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Economia: Teoria e Política 5a Edição ISBN 85-8680476-2 Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou distribuída, de qualquer forma ou por qualquer meio, ou armazenada em um banco de dados ou sistema de recuperação, sem o consentimento, por escrito, da Editora, incluindo, mas não limitado a, qualquer rede ou outro dispositivo eletrônico de armazenamento ou transmissão ou difusão para ensino a distância. Tradução do original em espanhol Economía, teoría y política Copyright © 2005 da 5a edição em espanhol por McGraw-Hill/Interamericana de España, S. A. U. ISBN da obra original: 84-481-9850-6 Todos os direitos reservados. © 2006 de McGraw-Hill Interamericana do Brasil Ltda. Av. Engenheiro Luís Carlos Berrini, 1.253 – 10o andar 04571-010 – São Paulo – SP – Brasil Diretor-geral: Adilson Pereira Editora de Desenvolvimento: Ada Santos Seles Preparação de Texto: Maria Alice da Costa Editoração Eletrônica: Crontec Layout da Capa: CD Form, S. L. © Capa: Rafael Alberti, El Alba del Alhelí, S. L. Madri (Espanha). Todos os direitos reservados. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Índice para catálogo sistemático: 1. Economia : Estudo e ensino 330.07 Se você tem dúvidas, críticas ou sugestões, entre em contato pelo endereço eletrônico mh_brasil@mcgraw-hill.com. Em Portugal, use o endereço servico_clientes@mcgraw-hill.com. Para contatar o Revisor e Adaptador, escreva para carlosrobertopassos@uol.com.br. Mochón Morcillo, Francisco Economia : teoria e política / Francisco Mochón ; tradução Fátima Conceição Murad, Leila de Barros, Sheila Clara Dystyler Ladeira ; revisão técnica e adaptação Carlos Roberto Martins Passos. -- São Paulo : McGraw-Hill, 2006. Título original: Economía, Teoría y Política 5. ed. espanhola. ISBN 85-86804-76-2 1. Economia 2. Economia - Estudo e ensino I. Passos, Carlos Roberto Martins. II. Título. 06-8613 CDD-330.07 C A P Í T U L O 1 7 O COMÉRCIO INTERNACIONAL E O BALANÇO DE PAGAMENTOS INTRODUÇÃO Em um mundo cada vez mais globalizado, o comércio exterior adquire uma importância crescente. Os avanços obtidos nas comunicações e nos transportes contribuíram para que os vínculos comerciais com o resto do mundo exercessem uma poderosa infl uência em todos os países. O comércio internacional permite a cada país tirar proveito de sua posição favorável na produção de certos bens para a qual é particularmente dotado. Assim, as van- tagens decorrentes da especialização estão na origem do comércio internacional. Isso ocorre tanto no nível de cada país quanto de blocos de países, como é o caso da União Européia, que estudaremos neste capítulo. Como vimos no Capítulo 11, as exportações líquidas são um componente da demanda agregada. Isso explica por que as perturbações que se produzem em um país po- dem afetar a produção e o emprego em outros com os quais mantém relações comerciais. Neste capítulo, dan- do como certo esse fato, vamos nos centrar no estudo do balanço de pagamentos como registro contábil das tran- sações internacionais. Nesse sentido, daremos atenção especial à incidência do setor turístico nas transações in- ternacionais e, em particular, no balanço de pagamentos espanhol. 17.1 O comércio internacional O comércio internacional consiste no intercâmbio de bens, serviços e capitais entre os diferentes países. A justifi cativa dos intercâmbios internacionais reside fundamentalmente em que as nações possuem recursos muito distintos e capacidades tecnológicas diferentes. Em síntese, essas diferenças são: a) Condições climáticas. b) Riqueza mineral. c) Tecnologia. d) Quantidade disponível de mão-de-obra, capital e terra cultivável. Esses são os fatores que condicionam a produção dos diversos países e que favorecem sua tendência a se es- pecializar, isto é, a produzir os bens para os quais são comparativamente melhor dotados, de modo que possam fazê-lo a um custo menor. Assim, por exemplo, o custo dos fatores produtivos nos países em desenvolvimento permite oferecer produtos agrícolas e manufaturados a um preço menor que nos países desenvolvidos. Ainda que as possibilidades