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FORMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA AULA 1 – AS LÍNGUAS ROMÂNICAS Segundo consta, os primeiros a chegar à Península Ibérica, região hoje ocupada por Portugal e Espanha, foram os chamados celtas e iberos, que logo se fundiram e formaram os celtiberos. Mais tarde, fenícios, gregos e cartagineses se misturaram aos primeiros e, em diversas tribos, povoaram toda a Ibéria. No século III a. C., os romanos invadem a península para desbancar o governo de Aníbal, general cartaginês, séria ameaça ao poder romano. Essa conquista romana se estende em longos 200 anos, aproximadamente. Até que entre 26 e 18 a.C. toda a península estava em poder dos romanos. Os romanos foram habilíssimos colonizadores, conforme se verá na próxima aula, instituindo processos de presença lingüística, cultural e política. Em termos lingüísticos, instituíram o latim como língua oficial aos povos conquistados (situação de substrato) e misturou os escravos em hordas de soldados treinados em latim, e sempre sem nenhum outro conterrâneo com quem pudesse manter contato em sua língua mãe. É claro que o latim falado pelo povo era o da modalidade vulgar, pois o clássico ou literário ficava somente para os homens letrados da época. Devido a seu poder, o Império Romano acabou sobrecarregado. Além disso, algumas desavenças internas levaram à divisão desse Estado em Império Romano do Oriente e Império Romano do Ocidente. Outros fatos mais específicos causaram o enfraquecimento político e cultural dos romanos. Os mais importantes são a invasão dos bárbaros e o domínio árabe. A invasão os bárbaros, no século V, foi o principal fator da quebra das relações entre Roma e suas províncias, descentralizando, portanto, o poder. Dentre suas ações, destacam-se a quebra da unidade lingüística, o desaparecimento de escolas, a extinção da organização comercial. Por outro lado, e principalmente depois do Cristianismo, abraçaram a cultura dos conquistados, deixando assim a LÍNGUA sobreviver e trazendo somente pequenas contribuições de sua própria cultura (situação de superestrato). Quanto aos árabes, é possível afirmar que chegaram à Península Ibérica no século VIII, ocupando quase toda a sua extensão. Eles se mantiveram na península por mais tempo (sete séculos), porém sua influência foi bem menos do que a dos bárbaros, tornando-se BILÍNGUES e, desta forma, guardaram a fala românica (situação de adstrato). Depois de tantos ataques e invasões, depois de tanta presença estrangeira, depois do enfraquecimento político e econômico, a uniformidade lingüística se quebra, demo que se vê o latim vulgar passar por profundas transformações em cada região. Essas antigas províncias romanas também passam por profundas transformações políticas. Com isso, essas regiões vão cada vez mais se diferenciando, fazendo surgir os diversos ROMANCES ou ROMANÇOS (romanice, que quer dizer ―romanicamente‖ e, por extensão, ―falar romanicamente‖), identificados como uma língua intermediária entre o latim vulgar e as línguas neolatinas. Os romances ou romanços continuam em plena evolução, até que, de tão diferenciados, se instituem como línguas diferentes. Dessa forma, na região da Lusitânia, surge o galego- português, identificado também como português arcaico. Inicialmente falado, sem registro escrito, estima-se que tenha se estabelecido no século IX. Na escrita, ainda o latim é a língua obrigatória. Somente no início do século XII, com a publicação do testamento de D. Afonso II, em galego- português, inicia-se sua fase escrita e a confirmação de algumas tendências lingüísticas já identificadas anteriormente. Com a separação do galego (marcada pela independência de Portugal e pela anexação do território Galego ao reino de Castela), com a publicação de Os Lusíadas (século XVI) e com a publicação das duas primeiras gramáticas da língua portuguesa, inicia-se uma nova fase da língua, identificada como português moderno. Com as grandes descobertas operadas por Portugal, a língua portuguesa é levada a várias regiões (Madeira e Açores, Brasil, Damião, Diu, Goa, Ceilão, Macau, Java, Malaca, Cingapura, Timor, Cabo-Verde, Guiné, Angola, Moçambique Zanzibar, Mombaça e Melinde). Continuando sobre a História romana... No plano cultural, cita-se com lugar de destaque a influência grega na arquitetura, no direito, na religião e, sobretudo, na literatura. No plano socioeconômico, uma grande tensão se firmou. Ao mesmo tempo em que grandes riquezas foram adquiridas, alguns problemas surgiram: uma imensa população de escravos conquistados, de camponeses e de citadinos sem atividade econômica, bem como a inexistência de indústrias que causou muitos problemas. No plano político, as conquistas revelaram aos romanos diferentes tipos de governos, de monarquias a democracias, o que acarretou em um avanço no plano das idéias políticas. Depois de muitos governantes, reformas agrárias, mais algumas guerras, e triunviratos, um jovem chamado César chega ao poder, embora já estivesse no cenário político antes mesmo de ter feito parte do primeiro triunvirato, que como o próprio nome designa, envolve dois outros homens, Pompeu e Crasso. Um aspecto interessantíssimo é a educação ministrada em Roma. Conforme a estrutura familiar bastante severa, isto é, com papéis e funções sociais bem definidos, a educação era inicialmente dada em casa. Aos sete anos, o menino poderia freqüentar uma escola e seguia o pai para aprender seu trabalho. O pai, por sua vez, desempenhava essa tarefa com a maior seriedade, conforme atesta a frase do escritor Juvenal: ―Deve-se ao menino a maior reverência‖ (máxima debetur puero reverentia). A menina seguia em casa, aprendendo as tarefas domésticas. Assim, muitos escritores dedicaram obras como enciclopédias e capítulos à criação de seus meninos. É importante nesse comentário sobre a educação romana lembrar que o auge da cultura grega, conhecida como helenismo, exerceu fortíssima influência. Dos gregos é tomado todo o modelo de ensino e sua literatura tem lugar de destaque. Nem todos que tinham acesso às escolas seguiam para o nível intermediário e muito menos ainda para a escola superior, que curiosamente existia na antiga Roma. Dentre o grupo de mestres, o retor tinha mais sabedoria. As primeiras escolas de retórica começaram suas atividades no século I a. C. Quanto à vida cotidiana, é interessante citar que, ao nascer, a criança deveria ser levantada pelo pai em sinal de reconhecimento de sua paternidade, o que poderia não ocorrer e a pobre criança não ter direito aos recursos dos quais o pai dispusesse. Se fosse o caso, muitas vezes era abandonada à morte. Sendo reconhecida, ela ganharia prenome, nome, co-nome. Se fosse menina, ela guardaria apenas o nome de família, no feminino, conservado mesmo depois de casada. O traje masculino tradicional era a toga. Para as mulheres, o mais comum era a túnica, acompanhada de estola. Ambos utilizavam sandálias e botinas de couro. AULA 2 – A ROMÂNIA Quanto à expansão territorial, é importante lembrar que o estado romano dominou boa parte do mundo conhecido da época. Sua origem remonta a meados do século VII, com a fundação de Roma. Muitos foram os méritos dos romanos, que souberam muito habilmente fazer crescer suas fronteiras e sua cultura. Seus méritos mais apreciados costumam ser a disciplina – em todos os sentidos, o raciocínio lógico, a estratégia de guerra, o compromisso na difusão de seus princípios de vida, a organização do estado, incluindo, sobretudo a democratização progressiva do poder, estampada na participação paulatina dos plebeus. Com as conquistas, os romanos levavam aos vencidos sua forma de viver, que englobava o direito romano, a liberdade religiosa e a língua latina, embora, em muitas regiões, houvesse situação de adstrato e até de superestrato. Assim, ficou cada vez mais evidente o uso de uma modalidade popular e de uma erudita.Para a primeira, contribuíram os soldados, os comerciantes, alguns colonos, os povos conquistados, de maneira geral. Para a segunda, contribuíram os magistrados, os escritores e os homens alfabetizados. Assim se consolidavam as modalidades vulgar e literária da língua latina. É certo e sabido que todas as línguas estão em constante movimento, portanto não param no tempo, diversificando em diferentes escalas e ritmos. O latim, como não poderia deixar de ser, se comportou exatamente assim. Conforme a sociedade ia evoluindo, a língua também ia se diversificando. E essa comunidade lingüística passou por intensas transformações em todos os sentidos, pois foi uma época de grande efervescência política, econômica e cultural. Assim, tornando-se mais complexa a cada dia, a sociedade ia estampando todas essas conquistas em vários planos, incluindo-se aí o linguístico. Vários socioletos eram apresentados, variando em função de seus estratos sociais mais conhecidos ao longo da história (patrícios, plebeus e escravos), e também em função de sua localização geográfica, pois mesmo sendo o Lácio seu centro linguístico impulsionador, não se pode deixar de citar as diferentes regiões da Itália central que guardam, até hoje, substanciais diversidades. Quando mais complexa a organização social ia se tornando, mais diversificadas eram as situações sociais de uso lingüístico que implica diretamente o reconhecimento de tais variações. Assim, são famosos os exemplos dos discursos romanos, das cartas e dos textos literários. Nesse último caso, encontram-se numerosas fontes de estudo que revelam sobretudo o lado urbano, e portanto culto e próprio das classes mais altas, afastando-se sempre da educação precária e do uso arcaico, do provinciano e do rural. Dessa variedade urbana, das classes altas, conhecida com