabelecimento não restam
bens suficientes para solver o seu passivo, ou seja, para atender às obrigações
empresariais, a alienação só será considerada plenamente eficaz se todos os
credores forem pagos, ou se consentirem na transferência. Fica claro, portanto,
haver uma afirmação legal de que o estabelecimento desempenha o papel de
garante genérico das obrigações empresariais, expressando princípio que poderia
ser extraído do conjunto normativo, como princípio, independentemente da
positivação. Mesmo transferido ao patrimônio de outrem (o sucessor), o
estabelecimento mantém-se vinculado ao cumprimento das obrigações
empresariais que precedem a sucessão, ou seja, à transferência, registro e
publicização. Falar-se, aqui, em solidariedade passiva entre sucedido e sucessor,
pelas referidas obrigações, seria incorreto, pois não há um vínculo
subjetivo (entre pessoas, sujeitos), mas um vínculo objetivo: é o patrimônio
especificado da empresa – e apenas ele – que, não obstante titularizado por
outrem (o sucessor), mantém-se vinculado por previsão legal (ex legibus) àquelas
obrigações, numa situação análoga ao penhor legal; análoga, apenas, já que não
estão presentes todos os elementos que permitam a caracterização apropriada,
técnica, do penhor legal.
Essa proteção genérica às obrigações não solvidas, anteriores à sucessão,
conhece uma ampliação no artigo 1.146 do Código Civil, que cria – aqui sim –
uma ampla solidariedade subjetiva, entre sucessor (o adquirente do
estabelecimento) e sucedido, pelas obrigações que estejam regularmente
contabilizadas. Por força da estipulação, tais obrigações são transferidas para o
sucessor, embora, pelo prazo de um ano, a contar quanto aos créditos vencidos,
da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento, o devedor primitivo
continue solidariamente obrigado a solvê-las. Nos demais casos, as obrigações
não contabilizadas não implicam solidariedade subjetiva, mas mero vínculo
objetivo, nos moldes há pouco analisados, preservando-se a boa-fé do adquirente
(se existente; não existindo, afirma-se uma ampla solidariedade subjetiva).
O consentimento do credor, tal como previsto no artigo 1.145 do Código Civil,
caracteriza renúncia à proteção legal de seu crédito, que deixa de estar vinculado
ao patrimônio especificado da empresa, mesmo após a sua transferência a
outrem; renúncia, portanto, ao direito de pedir a constrição do estabelecimento,
como um todo, ou de qualquer dos bens que o componham, em particular, para
satisfação do crédito. A lei aceita o consentimento expresso ou tácito,
pressupondo este em face do silêncio que decorra da notificação do credor, pelo
prazo de 30 dias. Em qualquer hipótese, a renúncia pressupõe cuidar-se de direito
disponível, não alcançando créditos de outra ordem, como o alimentar, fiscal,
previdenciário, entre outros. Aliás, a Consolidação das Leis Trabalhistas deixa clara
essa vinculação em seu artigo 448, da mesma forma que o Código Tributário
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Nacional o faz no artigo 133. Ilustra o entendimento o julgamento do Recurso
Especial 330.683/SC, pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no qual
o Ministro Paulo Medina examinou hipótese na qual “o crédito tributário objeto da
execução fora definitivamente constituído em 26.7.91, e em31.12.93 houve
sucessão por empresa que manteve a mesma atividade comercial de posto de
gasolina, situado no mesmo local em que estava instalada a executada. Em
20.3.95 ocorreu a baixa da empresa. Desta forma, in casu, aplica-se o disposto no
artigo 133, I, do Código Tributário Nacional, no sentido de que, já ocorrido o
lançamento definitivo na época da sucessão, o sucessor deverá responder
integralmente pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido,
devidos até a data do ato, se o alienante cessar a exploração do comércio,
indústria ou atividade”. Havendo prosseguimento na atividade, informa o acórdão,
há responsabilidade subsidiária ou supletiva do alienante.
5.1 Contratos no trespasse
Esses aspectos até aqui examinados, a dizer respeito à condição do passivo
empresarial e sua situação em face do trespasse, possuem um revés: a
consideração do ativo empresarial, isto é, o tratamento jurídico das faculdades
titularizadas pelo trespassante que se referem ao estabelecimento trespassado.
