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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE ECOLOGIA POLUIÇÃO E TOXICOLOGIA Professora: Renata Panosso Parecer Técnico dos Açudes de Encantado e Monte Alegre no Rio Grande do Norte Gabriela M. Soares Introdução A eutrofização é o processo no qual se têm o excesso de matéria orgânica nos ambientes aquáticos, levando a proliferação de algas e cianobactérias e comprometendo todo o ecossistema. Ocorre principalmente em locais onde a água não se tem tanto movimento das águas, como lagos, lagoas e açudes. A eutrofização pode acontecer de forma natural, mas frequentemente ocorre de forma artificial, ou seja, a Eutrofização Artificial, que é causada por meio antrópico, com a poluição das águas, falta de saneamento básico adequado, recepção da água de chuva, que escoa por áreas agrícolas e sobre solos sujeitos a erosão, recepção de água de chuva proveniente de regiões com poluição atmosférica, acúmulo de lixo e também percolação do chorume de lixões próximos aos corpos de água, despejo de efluentes nas águas, uso de fertilizantes que acabam parando nas águas e também chegam a contaminar os lençóis freáticos, além de compostos tóxicos oriundos de pesticidas utilizados na agricultura e no reflorestamento, e ainda águas contaminadas por xenobióticos, compostos orgânicos resistentes e traços de produtos farmacêuticos. Todos esses fatores induzem à degradação da qualidade da água, à perda de diversidade biológica e ao desperdício de recursos hídricos, os efeitos mais comuns são a depleção do oxigênio dissolvido e, assim, ocasionando hipoxia ou anoxia do ecossistema, decaimento da qualidade da água, menor transparência e aumento significativo da quantidade de partículas orgânicas sedimentadas (Kozlowsky- Suzuki & Bozelli 2002). A eutrofização leva a um “boom populacional” de Cianobactérias, estas são componentes naturais que se encontram no fitoplâncton, e formam florações quando há excesso de matéria orgânica no corpo d’agua. Essas florações causam um enorme efeito negativo no local onde aparecem, pois, com sua contaminação e toxidade há uma drástica diminuição do oxigênio, levando a óbito muitos organismos aquáticos, além de alterar a transparência e o odor das águas (Panosso, 2007). No semiárido do Nordeste Brasileiro a presença de chuvas é escassa, e para combater esse problema são construídos reservatórios, açudes, para abastecimento das zonas urbana e principalmente rural (Esteves 2011), além de utilizá-los para consumo, a população também os emprega para atividades de aquicultura e de lazer. Logo, a eutrofização artificial vem sendo um problema decorrente, isso porque há uma alta contaminação de corpos águas do quais muitas vezes são utilizados para abastecimento de água para população, que acaba por consumir uma água contaminada (via ingestão direta da água, ingestão de peixes contaminados, contato direto na água através do nado e mergulho, aspiração das toxinas que acabam indo parar no ar no entorno do açude e ainda utilizando a água contaminada para procedimentos de contato direto com o sangue, como a hemodiálise), acarretando uma gama de problemas de saúde. A clorofila-a é um pigmento encontrado em todos os grupos de vegetais e outros organismos autótrofos sendo frequentemente, utilizada como indicadora da biomassa fitoplanctônica em ambientes aquáticos (Nascimento, 2019). A utilização da concentração de clorofila-a como medida do grau de eutofrização se torna uma ferramenta muito útil em avaliações de produtividade primária e para interpretação dos resultados das análises físicas e químicas, além de servir como indicadora do estado fisiológico do fitoplâncton e na avaliação do grau de eutrofização nos ambientes aquáticos, ocasionado