tecnológicas e as dotações de recursos fossem idênticas, existem também diferenças nos gostos dos consumidores de uns e outros países que justifi cam o surgimento do comércio internacional. As razões do comércio internacional: • Diferenças nas dotações de recursos produtivos. • Diferentes capacidades tecnológicas. • Vantagens comparativas nos custos de produção. • Diferenças nos gostos ou preferências dos consumidores. De todas as razões que justifi cam o comércio inter- nacional, a de mais aceitação é a que assinala que os paí- ses tendem a se especializar na produção e na exportação daquelas mercadorias em relação às quais possuem maio- res vantagens comparativas. Isso ocorre em particular quando podem produzi-las a um custo relativamente mais baixo que outros países. O resultado será que a produção mundial e, como conseqüência, sua capacidade para sa- tisfazer os desejos dos consumidores, será maior do que se cada país tentasse ser o mais auto-sufi ciente possível. 378 - CAPÍTULO 17 - O COMÉRCIO INTERNACIONAL E O BALANÇO DE PAGAMENTOS De acordo com essa teoria, a diferença entre o que custa produzir os bens em um país e em outros é sufi - ciente para que seja preferível que cada país se especiali- ze naqueles produtos nos quais dispõe de uma vantagem comparativa e comercializem entre si. O comércio internacional facilita a especialização ao permitir que cada país coloque os excedentes dos produ- tos nos quais se especializou no resto do mundo, o que é benéfi co para todos. Em boa medida, as vantagens associadas ao comér- cio internacional decorrem da especialização e dos ga- nhos de produtividade e na qualidade dos produtos resul- tantes desse processo de especialização. As vantagens do livre-comércio: • Fomenta a concorrência, a especialização e os avanços tecnológicos. • Aumenta a produtividade e o bem-estar. • Propicia a melhoria da qualidade dos bens e a redução dos custos. 17.1.1 O comércio internacional: a vantagem comparativa e a vantagem absoluta Dos fatores explicativos do comércio internacional, o que tem maior relevância econômica e no qual centraremos a atenção é o princípio da vantagem comparativa. A vantagem absoluta Para ilustrar o princípio da vantagem comparativa, vamos introduzir, em primeiro lugar, o conceito de vantagem abso- luta. Para isso, consideremos o caso de dois países, França e Espanha, que produzem dois bens — alimentos e manufatu- ras — utilizando as seguintes quantidades de trabalho: Espanha: 1 hora de trabalho para produzir 1 unidade de alimento. 2 horas de trabalho para produzir 1 unidade de manufatura. França: 2 horas de trabalho para produzir 1 unidade de alimento. • • • 1 hora de trabalho para produzir 1 unidade de ma- nufatura. Essa situação pode ser resumida em um quadro que apre- senta, para cada país e cada unidade de produto, o número de horas de trabalho que se necessita empregar (Quadro 17.1). Da informação contida nesse quadro, depreende-se que a Espanha possui vantagem absoluta na produção de alimen- tos (necessita menos horas de trabalho que a França para obter uma unidade de alimento), enquanto a França possui vantagem absoluta na produção de manufaturas. Nessas condições, a Espanha se especializará totalmente na produ- ção de alimentos e a França, na produção de manufaturas. Um país possui uma vantagem absoluta sobre outros países na produção de um bem quando pode produzir maior quantidade desse bem com os mesmos recursos que seus vizinhos. Se existisse vantagem absoluta, cada país deveria especializar-se na produção do bem em que possui van- tagem absoluta e intercambiar os excedentes desse bem por aqueles que não produz. Dessa forma, os dois paísesconseguiriam aumentar o consumo dos dois bens, isto é, a especialização e o intercâmbio aumentariam as possibi- lidades de consumo dos dois países. O princípio da vantagem comparativa Foi o economista inglês David Ricardo (1772–1823) quem mostrou que somente no caso de haver vantagem absoluta será possível ter especialização e comércio internacional entre dois países. Pode acontecer que um deles não pos- sua vantagem absoluta na produção de nenhum