São duas as situações a serem examinadas: os contratos, dos quais cuida o artigo
1.148 do Código Civil, e os créditos, com previsão no artigo seguinte, 1.149.
Não havendo expressa disposição em contrário no contrato de trespasse, a
transferência do estabelecimento incluirá os contratos que digam respeito à sua
exploração, nos quais se sub-rogará o trespassatário (adquirente do
estabelecimento empresarial). Sub-rogação é instituto jurídico por meio do qual
assiste-se, no âmbito de uma relação jurídica, à substituição de uma pessoa por
outra ou de um objeto de direito por outro. Subrogareé colocar alguém ou algo no
lugar de outrem ou de outra coisa, mantendo o elo, a relação anteriormente
havida; a previsão de sub-rogação contratual, portanto, traduz a ideia de
sucessão num dos polos da relação contratual que, dizendo respeito ao
estabelecimento, fora estabelecida pelo trespassante e passará ao patrimônio do
trespassatário junto com o estabelecimento. Note-se, porém, que o artigo 1.148
do Código Civil limita tal previsão aos ajustes estipulados para exploração do
estabelecimento; fica clara, portanto, a aplicabilidade da previsão aos contratos de
fornecimento de energia elétrica, fornecimento de água e de esgoto, prestação de
serviços de telefonia (com direito sobre o mesmo número que faz conexão com o
estabelecimento real ou que permite operações de venda a distância –
 telemarketing), entre outros. O mesmo se passa com contratos de fornecimento
de insumos (matéria-prima, embalagens etc.), designadamente os de trato
continuado.
É preciso atentar para o fato de que a previsão é genérica e pode submeter-se a
regras legais, regulamentares ou contratuais específicas de cada ajuste.
Como exemplos, no plano legal, podem ser citadas as condições específicas que
são exigidas para os contratos locatícios. Mas pode haver limitações ou
especificações dispostas em normas regulamentares (decretos, portarias etc.) ou
que sejam fruto da contratação estabelecida entre contratante e trespassante. De
qualquer sorte, para que sejam atendidos os princípios gerais que orientam os
negócios jurídicos e, destacadamente, a teoria geral do contrato, é fundamental
que todos esses elementos próprios das contratações sejam colocados à
disposição daquele que estuda a aquisição do estabelecimento, permitindo-lhe
formar adequadamente o seu convencimento e, assim, expressar conscientemente
a vontade, criando o vínculo jurídico – destacando-se o papel do direito à
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compreensão exata do contrato (do negócio) para o consentimento, elemento
subjetivo para a criação do vínculo jurídico obrigacional, isto é, para a assunção
da obrigação jurídica. Sem que tais informações sejam franqueadas – ou, pior,
quando sejam omitidas ou falseadas – estar-se-á, conforme o caso, diante de erro
ou dolo, defeitos que permitem a anulação do negócio, se essencial, o abatimento
proporcional do preço ou a indenização dos prejuízos, se acidental.
Excetuam-se da regra os contratos que tenham caráter pessoal, ou seja, aqueles
que tenham sido ajustados tendo por referência a pessoa do trespassante, por sua
individuação personalíssima, ou de seus sócios, na hipótese de sociedade
empresária. Observe-se que a mãe do empresário ou do sócio majoritário da
sociedade empresária podia emprestar a sua imagem, gratuitamente, em
anúncios comerciais, fazendo-o para beneficiar o filho; o trespassatário não lhe
poderá exigir uma sub-rogação no contrato.
