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Memórias Póstumas de Brás Cubas- resumo com analise da obra

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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis
Análise da obra
É a obra inaugural da fase realista de Machado de Assis, representando uma verdadeira
revolução de idéias e formas: de idéias, porque aprofunda o desprezo pelas idealizações
românticas, fazendo emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente; de formas,
pela ruptura com a linearidade da narrativa e pelo estilo "enxuto". É também obra inaugural
do romance psicológico no Brasil.
É a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado de Assis atinge o
ponto mais alto e equilibrado da ficção brasileira.
É o drama da irremediável tolice humana. São as memórias de um homem igual a tantos
outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas, que tudo tentou e nada deixou. A vida moral e
afetiva é superada pela existência biologicamente satisfeita, e as personagens se
acomodam cinicamente ao erro.
Estrutura da obra
A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma lógica narrativa surpreendente
e inovadora. A seqüência do livro não é determinada pela cronologia dos fatos, mas pelo
encadeamento das reflexões do personagem. Uma lembrança puxa a outra e o narrador
Brás Cubas, que prometera contar uma determinada história, comenta todos os outros fatos
que a envolvem, para retomar o tema anunciado muitos capítulos depois.
Organizados em blocos curtos, os 160 capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas
fluem segundo o ritmo do pensamento do narrador. A aparente falta de coerência da
narrativa, permeada por longas digressões, dissimula uma forte coerência interna,
oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a visão de mundo de um homem
que passou pela vida sem realização nenhuma, apenas ao sabor de seus desejos.
Logo nas primeiras páginas, o escritor brinca com a expectativa do leitor de chegar logo às
ações do romance. Machado de Assis, por intermédio do seu narrador, se dirige
diretamente ao leitor, metalingüisticamente, para comentar o livro. Diz Brás Cubas:
“Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o
nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio
que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz
muito bem”.
Personagens
Brás Cubas - narrador - morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”, fidalgo. Peralta quando
criança, mimado pelo pai, irresponsável quando adolescente, tornou-se um homem egoísta
a ponto de discutir com a irmã pela prataria que fiou de herança do pai e tornar-se amante
de seu amigo, Lobo Neves, se bem que nesse romance não se pode dizer propriamente
que alguém é amigo de outro.
Virgília - filha do comendador Dutra, segundo o pai de Brás, Bento Cubas A “Ursa Maior”
amante de Brás Cubas casa-se com Lobo Neves por interesse. Mulher bonita, ambiciosa,
que parece gostar sinceramente de Brás Cubas, mas jamais se revela disposta a romper
com sua posição social ou dispensar o conforto e o reconhecimento da sociedade.
Damião Lobo Neves - casado com Virgília, homem frio e calculista. Marido de Virgília,
homem sério, integrado ao sistema, ambicioso, mas muito mais supersticioso, pois recusou
nomeação pra presidente de uma província só porque a referida nomeação aconteceu num
dia 13.
Quincas Borba - menino terrível que dava tombos no paciente professor Barata, colega de
escola de Brás que o encontrará mais tarde mendigo que rouba-lhe um relógio mas
retorna-o ao colega após receber uma herança. amigo de infância do protagonista. Desde
criança era de um temperamento ativo, exaltado, querendo ser sempre superior nas
brincadeiras. Cubas diz que ele é impressionante quando brinca de imperador. Quando
adulto, passa pelo estado de mendigo, evoluindo depois para filósofo e desenvolve um
sistema filosófico, denominado Humanitismo, que pretende superar e suprimir todos os
demais sistemas até tornar-se uma religião.
Marcela - Segundo grande amor de Brás Cubas, uma prostituta de elite, cujo amor por Brás
duraria quinze meses e onze contos de réis. Mulher sensual, mentirosa, amiga de rapazes e
de dinheiro. Ganha muitas jóias do adolescente Brás Cubas. Contrai varíola e fica feia, com
a pela grassa como uma lixa.
Sabina - irmã do narrador e que, como ele, valoriza mais o interesse pessoa e a posição
social do que amizade ou laços de parentesco.
Cotrin - casado com Sabina, é interesse, traficante de escravos e cruel com eles,
mandando-os castigar até correr sangue.
Eugênia - Filha de Eusébia e Vilaça, menina bela embora coxa. Era moça séria, tranqüila,
dotada de olhos negros e olhar direito e franco. Tinha “idéias claras, maneiras chãs, certa
graça natural, um ar de senhora, e não sei se alguma outra cousa; sim, a boca exatamente
a boca da mãe".