bem, ou seja, que necessite mais de todos os fatores para produzir todos os bens. Apesar disso, ocorrerá que a quantidade necessária de fatores para produzir uma unidade de algum bem, na proporção necessária para produzir uma unidade de algum outro, seja menor que a correspondente ao país que possui vantagem absoluta. Nesse caso, dizemos que o país em que isso acontece tem vantagem comparativa na produção daquele bem. Um país tem vantagem comparativa na produção de um bem quando consegue produzir esse bem com menor custo de oportunidade que outros países. Esse custo de oportunidade é medido como a quantidade de outros bens aos quais é preciso renunciar para produzir uma unidade adicional do bem em questão • Quadro 17.1 - Vantagem absoluta (Horas de trabalho necessárias para a produção na Espanha e na França) Produto Espanha França 1 unidade de alimento 1 hora de trabalho 2 horas de trabalho 1 unidade de manufatura 2 horas de trabalho 1 hora de trabalho ECONOMIA: TEORIA E POLÍTICA - 379 O exemplo analisado anteriormente (ver Quadro 17.1), de dois países, dois bens e um fator, pode ser adaptado para explicar o novo conceito. Se o trabalho requerido para produzir cada bem em cada país fosse agora o que apa- rece no Quadro 17.2, a Espanha teria vantagem absoluta na produção dos dois bens, mas a França teria vantagem comparativa na produção de manufaturados. Para introduzir uma unidade de manufatura na Espanha, necessita-se duas vezes mais quantidade de trabalho para obter a mesma unidade de alimentos, ao passo que a França requer a mesma quantidade de trabalho para produ- zir alimentos e para produzir manufaturas. David Ricardo demonstrou que, nessa situação, e apesar de a Espanha desfrutar de vantagem absoluta na produção dos dois bens, os dois países podem sair ganhando com o comércio e a especialização. Vejamos por quê. Se não existe intercâmbio, o trabalhador francês neces- sita empregar três horas tanto para conseguir uma unidade de alimento como para obter uma unidade de manufatu- ra. Seu colega espanhol encontra-se comparativamente melhor, já que precisa de apenas uma hora para conseguir uma unidade de alimento e outras duas horas para obter uma unidade de manufatura. O custo relativo do alimen- to em termos de manufatura ou custo de oportunidade da Espanha é de 1/2, ao passo que na França é igual a 1. Quando não há comércio, as manufaturas são relativa- mente mais baratas na França que na Espanha, ao passo que com os alimentos acontece o oposto. Ao se iniciar o intercâmbio, os vendedores de alimento da França come- çarão a importar alimentos da Espanha em troca de manu- faturas francesas nas quais os vendedores da Espanha es- tarão interessados, já que estas serão relativamente mais caras em seu país. Para que esse fl uxo comercial ocorra, é preciso que se realize em condições favoráveis para ambos, isto é, em uma relação real de intercâmbio entre alimentos e manufaturas, compreendida entre 1/2 e 1. Essa relação deverá ser superior a 1/2 para que a Espanha considere favorável o intercâmbio, e inferior a 1 para que também o seja para a França. Se os custos de transportes forem irrelevantes, o resultado desse processo será que haverá apenas um custo relativo ao qual se intercambiarão ali- mentos por manufaturas na Espanha e na França. A relação real de intercâmbio é a razão à qual se intercambiam os bens entre dois países. O valor que essa relação acabará alcançando vai de- pender das pressões que os demandantes exerçam sobre um e outro produto nos dois países. Em particular, se tanto na França como na Espanha existe muita demanda de manufaturas e relativamente menos demanda de ali- mentos, o custo de alimentos em termos de manufaturas tenderá a aproximar-se da relação de preços entre os dois produtos na França antes de acontecer o comércio. Em razão da existência da vantagem comparativa, e em- bora a Espanha seja mais efi ciente na produção dos dois bens considerados, a abertura do comércio entre ambos os países provocará um fl uxo de alimentos da Espanha para a França e de manufaturas da França para a Espanha. A Espanha se especializará na