O mesmo artigo 1.148 do Código Civil inclui a possibilidade genérica de rescisão
contratual, pelo terceiro, recusando, portanto, a sub-rogação do trespassatário no
ajuste. O prazo para tal denúncia contratual é de 90 dias, contados da publicação
da transferência, mas exige a ocorrência de justa causa. A previsão da
necessidade de justa causa conduz-nos à necessidade de denúncia motivada, bem
como à possibilidade jurídica de discussão judicial dos motivos que foram
apresentados. Três situações são possíveis: (1a) existência de justa causa, sem
que o trespassante possa ser responsabilizado por isso, hipótese em que há
rescisão contratual, sem direito de indenização. O contrato de trabalho é o grande
exemplo, não se podendo obrigar o empregado a trabalhar para o trespassatário
e, simultaneamente, não se podendo responsabilizar o trespassante por tal
recusa; (2a) existência de justa causa, podendo responsabilizar-se o trespassante
por sua ocorrência, mormente quando a sub-rogação naquele ajuste foi objeto do
contrato de trespasse ou mesmo de suas tratativas. Nessa hipótese, há rescisão
contratual, sem que o trespassatário ou o trespassante possam voltar-se contra o
terceiro contratante. Todavia, afirma-se o direito de o trespassatário, conforme o
caso, anular o trespasse ou buscar o ressarcimento dos prejuízos em ação de
indenização contra o trespassante; (3a) se não há justa causa, há denúncia
imotivada, conduzindo à aplicação das sanções contratuais e/ou legais contra o
denunciante, das quais será o trespassante devedor solidário, por expressa
disposição da parte final do artigo.
Observa Modesto Carvalhosa que a compreensão correta do artigo 1.148 do
Código Civil exige que o contrato esteja em curso de execução; se já houve
execução da prestação devida por uma das partes e aguarda-se a execução
devida pela parte contrária, não há falar em sub-rogação no contrato, mas no
débito ou no crédito respectivo, aplicando-se, no primeiro caso, os artigos 1.145 e
1.146 do Código Civil e, no segundo, o artigo 1.149, que será estudado na
sequência.
5.2 Créditos no trespasse
Conforme o que tenha sido ajustado entre as partes no contrato de trespasse,
poderá haver cessão dos créditos relativos às atividades empresariais relativas ao
estabelecimento transferido. Há, aqui também, uma sucessão jurídica subjetiva,
havida no polo ativo da relação de crédito/débito, ou, visto por um ângulo, sub-
rogação na condição de credor.
Aplicam-se aqui, a toda evidência, os artigos 286 a 298 do Código Civil. Em
primeiro lugar, não pode haver cessão de crédito, mesmo em conjunto com o
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trespasse do estabelecimento empresarial, se a isso se opuser a natureza da
obrigação ou a lei; a regra, disposta no artigo 286, inclui ainda a vedação
contratual, desde que constante do respectivo instrumento, sem o que não pode a
proibição ser oposta ao cessionário de boa-fé. Nos demais casos, de acordo com o
artigo 1.149 do Código Civil, a cessão produzirá efeito em relação aos respectivos
devedores, desde o momento da publicação da transferência, previsão que, para a
hipótese específica do trespasse, atende às exigências do artigo 288 do mesmo
Código. Essa publicação não vincula o devedor, se não foi notificado da cessão,
nos moldes dos artigos 290e 291 do Código Civil, motivo pelo qual o próprio
artigo 1.149 dispõe que o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao
cedente. A regra, por óbvio, não se aplica aos títulos de crédito – como se vê no
volume terceiro desta coleção – pois se trata de títulos de apresentação: são
transferíveis por mero endosso e o seu pagamento se faz, obrigatoriamente, à
vista do título, que deve ser entregue ao devedor.
Com a cessão transferem-se todos os acessórios da relação jurídica, como
previsto no artigo 287 do Código Civil, permitindo, inclusive, que o cessionário do
crédito (no caso, o trespassatário), se hipotecário, averbe a cessão no registro do
imóvel (artigo 290) ou exerça os atos de conservação do direito
cedido, independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor (artigo
293). Pelo lado oposto, o devedor – estipula o artigo 294 – poderá opor ao
trespassatário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento
em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o trespassante. O
trespassante é juridicamente responsável pela existência dos créditos cedidos, ao
tempo da cessão, como estipulado pelo artigo 295, mas não é responsável pela
solvência do devedor, se a tanto não se obrigou expressamente, como prevê o
artigo 296.