Nhá Loló - moça simplória, tinha dotes de soprano - morre de febre amarela.
Cotrim - casado com Sabina, irmã de Brás; ambos interesseiros.
Nhonhô - filho de Virgília.
D. Plácida empregada de Virgília confidente e protetora de sua relação extra conjugal.
Enredo
O romance é a autobiografia de Brás Cubas, narrador-personagem (1ª pessoa) que, depois
de morto, na condição de "defunto-autor", resolve escrever suas memórias. Por estar morto,
Brás Cubas assume uma posição transtemporal, de quem vê a própria existência já de fora
dela, "desse outro lado do mistério", de modo onisciente, descontínuo e sem a pressa dos
vivos.
O fato de Brás Cubas colocar-se como um "defunto-autor", isto é, como alguém que conta a
sua vida de além-túmulo, dá-nos a impressão que se trata de um relato caracterizado pela
isenção, pela imparciabilidade de quem já não tem necessidade de mentir, pois deixou o
mundo e todas as suas ilusões. Essa é uma das famosas armadilhas machadeanas, contra
a credulidade do leitor ingênuo e romântico de sua época.
Os fatos são narrados à medida que afloram à memória do narrador, que vai tecendo suas
digressões, refletindo sobre seus atos, sobre as pessoas, exteriorizando uma visão cínica,
irônica e desencantada de si mesmo e dos outros.
Espécie de anti-modelo, de personagem-símbolo da ironia machadeana quanto ao ideal
burguês de "vencer na vida", a figura de Brás Cubas constitui uma inversão da travessia de
heróis burgueses, tematizados pela literatura realista.
Machado de Assis ao escolher a situação fantástica de um morto que conta histórias, e que
mesmo estando do outro lado da vida procura mais "parecer" do que "ser", isto é, na mente,
ilude e distorce os fatos, escondendo suas misérias para que sejam vistas como
superioridades, questiona tanto a forma quanto o conteúdo do realismo tradicional.
Brás Cubas conta a história de sua vida, a partir de sua morte. Seu ouvinte é o leitor virtual,
cinco ou dez leitores, segundo acredita (cap. 34), Virgília, que espera venha a ler o livro
(cap. 27), ou um cavalheiro (cap.87), narrador diferente da leitura romântica a quem o
narrador das obras anteriores se dirige.
Brás Cubas nasceu em 20/10/1805, no Rio de Janeiro, filho de Bento Cubas, da família
burguesa que se enriqueceu com o comércio. Tinha uma única irmã, Sabina, casada com
Cotrin, com quem teve uma filha, Venância. Seus tios eram João, oficial da infantaria,
Ildefonso, padre , e Emerenciana, a maior autoridade de sua infância. Ao falecer, tinha 64
anos (...expirou às duas da tarde de uma Sexta-feira de agosto de 1869), era solteiro e seu
enterro teve 11 pessoas. Sua morte foi assistida por 3 mulheres: a irmã Sabina, a sobrinha
e Virgília, um de seus amores não concretizados.
Nos nove primeiros capítulos, Brás Cubas descreve a sua morte (cap.1), o emplasto (uma
idéia fixa que teve, ao final da vida, de inventar um “medicamento anti-hipocondríaco”, isto
é, que curasse a mania de doença das pessoas), sua origem (cap.3), a idéia fixa do
emplasto (cap.4), sua doença (cap.5), a visita de Virgília (cap.6), o delírio (pesadelo que
teve antes de morrer em que lhe aparece Natureza ou Pandora, dona dos bens e dos males
humanos, dentre os quais, o maior de todos é a esperança, cap.7), razão contra a sandice
(em que a razão expulsaa sandice, cap.8) e transição (cap.9, em que o narrador faz uma
reflexão metalingüística e retoma o fio narrativo, cronológico de sua vida, a partir de seu
nascimento em 1805). A partir do cap.10, a vida de Brás Cubas é contada de forma
sucessiva: nascimento, batizado, infância, juventude.
Relata um episódio de 1814 quando, aos nove anos, delata uma cena de beijo entre Dr.
Vilaça, “casado e pai” e D. Eusébia, uma “robusta donzela”. É aluno do mestre Ludgero
Barata, “calado, obscuro, pontual” e colega de Quincas Borba, “uma flor”, o menino “mais
gracioso, inventivo e travesso”.