pelo crescimento de algas e cianobactérias (CETESB, 2014). Assim, é necessário saber o estado trófico que se encontra a água a ser utilizada, ou seja, o estado nutricional do corpo d’agua e a atividade biológica que ocorre como resultado dos níveis nutricionais. Os principais estados tróficos e seus respectivos índices que os caracterizam (Lamparelli, 2004) são: Ultraoligotrófico (Índice de Estado Trófico <47), no qual possui a água mais transparente (Transparência >2,4m), com baixíssimo nível de matéria orgânica (Fosforo <8 ugL-1 e Clorofila-a<1,17 ugL-1); Oligotrófico (Índice de Estado Trófico >47 e <52), sendo ele de águas claras (Transparência >1,7m e <2,4m), com baixo enriquecimento de nutrientes (Fosforo > 8 ugL-1 e <19 ugL-1) (Clorofila-a >1,17 ugL-1 e <3,24 ugL-1) e elevado teor de oxigênio dissolvido; Mesotrófico (Índice de Estado Trófico >52 e <59), água um pouco turva (Transparência >1,1m e <1,7m), possui moderado enriquecimento com nutrientes (Fosforo > 19 ugL-1 e <52 ugL-1)(Clorofila-a >3,24 ugL-1 e <11,03 ugL-1), nível um pouco maior de matéria orgânica e alguma acumulação de sedimentos na maior parte do fundo; Eutrófico (Índice de Estado Trófico >59 e <63), água com maior turbidez (Transparência >0,8m e < 1,1m), grande quantidade de matéria orgânica e alto enriquecimento com nutrientes (Fosforo > 52 ugL-1 e <120 ugL-1)(Clorofila-a >11,03 ugL-1 e <30,55 ugL-1); Superetrófico (Índice de Estado Trófico >63 e <67), possui elevada turbidez na água (Transparência >0,6m e < 0,8m), uma enorme quantidade de matéria orgânica e muito enriquecimento com nutrientes (Fosforo > 120 ugL-1 e <233 ugL-1)(Clorofila-a >30,55 ugL-1 e <69,05 ugL-1); Hipertrófico (Índice de Estado Trófico >67), possui água extremamente turva (Transparência >0,6), enriquecimento máximo de nutrientes (Fosforo >233 ugL-1 e Clorofila-a >69,05 ugL-1) e número excessivo de algas e plantas aquáticas (Brigante & Espíndola, 2003). Dados apresentados na Figura 1 (Lamparelli, 2004). Figura 1. Medição das características de cada estado trófico de corpos d’agua doce segundo Lamparelli (2004). Dada a justificativa, o seguinte trabalho teve o objetivo de elaborar um parecer técnico quanto a qualidade da água utilizando a concentração de clorofila-a como medida do grau de eutofrização nos açudes localizados nos municípios de Encantado e Monte Alegre no estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Metodologia O atual estudo foi conduzido em um açude no município de Encantado e outro no município de Monte Alegre, localizados no estado do Rio Grande do Norte, nordeste do Brasil. A determinação da concentração de clorofila-a incluiu etapas de coleta da amostra, filtragem da amostra, extração dos pigmentos de interesse, leitura em espectrofotômetro e, por fim, os cálculos das presentes concentrações. Em cada açude foram coletadas três amostras de 200ml cada, e após isso foi extraída a clorofila-a com a ajuda de um filtro e uma proveta, depois utilizando etanol como solvente e por fim inserido no espectrômetro para análise (Jespersen, 1987). A cubeta utilizada para o passo óptico tinha o comprimento de 1cm, o volume do extrato foi de 8ml e as absorbâncias dos extratos foram quantificadas em espectrofotômetro, nos comprimentos de onda de 665 e 750 nm. Para o cálculo das concentrações do pigmento em cada amostra foi utilizada a formula: Cla-a = ((A665-A750) . v . 10000) / (83,4. V . l) (Wintermans, 1965). Resultados Os as médias de clorofila obtidas com as réplicas para cada açude foram 0,085 para Encantado e 0,022 para Monte Alegre e são especificadas logo abaixo (Figura 2). Açude Réplicas Absorbância 665 nm Absorbância 750 nm Concentração de clorofila-a (g/L) Média Desvio padrão Encantado 1 0,021 0,007 67,416 84,822 12,463 2 0,026 0,006 95, 923 3 0,025 0,006 91,127 Monte Alegre 1 0,009 0,004 23,981 22,382 2,261 2 0,006 0,002 19,185 3 0,007 0,002 23,981 Figura 2. Resultados da análise de clorofila-a das amostras dos açudes do RN. Encantado: 1 -Cla-a = ((0,021-0,007). 