5.3 Restabelecimento
Chama-se de restabelecimento o ato de o titular do estabelecimento, que o
trespassou, vir a constituir um novo estabelecimento empresarial (reestabelecer-
se), atuando no mesmo ramo econômico, com o que passa a concorrer com o
trespassatário. O artigo 1.147 do Código Civil estabelece, como regra geral, uma
vedação do restabelecimento, estabelecendo que, nos cinco anos subsequentes à
transferência, o alienante do estabelecimento (trespassante) não poderá fazer
concorrência ao adquirente (trespassatário). Como dito, o artigo 1.147 do Código
Civil dispõe de uma regra geral, aplicável no silêncio das partes. Não se trata,
portanto, de norma imperativa, obrigando o respeito àquele prazo; note-se que o
dispositivo principia pela ressalva não havendo autorização expressa, o que deixa
claro não se tratar de direito indisponível para qualquer das partes, trespassante
ou trespassatário que, assim, podem ajustar outro período, menor ou maior que o
legalmente estabelecido; podem, até, ajustar que não haverá qualquer restrição
ao restabelecimento, o que caracteriza renúncia do trespassatário à proteção legal
contra aquilo que o legislador concluiu ser ato de concorrência desleal:
restabelecer-se no mesmo ramo de atividade, o que poderia implicar
esvaziamento da clientela do estabelecimento trespassado. A proteção legal do
sucessor, ademais, alcança as hipóteses de mera cessão do uso e gozo (locação
ou arrendamento, usufruto), desde que onerosa, o que leva à exclusão do
comodato. Nesses casos, a proibição de reestabelecimento persiste por todo o
prazo da cessão.
O excepcionamento convencional da regra geral disposta no artigo citado,
autorizando o trespassante a, de imediato ou em prazo inferior aos cinco anos
subsequentes à transferência, concorrer com o trespassatário – vale dizer,
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autorizando-o a restabelecer-se – deve ser expresso, por se tratar de renúncia,
ato que se interpreta restritivamente, como se extrai do artigo 114 do Código
Civil. Indispensável, portanto, a utilização de instrumento firmado pelas partes, ou
seja, a redução a termo da autorização, com a assinatura do trespassatário,
dispensado o instrumento público. A mesma exigência formal alcança as hipóteses
de ampliação do prazo quinquenal, embora seja preciso, aqui, redobrada atenção.
Antes de mais nada, é preciso ter em vista que a Constituição da República
estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a livre iniciativa e
como princípio que orienta a Ordem Econômica e Financeira Nacional, a livre
concorrência. É o que está estabelecido, no tocante à livre iniciativa, no artigo 1o,
IV, da Carta Política. Reconhece o nosso legislador constituinte que é do interesse
do Estado Brasileiro, para benefício do país, que as pessoas tenham amplas
possibilidades de ação econômica, elevando a possibilidade de concretizar
empreendimentos os mais diversos, desde que legais, à condição de base do
sistema jurídico e econômico no qual se baseia a República. O artigo 170 do Texto
Maior repete a referência, sendo complementado pelo inciso IV, que soma à
liberdade de agir economicamente – de iniciar empreendimentos econômicos –
uma liberdade de concorrer com os demais agentes econômicos. No plano
infraconstitucional, pode-se citar a Lei 8.884/94 que, em seu art. 20, I, diz que
constitui “infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob
qualquer forma manifestados que tenham por objeto ou possam produzir os
seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (I) limitar, falsear ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa”.
A previsão do artigo 1.147 do Código Civil, todavia, não reflete limitação à
liberdade de concorrência, mas, pelo contrário, expressão de um dever de
concorrência leal. Em fato, um dos elementos incorpóreos do estabelecimento
empresarial é justamente a sua clientela, uma das formas de expressão da
capacidade de bem administrar o empreendimento, uma expressão do benefício
de mercado ou aviamento. O reestabelecimento, dessa forma, constitui – ao
menos potencialmente – uma redução nas vantagens do trespasse, o que só é
admitido como expressão da liberdade de contrato e renúncia do trespassatário. O
que o artigo 1.147 do Código Civil está fazendo, portanto, é estabelecer um
período para composição de condições adequadas para a existência
de concorrência livre e leal. O trespassatário, no gozo dessa vantagem, poderá
mostrar à clientela (um dos elementos intangíveis do estabelecimento
empresarial) que pode bem servi-la. Assim, com o restabelecimento do
trespassatário, os clientes poderão escolher entre os concorrentes. Sem esse
período, romper-se-iam as condições para a concorrência, já que o trespassante
poderia simplesmente esvaziar o estabelecimento trespassado de sua clientela,
levando o trespassatário à falência.