Em 1822, data da independência política do Brasil, torna-se o prisioneiro amoroso de
Marcela, “amiga do dinheiro e de rapazes”, em quem dá o primeiro beijo e cuja paixão dura
“quinze meses e onze contos de réis”. Obrigado pelo pai, vai para a Europa, estudar. Em
Coimbra, torna-se bacharel, “mediocremente”.
Na história de sua vida, são intercalados capítulos como O almocreve (cap.21) e A
borboleta preta (cap.31), que são puramente filosóficos.
Quando a mãe adoece, Brás Cubas volta ao Brasil, para velá-la, em seus últimos dias.
Tendo aprendido na universidade a ornamentação da História e da Jurisprudência, e não
sua essência, passa a usá-la para viver na superficial sociedade em que vivia. Seu pai quer
que se torne deputado e lhe arranja uma noiva, Virgília, filha do Conselheiro Dutra, 15 ou 16
anos, atraente e voluntariosa. No entanto, Brás Cubas vai visitar Eusébia, a mesma do
episódio de 1814, que tinha uma filha de dezessete anos, Eugênia, “coxa de nascença”,
uma “Vênus manca”. Brás Cubas a corteja, mas opta por Virgília, “uma jóia, uma flor, uma
estrela, uma coisa rara”. Brás Cubas encontra Marcela, envelhecida, rosto marcado pelas
“bexigas”, com um pequeno comércio na rua dos Ourives. Ao encontra-se com Virgília, tem
uma alucinação e vê a namorada com o rosto marcado como o de Marcela, mas passa.
Virgília, no entanto, ambiciosa, casa-se com Lobo Neves, um homem que lhe pareceu mais
promissor que Brás Cubas. O pai de Cubas, desgostoso, morreu, inconformado. Brás
Cubas, a irmã Sabina e o cunhado, Cotrin, disputaram a herança do pai e em tudo pode-se
observar o interesse material determinando o comportamento das pessoas. Brás Cubas
torna-se recluso, escrevendo política e fazendo literatura, chegando a alcançar reputação
de polemista e poeta.
Luis Dutra, um primo poeta de Virgília, avisa Brás Cubas de que Virgília e Lobo Neves
tinham regressado de São Paulo. Brás Cubas começa a freqüentar a casa deles e torna-se
amante de Virgília. À mesma época, encontra, na rua, o Quincas Borba, seu colega de
infância, que vivia como mendigo. Ajuda-o com cinco mil réis e este lhe rouba o relógio, ao
despedir-se.
Quando algumas pessoas começam a desconfiar do relacionamento de Brás Cubas e
Virgília, estes montam uma casinha, no recanto de Gamboa, cuja caseira era D. Plácida,
uma antiga agregada da casa de Virgília.
Lobo Neves, marido de Virgília aguarda sua nomeação para presidente da província e
convida Brás Cubas para ser seu secretário. Este reluta em aceitar.
Virgília tem um filho, Nhonhô, do marido, mas Cubas sonha ter um filho com ela.
Brás Cubas recebe uma carta de Quincas Borba que lhe devolve o relógio roubado e quer
lhe expor sua teoria filosófica do Humanitismo, o princípio das coisas.
Lobo Neves recebe denúncias da traição da mulher. E nomeado Presidente da Província e
o casal parte, terminando aí o romance proibido entre Virgília e Brás Cubas.
Quincas Borba visita Brás Cubas, conta-lhe da fortuna herdada de um tio de Barcelona,
mas só se ocupa de sua doutrina filosófica, o humanitismo, uma paródia das teorias
científicas no final do século XIX. Brás Cubas fica seduzido pela teoria do Humanitismo,
identificando-se com sua explicação materialista da existência humana.
Outros motivos que lhe compensaram a perda de Virgília foram a tentativa da irmã de
casá-lo com Nha Loló e a ambição política. Aquela no entanto, morre, aos 19 anos de febre
amarela. Brás Cubas torna-se deputado, atuando ao lado de Lobo Neves. Em 1855, Brás
Cubas encontra Virgília, num baile. Ele a acha magnífica, mas nada mais ocorre entre eles.
Ao chegar ao 50 anos, Brás Cubas perde o interesse pela vida, que é o amor. Quincas
Borba o convence de que era a idade da ciência e do governo, mas Brás Cubas perde sua
cadeira de deputado e, conseqüentemente, a paixão pelo poder. Sua única companhia é
Quincas Borba, com quem filosofa sobre a vida e a existência humana através de
observações da realidade, como uma luta de cães por um osso.