produção daquele bem no qual tem maior vantagem em comparação com a França. Esta, por sua vez, se especializará na produção do bem em cuja produção é relativamente menos inefi ciente que a Espanha. Quando cada país se especializa na produção daqueles bens nos quais tem vantagem comparativa, todos são benefi ciados. Os trabalhadores dos dois países obtêm uma quantidade maior de bens empregando o mesmo número de horas de trabalho que quando não havia o comércio. Análise gráfi ca do princípio da vantagem comparativa O papel das vantagens comparativas no comércio interna- cional pode ser ilustrado mediante a curva ou fronteira de possibilidades da produção. Suponhamos que as possibi- lidades da produção da Espanha e da França sejam as que aparecem no Quadro 17.3, para disponibilidades do fator trabalho dadas e para os custos relativos apresentados no Quadro 17.2. As fronteiras de possibilidades de produção que resul- tam dessas tabelas têm forma de linha reta, pois supõe-se que o custo de oportunidade ou custo relativo dos ali- mentos em termos de manufaturas permaneça constante à medida que nos movemos na fronteira de possibilidades de produção (Figura 17.1). Qualquer que seja o nível de produção, na Espanha, a produção de uma unidade adi- cional de alimento custará duas unidades de manufaturas, o que implica um custo de oportunidade ou inclinação de Quadro 17.2 - Vantagem comparativa (Horas de trabalho necessárias para a produção na Espanha e na França) Produto Espanha França 1 unidade de alimentos 1 hora de trabalho 3 horas de trabalho 1 unidade de manufaturas 2 horas de trabalho 3 horas de trabalho 380 - CAPÍTULO 17 - O COMÉRCIO INTERNACIONAL E O BALANÇO DE PAGAMENTOS –1/2, enquanto na França o custo de oportunidade será de uma unidade de manufatura (1/1). Se os dois países se isolarem de todo comércio, o que produzirem será também o que consumirão. Tanto a Espanha como a França verão suas possibilidades de pro- dução e de consumo reduzidas às áreas AOC e A’O’C’, respectivamente. A Fronteira de Possibilidades de Produção (FPP) da França foi traçada mais próxima à origem, o que mostra que, tanto na produção de alimentos quanto na produção de manufaturas, a França tem uma desvantagem absoluta. Vamos admitir agora a possibilidade de comércio en- tre os dois países. Nesse caso, conviria à Espanha des- locar-se até o ponto A e especializar-se na produção de alimentos, que poderia trocar em uma relação de 1 a 1 com a França por produtos manufaturados e, com isso, suas possibilidades de consumo aumentariam. Se a Espanha pudesse intercambiar seus alimentos pe- las manufaturas francesas à relação de preços da França (1/1), produziria 90 unidades de alimentos e determina- ria o consumo dos dois bens deslocando-se a noroeste ao longo da linha AE. Ao contrário, à França conviria especializar-se na pro- dução de manufaturas, já que poderia trocá-las por ali- mentos da Espanha a uma relação mais favorável que a vigente na França. Cada país tende a especializar-se na produção daqueles bens nos quais tem vantagens comparativas. Em particular, se a França pudesse comercializar com a Espanha sem alterar a relação de preços da Espanha, ela se situaria no ponto C’ de sua FPP e determinaria o consumo dos dois bens deslocando-se a sudeste ao longo da linha C’D’. O comércio favorecerá os dois países, pois cadaum se especializará na produção daquele no qual tem vantagem comparativa. Grafi camente, as fronteiras de possibilida- O aumento das possibilidades de produção e o consumo gerado pelo comércio são representados pela área sombreada. Manufaturas AlimentosO Custo relativo com comércio (1/1) F C E B 90 45 20 A ESPANHA 50 90 Custo relativo sem comércio 1/2 Aumento das possibilidades de consumo graças ao comércio Aumento das possibilidades de consumo graças ao comércio Manufaturas O´ Custo relativo com comércio (1/2) C´ D 30 15 FRANÇA 60 Custo relativo sem comércio 1 15 30 A’ B’ Alimentos Figura 17.1 - O comércio internacional e a fronteira de possibil idades de produção Quadro 17.3 - Relação de possibil idades de produção na Espanha e na França* ESPANHA FRANÇA Possibilidades