A disposição, contudo, dá limites precisos à proibição de reestabelecimento. Em
primeiro lugar, limite temporal: salvo a existência de autorização expressa, veda-
se o reestabelecimento pelo prazo de cinco anos, tendo havido alienação do
estabelecimento; sendo hipótese de cessão onerosa do uso e do gozo, durante o
prazo de vigência do contrato, podendo haver, também aqui, autorização para
pronto restabelecimento. Em fato, reitero, tais limites são referências legais, nada
impedindo que as partes ajustem prazo menor, já que a própria lei reconhece
como legítima a renúncia à vedação de trespasse. Por outro lado, afirma-se
um limite conceitual: o artigo veda a concorrência e não meramente o
reestabelecimento, que se compreende como vedado desde que haja efetiva
possibilidade de competição entre as empresas e, destarte, de esvaziamento das
vantagens de mercado que deveriam acompanhar o estabelecimento. Duas balizas
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se firmam: atividade de concorrência e território de concorrência, ambas não
atendendo a critérios absolutos, deve-se frisar, mas respondendo às
particularidades de cada caso. Em primeiro lugar, não se veda ao trespassante o
exercício de atividade empresarial, mas apenas se proíbe a concorrência; nada
impede, portanto, que venha a se estabelecer em outro ramo, atuando em
atividade que em nada cerceie o gozo da clientela pelo trespassatário. Aquele que
trespassou um açougue pode constituir, bem ao lado, uma empresa dedicada à
confecção e/ou venda de roupas (uma boutique); mas é possível questionar se
aquele que transferiu uma boate não irá oferecer concorrência se constituir um
bar,o que deverá ser investigado nos elementos que se apurar no caso.
Igualmente relativo a cada situação dada em concreto está o problema
da limitação territorial, ou seja, a investigação do território de concorrência, não
sendo igualmente possível estabelecer um critério objetivo, absoluto, variando a
solução conforme as particularidades do estabelecimento, da empresa e da
atividade. Quem aliena uma sapataria em Imperatriz (MA) não concorre com o
trespassatário se passa a explorar a mesma atividade em Uruguaiana (RS); mas
em se tratando de uma fábrica de sapato, que fornece para o mercado nacional,
haverá concorrência. O trespassante de um restaurante na Pampulha, bairro de
Belo Horizonte, pode ou não, dependendo das circunstâncias, concorrer com o
trespassatário ao se reestabelecer no Mangabeiras, bairro situado no extremo
oposto da cidade. O trespassante de um estabelecimento editorial situado em São
Paulo (SP) pode concorrer diretamente com o trespassatário, mesmo
reestabelecendo-se em Manaus (AM). Não se trata, portanto, de uma questão
territorial, mas da aferição, em concreto, da concorrência fruto do
reestabelecimento que, se verificada – e não autorizada pelo trespassatário –
deverá ser proibida ex vi legibus.
5.4 Nome empresarial no trespasse
Obviamente, é lícito – e até comum – que o trespasse do estabelecimento
compreenda o título do estabelecimento, já que se constitui num dos seus
elementos, atuando como sinal de identificação para o mercado. Nem sempre, é
bom afirmar, o título do estabelecimento é apropriado para o uso do
trespassatário, sendo possível – e até comum – que esse utilize um título próprio,
mas se aproprie do título anterior para evitar que seja utilizado pelo trespassante
ou por outrem, o que poderia ser um elemento de estorvo na fruição à clientela
que, ao menos presumivelmente, espera-se ser transferida com o restante do
estabelecimento.
A transferência do título do estabelecimento e, eventualmente, até mesmo de
uma marca registrada em nada se confunde com a transferência do nome
empresarial, já que o artigo 1.164 do Código Civil veda, expressamente, a
possibilidade de sua alienação. Trata-se, como visto, de uma posição que mantém
coerência com a compreensão do nome da pessoa jurídica como expressão de um
Direito da Personalidade (ou personalíssimo), subsumindo-se à regra geral de
intransmissibilidade, tal como se encontra disposta no artigo 11 do Código Civil.
