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CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA A Naturalização da Alma na Psicologia Contemporânea , 1 2 1. O conceito aristotélico-tomista de alma 1.1. A alma como realidade natural em Aristóteles Formos convidados nesta apresentação a desenvolver o tema da <naturalização da alma na psicologia>. Por esta expressão se entende a posição reducionista que concebe a psique humana <a partir de baixo>, ou seja, segundo modelos explicativos que são próprios de realidades ontologicamente inferiores ao homem, como as leis da termodinâmica ou da seleção natural, o que leva à impossibilidade de distinguir o homem dos animais [brutos], e até mesmo dos seres inanimados. No entanto, não deve escapar de nós que, tomando natureza (greg. Φύση/ physis) no sentido técnico que este termo tem na tradição filosófica aristotélica (Prevosti, 1984), a alma em si é uma realidade natural, fazendo parte essencial da natureza do ente vivo, como seu princípio energético, em complementaridade com a matéria como seu princípio dinâmico. De fato, a alma (greg. Ψυχή/psychē) na teoria psicológica aristotélica não é um princípio preternatural, algo que complementa uma realidade física completa em si mesmo e, portanto, que pode ser explicada sem essa, com a qual a alma estaria em interação. A divisão entre ciências naturais e ciências espirituais (neste caso, espírito subjetivo), sugerido por Wilhelm Dilthey (1980), é alheia ao pensamento aristotélico. Poderá chamar a atenção daqueles que têm suas mentes enviesas por preconceitos modernos, o fato de que o tratado aristotélico <Sobre a Alma> (greg. Περὶ Ψυχῆς, Peri psychēs/lat. De Anima) pertença às ciências físicas (cujo principal Martín F. Echavarría. La naturalización del alma en la psicología contemporánea. Em 1 Corrientes de la psicología contemporánea. Tradução de Sylvio Allan R. Moreira. Adições entre colchetes e o uso de símbolos especiais são de responsabilidade do tradutor. Esta é uma versão adaptada da apresentação apresentada nas Jornadas Multidisciplinares 2 "Hombre/anirnal: La disolución de una frontera", Universitat Abat Oliba CEU, Barcelona, 30 de novembro a 2 de dezembro de 2010. "1 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA tratado é Περὶ Φυσικὴ ἀκρόασις/Peri ; lat. Naturales AuscultaLones), ou seja, <Sobre a Natureza>, e não à metafísica (primeira filosofia ou teologia, segundo a nomenclatura aristotélica) . Pelo contrário, foi o mecanicismo moderno (reedição do 3 antigo mecanicismo, que se opôs à Aristóteles), que se apropriou do discurso físico e que expulsou a alma do campo da natureza e reduziu a natureza a uma extensão inerte. Aristóteles concebe todas as realidades da natureza compostas entiativamente por dois co-princípios, que refletem mutuamente um no outro, e sem os quais não há realidade natural alguma: a <matéria> (greg. ὕλη/hyle) e a <forma> (greg. μορφή/morphē). Matéria é aquilo que ou do que é feito algo (especialmente, a substância). A forma, o princípio de organização da matéria, que a determina segundo uma configuração precisa. Matéria e forma, segundo Aristóteles, relacionam-se entre si não como duas realidades completas, mas como intrinsecamente complementárias, sendo a matéria <potência> (greg. δύναμις/ dynamis; lat. potenLa) para receber as determinações da forma, que se comportam em relação à matéria como seu <ato> (greg. ενέργεια/enérgeia ou ἐντελέχεια/ entelécheia ; lat. actualitas). A forma é o ato que completa o ente natural como 4 substância, fazendo-o ser o que é, quer dizer, constituindo-o em uma determinada espécie, e portanto, dotando-o de suas propriedades específicas, pelas quais pode atualizar e sofrer a ação de outros. Por isso, a forma é tanto o princípio de atualização do ente como também o primeiro princípio de operação. A alma é a forma substancial dos entes vivos; de todos eles, vegetais, animais e humano. Aristóteles distinguiu três gêneros de alma: vegetativa, sensitiva Isto não quer dizer toda psicologia se desenvolva no âmbito das ciências naturais. Em primeiro 3 lugar, porque a ciência natural aristotélica é muito diferente da moderna [ciência] físico- matemática. Em segundo lugar, porque é possível também estudar a realidade da alma desde um enfoque superior, por exemplo, o da teologia revelada, como faz Santo Tomás de Aquino a partir da questão 1 da I pars da <Summa Theologiae>, em que desenvolve uma psicologia em que a perspectiva definitiva não é somente metafísica, mas teológica, mas assimilando os aportes da psicologia