de produção Alimentos (unidades) Manufaturas (unidades) Possibilidades de produção Alimentos (unidades) Manufaturas (unidades) A 90 0 A’ 30 0 B 50 20 B’ 15 15 C 0 45 C’ 0 30 * Supõe-se que em cada país se trabalhe 90 horas. Além disso, supõe-se que, em conformidade com a informação do Quadro 17.2, na Espanha o custo relativo de produzir alimentos em relação às manufaturas é 1/2 e que permanece constante. Na França, o custo é 1. ECONOMIA: TEORIA E POLÍTICA - 381 des de produção refl etem esse fato, assim como as novas possibilidades abertas ao consumo dos dois países graças ao intercâmbio. A Espanha verá suas possibilidades de consumo ampliadas em uma quantia máxima dada pela superfície AFE, já que a nova relação real de intercâmbio, que torna possível o comércio entre os dois países, estará compreendida entre ½ e 1. Simultaneamente, o aumen- to das possibilidades de consumo da França será dado como máximo pela superfície DA’C’, pois a relação de intercâmbio assumirá um valor entre 1 e 1/2, sendo o va- lor-limite 1/2, uma vez que era a relação de intercâmbio vigente na Espanha antes de se iniciar o intercâmbio. A relação de intercâmbio entre dois países deve estar compreendida entre os custos de oportunidade que têm os bens intercambiados nos dois países. Os ganhos do comércio internacional Pensemos na situação de um trabalhador espanhol antes de se iniciar o comércio. Ele tinha de trabalhar uma hora para conseguir uma unidade de alimento e duas horas para obter uma unidade de manufatura. Depois da abertura do comércio, o trabalhador continua tendo de empregar uma hora para conseguir uma unidade de alimento, mas pode dispor de uma unidade de manufatura trabalhando menos de duas horas na produção de alimentos e trocando estes por manufaturas no mercado internacional. Do mesmo modo, o trabalhador francês terá de em- pregar três horas para conseguir as manufaturas antes e depois de existir o comércio, porém, agora, pode dispor de alimentos que exigirão trabalhar menos de três horas de sua produção, já que para conseguir uma quantidade desse produto pode recorrer ao mercado internacional. Assim, a existência de uma diferença nos custos rela- tivos de produzir dois bens em dois países distintos é sufi - ciente para que seja benéfi co para eles especializarem-se naquela produção para a qual dispõem de uma vantagem comparativa com relação ao outro e comercializar entre si. Além disso, o comércio internacional permite que os trabalhadores dos dois países melhorem seu nível de bem-estar, uma vez que se produz uma especialização dentro de cada país. Os países obtêm ganhos líquidos do comércio internacional: o intercâmbio de bens entre países permite que a economia mundial produza e consuma uma quantidade maior de bens utilizando a mesma quantidade de recursos. Limitações à teoria da vantagem comparativa: a especialização parcial Na vida real, raramente ocorre uma especialização ab- soluta de um país na produção de alguns poucos bens, de modo que a previsão da completa especialização que se pode inferir da teoria da vantagem comparativa não se cumpre na realidade. Esse fato, no entanto, não im- plica uma desqualifi cação das conclusões a que se havia chegado, mas estas podem ser realçadas e melhoradas se modifi carmos ligeiramente os argumentos a fi m de que contemplem a eventualidade da especialização parcial dos países. 17.2 A política comercial: o protecionismo econômico Apesar das vantagens do livre-comércio entre países as- sociadas à efi ciência econômica, em determinados casos, e particularmente de uma perspectiva de políticas econô- micas, justifi ca-se certo grau de intervencionismo, que procura limitar a entrada para determinados produtos do exterior. Na literatura econômica, denomina-se esse tipo de disposições medidas protecionistas. Os instrumentos de proteção são formados por um conjunto de políticas, medidas e procedimentos que os governos adotam com a fi nalidade de criar obstáculos às transações econômicas com o exterior. Os argumentos empregados para justifi car o estabele- cimento dessas medidas são os seguintes: Proteger uma indústria