No âmbito do Direito Empresarial, contudo, a matéria assume um contorno
próprio, a refletir um aspecto preciso do princípio da veracidade: a informação, a
bem do empresário, da existência do trespasse e, com ela, da sucessão jurídica no
estabelecimento. Justamente por isso, o parágrafo único do artigo 1.164 do
Código Civil reconhece ao trespassatário – adquirente do e
sucessor no estabelecimento – a faculdade de usar o nome do trespassante,
precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor, desde que o contrato o
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permita. Assim, por exemplo, se Sérgio Valias(empresário individual) adquire o
estabelecimento empresarial de Raimundo Oliveira – livreiro, poderá adotar o
nome de Sérgio Valias – livreiro, sucessor de Raimundo Oliveira (razão
empresarial); essa será a sua firma e sobre ela aporá a assinatura
correspondente. Igualmente se poderia ter Al Hassib Comécio de Alimentos Ltda.
– sucessor de As Sabur. A norma se refere apenas à possibilidade de sucessão
entre vivos; mas não torna ilícita a utilização do recurso na sucessão causa
mortis; parece-me, portanto, que a alternativa também se aplica – e com mais
razão – na hipótese de sucessão hereditária.
6 PENHOR DO ESTABELECIMENTO
É possível ao titular do estabelecimento empenhá-lo, ou seja, oferecê-lo como
garantia de uma obrigação. Essa possibilidade afirma-se tanto se o considerarmos
por sua porção material (as coisas que compõem o estabelecimento: maquinário,
mobiliário, estoque etc.), quanto por sua porção imaterial; recorde-se, a
propósito, que o artigo 1.451 do Código Civil permite que sejam objeto de penhor
direitos sobre coisas móveis, suscetíveis de cessão, licenciando a constituição de
gravame sobre direitos patrimoniais com expressividade econômica – ou seja,
traduzíveis em pecúnia. Se o estabelecimento inclui a propriedade do imóvel,
contudo, deve fazer-se por meio de hipoteca, aplicando-se os artigos 1.473 ss do
Código Civil; o mesmo se passa no gravame constituído sobre estabelecimento
ferroviário (estrada de ferro), minerário (concessão de lavra) ou dedicado à
geração de energia elétrica, por força dos incisos IV e V do mesmo artigo 1.473
do Código Civil.
Assim, é possível constituir um vínculo real – isto é, submetido ao regime dos
Direitos Reais – entre uma obrigação jurídica e a titularidade do estabelecimento
empresarial; assim, se o devedor da obrigação garantida torna-se inadimplente, o
credor poderá excutir a garantia, ou seja, exigir a sua realização: levar o bem (no
caso concreto, o estabelecimento) à venda e, com o produto apurado, pagar-se.
Esse vínculo, por ter natureza real, adere à relação de titularidade do
estabelecimento, alcançando mesmo o trespassatário – na hipótese de
transferência – em face do direito de sequela que socorre o credor pignoratício;
em fato, com a constituição de uma garantia real, importa a coisa, que garante a
obrigação, e não o seu titular.
Note-se que a sujeição do bem dado em garantia, por vínculo real, ao
cumprimento da obrigação, tal como previsto no artigo 1.419 do Código Civil, nos
remete ao fenômeno da especialidade da garantia, caracterizado pela
individualização e determinação de um bem para responder preferencialmente por
determinada dívida. O bem dado em garantia (no caso, o estabelecimento) é
como que separado juridicamente das demais obrigações eventualmente
existentes, apenas lhes servindo se, uma vez satisfeita a dívida garantida, sobram
valores que, como se verá, retornarão ao patrimônio do devedor ou do
proprietário que titulariza o bem gravado de ônus real, na hipótese de ter sido
regularmente transferido para outrem. Esse excesso (superfluum) no valor obtido
pelo bem ou bens dados em garantia apura-se levando em conta o principal da
dívida e seus acessórios legais e convencionais, incluindo verbas moratórias. Aliás,
em função da especialidade, todo o estabelecimento – conforme se apure na
constituição do penhor – estará vinculado ao cumprimento da obrigação, e não
apenas uma hipotética parte que fosse pretensamente suficiente para a satisfação
do débito; é o princípio totum in toto et qualibet parte, isto é, “tudo no todo e em
cada uma das partes”. Somente com a satisfação voluntária ou forçada (execução)
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do débito, o saldo eventualmente apurado será devolvido ao patrimônio do titular
do estabelecimento, seja o próprio devedor, seja um terceiro.