latim literário, muitas fontes de estudo existem e muitos foram os autores que se perpetuaram na história da humanidade, tendo atingido seu apogeu entre o final da República e o início do Império Romano. Entretanto, nesse mesmo período, a língua falada era outra, diversa dessa que conseguiu se inscrever fortemente na cultura ocidental de um modo geral. A partir das preciosas contribuições de Friedrich Diez, com seu método histórico-comparativo, fica comprovado que as línguas neolatinas derivam das variedades populares ou latim vulgar, e não do latim clássico ou literário. Consoante Ilari (2006), ―vulgar‖ admite três interpretações distintas e importantes. ―VULGAR‖, como ―CORRIQUEIRO‖: é a língua do dia-a-dia, própria das camadas mais populares; Ilari (2006) comenta que essa primeira interpretação se mostra de forma equivocada, uma vez que toda a comunidade lingüística se valeu do latim vulgar, desde os aristocratas aos falantes das classes mais populares. ―VULGAR‖, com sentido pejorativo de ―BAIXO‖, associado a ―VULGARIDADE‖: é a língua das comunidades menos favorecidas socioeconomicamente. Consequentemente, a segunda acepção é verdadeira no sentido de ser essa uma variedade lingüística eminentemente popular. ―VULGAR‖, como termo técnico equivalente a ―VULGARISMO‖: expressões que os puristas julgam chulas, de baixo nível social. Argumentos Históricos Para essa compreensão, há bons argumentos históricos (citados pó Ilari, 2006), como a alusão que os autores clássicos fizeram a tal modalidade. Alguns a fizeram com tamanho peso que impediram que a variedade popular tivesse acesso ao registro escrito da língua. No entanto, muitas características encontradas na variedade popular eram heranças arcaicas e generalistas. A história conta a mudança do nome de Clarudius para Clodio (forma popular), ao se candidatar a tribuno da plebe. O segundo argumento é que na latinização da românia, a língua levada foi a popular. Do ponto de vista mais tecnicamente lingüístico, observa-se que a estrutura do pronto- romance é morfologicamente menos complexa que a do latim culto, e com preferência pelas formas analíticas na expressão sintática. Somam-se a esses dados a maior freqüência de nomes concretos e a pouca resistência a termos exóticos. Quanto à terceira interpretação, Ilari (2006) salienta que se trata da compreensão um tanto fechada de alguns estudiosos da língua, conhecidos como puristas, de algumas expressões, não chegando a constituir uma modalidade lingüística, encaradas como ―erros‖. Assim é importante e oportuno lembrar que o latim vulgar não nasceu da corrupção do latim literário, erro comumente encontrado em alguns ditos especialistas e defensores de plantão da gramática tradicional. É certo que o latim vulgar é muito antigo e não tardio, conforme a difusão dos fenômenos vulgares que toda a românia testemunha, ao registro escrito de formas vulgares no final da república romana, a presença das ocorrências populares em autores arcaicos como Plauto, a grande presença de arcaísmos na língua vulgar. Outro erro muito comum é entender o latim vulgar como a língua falada e o literário como a variedade escrita. Ambos foram falados e escritos, conforme as oportunidades e a preservação das fontes. Isso quer dizer que pouco restou do vulgar em fontes escritas e nada ficou do literário falado. Enfim, deve-se ter claramente que as duas variedades de latim são frutos de necessidades diferentes e conviveram lado a lado na sociedade romana. Assim, com o passar do tempo, o latim literário manteve-se muito estável, pois foi ficando cada vez mais confinado ao texto escrito com o fim do Império Romano. Paralelamente, o vulgar, por não ter muito acesso ao registro escrito, foi ganhando uma vida extremamente movimentada, fruto das transformações pelas quais todos aqueles grupos que antes compunham a sociedade romana, e que, uma vez seccionados em novos grupos com mais autonomia, imprimiram mais velocidade ainda às transformações em curso, até que se chegou aos romances. No período conhecido como renascença carolíngia, houve uma certa influência do vulgar sobre o culto, conforme se vê na quantidade de ocorrências vulgares no texto literário. Em contrapartida, o latim literário também deixou marcas no romance pelo esforço que se fez para retornar às fontes clássicas, movimento cultural próprio do renascimento. Um dos saldos mais importantes desse movimento foi a constatação de que o vulgar não depende nem deriva do literário. Além disso, o caminho ficou livre para que o romance ganhasse acesso à modalidade escrita. A igreja então, reconhecendo essa diferença, buscou uma aproximação entre o vulgar e o literário, ao promover a redação dos textos religiosos, sobretudo o novo testamento, em língua popular. Esse é o caso da versão da bíblia conhecida como ―vulgata‖. Mais tarde, pelo Concílio de Tours (813), os sermões passam a ser adaptados à língua então falada, o que dá mais espaço aos romances então já instituídos. Recomenda-se a observação do esquema apresentado em Ilari, 2006:64, reproduzido abaixo: O latim, ainda que bem diferenciado, impôs-se como língua de prestígio e compôs as relações comerciais e ainda promoveu, por esse prestígio, junto a outros fatores, ascensão política e social. Ilari (2006:50) salienta que ―para denominar essa unidade lingüística e cultural, emprega-se o termo România‖. Atualmente, esse termo se refere às áreas em que se falam línguas de origem latina. Assim, se compararmos o mapa do território romano com o mapa da România atual, ver-se-á que as fronteiras são diferentes. Tal fato se explica com os processos de colonização: em algumas regiões, como as de difícil acesso, os romanos não se esforçaram muito no processo de romanização, de modo que as línguas originais conseguiram se manter e depois suplantaram o latim, quando se libertaram do poder romano. Além disso, a colonização de áreas conquistadas na época das grandes navegações levou línguas românicas a regiões antes desconhecidaspelo mundo romano, como é o caso do português no Brasil. As línguas atualmente reconhecidas como neolatinas ou românicas, com status de língua oficial, são o português, o espanhol, o italiano e o francês. AULA 3 – O LATIM VULGAR E A EMERGÊNCIA DAS LÍNGUAS NEOLATINAS Já foram apresentadas algumas situações muito importantes de diferenciação entre latim literário e latim vulgar. Entretanto, é importante relembrar que o latim vulgar era eminentemente uma língua falada pelo povo (vulgus) não escolarizado, da qual poucas fontes chegaram até nós. Além disso, a literatura e os documentos até então produzidos se aproximavam em larga escala do latim literário das classes cultas. Os poucos documentos escritos em latim vulgar se perderam pela ação do tempo, como inscrições em muros e cemitérios; pela ação da Igreja Católica, que destruiu muitas fontes de pesquisa pela suposta natureza herege de seu conteúdo, como é o caso de alguns tratados de magia; ou simplesmente por não terem sido copiados. O fato é que uma língua que foi falada há tantos séculos atrás, sem a existência dos recursos tecnológicos de que dispomos hoje para registrar a voz humana em qualquer situação, não poderia mesmo contar com muitas fontes. Das que restaram, são as mais conhecidas: O appendix probi: atribuído ao gramático latino Valério Probo (daí ―apêndice de probo‖), que elaborou uma lista de ―erros‖ e suas respectivas ―correções‖. Peregrinatio ad loca sancta: relato de viagens da monja Etéria (Aetheria), e Mulomedicina chironis, um tratado de veterinária, são obras em que o latim vulgar aparece somente em determinadas situações. Comédias: histórias em que são representadas pessoas do povo, como acontece na obra Satyricon, de Petrônio, na qual Trimalquião comete vários barbarismos ao lado de construções surpreendentemente cultas. Doutores de igreja: alguns doutores da Igreja, como Santo Agostinho, incluíram em seus textos alguns vulgarismos para tornar suas mensagens acessíveis a pessoas sem a devida instrução. Tábuas execratórias: (tabellae defixionum) são boas fontes de estudo do latim vulgar, já que os romanos, ao registrar por escrito suas pragas e maldições, o fizeram na língua vulgar. Graffiti de Pompeia: Os poucos graffiti de Pompeia (inscrições encontradas nas paredes da cidade de Pompeia) que restaram, por serem eminentemente populares, em que aparece, entre outras ocorrências, ama em lugar de amat. Epitáfios: Epitáfios em cemitérios também eventualmente apresentam alguns exemplos, como puellas ao invés de puellae. As alterações do latim vulgar para o Romance e deste para as línguas neolatinas não deixaram registro escrito. Mas as diferenças que aparecem no estabelecimento das línguas neolatinas permitem reconhecer certas regularidades em cada uma delas. Do latim imperial ou tardio, apontam-se como principais alterações em direção ao galego- português: A redução das dez vogais clássicas para as sete que utilizamos hoje: I longo-----i I breve----e E longo---e E breve---ɛ A breve---a A longo---a O breve-- O longo—o U breve—o U longo--u A redução dos ditongos clássicos latinos para [ Ɛ ] e [e]: caecum > cego e foedum > feo; A palatalização das consoantes: civitatem, pronunciado como [ki], [kyi], [tʃ]> [tsi] (só no português moderno casos como esse perderão o elemento oclusivo, passando finalmente a [s], confundindo-se, na escrita, S e C). - regina, pronunciado [g], passa a um iode [y], desaparecendo mais adiante. - gente, pronunciado [g], em posição inicial recebe a palatalização para [d]. - [k], [g], [t], [d], seguidos de I ou E sofreram palatalização primeiramente através da inserção de um iode, depois pela inserção do elemento oclusivo: facio, spongia, pretium, hodie, etc> [kyi], [gyi], [tyi], [dye]> [tʃy] e [dȝy] Depois de –ss-, o iode resultado de um antigo hiato proporciona a pronúncia [ʃ], que passa a ser grafada x. - L e N seguidos de iode provocam a palatalização que resulta nas pronúncias [λ] e [л] para filio e sênior. - síncope de n antes de s em mensa > mesa. Na fonética: [kl] > [λ] e [dȝ], oculum > oclu > olho ou ojo (em castelhano), (Teyssier, 2006), conforme quadro abaixo: Latim clássico Latim vulgar Galeco-português Castelhano Oculum Oc’lu- Olho Ojo Auricula Orec’la Orelha Oreja Vetulum Vec’lu- Velho Viejo [kt] > [yt] e [tʃ], nocte > noyte> noite ou noche (em castelhano), conforme quadro abaixo (Teyssier, 2006) Galego-português Castelhano Nocte>*noyte noite Noche Lectu>*leyto leito Lecho Lacte>*layte leite Leche Factu>*fayto feite Hecho Em castelhano, vogais abertas ditongaram-se quando tônicas, diferentemente do galego- português, que ignora essa ditongação: - Petra > piedra (castelhano) e pedra (galego-português) - Grupos iniciais pl-, fl- e cl- > ch [tʃ] e > [λ], em castelhano: plenu > ch~eo e lleno (castelhano) - Queda de –L- intervocálico: colore > color > coor, em galego-português (cor, posteriormente) - Queda do –n- intervocálico: luna> l~ua, em galego-português (lua, posteriormente). Convém mostrar no quadro comparativo (ILARI, 2006, p. 81) exemplos de palavras nas línguas românicas mais conhecidas (incluindo algumas não oficiais): Latim vulgar Sardo Romeno Italiano Francês Espanhol Português Vinu [v] Vinu [b] Vin [v] Vino [v] Vin [v] Vino [ß] Vinho [v] Na morfologia e na sintaxe: O sistema de flexão dos casos acaba por desaparecer e ficam apenas as duas formas de acusativo (singular e plural); As desinências dos antigos casos desaparecem e fixam-se a ordem dos elementos no discurso e o uso de preposições; O gênero neutro também desparece, ficam somente masculino e feminino; Quanto aos verbos, as formas sintéticas são frequentemente substituídas pelas perífrases. O futuro, antes feito com desinências próprias, como amabo, por exemplo, passa a amare habeo; Surgem artigos definidos lo, la, los, las a partir do demonstrativo ille; Na formação do vocabulário: A grande massa de palavras que compõem o vocabulário são herdadas diretamente do latim. As influências que resultaram em importantes contribuições são: - palavras de origem germânica, como guerra, ganso, estaca, etc; - palavras de origem árabe: arroz, azeite, alface, alfinete, almofada, açúcar, arrabalde, etc. Finalmente, diante de tantas evoluções de estágios diferentes e de línguas diferentes, é importante considerar a pertinência do tratamento de dois conceitos linguísticos, a saber: Pidgin: é uma língua de intercurso, que serve como língua de contato, como uma língua geral entre, pelo menos, dois grupos de falantes de línguas maternas diferentes. Em geral, conta com gramática rudimentar e vocabulário restrito. Os pidgins podem se tornar línguas crioulas ou não (neste caso, desaparecem), como aconteceu com a língua geral, instituída pelos portugueses com os indígenas brasileiros. Crioulo: quando o pidgin continua em uso e é apreendido pelas novas gerações como língua materna, estabilizando seu sistema lingüístico, essa língua passa a ser considerada crioula. Ainda existem crioulos portugueses em países como Cabo Verde e Guiné-Bissau, mas não no Brasil. AULA 4 – O SURGIMENTO DO GALEGO-PORTUGUÊS Conforme já foi apontado na exemplificação da aula 3, na região da lusitânia, ocorrem: -[kl] > [λ]: oculum > oclu > olho; -[kt] > [yt]: nocte > noyte > noite; -o galego-português que ignora a ditongação das vogais abertas operada pelo castelhano, como por exemplo petra > pedra (x pietra); -grupos iniciais pl-, fl- e cl- > ch [tʃ]: plenu>ch~eo (til em cima do ―e‖); -queda de –l- intervocálico: colore>color>coor em galego-português (>cor, posteriormente); -queda do –n- intervocálico: luna> l~ua, em galego-português (>lua, posteriormente)(til em cima do ―u‖). Além dessas ocorrências nos planos fonético e fonológico,observam-se também outras de natureza diversa. Quanto à morfologia e à sintaxe, as transformações do latim ao galego-português são muito semelhantes às que ocorrem com as outras línguas latinas. As modificações são fortíssimas e extremamente profundas, o que torna o assunto muito complexo para ser retomado em brevíssimas palavras, mas como principais pontos, indicam-se: A declinação nominal simplifica-se e acaba por desaparecer, sobrevivendo apenas duas formas – o acusativo singular e o plural. As relações sintáticas anteriormente expressas pelos casos passam a ser reconhecidas por uma ordem mais fixa na frase e pelo uso de preposições. Os gêneros se reduzem a masculino e feminino, ocorrendo o desfazimento do neutro. O sistema verbal sofre intensa reorganização e proliferam as formas perifrásticas: Exemplo: o futuro simples amabo é substituído pela forma perifrástica amare habeo, que origina a forma atual amarei. Inexistente no latim clássico, surge o artigo definido, advindo do pronome demonstrativo latino ille no acusativo: Illum, illam, illos, illas originam lo, la, los, las e, mais tarde, o, a, os, as. Quanto ao vocabulário, ele se forma principalmente pelas palavras latinas herdadas diretamente na continuação histórica das alterações sócio-político-econômicas e linguísticas. A esse imenso repertório latino original, somam-se novas palavras, advindas por empréstimos às línguas dos povos que já estavam na Península Ibérica antes da chegada dos romanos, como barro, manteiga, veiga, sapo, esquerdo, etc. (cf. TEYSSIER, 2001). Dois grupos contribuíram sobremaneira com o vocabulário latino: os germânicos e os árabes. Consoante Teyssier (2001), os primeiros trouxeram itens lexicais ligados, sobretudo, aos campos semânticos da guerra (guerra, guardar, trégua, roubar, espiar, etc.), da indumentária (fato, ataviar) e do trabalho no campo (estaca, espeto, ganso, marta, brotar, etc.). Os segundos deixaram suas marcas nos campos semânticos da agricultura (arroz, azeite, azeitona, açucena, alface, javali, etc.) e das profissões (alcaide, almoxarife, alfândega, alferes, etc.). Nesta herança, é notável a sobrevivência da contribuição da preposição até, que vem de hatta, com o mesmo sentido com que a utilizamos. Curiosamente, quase todas as palavras do português que começam com al- são de origem árabe e sofreram lusitanização, ocorrendo a aglutinação de al-, artigo árabe, ao substantivo, como ocorre com algodão, por exemplo. Além do vocabulário latino popular (aquele grande conjunto latino herdado ao longo da história) e das palavras trazidas à língua por empréstimo, há também o vocabulário erudito, composto por palavras criadas, em todas as épocas, fundamentadas no conhecimento do latim e do grego, como automóvel, telefone, digitar, etc. e o ainda o semierudito, composto por palavras ―resgatadas‖ em um estágio anterior a certas alterações, como ocorre, por exemplo, com plano, que veio de planu-. Na evolução natural, transformou-se em chão, mas foi resgatada como plano, em época posterior. Assim, ficam como certas que essas modificações já preparam o terreno para a estrutura que será o galego-português consolidado, inaugurando-se nessa ocasião uma nova fase linguística. A despeito de várias propostas de classificação, a mais reconhecida é a que divide a história da língua em período arcaico, que vai até Camões, e moderno, que começa justamente com a publicação de ―Os Lusíadas‖. É certo que o período arcaico começou antes do séc. XIII, mas como não há registros que atestem e comprovem esse novo uso, opta-se pela manutenção da escritura do famoso testamento de D. Afonso II. Por outro lado, também já é possível reconhecer muitas inovações desde a publicação da obra de Camões para os dias atuais. No entanto, ainda não há marco proposto para a identidade de uma nova fase dessa história. Neste momento, faz-se necessário compreender e conhecer os processos fonético-fonológicos, também conhecidos como metaplasmos. Metaplasmo, como o nome já indica, significa transformação, constituindo, portanto, as mudanças fonético-fonológicas por quais passam várias palavras. Dessa forma, faz-se importante reconhecer que tais processos sempre estão presentes em qualquer língua e em qualquer tempo. Os quatro grandes grupos são alterações que se dão por aumento, supressão, transposição e transformação, a saber: por aumento, por supressão, por transposição e por transformação. Sejam analisados os seguintes casos: dolore>dolor>door>dor Apócope do e, seguida de síncope do l, e finalmente crase do o. veritate>veridade>verdade Sonorização de t para d, seguida da síncope do i. oculu>oculo>oclo>olho Harmonização vocálica do o ou metafonia ou assimilação vocálica, seguida de síncope do u e, finalmente, palatização. lupu>lupo>lopo>lobo Dissimilação da vogal u para o ou metafonia, seguida de harmonização vocálica de u para o ou metafonia ou assimilação vocálica, sonorização de p para b. voce>voze>voz Sonorização de [s] para [z] e apócope do e. acume>agume>gume Sonorização de [k] para [g] e aférese do a. ipse>epse>esse Harmonização vocálica ou assimilação de i para e e assimilação total regressiva de p para [s]. AULA 5 – O SURGIMENTO DO GALEGO-PORTUGUES: PARTE II Em 1200, Portugal já existia autonomamente, quando houve a separação dos reinos de Leão e de Castela, feita por D. Afonso II (também conhecido como Afonso Henriques), que mais tarde tornou-se rei. Nessa separação, Portugal e Galícia também se separaram e essa região ficou até anexada ao reino de Leão, atual Espanha. Apesar dessa perda, Portugal conseguiu estender-se ao sul e, com a retomada de Fato, atingiu os limites que tem hoje. Assim, o centro de importância política e cultural desloca-se do norte para o sul e cidades como Coimbra e Lisboa despontam no