considerada estratégica para a segurança nacional. Seria o caso das indústrias re- lacionadas à defesa. Fomentar a industrialização e a criação de emprego mediante um processo de substituição de importa- ções por produtos fabricados no próprio país. Tornar possível o desenvolvimento de indústrias nascentes, isto é, novas indústrias que não poderiam competir com as de outros países onde se desenvol- veram antes. Procurar combater o possível défi cit que se apre- senta entre as exportações e as importações (ver Seção 17.5). • • • • 382 - CAPÍTULO 17 - O COMÉRCIO INTERNACIONAL E O BALANÇO DE PAGAMENTOS Razões que justifi cam o protecionismo: • Fomentar as indústrias relacionadas com a defesa nacional e a industrialização do país mediante a substituição de importações por produtos nacionais. • Desenvolver indústrias nascentes. • Combater o défi cit externo. Os argumentos apontados favoreceram diversos tipos de intervencionismo no comércio internacional que inte- gram o que é chamado política comercial. 17.2.1 As principais medidas protecionistas Baseando-se nos argumentos apontados, produziram-se diversos tipos de intervenções no comércio internacional, que se têm manifestado nas seguintes medidas: As tarifas. Os contingentes ou cotas. As subvenções ou subsídios à exportação. Medidas não-tarifárias. A política comercial infl ui sobre o comércio internacional mediante tarifas, cotas à importação, barreiras não-tarifárias e subvenções à importação. As tarifas Das diversas medidas que integram a política comercial, as mais importantes tradicionalmente são as tarifas. A incidência do estabelecimento de uma tarifa pode ser estudada recorrendo-se à análise gráfi ca da oferta e • • • • da demanda. Vamos considerar agora o caso de um bem, por exemplo, uma motocicleta, que se produz no mercado nacional (se não houvesse comércio internacional) cujo preço é de 100.000 euros enquanto no mercado interna- cional o preço é de 60.000 euros. Suponhamos ainda que os compradores nacionais possam adquirir a quantidade que desejem a esse preço, de modo que a curva da ofer- ta internacional possa ser considerada como uma reta horizontal no nível de 60.000 euros por motocicleta (Figura 17.2). Ao preço vigente no mercado mundial (60.000 euros por unidade), a quantidade ofertada pelos produtores na- cionais é AB, e a demanda nacional do bem estudado é AE. A diferença entre as duas quantidades, BE, representa o volume de mercadorias importado. Suponhamos que, procurando proteger os produtores nacionais, estabelece-se uma tarifa de 30% sobre as im- portações, o que signifi ca 18.000 euros por motocicleta importada (0,30 × € 60.000 = € 18.000) (Figura 17.3). Isso faz que o preço no mercado nacional das motocicle- tas importadas se eleve na quantia da tarifa, chegando a 78.000 euros, o que provoca a redução das importações de motocicletas. Preço nacional = Preço mundial (1 + tarifa) Uma tarifa é um “imposto” que o governo exige dos produtosestrangeiros com o objetivo de elevar seu preço de venda no mercado interno e, assim, “proteger” os produtos nacionais para que não sofram a concorrência de bens mais baratos. Em condições de livre-comércio, o preço nacional das motocicletas se reduz de 100.000 euros (o preço que vigoraria no mercado nacional se não houvesse comércio) para 60.000 euros por motocicleta, que é o preço mundial. A esse preço, a demanda nacional (290 motocicle- tas) é suprida em parte com a produção nacional (120 motocicletas) e o restante com importações. Preço em euros O Produção nacional B 100.000 A 120 290 60.000 (Dn) (On) Pm = (Om)E X 1 Preço nacional Preço mundial Demanda nacional Oferta nacional Oferta mundial Quantidade de motocicletas Importações Figura 17.2 - O equil íbrio de l ivre-comércio ECONOMIA: TEORIA E POLÍTICA - 383 O efeito da tarifa consiste em elevar o preço do mer- cado nacional, reduzir a quantidade consumida e aumen- tar a quantidade ofertada pelos produtores nacionais. Os custos sociais das tarifas Os custos e benefícios sociais do estabelecimento de uma tarifa podem ser analisados a partir da Figura 17.3. Dado que a tarifa aumenta o custo de