A excussão do penhor exige, obrigatoriamente, alienação do bem empenhado,
sendo nula – e não apenas por anulável – a cláusula comissória, isto é, a que
autoriza o credor pignoratício a ficar com o estabelecimento empresarial se a
dívida não for paga no vencimento, como estatuído no artigo 1.428 do Código
Civil. A proibição deve prevalecer mesmo diante de operações negociais
complexas cujo resultado final seja aquele considerado nulo pela lei: que o credor,
em face do inadimplemento da dívida, possa apropriar-se do bem, passando à sua
titularidade. Não se pode esquecer de que o artigo 167 do Código Civil estabelece
ser nulo o negócio jurídico simulado, como tal entendido, esclarece seu § 1o,
incisos I e II, tanto aquele que aparente conferir ou transmitir direitos a pessoas
diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem, e/ou quanto
aquele que contiver declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.Destarte, declara-se a nulidade da cláusula ou negócio simulado e, afastada essa,
afere-se o negócio efetivamente havido entre as partes; sendo cláusula
comissória, declara-se a nulidade dessa. O defeito jurídico (nulidade) do ajuste
não é a simulação, mas o pacto comissório que está por trás do negócio simulado,
afastada a validade jurídica deste. Note-se, todavia, que o parágrafo único
anotado no artigo 1.428 do novo Código Civil permite que o bem empenhado seja
dado em pagamento (datio in solutio).
É indispensável que a garantia real seja validamente constituída para que o
vínculo real previsto no artigo 1.419 do Código Civil seja efetivamente
estabelecido, vinculando a terceiros, estranhos à relação havida entre credor e
devedor. Em primeiro lugar, somente pode empenhar aquele que pode alienar o
estabelecimento, ou seja, o seu titular; mas não se faz necessário que a garantia
seja dada à obrigação que seja própria da atividade empresarial; é perfeitamente
lícito ao empresário empenhar um estabelecimento em proveito de obrigação que
não é sua, sem que se faça necessário, para tanto, qualquer relação – direta ou
indireta – com tal obrigação, com o negócio de base ou mesmo com o devedor ou
o credor. Essa possibilidade é reconhecida pelo legislador, de forma indireta, no
artigo 1.427 do Código Civil, segundo o qual, “salvo cláusula expressa, o terceiro
que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou
reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize”.
Obviamente, se o estabelecimento é excutido para o pagamento de dívida de
terceiro (do trespassante ou doutrem), nasce para o seu titular um direito de ação
contra o devedor para ver-se indenizado dos prejuízos que sofreu.
Exige-se, ademais, para a validade do penhor, que o instrumento em que é
instituído atenda aos requisitos do artigo 1.424 do Código Civil, declarando (1) o
valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; (2) o prazo fixado para
pagamento; (3) a taxa dos juros, se houver; e (4) o bem dado em garantia com
as suas especificações. Ademais, atendendo aos artigos 1.432 e 1.452 do mesmo
Código Civil, o instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer
dos contratantes; no caso, registro no Cartório de Títulos e Documentos da
circunscrição na qual esteja o estabelecimento. Embora o legislador não se tenha
referido especificamente à hipótese, parece-me indispensável haver a averbação
da constituição do penhor sobre o direito no registro específico correspondente,
quando exista. Neste sentido, lê-se no artigo 62 da Lei 9.279/96 (Lei de Patentes,
Marcas e Direitos Conexos) que “o contrato de licença [de patente] deverá ser
averbado no INPI para que produza efeitos em relação a terceiros”, esclarecendo o
§ 1o que “a averbação produzirá efeitos, em relação a terceiros, a partir da data
de sua publicação”. No que diz respeito à licença de uso de marca, o artigo 140 da
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mesma lei diz que “o contrato de licença deverá ser averbado no INPI para que
produza efeitos em relação a terceiros”, repetindo o seu § 1o que “a averbação
produzirá efeitos, em relação a terceiros, a partir da data de sua publicação”. O
mesmo ocorre quando é dado em penhor estabelecimento empresarial, no todo ou
em parte específica, hipótese na qual se deverá levar o gravame a registro na
Junta Comercial. Em fato, a averbação, em tais hipóteses, atende à necessidade
de proteção aos terceiros de boa-fé que, sabidamente, conferem o registro
específico, sempre que desejam saber sobre a situação do bem que lhes interessa.