8. 10000) / (83,4.0,2. 1) =[0,014.8.10000]/16,68 = 1120/16,68 = 67,416 2- Cla-a = [(0,026-0,006).8.10000] / (83,4.0,2.1)] = [0,02.8.10000] /16,68 = 1600/16,68 = 95, 923 3- Cla-a = [(0,025-0,006).8.10000] / (83,4.0,2.1) = 0,019.8.10000/16,68 = 1520/16,68 = 91,127 Média = (67,416+95,923+91,127) /3 = 254,466/3 = 84,822 Desvio Padrão = √ {[(67,416-84,822) ²+(95,923-84,822) ²+(91,127-84,822)] ²/3} = √{[302,969+123,232+39,753]/3} = √ {465,954/3} = √155,318 = 12,463 Monte Alegre 1 – Cla-a = [(0,009-0,004).8.10000] / (83,4.0,2.1) = 0,005.8.10000/16,68 = 400/16,68 = 23,981 2 – Cla-a = [(0,006-0,002).8.10000] / (83,4.0,2.1) = 0,004.8.10000/16,68 = 320/16,68 = 19,185 3 – Cla-a = [(0,007-0,002).8.10000] / (83,4.0,2.1) = 0,005.8.10000/16,68 = 400/16,68 = 23,981 Média = (23,981+19,185+23,981) /3 = 67,147/3 = 22,382 Desvio Padrão = √ {[(23,981-22,382) ²+(19,185-22,382) ²+(23,981-22,382) ²]/3} = √{[2,557+10,221+2,557]/3} = √{15,335/3} = √5,112 = 2,261 Pode-se ver a diferença entre os dois açudes, demonstrando que o açude de Monte Alegre possui quantidade significativamente menor de Clorofila-a em comparação com o açude de Encantado (Figura 3). Figura 3. Gráfico de barras demonstrando as diferenças entre as médias de dois açudes do RN. Desvio padrão em vermelho. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Encantado Monte Alegre C o n ce n tr aç ão d e C lo ro fi la -a μ g/ L Médias dos Açudes/RN Médias Cla-a Discussão Diante dos resultados nota-se que ambos os açudes são impróprios para utilização, tanto de consumo de água, quanto de produção de pesca. Isso porque suas quantidades de Clorofila-a são bem altas (acima de 11,03μg/L) demonstrando que esses corpos d’agua estão com grandes quantidades de florações. Ainda, o açude do município de Encantado tem uma quantidade muito maior de clorofila-a se enquadrando em no estado trófico de Hipereutrófico, tendo sido sua concentração de clorofila-a igual a 84,32 μg/L, ou seja, bem maior do que 69,05μg/L (valor base da Tabela de Lamparelli, 2004), enquanto o Açude de Monte Alegre se enquadra em Eutrófico, tendo seu valor sido 22,382 μg/L, um valor ainda alto, ultrapassando os 11,03μg/L (valor base da Tabela de Lamparelli, 2004). Grande parte das Cianobactérias responsáveis por florações de água doce liberam uma alta quantidade de toxinas, prejudicando bastante os corpos d’agua. Cianobactérias tóxicas são responsáveis por episódios de envenenamento e morte de animais e, inclusive, populações humanas, logo, têm impacto muito grande na saúde pública, em função da eventual contaminação da água servida com cianotoxinas e consequentemente uma exposição crônica da população local aos efeitos negativos dessas toxinas. Estações de tratamento não tem a capacidade de remover esses compostos dissolvidos na água, e pior ainda, populações utilizam muitas vezes água diretamente do reservatório, com a ausência de qualquer tratamento, se intoxicando cada vez mais e de forma agravativa (Panosso, 2007). Não se deve, de forma alguma, haver o cultivo de peixes em nenhum dos açudes apresentados, pois cianotoxinas podem se acumular nos músculos dos peixes (Magalhães et al. 2001), acarretando graves problemas de saúde para o consumo humano e também, animal. Além disso, florações de cianobactérias comprometem a oxigenação da água, causando muitas vezes a mortalidade dos animais que se encontram no corpo d’agua, prejudicando os peixes diretamente com a falta de oxigênio e falta de forrageio ocasionado pela morte do alimento