cada motocicleta em 18.000 euros, o aumento total do custo para os consu- midores é fornecido pela área FHEA. Vejamos como se distribui esse dinheiro. Uma parte vai para o Estado em forma de receitas tarifárias. Estas são iguais ao número de motocicletas importadas (130 = 270 – 140) multiplicado pela tarifa (18.000 euros), isto é, 2.340.000 euros. Em termos gráfi cos, essa quantidade é representada pelo retângulo GHDC. As receitas tarifá- rias implicam uma transferência ao Estado por parte dos consumidores, já que estes não recebem nada dele, mas não representam um custo para a sociedade, visto que o Estado utiliza essas receitas em seu orçamento de gastos. Outra parte dos pagamentos feitos pelos consumido- res é canalizada para as empresas nacionais produtoras de motocicletas em forma de maiores receitas. Essa trans- ferência corresponde à área FGBA na Figura 17.3: agora as empresas nacionais vendem sua produção inicial (120 motocicletas) a um preço maior e embolsam a diferença existente entre o novo preço vigente no mercado nacional e o custo marginal. Essas rendas recebidas pelos produ- tores nacionais de motocicletas são uma transferência de renda dos consumidores aos produtores. Do aumento dos pagamentos feitos pelos consumido- res fi cam duas áreas, a GCB e a HED, que denominare- mos, abreviadamente, áreas I e II, e que merecem uma consideração especial. A área I representa um custo para a sociedade, já que, ao se introduzir a tarifa e aumentar o preço no mercado nacional das motocicletas para 78.000 euros, certas empresas, que antes não produziam, porque tinham custos marginais entre 60.000 e 78.000 euros, in- corporam-se ao mercado. A entrada dessas empresas com custos marginais elevados supõe uma inefi ciência, uma vez que as motocicletas produzidas por essas fábricas po- deriam ser compradas por 60.000 euros. Assim, a área I é formada pela soma do custo margi- nal dos produtores nacionais (representado pela curva de oferta nacional) menos o custo marginal dos produtores estrangeiros (60.000 euros). A perda de efi ciência repre- sentada pela área I signifi ca 180.000 euros. Em termos geométricos, a área do triângulo GCB é igual à metade da produção nacional induzida, 20 unidades, multiplicada pela tarifa, isto é, por 18.000 euros. A diferença entre o custo marginal nacional e o preço mundial, isto é, a área do triângulo I, é um custo social ou perda de bem-estar provocado pela tarifa. Os consumido- res e a sociedade em geral desperdiçam dinheiro quando se estabelece uma tarifa, já que os recursos canalizados para a indústria protegida pelas tarifas poderiam ser utili- zados efi cazmente em outros setores Mas os consumidores incorrem em outro custo, repre- sentado pela área HED, que chamamos área II: essa área representa a perda de excedente dos consumidores causa- da pela diminuição do consumo, que passa de 290 moto- cicletas para 270. O valor adicional de cada motocicleta para os consumidores é dado pela curva de demanda, e o custo marginal para a sociedade é dado pelo preço mun- dial. Existe uma perda de excedente dos consumidores quando a valorização marginal destes é superior ao custo marginal. Essa perda de excedente também representa um desperdício para a sociedade que, seguindo o mesmo pro- cedimento que no caso da área I, é igualmente de 180.000 euros. Quando se estabelece uma tarifa sobre as importações, a curva de oferta internacional se desloca paralelamente para cima na quantia da tarifa. O efeito da tarifa consiste em elevar o preço do merca- do nacional, reduzir a quantidade consumida e aumentar a quantidade ofertada pelos produtores nacionais. Figura 17.3 - Efeito de uma tarifa sobre as importações 0 E Preço em euros Dn X1120 On Pm(1 + tarifa) D BA F I H Pm 78.000 60.000 140 270 290 II G C Perdas de bem-estar geradas pela tarifa Importações com tarifa Importações sem tarifa 384 - CAPÍTULO 17 - O COMÉRCIO INTERNACIONAL E O BALANÇO DE PAGAMENTOS As tarifas dão origem à inefi ciência econômica, pois a perda ocasionada aos consumidores excede a soma das receitas alfandegárias que o Estado obtém e os lucros “extras” que os produtores