Brás Cubas recebe um bilhete de Virgília que pede-lhe para socorrer D. Plácida, que está a
morrer. Ele dá-lhe algum dinheiro e a interna na Misericórdia, onde falece.
Resolve publicar um jornal, de oposição ao governo, que contraria Cotrin, seu cunhado.
Pouco mais de seis meses depois, o jornal deixa de sair.
Lobo Neves morre, na iminência de ser ministro. Brás Cubas vai-lhe ao enterro e vê que
Virgília chorava “lágrimas verdadeiras”.
Brás Cubas reconcilia-se com o cunhado Cotrin, ingressa na ordem, para dar alguma
utilidade a sua vida, segundo ele, foi a fase mais brilhante de sua vida. No hospital da
ordem, viu morrer a ex-namorada, a linda Marcela, agora feia, magra, decrépita; também
encontrou, num cortiço, outra ex, Eugênia, a filha de D. Eusébia e do Vilaça, tão coxa como
antes e mais triste.
Quincas Borba, que havia partido para Barcelona, volta, mais louco ainda, morrendo pouco
tempo depois. O último capítulo, Das negativas, finaliza a obra com o tom cético e realista
que atravessa toda a obra: Brás Cubas não se torna famoso por seu emplasmo, não foi
ministro, nem califa, nem se casou. Em compensação, não comprou o pão com o suor do
rosto, pois nunca teve de trabalhar. Não morreu como D. Plácida, Marcela, Eugênia e tantos
outros, nem se tornou louco como Quincas Borba. Ao morrer, chega ao outro lado,
sentindo-se um pouco credor, pois não teve filhos e portanto, não transmitiu “a nenhuma
criatura o legado de sua miséria”.
Notas
O autor, nesta obra, acabou com o sentimentalismo, o moralismo superficial, a fictícia
unidade da pessoa humana, as frases piegas, o receio de chocar preconceitos, a
concepção do domínio do amor sobre todas as outras paixões; afirmava-se a possibilidade
de construir um grande livro sem recorrer à natureza, desdenhava-se a cor local, um autor
colocava-se pela primeira vez dentro dos personagens.
O humorismo começa pela dedicatória do narrador: “Ao verme que primeiro roeu as frias
carnes de meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias póstumas.” Em
seguida, como que preparando o leitor para a revolução estética que o espera, Brás
Cubasanuncia o espírito inusitado de sua obra: “Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta
da melancolia”. A visão irônica dos acontecimentos e dos pensamentos do narrador
mesclada a comentários amargos e cínicos sobre a existência produz uma concepção de
mundo absolutamente singular que estrutura todas as obras de segunda fase de Machado
de Assis.
Além disso, Brás Cubas adverte que também o seu modo de narrar é inovador: “Trata-se,
na verdade, de uma obra difusa”. O enredo de ações trepidantes, que vai num crescendo
até o clímax, é completamente abandonado, cedendo lugar a episódios mais ou menos
soltos, que se alicerçam em pormenores aparentemente banais, em considerações
filosóficas abusadas e em tiradas humorísticas, tudo ilusoriamente desvinculado da história
central. Brás Cubasusa um estilo de vaivém, interrompendo o fluxo da intriga para brincar
com o leitor ou tecer algum comentário de fingida irrelevância. Quando, no entanto, o
romance se fecha, os inúmeros episódios formam uma unidade, dando a este mesmo leitor
a noção de um conjunto harmonioso e convincente.
Aspecto importante nas Memórias é o gosto pela citação que o narrador exibe. A cultura
deBrás Cubas é enciclopédica, passando por todo o conhecimento geral da época. Esta
cultura, entretanto, é examinada sob o ângulo da paródia. Todas as citações e referências
são extraídasde seu contexto específico e remetidas para o contexto pessoal do narrador,
como se este debochasse da tradição histórica e religiosa, colocando o saber culto de seu
tempo de cabeça para baixo.
A escolha de um defunto autor para relatar a obra pode ser interpretada de vários ângulos.
Alguns críticos vêem a morte de Brás Cubas como um símbolo do fim da concepção
romântica que ainda se fazia presente nos romances de primeira fase de Machado de
Assis. Outros sugerem um enfrentamento do escritor com as propostas do Realismo /
Naturalismo, então em plena voga, já que uma fala vinda do túmulo contrariava os
princípios de racionalidade e verossimilhança, obrigatórios aos autores daquela escola.