natural aristotélica, como diremos adiante. O neologismo aristotélico <entelécheia> significa literalmente <finalizar>. Como a forma 4 substancial, enquanto ato completivo da natureza, encerra o movimento de geração dos entes naturais, o ato quando efetivamente alcançado, se chama enteléquia. "2 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA e racional. Como toda forma, a alma é princípio energético, de atualização, do ente, e também da ação. Pela alma, o ente vivo tem o ser de tal coisa (tal ser vivo), e também, como primeiro princípio, possui potências ou faculdades (nutritivas, sensitivas, intelectivas...). Estes dois aspectos da alma se complementam respectivamente nas duas definições clássicas de alma em <De Anima>, de Aristóteles: 1) Forma de um corpo natural que tem a vida como potência (De Anima, 412 a. 20-21) ou Ato (entelécheia) primeiro do corpo natural orgânico (De Anima, 412 b. 5-6); 2) Aquilo a partir do qual vivemos, sentimos e compreendemos (De Anima, 414 a. 12-13). É frequente se falar de <potências da alma>, ainda que estas [potências] pertençam propriamente ao composto (synolon), e não somente à alma, pelo fato da alma ser o princípio atualizador, e portanto, mais radical do que daquilo que as mesmas potências derivam. Assim como a natureza e, especialmente, a forma, a alma é o princípio pelo qual se explica o movimento, ou melhor, o ente móvel em geral, o sujeito da Física, a alma é o primeiro princípio explicativo das operações vitais, ou melhor, dos entes vivos. Vegetar, sentir e pensar (com suas respectivas inclinações) são distintos níveis de operação vital que tem como raiz primeira (obviamente, ainda que não como princípio único), a alma. Neste sentido, a alma não é somente uma realidade plenamente integrada com a natureza, mas é o princípio sem o qual um determinado gênero de entes naturais, os viventes, não podem ser adequadamente explicados. 1.2. Dualismo e Naturalismo na Idade Média. Segundo a teoria aristotélica, as formas são extraídas da matéria. Os medievais usavam a expressão <eductio> para expressar isto. Na terminologia recente da filosofia da mente, se poderia dizer que estas formas <emergem> da matéria, por influxo de uma causalidade eficiente geradora. Com respeito à espiritualidade da alma racional, quer dizer, da alma humana, as análises de Aristóteles eram obscuras. Quanto a este ponto, a filosofia cristã foi mais clara. Para a maioria dos Padres da Igreja e dos autores eclesiásticos dos primeiros séculos da era cristã, a "3 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA heterogeneidade da alma com relação ao corpo não somente está claramente explicada, como se afirma o caráter espiritual, subsistente e imortal da alma humana. Com efeito, esta afirmação às vezes dá a impressão de um deslizamento rumo ao dualismo platônico, perigo que se concretizou claramente em Orígenes. Nesta direção do pensamento, o homem é identificado com sua alma e seu é algo ao qual a alma se une de modo extrínseco,acidental e como um castigo por uma pena cometida em uma vida anterior. Deste modo, Orígenes cai na tese da preexistência da alma, na identificação da natureza da alma com a dos espíritos puros e vacila em alguns dogmas fundamentais da fé cristã, como o da Encarnação do Verbo. Justamente um dos princípios que evitaram que os Padres da Igreja mais influenciados pelo platonismo caíssem no dualismo radical platônico e origenista é a fé de que Deus "se fez carne", de modo que isto não pode ser alheio à natureza íntegra humana. O redescobrimento ocidental da filosofia aristotélica no século XIII evitou o perigo do dualismo radical, mas atraiu um novo perigo: o da 'naturalização da alma', no sentido ruim do termo. Esse perigo consistiu em compreender a alma humana como uma forma meramente extraída ou emergente da matéria, e portanto, mortal, afirmação que entra em conflito com a fé na subsistência da alma humana após a morte e antes da ressurreição do corpo. Este perigo se expressa em ocasiões como a afirmação de que a alma é 'algo do corpo', este algo sendo um acidente de uma substância essencialmente material. Por se interpretar deste modo a teoria aristotélica, o bispo Nemésio de Emesa, eminente psicólogo do século V, rechaçou o aristotelismo quanto a este ponto, optando por um platonismo do tipo origenista. Por outro lado, o averroísmo latino adotou uma interpretação materialista de Aristóteles, que levou a negação da subsistência e imortalidade da alma humana. 