nacionais conseguem. As cotas ou contingentes à importação Quando se estabelece uma tarifa, os importadores podem adquirir qualquer quantidade de bens estrangeiros des- de que paguem a tarifa. Mas quando se estabelece uma cota ou um contingente à importação, o governo limita a quantidade de importações que podem ser realizadas. Assim, por exemplo, o governo espanhol pode decidir li- mitar as importações de motocicletas japonesas a um má- ximo de 150.000 unidades por ano, deixando que o preço seja fi xado livremente no mercado.1 Os efeitos econômicos das cotas assemelham-se aos que decorrem das tarifas, na medida em que ambos re- duzem as importações. Ao reduzir a oferta estrangeira, a quantidade ofertada diminui, o que faz que os preços nacionais se elevem em comparação com os preços do resto do mundo. Contudo, quando se estabelece uma cota, desaparece a possibilidade de que a concorrência estrangeira possa reduzir os preços. Com as tarifas, se os preços mundiais diminuem, o preço no mercado nacional cairá e as impor- tações aumentarão. Essa possibilidade não existe no caso de uma cota. Outra diferença com relação às tarifas é que nas cotas é possível saber com certeza a quantidade de importações. As cotas à importação são restrições quantitativas que os governos impõem à importação de determinados bens estrangeiros, isto é, limita-se a quantidade que se pode importar de certos bens, seja qual for o seu preço. Os subsídios à exportação Outro tipo de política comercial são os subsídios à expor- tação. Seu objetivo é fomentar as exportações nacionais, subsidiando-as diretamente e eximindo-as de determina- dos impostos ou então concedendo-lhes linhas especiais de crédito a taxas abaixo do nível de mercado. Os subsídios às exportações são ajudas aos fabricantes nacionais de determinados bens para que possam exportá-los a preços menores e mais competitivos. Os subsídios às exportações estimulam a produção na- cional e o emprego, mas também têm um custo social. As empresas produzem a um custo superior ao que é pago pelos estrangeiros pelos bens nacionais. Isso signifi ca que o Estado concede às empresas um subsídio pela diferença entre o custo de fabricar os bens e o que os estrangeiros pagam. Ao vender produtos nacionais ao exterior a um preço inferior ao que custa aos consumidores nacionais, produz-se um desperdício. Um tema relacionado com os subsídios à exportação é o dumping. A origem do dumping é similar à que justifi ca a con- cessão de um subsídio. Quando a indústria nacional vê sua demanda reduzir-se e não consegue incrementá-la no mercado nacional,recorre aos mercados externos e, para penetrar mais facilmente, o faz a preços inferiores aos preços de venda do mercado nacional. O dumping ocorre quando as empresas vendem no exterior a um preço inferior ao custo ou preço praticado no mercado interno. As barreiras não-tarifárias e outros obstáculos ao livre-comércio Além das tarifas e das cotas, existem outras formas sutis de impor obstáculos ao livre-comércio, tais como: o es- tabelecimento de procedimentos aduaneiros complexos e de alto custo, o recurso a normas de qualidade e sanitárias muito estritas e, em geral, o uso de caráter discriminatório de regulações administrativas integradas sob a denomina- ção genérica de barreiras não-tarifárias. As barreiras não-tarifárias são regulações administrativas que discriminam os bens estrangeiros em favor dos nacionais. As medidas protecionistas mais ortodoxas, isto é, as tarifas, têm o inconveniente de se contrapor ao espírito dos acordos fi rmados com os organismos econômicos in- ternacionais. Por isso, é comum se adotar outro tipo de medidas – em forma de restrições – que são muito mais perigosas para o comércio mundial e bastante negativas para os países em desenvolvimento e para a própria efi ci- ência das economias que as põem em prática. Às vezes, essas restrições são aplicadas de forma unilateral, ale- gando-se uma desorganização do mercado, como fez a maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 1 Às vezes, o que alguns governos limitam é o valor das importações que podem ser feitas.