Indiscutível, no entanto, é a idéia machadiana de que só um morto poderia apresentar os
fatos de sua existência sem escrúpulos, sem fantasias e sem o temor da opinião pública. Só
um morto – por não ter nada a perder – revelaria os seus intuitos mesquinhos, o seu
egoísmo, a sua impotência para a vida prática e a sua desesperada sede de glória.
Brás Cubas não é a tradução ficcional de Machado de Assis. Esta confusão entre o autor e
seu personagem advém da narrativa ser feita em primeira pessoa. Contudo, Brás
Cubasvisivelmente representa uma classe social que não é a de Machado. O ângulo com
que o narrador examina o mundo é o dos grandes proprietários: trata-se de alguém que não
trabalha, que vive parasitamente, de alguém cheio de caprichos, enredado com a falta de
perspectivas de sua existência. A própria técnica de narrar de Brás Cubas, misturando
irreverência e desrespeito a tudo e a todos, corresponde à desfaçatez da classe dominante
brasileira do século XIX. Assim, os erros e transgressões do personagem expressariam o
arbítrio e a falta de significado ético de uma elite historicamente condenada à destruição.
O procedimento básico de Brás Cubas em relação a sua vida é o do desmascaramento.
Entre a norma social e a opinião pública, de um lado, e as intenções e desejos escusos do
personagem, de outro lado, forma-se uma zona obscura que o narrador trata de esclarecer.
Os “bons sentimentos são a máscara hipócrita” do egoísmo, do interesse e da luta pela
glória. Instaura-se um terrível relativismo moral e emerge com freqüência certa noção da
gratuidade e mesmo do caráter absurdo de certos gestos humanos. Episódio revelador
desta dimensão inexplicável de alguns atos ocorre, por exemplo, no capítulo A borboleta
preta. A borboleta invade o quarto de Brás Cubas e este, sem nenhuma razão plausível, a
abate com uma toalha. Depois, ele tenta justificar a sua ação dando-lhe uma forma
socialmente aceitável: “Também por que diabo não era ela azul?” Falsas racionalizações
como esta são emitidas o tempo inteiro pelo narrador.
Personagem de grande significação na obra é Quincas Borba, antigo colega de Brás Cubas.
Convertido em mendigo cleptomaníaco e filósofo, Quincas Borba expõe com hilariante
seriedade um sistema de idéias designado como Humanitismo. A teoria do Humanitas é
uma caricatura feroz ao positivismo e ao cientificismo dominantes na época.
Paradoxalmente, o ridículo discurso filosófico de Quincas Borba, próximo da insanidade, –
cujo lema darwinista é “Ao vencedor as batatas” – parece expressar a própria concepção
machadiana de mundo, centrada na luta selvagem do indivíduo para estabelecer algum tipo
de supremacia sobre os demais.
No capítulo O almocreve, Brás Cubas está sendo arrastado por um jumento, pois tinha sido
jogado fora da sela ficara com o pé preso no estribo. Possivelmente morreria não fosse a
corajosa intervenção de um almocreve (condutor de bestas de carga), que deteve o animal.
A primeira intenção do narrador foi a de presentear o seu salvador com cinco moedas de
ouro, depois pensou dar-lhe duas, uma moeda de ouro. Acabou metendo na mão do
almocreve uma moeda de prata, mas ao afastar-se pensou com remorso que deveria ter-lhe
dado apenas uns vinténs, racionalizando que o homem não tinha em mira nenhuma
recompensa ao salvá-lo, cedendo apenas a um impulso natural.
O mais célebre capítulo do livro, porém, é O delírio. Em estado de transe causado pela
febre, Brás Cubas é arrebatado por um hipopótamo que o leva a origem dos séculos. Surge
então uma mulher imensa de contornos indefinidos que diz-se chamar Natureza ou
Pandora. Quando, por fim, Brás Cubas vê de perto o rosto da estranha, percebe-lhe a
impassibilidade egoísta e sua eterna surdez, ou seja trata-se de algo ou alguém indiferente
ao clamor humano. Ela conduz o defunto autor ao alto de uma montanha e lhe permite
contemplar a passagem dos séculos e entender o absurdo da existência, sempre igual,
centrada apenas no egoísmo e na luta pela conservação. O personagem vê a história como
uma eterna repetição.

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