cenário português. Assim também aconteceu com o padrão linguístico de prestígio, que deslocou-se do norte para o sul, mais novo, mais cosmopolita e, consequentemente, mais inovador do que o norte que guardava as antigas tradições. As fontes de estudo são duas naturezas – as literárias e as não literárias, que apresentam basicamente documentos oficiais. Assim, o texto considerado o primeiro escrito em galego-português é o testamento de D. Afonso II, com data provável de 1214. Quanto à grafia, já aparecem: - ch para o som [tʃ]: Sancho, chus (diferente já de x, ligada ao som [ʃ]); - n palatal e l palatal ganham mais tarde a grafia nh e lh, respectivamente; - o til (~) é usado para indicar a nasalização das vogais, não raro também representada pelas letras m e n. Quanto à fonética e à fonologia As vogais em posição tônica já são as mesmas que utilizamos hoje. Em posição átona final, a situação é diferente. Além de /e/, /a/ e /o/, inicialmente aparecem também /i/, típico dos imperativos (vendi, parti) e das primeiras pessoas (pudi, cantasti). Mais adiante, em inícios do século XIV, essas formas já eram grafas com –e final (pude, cantaste, etc.). Assim também aparecem grafias de –u em lugar de –o nos textos mais antigos. A hipótese mais aceitável para essa ocorrência é a existência de um timbre bem fechado de [e] e de [o]. Em posição átona não final, timbres de [e] e de [o] deixam de apresentar as oposições e variam livremente. Dessa forma, o quadro de estrutura com as vogais /i/, /e/, /a/, /o/, /u/. Os ditongos apresentam sempre [e] e [o] fechados. Os ditongos encontrados são os dos casos de primeiro, mais, coita, fruito, partiu, vendeu, cautivo, cousa. As consoantes são em quase todo o quadro as que usamos hoje. As exceções são as constritivas dentais-alveolares e palatais, em que havia franca oposição fonológica. Assim, cen (/ts/) opunha-se a sem (/s/) e cozer (/dz/) opunha-se a coser (/z/). As vogais nasais assim se constituem por serem seguidas de uma consoante nasal (m ou n). A síncope,já iniciada no estágio anterior à consolidação do galego-português, citada na aula anterior, das consoantes –g-, -d-, -l- e –n- em posição intervocálica, desencadeia um grande número de encontros vocálicos com hiato, como se vê em maestre, seer, coor, teer, etc. Quanto à morfologia e à sintaxe O quadro dos demonstrativos era um pouco diferente do nosso atual, pois contava com a forma aqueste e aquel (e). O quadro dos advérbios de lugar apresentava as formas aqui, acá, acó, ali, alá e aló. As formas de estabelecer a anáfora mais comuns desse período são (h) i e ende-em. O tratamento se regulariza com o tu familiar e o vós cerimonioso. Quanto ao vocabulário: Empréstimos do francês e do provençal são muito constantes: dama, sage, Maison para o primeiro caso e assaz, freire, trobar, trobador etc., para o segundo. Palavras eruditas e semieruditas, da herança greco-latina, estão constantemente sendo aplicadas e reaplicadas. Entendendo bem as características agora já em fase de consolidação no galego-português, e antes de analisar os textos dessa fase, cabe compreender um pouco mais acerca da ortografia da nossa língua, um dos fatores de grande preocupação no mundo letrado e também um dos aspectos que apontam grande dificuldade para os alunos dos níveis fundamental e médio. Inicialmente é muito importante entender os três períodos distintos da história da ortografia e o que eles representam. Consoante Léllis (2001), do início do português arcaico até o século XVI, temos o conhecido Período Fonético. Essa fase assim se nomeia em razão da absoluta ausência de sistematização em torno do assunto, do escasso acesso ao texto escrito, da baixa quantidade de pessoas alfabetizadas, da imprensa rudimentar. Considerando-se esses fatos, temos de procurar entender como a situação de escrita se dava. Pense em um tipo de escrivão que procedia ao estabelecimento dos textos por escrito em situações legais ou o próprio rei ou sacerdote tendo que fazê-lo. Essa era sempre uma cena solitária, em que se produzia texto escrito sozinho e para que ele servisse tão somente como um documento que muitas vezes nunca era lido por ninguém ou unicamente pelo próprio autor. Em relação aos primeiros copistas, responsáveis pela reprodução dos textos, sobretudo os filosóficos e religiosos, o trabalho por eles desempenhado também era solitário. Desse modo, pelos aspectos já citados acima, dos quais ressalta-se a falta de sistematização, esses homens tinham a impressão de que ouviam de um tal jeito uma determinada palavra, e tinham a ideia de que ela se escrevia de um determinado modo e talvez ele próprio, no dia seguinte, tivesse uma ideia diferente. E essas ideias diferenciavam-se muito de um copista para outro, já que as decisões ortográficas eram baseadas em impressões, o que faz com que esse período também pudesse ser chamado de impressionista. Por essa base da qual eles partiam ao decidir a grafia das palavras é que esse período é chamado de período fonético. Nessa faixa de tempo, aparecem grafias como bem , ben , b; homem , omen , ome; h~uu, h~u ,~u (til deve ficar em cima do u), em que verifica o que foi dito acima: a não uniformização da escrita. Ao lado dessas ocorrências, aparecem também, curiosamente, formas como emssynava, contrayro, pãao, ffilho. A partir do século XVI, novos ventos começam a soprar e identifica-se então um novo período da história da ortografia. Os estudiosos começaram a se preocupar com a sistematização da grafia, ainda que hoje isso soe um pouco exagerado. Mas de fato foram escritos muitos compêndios tratando, até exclusivamente, desse assunto. É importante citar os trabalhos quinhentistas de Fernão de Oliveira, Duarte Nunes do Lião, J. Barros, Pero M. de Gândavo, dentre outros. Mas foi principalmente nos séculos XVI e XVII, sobretudo com o Renascimento, que os olhares se voltaram mais fortemente para os antigos textos e houve uma necessidade desse momento em se revestir de uma alta carga de erudição em todo o movimento cultural desse tempo. Assim é que, em uma busca descontrolada da parte dos intelectuais da época, surgiram as etimologias falsas ao lado das verdadeiras. Passada essa fase de altíssima valorização das culturas da Antiguidade, e com o grande impulso dos estudos científicos, como, por exemplo, a publicação da teoria da evolução das espécies de C. Darwin, no final do século XIX, os estudiosos da língua assumem o compromisso de tratar a língua de forma também científica. Nessa mesma época, como não poderia deixar de ser, a Filologia ganha novo fôlego em Portugal, graças ao empenho de Adolfo Coelho, Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos, J.J. Nunes, dentre outros, formalizado através de seus importantes trabalhos. Por meio desse impulso, os estudiosos então firmaram o compromisso de tratar cientificamente a língua e isso se fazia por meio de sua história, portanto todos acabavam avançando nos estudos filológicos. E, diferentemente do período anterior, para o avanço intelectual desse campo, os filólogos iam às fontes disponíveis e estruturavam o caminho das palavras ao longo da história, depreendiam suas leis e divulgavam somente aquilo que se poderia confirmar e mostravam as hipóteses prováveis de alguns fenômenos. Por esse contexto, esse período é conhecido como período histórico-científico. Assim, em Portugal, a simplificação ortográfica é estruturada pelos filólogos da época, o que quer dizer que foi feita respeitando a história das palavras e considerando o impacto de cada grafia. Essa simplificação teve como produto final o Acordo Ortográfico de 1931, entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa que, com pequenos ajustes, vigorou até 2009, quando um novo acordo foi estruturado entre todos os países lusófonos. Considerando-se esses períodos, é necessário repassar as principais alterações ocorridas ao longo dos tempos. Encerram-se aqui as principais evoluções, de acordo com Léllis (2001), que causam confusão na grafia do português atual. Entretanto, alguns resultados ortográficos causam certa intriga na mente dos falantes e, obviamente, de qualquer observador da nossa grafia. Estuda-se que algumas formas originais são capazes de produzir produtos absolutamente discrepantes, como é o caso de plaga do latim que resulta em chaga, praga, praia e plaga. No primeiro resultado (chaga), temos a evolução natural da palavra em que o grupo pl- sofre palatização, como se viu anteriormente, levando ao ch-. Na segunda transformação, vê-se uma alteração marginal e portanto menos frequente, em que o grupo pl- passa a pr-. O terceiro resultado é uma transformação do segundo em que atua a síncope do –g- intervocálico. Constata-se assim que uma única forma pode originar resultados diferentes. A esse fato se dá o nome de formas divergentes. Suas causas são várias. Em geral, trata-se de diferenças cronológicas, que têm como mola mestra a época da entrada da palavra na língua, portanto palavras retomadas na época do Renascimento apresentam também a sua forma erudita, ao lado da evolução natural da palavra em que atuaram as leis fonéticas de desgaste... ...ou ainda de diferenças sociais, em que as formas terão maior ou menor prestígio em função do grupo social que as sanciona e, finalmente, de diferenças regionais, em que o contato com outros grupos de outras origens e a história da colonização farão as palavras atenderem a uma ou outra solicitação cultural (no Sul de Portugal, por exemplo, defensa passa a ser defesa, enquanto no Norte, passa a devesa). São exemplos de formas divergentes ocorrências como: regula>regra, régua, relha; plicare>chegar, pregar; clavicula>chavelha, cravelha, clavícula; masticare> mastigar, mascar; planu> chão, plano, porão. Por outro lado, e não menos importante, assinalam-se palavras que têm origens absolutamente distintas eque, por sua evolução fonética, acabam apresentando as mesmas grafias em um determinado estágio da língua, mas ainda com significados diversos. A esse fato dá-se o nome de formas convergentes. São exemplos de formas convergentes: Donu> dõo> dõ>dom = virtude Domine> domyne> dom = senhor Sanu> são = sadio Sunt> são = verbo ser no plural (―eles são‖) Santo> san> são = santo AULA 6 – O TEXTO EM GALEGO-PORTUGUÊS O primeiro texto em prosa não literária, amplamente reconhecido pela comunidade acadêmica, é o testamento de D. Afonso II. 1214 Junho 27 Testamento de D. Afonso II. Existem dois exemplares deste testamento, a cópia que foi enviada ao arcebispo de Braga e aquela que foi enviada ao arcebispo de Santiago. Linha 1: En’ o nome de Deus. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano e saluo, temëte o dia de mia morte, a saude de mia alma e a proe de mia molier raina dona Orraca e de me(us) uassalos e de todo meu reino fiz mia mãda p(er) q(ue) de- Linha 2: pos mia morte mia molier e me(us) filios e meu reino e me(us) uassalos e todas aq(ue)lãs cousas q(ue) De(us) mi deu em poder sten em paz e em folgãncia. P(ri)meiram(en)te mãdo q(ue) meu filio infante don Sancho q(ue) ei da rainha dona Orraca agia meu reino entreg(ra)m(en)te e em paz. E ssi este for Linha 3: morto sen semmel, o maior filio q(ue) ouuer da raina dona Orraca agia o reino entegram(en)te e em paz. E ssi filio barõ nõ ouuermos, a maior filia q(eu) ouuuermos agia’o... Esse texto original (inteiro) se encontra no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal. Trata-se de um texto jurídico, portanto tem uma estrutura mais rígida, dentro dessa característica jurídica que também existe atualmente Encontramos alguns exemplos importantes, como: Características da relação grafema/fonema; Exemplos: gracia, folgãcia, em que a africada sibilante surda [ts] ainda era grafada ―ci‖; molier, filios, em que a palatal [λ] era representada ainda por ―li‖; agia, em que a africana palatal sonora ou já fricativa [d] era representada por ―gi‖; mãda, folgãcia, barõ, nõ, em que o til marca a nasalidade das vogais; saluo, ouuermos, uassalo, em que o ―u‖ (tradição latina) ainda registra a fricativa labiodental sonora [v]; ausência do h em ouuermos; etc. Características morfológicas e sintáticas; Exemplos: ―aver‖ em estrutura de posse: ―filho que ei‖, ―agia meu reino‖, ―maior filho que ouver‖, ―se filio Baron non ouuermos‖; ―ser‖ com aspecto verbal de transitoriedade: ―seendo sano e saluo‖; ―sten‖, subjuntivo na forma etimológica do verbo estar, com valor de ―sejam‖ (―aquelas cousas sten em paz e folgãcia‖). Características lexicais; Exemplos: ―a prol de‖ = em prol de; ―manda‖ = mandado, testamento; ―semmel‖ = por metonímia: descendência; ―entegramente‖ = inteiramente; etc. Exemplos: Depois de ter visto o primeiro documento não literário escrito em galego-português, considerado o mais importante dessa fase porque a inaugura sob o aspecto da língua comum, não plástica, pode-se cotejá-lo com outros, tanto os literários quanto os não literários, dos anos subsequentes ao testamento de D. Afonso II até às vésperas da nova fase que se inicia com a publicação de Os Lusíadas. Comentários: Fonético-fonológico: reconhece-se a síncope de –d- intervocálico, resultando no encontro vocálico em hiato em veer; a sonorização de –g- intervocálico em mig’á (mecu-> migo). Morfológico: a forma antiga da preposição PARA que ocorre como PERA; a forma arcaica do advérbio que ocorre como Alá. Sintático: a combinação talhou preito, que significa ―prometeu‖; mig’á, que significa ―migo há‖, ou melhor, ―tem comigo‖. Lexical: madre ocorre na forma erudita. Cantiga de amigo I Pera veer meu amigo, Que talhou preito comigo, Alá vou, madre; Pera veer meu amdo, Que miggg’á preito talhado, Alá vou, madre; Que talhou preito comigo... É por esto que vos digo: Alá vou , madre; Que mig’á preito talhado... É por esto que vos falo: Alá vou, madre. (De El-rei D. Dinis. Séc.XII, apud Dr. J. Leite de Vasconcelos. Textos Arcaicos) Cantiga de amigo I Fonético-fonológico Morfológico Sintático Lexical Como exemplos de textos em língua arcaica de natureza literária, apontam-se: Cantiga de amigo II O anel do meu amigo Perdi-o sso-lo verde pinho, E chor’eu, bela. O anel do meu amado Perdi-o sso-lo verde ramo, E chor’eu, bela. Perdi-o sso-lo verde pinho, Por en chor’eu, dona virgo, E chor’eu, bela. Perdi-o sso-lo verde ramo, Por en chor’eu, dona d’algo, E chor’eu, bela. (De Pero Gonçalves de portocarreyro. Séc. XII, apud J. Leite de Vasconcelos. Textos Arcaicos) Comentários: Cantiga de amigo II Fonético-fonológico: observa-se a pronúncia de per alternando-se com por; observa-se o desgaste fonético que leva ao apagamento da consoante final dentro do grupo (preposição + clítico) em sso-lo para referir-se a sob o; observam-se outras questões ainda que não serão apontadas por se tratar de texto literário, que tem, dentre outras coisas, obrigação com o padrão estético da época. Morfossintático: observa-se a ocorrência de preposição por ao lado do advérbio anafórico en (<inde), estrutura precursora da conjunção coordenativa adversativa porém. Lexical: observam-se as ocorrências de virgo para virgem e de dona d’algo para fidalga. A dona pee de cabra Dom Diego Lopes era muy boo monteyro e, estãdo huu dia em sa armada e atemdemdo quando verria o porco, ouuyo cantar muyta alta voz huua molher em çima de huua pena e el foy pera lá e vio-a seer muy fermosa e muy bem vistida e namorou-sse logo della muy fortemente e pregumtou-lhe qu~e era e ella lhe disse que era huua molher que mujto alto linhagem, e ell lhe disse que pois era molher de alto linhagem, que casaria com ella, se ella quisesse, ca ell era senhor daquella terra toda, e ella lhe disse que o faria, se lhe promtesse que numca se santificasse, e elle lho outorgou e e ella foi-sse logo com elle. E esta dona era muy fermosa e muy bem feita em todo seu corpo, saluando que auia huu pee forcado, como pee de cabra. E viuerom gram tempo e ouuerom dous filhos e huu ouue nome Enheguez Guerra e a outra foi molher e ouue nome dona [...] ] E, quando comiam de suu Dom Diego Lopez e sa molher, assentaua ell apar de ssy o filho e ella assentaua apar de ssy a filha, da outra parte. E huu dia foy elle a seu monte e matou huu porco muy gramde e trouxe-o pera sa casa e pose-o ante ssy hu sya comemdo com ssa molher e com seus filhos, e lamçarom huu osso da mesa e veerom a pellejar huu alãao e huua pondenga sobre’elle em tall maneyra que a pondenga travou ao alão em a gargãta e matou-o. E Dom Diego Lopez, quando esto vyo, teue-o por millagre e synou-sse e disse: -- Santa Maria, vall! Quem vio nunca tall cousa¿ (apud J.J.Nunes. Crestomatia Arcaica) Comentários: A dona pee de cabra Cantiga de amigo I: observam-se sobremaneira as letras dobradas, típicas do período de fonético, conforme estudado na aula anterior, por sua falta de sistematicidade e, consequentemente, pela franca variação de um copista para outro no que tange aos princípios ortográficos (ssy, ell, daquella etc). Observa-se também o emprego do u consonantal advindo do latim, em lugar de v (como em ouueron, saluando, trauuou etc, a enorme variação da grafia das nasais (como em numca, quando, comemdo, gargãta, estãdo etc). Fonéticos-fonológicos: observam-se: - pera ainda sem alteração para pela; - fermosa ainda sem a harmonização vocálica ou assimilação para formosa; - muyta, maneyra, em situação de ditongo, conforme atesta a grafia com y; - molher com harmonização vocálica, seguindo a evolução natural da palavra; - seer, veerom, pee, boo, alãao, huu que sofreram síncope da consoante intervocálica, mas ainda não operaram a crase; - pose-o emsua forma arcaica de pretérito perfeito; - vyo apresenta a grafia de o para representar uma pronúncia bastante alta e fechada da vogal, que mais tarde passou a u; - sobre’elle, que, pela forma como foi grafado, indica uma pronúncia em que a preposição se apoia no pronome pessoal, como um clítico. Morfológicos: destacam-se: - uso do possessivo feminino átono, como em sa molher; - emprego dos clíticos sem grande preferência por uma única posição, em que vio-a, pregumtou-lhe, foi-sse, teue-o, dentre outros, aparecem ao lado de ella lhe disse, ell lhe disse, lhe prometesse, se santificasse, lho outorgou etc; - variação dos gêneros, como em alto linhagem; - gram e muy, em sua forma reduzida; - uso da conjunção antiga ca. Sintáticos: alguns giros sintáticos merecem destaque, como abaixo se vê: ―...ouuyo cantar muyta alta voz huua molher...‖: a circunstância expressa pelo adjunto adverbial não aparece aí introduzida pela preposição em; ― ...e ouuerom dous filhos e huu ouue nome de...‖: verbo haver no sentido de ter; ―E Dom Diego Lopez, quando esto vyo, teue-o por millagre e synou-sse e disse...