É preciso deixar claro que, conforme a natureza do estabelecimento, estar-se-á
diante de penhor rural (agrícola ou pecuário), mercantil (a incluir
estabelecimentos constituídos para exportação) ou industrial, não se aplicando a
previsão de transferência da posse do bem empenhado para o credor, tal como
previsto no caput do artigo 1.431 do Código Civil, mas a exceção anotada em seu
parágrafo único. Isso implica o dever de o titular do estabelecimento sujeitar-se a
vistorias do credor ou terceiro por ele credenciado, como previsto nos artigos
1.441 e 1.450 do Código Civil.
6.1 Anticrese do estabelecimento empresarial
Quer se esteja diante da propriedade do imóvel no qual funciona o
estabelecimento, sendo, portanto, hipotecável, quer se esteja diante de imóvel
locado, dando azo ao penhor do estabelecimento, nos moldes há pouco
estudados, é igualmente possível ao titular do estabelecimento o entregá-lo em
anticrese. Na hipótese de propriedade imóvel, em função da previsão constante do
artigo 1.506 do Código Civil, prescindindo da constituição simultânea de hipoteca.
Na hipótese de bens móveis, em virtude da combinação dos artigos 1.433, V, e
1.435, III, do Código Civil, embora sendo indispensável o empenho. Tais
dispositivos têm por efeito prático a criação de uma situação análoga à anticrese:
a conservação do bem empenhado na posse do credor, que tem o direito de
apropriar-se dos seus frutos (artigo 1.433, V), devendo imputar o valor respectivo
nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação
garantida, sucessivamente (1.435, III). O entendimento é reforçado pelo artigo
1.506, § 2o, do mesmo Código Civil, pois transforma a entrega de bem imóvel em
mera hipótese, ali posta como condição para a possibilidade de ser o bem dado
em anticrese objeto de hipoteca: “quando a anticrese recair sobre bem
imóvel [...]”, diz o texto.
Anticrese é palavra que vem do grego antichrese, que significa empréstimo. É,
destarte, um meio que se opõe ao do empréstimo, portanto, um meio para o seu
pagamento; um ato de cessão – de entrega – que não é do credor para o devedor,
mas do devedor para o credor, como forma de permitir o pagamento do que se lhe
emprestou. Embora se trate de um instituto desprestigiado pela doutrina e na
prática das relações havidas em concreto, é opção negocial que oferece
possibilidades interessantes, para as quais o mercado não atentou, infelizmente.
Sua virtude é a preservação de um meio pelo qual o credor tem a certeza de uma
via para o pagamento de seu crédito: os frutos naturais, industriais ou
rendimentos do estabelecimento que lhe é transferido em anticrese; ademais, a
concomitância da hipoteca ou do penhor amplia essa segurança.
Por múltiplas formas se pode concretizar a anticrese, desde que respeitado o
núcleo conceitual do instituto: a cessão do direito de uso e do direito de fruição
para que haja pagamento de juros e do principal da dívida. Mantida essa base e
afastados abusos e ilegalidades, as partes têm liberdade para ajustar o negócio
jurídico, podendo-se listar algumas dessas formas.
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(1a) O estabelecimento é entregue ao credor para que esse o explore,
diretamente, fruindo seus frutos ou produtos, pagando-se, nos juros e no principal
da dívida, com o resultado da exploração. É a hipótese clássica, disposta
no caput do artigo 1.507 do Código Civil, exigindo-se que o credor anticrético,
anualmente, apresente um balanço, exato e fiel, de sua administração, no qual
deverão ficar bem claros – e comprovados – os ingressos aferidos com os frutos
ou produtos, os valores gastos com a manutenção do bem (a exemplo de energia
elétrica, trabalhadores etc.) e, enfim, o saldo verificado. O saldo, por seu turno,
será utilizado no abatimento dos juros e, eventualmente, do principal. Essa
fórmula, contudo, comporta variações. Podem as partes perfeitamente estipular
uma meta mensal ou anual (mínima ou certa) para a anticrese, o que não é
vedado pela lei, evitando-se controvérsias sobre o balanço anual. Somente será
necessário que a contratação seja lícita, equilibrada, agindo as partes de forma
honesta e de boa-fé, como exigido pelo artigo 422 do Código

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