que o mesmo ingere. Estudos mostram também que certas espécies de cianobactérias produzem geosmina (metabólicos secundários), e este diminui a qualidade do pescado, alterando seu gosto (Chorus & Bartram 1999). O atual estudo foi realizado em época de quarentena devido a pandemia de Covid-19, e a autora não teve contato direto com análise da água. Além disso, os testes apresentados são muito simples para melhor compreensão da qualidade da água em questão e das razões do porquê das florações. Métodos estatísticos também foram usados de forma simples e sem rodar muitos testes, o que compromete a veracidade do trabalho. Mesmo assim, a presença de cianobactérias nos reservatórios do semiárido norte-riograndense é notável e aparece de forma frequente, corroborando com os resultados aqui obtidos (Panosso, 2007; Costa, 2009; Silva, 2011). Conclusão Assim, desaconselha-se fortemente o uso desses açudes enquanto não forem devidamente tratados. Recomenda-se o estudo e reconhecimento das espécies de Cianobactérias encontradas e seus sucessivos modos corretivos dos corpos d’agua. Deverá, também, haver constante supervisão e acompanhamento das águas (inclusive depois de tratados) dos açudes para que não haja consumo indevido pela população. Referências Brigante, J., & Espíndola, E. L. G. (2003). Limnologia fluvial: um estudo no rio Mogi-Guaçu. São Carlos: RiMa. CETESB. 2006. Desenvolvimento de índices biológicos para o biomonitoramento em reservatórios do estado de São Paulo. Relatório técnico. São Paulo, SP. 258p. Chorus I. & Bartram J. (eds.) 1999. Toxic Cyanobacteria in water: A guide to the Public Health Consequences, Monitoring and Management. E & FN Spon, London. Pp 416. Costa, I. A. S. D., Cunha, S. R. D. S., Panosso, R. D. F., Araújo, M. F. F., Melo, J. L. D. S., & Sant'Anna, E. M. E. (2009). Dinâmica de cianobactérias em reservatórios eutróficos do semi-árido do Rio Grande do Norte. Esteves, F.A. 2011. Fundamentos de Limnologia. 3ª edição. Interciência, Rio de Janeiro, RJ. 826p. Jespersen A. M., Christoffersen K. 1987. Measurements of chlorophyll a from phytoplankton using ethanol as an extraction solvent. Arch. Hydrobiol., 109: 445– 454. Kozlowsky-Suzuki, B., & Bozelli, R. L. (2002). Experimental evidence of the effect of nutrient enrichment on the zooplankton in a Brazilian coastal lagoon. Brazilian Journal of Biology, 62(4b), 835-846. Lamparelli, M.C. 2004. Grau de trofia em corpos d´água do estado de São Paulo: avaliação dos métodos de monitoramento. Tese (doutorado) – Universidade de São Paulo, SP. Magalhães, V.F;. Soares, R.M. & Azevedo, S.M.F.O. (2001). Microcystin contamination in fish from the Jacarepaguá Lagoon (Rio de Janeiro, Brazil): ecological implication and human health risk. Toxicon, 39:1077-1085. Nascimento, A.; Pereira, E.; Santos A.; Alves, G. 2019. Análise De Clorofila “a” e Feofitina Em Duas Nascentes Do Povoado Baixa Da Areia, Alagoas. XVII Simpósio Brasileiro de Geografia Aplicada – Geografia Física e Mudanças Globais, Universidade Federal do Ceara, Fortaleza/CE, Brasil. ISBN: 978-85-7282-778-2. Panosso, R., Costa, I. A., de Souza, N. R., & Attayde, J. L. (2007). Cianobactérias e cianotoxinas em reservatórios do estado do Rio Grande do Norte e o potencial controle das florações pela tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus). rn, 59072, 970. Silva, L., Araújo, F., Panosso, R., Camacho, F., & COSTA, I. A. (2011). As águas verdes dos Reservatórios do Rio Grande do Norte: o problema das cianobactérias e cianotoxinas. Boletim ABLimno, 1(36). Wintermans JF, de Mots A. 1965. Spectrophotometric characteristics of chlorophylls a and b and their pheophytins in ethanol. Biochim Biophys Acta, 109(2): 448–453.
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