‖: excesso de emprego de conjunção coordenativa aditiva; ―...a podenga trauou ao alão em a gragãta e matou-o‖: ocorre o verbo travar seguido de preposição a, ocorre a ausência da contração de em + a, e ainda a ênclise, embora o verbo esteja precedido de conjunção. Lexicais: alguns itens merecem atenção especial, como monteyro, para indicar aquele que monta, ou, em outras palavras, o cavaleiro; armada, no sentido de montaria; atemdendo, no sentido de esperar; forcado, metáfora para um ―defeito‖ anatômico; dona, que significa senhora; outorgou, no sentido de consentir, aprovar; alão, grande cão de fila; podenga, a cadela para a caça de coelhos. Trecho de “O rato da cidade e o da aldeia” (...) E o rrato da çidade veemdo-o, chamou-ho, que outra vez viesse a comer com elle, e nom ouvesse medo; e o outro rrato lhe respondeo: -- Amigo meo, ora fosse eu jajuum do comvite que me fezeste! A mym praz mais de comer triiguo, favas e hervamços em paz que galinhas e capões com temor e periiguo de morte. A paz, a quall ssempre tenho comiguo, me faz a mym os meus comeres sseerem delicados. E poren teus comeres guarda-os pera ty, ca eu me comtento do que hey. (apud Rodrigues Lapa. O livro de Esopo) Comentários: O rato da cidade e o da aldeia Em termos ortográficos: observam-se: a grande quantidade de letras dobradas, sobretudo em contexto de início de vocábulo (rrato, sseerem, elle, quall), a oscilação da grafia do clítico (veemdo-o, chamou-ho), a grafia da nasal ainda não uniformizada (em comtento, a grafia varia no mesmo contexto fonético – ambas as consoantes ocorrem antes de [t] – e é usada pelo mesmo copista); Em termos fonético-fonológicos: observam-se: a pronúncia [ts] para cidade, conforme atesta a grafia em cidade; a pronúncia bem fechada de [o] no ditongo respondeo e meo; o encontro vocálico que indica a síncope da consoante intervocálica ([n]) em jajuum (>jejunu), sem perda, entretanto, da nasalidade, e ainda a metafonia de [e] para [a]; Em termos morfológicos: acrescentam-se o largo uso da conjunção coordenativa e, o emprego de PER em lugar de PARA, o uso da conjunção coordenativa ca e poren (variação de por en), o uso da forma fezeste para o pretérito perfeito; Em termos sintáticos: observam-se o uso de haver por ter (... nom ouvesse medo...., ...eu me comtento do que hey), e de ser por estar (... fosse eu jajuum...), as construções em : (1) (...) ora fosse eu jajuum do convite que me fezeste! em que jajuum (jejum) tem função adjetiva, significando sem comer; (2) A mym praz mais de comer triiguo (...), em que se emprega o verbo prazer (com sentido de agradar); (3) e, as palavras dictas, partirim-se, em que se observa o uso do particípio passado (dictas) com seu aspecto verbal de ação acabada, e não com função de adjetivo; Em termos lexicais: observa-se em (...) os meus comeres sseerem delicados o uso da forma verbal como substantivo (comeres) e o uso do adjetivo delicado no sentido de agradável. AULA 7 – O MODERNO PORTUGUÊS EUROPEU (PARTE I) O Movimento Cultural da Escola Literária Ano 1350: em primeiro lugar, deve-se considerar que assim que acaba o movimento cultural da escola literária que elevou o prestígio do galego-português, o galego começa a isolar-se do português (desde o século XIV, por volta de 1350). Conta-se com o testemunho de obras em prosa, como o exemplifica a Crônica Troiana. Portugal, a essa época, já obteve uma organização política que corresponde, quase perfeitamente, à extensão que possui hoje. E essa estabilidade de fronteira política também se verificou na fronteira linguística, pois o português, uma vez separado do galego, é adotado em todo o território, com números desprezíveis de outras comunidades linguísticas. Século XVI: o centro cultural de Portugal oscila então entre Coimbra, Lisboa e Évora, inicialmente, pois que aí estão localizadas as Universidades e os Mosteiros (também responsáveis pela produção do saber, como é o caso dos de Alcobaça e de Santa Cruz). Em meados do século XVI, o eixo Lisboa-Coimbra passa a ser o centro cultural a partir de onde será emanada a norma linguística. Nessa época, Portugal vive uma fase de transformações muito intensas com os descobrimentos e a expansão ultramarina, que já conhecemos, principalmente por fazermos parte dessa história. Assim, culturalmente, a produção também aumenta e a figura mais emblemática não poderia deixar de ser nosso ilustre poeta Camões, e a obra, igualmente emblemática, não poderia deixar de ser, Os Lusíadas, cuja publicação marca o início do moderno português europeu. Ano 1350 – 1450: entre 1350 e 1450, houve um segundo reflorescimento de obras líricas, mas sem participação portuguesa, o que também marca a separação do galego e do português. Século XVII: assim, a partir do século XVII, o galego deixa de ser língua literária em Portugal, passa a ser usada apenas oralmente e recebe transformações fonéticas (algumas delas aparecem no capítulo III, da obra citada de Paul Teyssier). Aparecem ainda questões interessantes, como a ascensão do prestígio do espanhol, de forma que essa língua passou a ser, por um tempo, a segunda língua, que indicava prestígio, entre os portugueses cultos, fenômeno conhecido como ―castelhanização da corte‖ (TEYSSIER, 2001). A perda desse prestígio só acontece com a subida de D. João VI ao poder. Século XVIII: a segunda influência bem marcada se deu mais tarde, a partir do século XVIII, com a ascensão da cultura francesa, verificada não só no conteúdo das obras, como também no vocabulário e na sintaxe portugueses. Nesse período, deve-se destacar ainda as obras especificamente dedicadas ao conhecimento da língua, considerados gramáticos, lexicógrafos e filólogos. Gramática da Língua Portuguesa A primeira gramática data de 1536, de autoria de Fernão de Oliveira. A ela seguem-se importantes publicações, como Grammatica da Lingua Portuguesa, de João de Barros, Orthographia, de Duarte Nunes do Lião, dentre outros. Assim sendo, passamos à observação das transformações fonéticas do português europeu do séc. XIV aos nossos dias. 1. Eliminação dos encontros vocálicos em hiato, advindos da síncope das consoantes –d-, -l- e –n- intervocálicas. Para tanto, o sistema linguístico encontrou soluções: Desenvolvimento de uma consoante entre essas vogais: v~io> vinho (til em cima do i) Contração de duas vogais numa única: Vogal nasal: se uma vogal é nasal, geralmente o resultado é vogal nasal: lãa> lã; paombo> pombo etc; Contração de duas vogais orais: a contração de duas vogais orais sempre resulta em vogal oral e isso pode afetar o sistema, trazendo a ele novos fonemas: Em posição tônica o sistema já é o atual: vies > vis; leer>ler; pee>pé;coor>cor; nuu>nu.Gaanha>ganha, [a] aberto } a partir desses dados, opõem-se –ámos e –amos, Cama – a etimológico → [ä] fechado } perfeito e presente em português europeu. A contração de duas vogais orais sempre resulta em vogal oral e isso pode afetar o sistema, trazendo a ele novos fonemas: Em posição postônica, o sistema não se altera. –oo e –aa em fim de palavra contraem-se em –o e –a, respectivamente. Ex: diaboo> diabo, Brágaa> Braga. Confundem-se com –o e –a etimológicos, herdados das formas latinas, como amigo, amiga. a contração de duas vogais orais sempre resulta em vogal oral e isso pode afetar o sistema, trazendo a ele novos fonemas: Em posição pretônica1, as contrações dos hiatos produzirão três fonemas vocálicos novos, que sempre se distinguem das vogais simples na mesma posição ([ɛ], [a], [ɔ]), como em escaecer> esqueecer, esquècer; preegar> prègar; caaveira>càveira; coorar>corar etc. 1 No séc. XV, quando as contrações dos hiatos se completaram, essas vogais deveriam ser longas e abertas, em oposição às pretônicas simples ([e], [a], [o]) breves e fechadas. Os três fonemas novos serão reforçados em palavras eruditas, que terão timbre aberto, como dir[ɛ]ctor, [a]cção, ad[ɔ]pção etc. Por volta de 1500, o sistema de vogais orais em posição pretônica está igual ao das tônicas: i u e o ɛ ɔ ä a Contração de duas vogais: contração de duas vogais orais em um ditongo oral, que, em alguns casos, causará confusões, como é o caso de a-e> ae, confundido com ai; e a-o> ao, confundido com au. Algumas contrações darão origem a ditongos inteiramente novos, inexistentes na língua até então, como [ɔ]e> oe, hoje oi: so-es> soes> sóis; [ɛ]o> eo, hoje eu: ce-o> ceo> céu; [ɛ]e> ee>ei: crue-es> cruees> cruéis. Contração de duas vogais orais em um ditongo oral, que, em alguns casos, causará confusões, como é o caso de a-e> ae, confundido com ai; e a-o> ao, confundido com au. O quadro dos ditongos assim se estabelece: ui iu ei oi eu ou [ɛ]i [ɔ]i [ɛ]u ai au Contração de uma vogal: contração de uma vogal nasal e uma vogal oral em ditongo nasal: Ã-o, ã-e, õ-e > ditongos: ão, ãe, ãe , como em mão, cães e leões. Encontros vocálicos: encontros vocálicos provindos da síncope de –d- de desinências verbais (2ª pessoa do plural) são resolvidos de formas distintas: - As vogais são suprimidas por ações analógicas: seerei e teerei> serei e terei, com [e] pretônico ao invés do esperado [ɛ]; - As grafias não seguem as transformações, mantendo vogais duplas mesmo depois de já feita a contração; - Escrevem-se vogais duplas onde não existiam, para indicar sílaba tônica, como em estaa, antiigo etc; Encontros vocálicos provindos da síncope de –d- de desinências verbais (2ª pessoa do plural) são resolvidos de formas distintas: - Alguns hiatos são eliminados mais tarde, como ~u-a (til em cima do u)> uma; e-o> -eio,- eia, com alargamento; - Alguns encontros vocálicos sobreviveram, como lua, boa etc; - Hiatos produzidos por quedas de consoantes desencadearam um processo de revisão que provocou o enriquecimento do sistema fonológico das vogais nos séculos XIV e XV: oito vogais em posição tônica e pretônica, e em posição final, apenas três (/E/, /A/, /O/), além de onze ditongos orais (ei, ei, ai, ói, oi, ui, iu, eu, éu, au, ou) e três nasais. 2. Unificação dos substantivos singulares anteriormente em –ã-o, -an e –on: - Os antigos hiatos (mã-o, can e le-on) reduziram-se (> mão, can e leon) para então se unificarem em mão, cão e leão. Isso mostra que todas as palavras da língua que possuíam – an (am) e –on (om) convergiram para –ão; - formas verbais tônicas: dan>dão. Átonas: cantáran: cantarão (hoje cantaram, mais que perfeito), que se diferenciava de ―cantáron‖ (perfeito.) Advérbios: entón, non> então, não. Por volta de 1500, o estado da língua moderna já estava definido quanto a esse aspecto. E do centro-sul passam a emanar as leis. 3. Permanência da distinção entre /b/ e /v/ no português comum: - /b/ e /v/ continuam sendo fonemas distintos. - o centro e o norte hoje, como em espanhol, têm um único fonema que é /b/ oclusivo bilabial ou /ƀ/ fricativo bilabial, dependendo do contexto fonético em que ocorra. - no séc. XVI, um testemunho explícito: Duarte Nunes do Lião, em sua Orthographia, menciona a confusão entre b e v. Explicações possíveis: - Toda a Península teria conhecido primeiro a distinção entre um /b/, que era uma oclusiva bilabial, e um /v/ que era uma fricativa labiodental; esse fenômeno atinge todas as regiões, menos o centro e o sul de Portugal; - Haveria uma oclusiva /b/ e outra fricativa /ƀ/. O traço de distinção desapareceria causando confusão, mas no centro e no sul a oposição permaneceria pela passagem do /b/ bilabial a /v/ labiodental; - Com isso, os falares do norte se afastaram mais dos do centro e do sul. 4. Evolução do sistema das sibilantes: - Inicialmente, são quatro os fonemas: [ts],[s],[dz] e [z]. Por volta de 1500, [ts] e [dz] perdem o elemento oclusivo. O novo quadro assim se organiza: - Predorsodentais surda (/s/, escrita ç e c, como em ―paço‖) e sonora (/z/, escrita z, como em ―coser‖); - Ápico-alveolares surda (/ś/, escrita s e SS, como em ―passo‖) e sonora (/z ́/, escrita s, como em ―coser‖); - Os textos aljamiados escritos em Marrocos mostram não haver confusão entre as séries, e a gramática de Fernão de Oliveira contém descrição precisa. - No fim do séc. XVI, o português reduziu o sistema das sibilantes a dois fonemas, em favor das predorsodentais, como o francês: surda /s/, de forma que ―paço‖ e ―passo‖ confundem- se, e a sonora /z/, causando confusão entre ―coser‖ e ―cozer‖. - Esses fatos ocorreram com o português comum, a língua oficial e de prestígio do centro e do sul. No norte é diferente: do noroeste ao centro-leste, dois fonemas ([s ́] e [ź], também conhecidos como ―s beirão‖); no Minho, Trás-os –Montes e Beira alta, conservam-se os quatro fonemas. 5. Monotongação de ou em [o]: - no norte, continua a existir ou; - algumas palavras variam de ou para oi (toiro, oiro, coisa); - esse ditongo oi evitou a monotongação, mas se confundiu com oi já existente na língua, herdado do latim, como ―noite, oito‖ etc); - essa variação não atingiu todas as palavras (como pouco, amou etc); - no séc. XVI, antes de generalizar-se o fenômeno na língua padrão, os judeus no teatro de Gil Vicente empregam sistematicamente oi por ou: coisa, poico etc. 6. Passagem de [t ] a [ʃ]: 7. Pronúncia chiante de s e z implosivos: - hoje, todo s e z implosivos (fim de sílaba) são chiantes [ʃ] ou [ȝ]. Explicação: Enquanto as ápico-alveolares se transformavam em predorsodentais em início de sílaba, elas se teriam palatalizado em fim de sílaba como chiantes. É pouco compreensível o fato de que, em Minas Gerais, s e z implosivos são chiantes puras. S e z implosivos teriam sido inicialmente sibilantes; entre o séc. XVI e o primeiro testemunho, o chiamento teria se produzido. Nos falares do norte, na zona intermediária do ―s beirão‖, os s e z implosivos são comumente percebidos como ápico-alveolares. Na zona arcaica do nordeste, entre o antigo s, pronunciado como um [s ́] ápico- alveolar, e o antigo z, pronunciado como [s] predorsodental, há diferença. 8. “Redução” das vogais átonas [e] e [o]: Átonas finais: por volta de 1800, E e O pretônicas e átonas finais serão reduzidas [e]> [ë]: m[ë]ter e p[ä]se; [o]> [u]: m[u]rar, pás[u]. Grafia oficial: a grafia oficial continua a manter E e O. Vogais com caminhos diferentes: mas essas vogais terão caminhos diferentes: Posição átona final: o sécula XVII tem testemunho dessa redução. Na primeira metade desse século, a regra é que o>u. Na segunda metade, e>i (hoje i> ë); Posição pretônica: no século XVI, apresentam-se oito fonemas (contando-se aí I e Ë). Posição pretônica: em posição pretônica, há asseguintes intervenções: Dissimilação: -i-i> -e-i dizia> dezia -u-u> -o-u futuro> foturo Dilação: -e-i> -i-i menino> minino -o-u> -o-u fremosura> frumusura Hesitações morfológicas nos paradigmas verbais: fogir-fugir; dormirei-durmirei, em razão das alternâncias vocálicas regulares de fujo-foge e durmo-dorme. Palavras particulares: O e E pretônicos> u e i Essas variações vocálicas não caracterizam uma evolução do sistema e uma passagem de e>i, o>u. Detalhes: detalhando um pouco mais, temos: [o]> [u], sendo que no século XVII temos [o], e mais ou menos em 1800 temos [u] [e] > [ë] Século XX: 9. Monotongação ou manutenção de ei: - a monotongação de ei>e não foi admitida na língua comum, por causa de Lisboa (se incluiu, quanto a esse fenômeno, no grupo conservador, com o norte). - na língua moderna, houve um fenômeno de diferenciação: ei> äy 10. Inovações fonéticas do século XIX: As mais importantes são: ey>äy: diferenciação para acentuar oposição entre o elemento inicial e o elemento final do ditongo (admitido como normal na língua padrão); -[e] tônico > [ä] diante de palatal: venho [vänho], espelho [ispälhu], vejo [väȝu], fecho [fäʃu] etc - Pronúncia uvular do /r/ forte: /r/ brando (uma vibração) e /r/ (mais de uma vibração) > /r/ brando e /r/ forte uvular. AULA 8 – O MODERNO PORTUGUÊS EUROPEU (PARTE II) Partindo do que já foi iniciado na aula anterior, apresentam-se agora as principais alterações nos planos morfológico, sintático e lexical. Do século XVI em diante, pode-se dizer que a morfologia atingiu um nível de estabilidade que inspirará poucas alterações no português europeu. As evoluções fonéticas atingem obviamente o sistema morfológico. Um caso emblemático dessa situação é a formação dos plurais de nomes terminados em –ão, como ocorre com os exemplos mãos, cães e leões, assim como ocorre também com a fixação dos femininos de adjetivos em –ão, como o exemplo de sã. Outro caso produtivo na análise dos textos é o plural de nomes e de adjetivos terminados em –l: cruel/cruéis; sol/sóis, etc. É importante salientar que são eliminadas as formas de possessivos femininos átonos ma, ta e as. Já os anafóricos (h)i e em desaparecem como formas independentes. Pronomes e advérbios dêiticos organizam-se em um quadro que já é o atual: este, esse, aquele; aqui, aí, ali, cá e lá. Homem sendo empregado como a função de pronome indefinido, à semelhança do on francês, desaparece nesse período, bem como o uso do partitivo (como em ―Quero do pão‖). Além disso, as preposições per e por fundem-se em favor de por e pelo e polo, em favor de pelo. Quanto à morfologia do verbo, há uma simplificação de seu paradigma. As primeiras pessoas... Ainda no plano morfológico, aponta-se a questão do tratamento, que até aproximadamente 1500 só contava com o tuteamento familiar e o voseamento cerimonioso. A partir de então surgem as formas ―vossa graça‖, ―vossa mercê‖, ―vossa excelência‖, ―senhor‖ e ―senhor doutor‖. Testemunhos do estágio... Ainda no plano morfológico, aponta-se a questão do tratamento, que até aproximadamente 1500 só contava com o tuteamento familiar e o voseamento cerimonioso. A partir de então surgem as formas ―vossa graça‖, ―vossa mercê‖, ―vossa excelência‖, ―senhor‖ e ―senhor doutor‖. Plano morfológico... Ainda no plano morfológico, aponta-se a questão do tratamento, que até aproximadamente 1500 só contava com o tuteamento familiar e o voseamento cerimonioso. A partir de então surgem as formas ―vossa graça‖, ―vossa mercê‖, ―vossa excelência‖, ―senhor‖ e ―senhor doutor‖. Segundo Teyssier (2001), já se verifica, a partir do século XIX, o desuso da 2ª pessoa do plural na língua falada. No português moderno, há dois casos em que o emprego do infinitivo flexionado é obrigatório, quais sejam, quando há um sujeito explícito e quando a clareza exige, para que se evite a ambiguidade, que se verifica respectivamente em: ―... e feito o cômputo dos tempos, se achou serem passados trezentos anos‖ (BERNARDES. Sermões e práticas. Lisboa, 1733, II, p. 242) ―Ó Netuno, lhe disse, não te espantes De Baco nos teus reinos receberes‖ (Os Lusíadas, VI, 15) Também aparecem na própria obra Os lusíadas exemplos nos quais se esperaria a ocorrência de infinitivo flexionado, ao invés de não flexionado: ―Não sofre muito a gente generosa Andar-lhe os cães os dentes amostrando‖ (Os Lusíadas, v. I, 87) Quando à sintaxe, pensando em termos de colocação, concordância e regência, observamos tudo quanto segue, abaixo: O início da era moderna salienta uma acentuada liberdade em termos de colocação das palavras na frase. Muitos desses casos é questão daquilo que se chama ―latinismo‖, isto é, uma retomada, dentro do possível, do estilo dos autores latinos. São casos desse tipo a transposição do verbo para o fim da frase nas subordinadas, o estilo de frases longas, e períodos carregados de subordinação, dentre outros. Observem-se: 1. ―A Deus pedi que removesse os duros Casos que Adamastor contou futuros‖. (Camões) 2. ―(...) quando alevantaram Um por seu capitão, que peregrino Fingiu na cerva espírito divino‖ (Lus. I, 26) Atualmente, é a ordem a preferência absoluta, principalmente em textos não literários. A ordem inversa se dá pela influência do latim literário, como já se disse anteriormente. Apesar disso, há alguns pequenos contextos sintáticos que acabem favorecendo a ocorrência da ordem indireta, como é o caso em orações com intransitivo, com voz passiva, com imperativos e optativos: ―morreu o general‖; ―foi dado o primeiro passo‖; ―faça-se ser ouvido!‖; ―chegaram as férias‖; ―começaram as aulas‖ etc. Quanto à concordância, pode-se dizer, consoante Chaves de Melo (1981) que ela é tão rica e variada quanto os escritores a apresentaram, segundo intensas variações semânticas em numerosas possibilidades estilísticas. Embora historicamente a língua arcaica estivesse mais próxima ao latim, a concordância se fazia de um modo mais livre. Atualmente, as regras se sistematizaram ao ponto de exercer estigmatização social no falante que delas se afasta. Os renascentistas obviamente se esforçaram para tornar a língua mais próxima ao latim, como se vê no exemplo abaixo, um caso de concordância do verbo com o aposto: ―Vêde-los alemães, soberbo gado Que por tão largos campos se apascenta, Do sucessor de Pedro rebelado, Novo pastor e nova seita inventa‖ (Lus., VII, 4) Os autores reconhecem na aplicação da concordância uma questão de estilo que supera a questão de gramática, no que concerne à imensa variedade de usos constatados nos textos. Para tanto, recomenda-se a obra de Said Ali, intitulada Gramática Histórica, que nesse tema é uma das mais completas. A esse respeito confirmam os exemplos de concordância com a expressão ―um dos que‖. Inicialmente pensar-se-ia que só o plural importaria. No entanto é o singular que tem ganhado espaço, num esforço de realçar o elemento singular (―um‖). Observem-se os exemplos abaixo, dispostos em ordem cronológica, segundo a época em que viveram os autores: ―Uma das cousas que me mais espantou desno tempo que comecei a revolver livros a demasiada negligência dos cronistas destes reinos‖. (Damião de Góis, D. Manuel, 577) ―Ele foi ũa das primeiras terras de Espanha que recebeu a fé de Cristo‖ (Frei Luís de Sousa, História de S. Domingos, p. 2) ―Ũa das cousas que agradou sempre a Deus em seus servos, foi a peregrinação‖ (Vieira, Sermões, VII, p. 568) Quanto à sintaxe de colocação, ressalta-se imediatamente a questão da colocação dos pronomes. Desde a língua arcaica, verificam-se diferentes tendências. Assim, muitas vezes aparecem ênclise com futuro do presente e com futuro do pretérito (antigo Condicional), como ―farei-te‖, ―buscaria-o‖, ―(...) ou vós me matade, ou eu matarei- vos‖ (Ademanda do santo Graal, Ed., Magne, I, p. 88, apud Chaves de Melo,1981). Há também uma quantidade considerável de ocorrências em que outros elementos aparecem entre pronome e verbo, como se vê no Livro das Linhagens (séc. XII ou XIV): ―(...) perguntou (...) como poderia leixar aquel castelo a seusalvo, pois que lho el-rei non queria tomar‖. Em Gil Vicente também aparece: ―Não tem mais de dous vinténs Que lhe hoje o cura emprestou!‖ (quem tem farelos? versos 219-220) Também em Camões: ―Nomes com quem se o povo néscio engana‖ (Lus., IV, 96) E também na prova de Gabriel S. de Sousa (contemporâneo de Camões): ―(...) porque o achou fortificado dos franceses na terra firme, onde tinham feito cercas mui grandes e fortes de madeira, com seus baluartes e artilharia, que lhes umas naus que ali foram carregar de pau deixaram, com muitas espingardas‖. (Tratado descritivo do Brasil em 1587, 3 ed., Cia Ed. Nacional, 1938) Do séculos XVI ao XVIII, vão se fixando tendências que orientam esse uso até os dias atuais, ligadas a um processo fonético de atonização por que essas formas passaram, procurando, tais pronomes, um apoio fonético na emissão da sílaba tônica das palavras que os circundam na construção, conforme se encontra explicitamente dito em qualquer manual de língua portuguesa atual. A despeito das regras sistematizadamente expostas nos manuais, esses posições são muito mais tendências do que regras propriamente ditas. Ao lado que preconizam os manuais, há um número considerável de escritores portugueses que exemplificam usos divergentes. Com as grandes navegações, Portugal conquistou muitos outros territórios. Esses fatos também trouxeram interferências na deriva natural da língua portuguesa. Isso se verificou principalmente no plano lexical da estrutura linguística. Foram contribuições que vieram de diferentes continentes. Inicialmente, o português recebeu novos vocábulos da África, com novas palavras árabes; da Ásia, com o dravídico, o malaio e o chinês, e mais tarde, do Brasil. Bilinguismo Luso-Espanhol Outro fator que provocou algumas alterações no léxico português foram os dois séculos e meio de bilinguismo luso-espanhol, nos quais houve significativas trocas, embora o português tenha aceitado poucas contribuições do espanhol. Na virada do século XVIII para o XIX, verifica-se em curso um período de aceleração de algumas tendências anteriores que então se sedimentam e, portanto, identifica-se aí uma nova inspiração linguística cunhada por alguns, como o início do português contemporâneo. Para ilustrar as alterações promovidas nesse período, citam-se o emprego do artigo definido acompanhado de possessivo, a maior rigidez no emprego do pronome átono (que em Portugal tem a preferência inicialmente pela próclise e hoje pela ênclise), o emprego da mesóclise restringe-se ao registro escrito da língua, o emprego do futuro perde seu caráter mais temporal e adquire o traço mais modal, o pretérito mais- que-perfeito confina-se também ao registro escrito. Até 1907, a ortografia do Brasil e Portugal são oficialmente as mesmas, ano em que a Academia Brasileira de Letras tentou estabelecer um sistema ortográfico próprio, que foi visto e revisto pelos estudiosos interessados da época, o que culminou em uma grande revisão e voltou a envolver Portugal, na edição de 1931 da reforma ortográfica. Salienta-se, finalmente, uma vez que o tema aqui é o português europeu, que a imprensa portuguesa tem divulgado que o cidadão comum, não afeito aos princípios linguísticos, rejeita as alterações e reconhece o novo acordo como algo que não pertence à língua portuguesa, objeto da qual se consideram donos. Para eles, as alterações propostas lhes soam como ―pretuguês‖ (matéria divulgada no site www.sapo.pt), neologismo que faz alusão às colônias povoadas por negros, de cunho pejorativo, por oposição ao bom português. AULA 9 – O PORTUGUÊS DO BRASIL É de conhecimento de todo brasileiro que tenha terminado o ensino fundamental os fatos históricos que são importantes para a compreensão do contexto em que se estrutura o português do Brasil. Mesmo assim, é importante relembrar os mais relevantes. É sabido que em 1500 Cabral aporta no Brasil e encontra nossos índios. Em 1532, começa efetivamente a colonização pelo litoral. Só mais adiante, começam, por São Paulo, as expedições interioranas. Mas em todo o processo inicial de colonização, não houve investimento cultural propriamente dito. Não havia universidade nem tipografia. As escolas alfabetizavam e ensinavam o português europeu, que é então de fato aprendido. Nas ruas, a conversação ordinária se dava em língua geral inicialmente. Os portugueses tentaram nos primeiros contatos impor o português como língua aos indígenas. Mas essa empreitada não logrou êxito diante dos indígenas brasileiros, de forma que os colonizadores tiveram de recuar e aprender um pouco das línguas indígenas de maior número de falantes para então depois promover algumas alterações, introduzindo palavras e estruturas portuguesas. E assim se forma a língua geral: um tupi modificado pelos jesuítas, embora as línguas indígenas continuavam a sobreviver. Só com a expulsão dos jesuítas é que a língua geral deixou de ser usada, pois Pombal a proibira. Coincidentemente, datam dessa época os primeiros testemunhos da fala dos brasileiros ricos, denominados mineiros. Somente em 1808, com a chegada da família real ao Rio de Janeiro, o Brasil ganha significativamente em termos culturais. Dentre as várias consequências dessa instalação, citam-se a criação da Biblioteca Nacional, a do Banco do Brasil, a do Jardim Botânico, a presença de 15000 portugueses da Corte na cidade, com seus hábitos linguísticos bem distintos das levas de portugueses que vieram habitar e explorar o interior do Brasil. Salienta-se, sobretudo, a elevação da colônia à categoria de reino. Todos esses fatos constituem o que se chama o fenômeno de relusitanização. Após a retirada de D. João VI, o Brasil consegue a independência, se influenciará fortemente pela cultura francesa e acolherá, ao longo dos anos, imigrantes europeus de nacionalidades diversas e, mais recentemente, também asiáticos. Com o fim do tráfico de escravos africanos e com a crescente miscigenação, a aculturação fica cada vez mais evidente, e isso marca a constituição da sociedade brasileira. Também no Brasil, a área do nordeste, impulsionadora inicial da economia, fica culturalmente encolhida e o centro de prestígio passa ao centro-sul. Os processos de urbanização e de industrialização mudam a caracterização eminentemente rural do país. Por conta dessa característica rural, portanto, com tendências fortemente conservadoras, ao lado de uma formação social, multicultural, o português no Brasil se mostra ora conservador (daquele status linguístico aqui implantado), ora inovador (pela força do multiculturalismo que compõe a sociedade brasileira). Quanto ao vocábulo, obviamente convergem três grandes origens: Em primeiro lugar, o velho fundo de palavras latinas eruditas e semieruditas. Ao lado dessa maioria, encontram-se contribuições indígenas, sobretudo de origem tupi, e as contribuições de origem africana, principalmente do ioruba do quimbundo. Depois do Romantismo, alguns brasileiros se puseram a pensar a realidade da língua portuguesa falada no Brasil e até a reivindicar a existência de uma língua propriamente brasileira, como aconteceu no Modernismo. De lá para cá, o assunto nunca mais deixou de estar em pauta, e os cientistas da língua, os linguistas, se dedicam ao seu estudo. As posições dos pesquisadores de uma geração anterior a essa em que nos encontramos eram as mais divergentes AULA 10 – O PORTUGUÊS NO MUNDO Como se sabe, a expansão ultramarina realizada por Portugal levou a língua portuguesa a lugares distantes e variados. O destino de cada língua também foi bastante diferenciado. Assim, algumas se fixaram, dominaram e outras se misturaram
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