1.2. A Alma como Forma e Espírito, Segundo Santo Tomás de Aquino. Santo Tomás de Aquino demonstrou que estas interpretações de Aristóteles não tinham fundamento na obra do Filósofo. Com efeito, Aristóteles supera tanto o dualismo platônico, e assim, a tese da preexistência da alma e da reencarnação, "4 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA quanto o naturalismo dos filósofos pré-socráticos, que tinham uma concepção materialista, mecanicista e atomista da realidade da alma. Ainda que obscuramente, em Aristóteles se diz que o intelecto "é outro gênero da alma que pode existir separado" (De Anima, 413 b. 25), e a respeito do intelecto agente que é "distinto, impassível e não composto" (De Anima, 430 a. 17-18) e que é "imortal e eterno" (De Anima, 430 a 23), afirmações que, unidas à ideia de que a alma propriamente humana é a racional e de que a inteligência é uma faculdade exclusiva do homem, levam à conclusão de que alma racional é imortal e que ela e algumas de suas potências são capazes de subsistir após a morte e da corrupção do organismo. Em todo o caso, Santo Tomás, assumindo plenamente a ideia de que a alma humana é a forma substancial do corpo humano, e que portanto, ambos estão estreitamente unidos, e são partes essenciais da natureza humana, sustenta que esta alma é espiritual, subsistente e imortal. Não é possível nos determos aqui num desenvolvimento detalhados das teses tomistas que especificam e esclarecem a concepção aristotélica sobre alma humana. Limitamo-nos a enunciá-las, somente: a) A alma humana é subsistente (por exemplo, <Summa Theologiae> I, q. 75, a. 2). A razão é que a alma racional não somente é princípio de faculdades que têm como sujeito um órgão do corpo (como nos demais seres vivos), mas que algumas faculdades têm como sujeito imediato a própria alma, quer dizer, são faculdades essencialmente imateriais. Santo Tomás coloca neste nível as faculdades intelectivas cognoscitivas (intelectos agente e possível) e a vontade. Isto se prova, tanto atentando a imaterialidade de seus objetos (que abstraem completamente das determinações da matéria) como por sua perfeita reflexividade, que não se observa no mundo material. Se o acidente ou propriedade é imaterial, seu objeto também deve sê-lo. Portanto, a alma é imaterial e subsistente. Enquanto forma do corpo, se chama alma (anima), porque anima o corpo. Enquanto espírito e subsistente, e sujeito do intelecto, se chama mente (mens). b) A alma humana é incorruptível (S. Th., I, q. 75, a. 6): Esta afirmação segue a anterior. Na realidade, as formas em si, enquanto atos, não se corrompem. O que se corrompe é o composto. Aquelas formas cuja perfeição esgota na "5 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA atualização da matéria, desaparecem junto com a corrupção do organismo. É o que ocorre com as almas vegetativa e sensitiva, que desaparecem com o organismo do qual são ato. Pelo contrário, a alma humana, por ser subsistente, é incorruptível, ainda que ao se corromper o organismo com ele que se une substancialmente essa alma subsistente não é um homem completo (lhe falta uma parte essencial de sua natureza) e ademais perde as faculdades que somente podem existir como atos de partes do organismo (vegetativas e sensitivas). Por isso, na alma separada há um apetite natural para reunir-se com seu corpo, ademais a esperança sobrenatural de que isto se produzirá efetivamente no dia da ressureição que se realizará pelo poder absoluto de Deus. c) A alma é imediatamente criada por Deus (S. Th., I, q. 90): Seu modo especial de ser, que a eleva por cima das outras formas e almas, faz com que a alma não seja mero efeito <eductio> da matéria, simplesmente porque ela enquanto ato não se exaure na organização do corpo vivo, mas vai além, emanando potências e atos puramente imateriais. Por isso, cada alma humana é imediatamente criada por Deus, ainda que seu co-princípio material proceda de um processo gerativo que tem como agentes próximos os pais. Isto estabelece uma relação especial entre Deus e a alma humana, relação próxima que não se dá nos demais entes da natureza. d) A alma humana enquanto espírito é imagem de Deus (S. Th, I, q. 93): O que foi dito até aqui manifesta a dignidade da alma humana, que por isso é considerada imagem de Deus, ou aquilo pelo qual se diz que o homem é feito à imagem de Deus. Guardando a infinita distância entre o Criador e a criatura poderíamos dizer, assim como São João Paulo II, que o homem é aparentado com Deus, sendo o único dos entes corpóreos capaz de elevar-se a um certo conhecimento de sua causa, no que consiste seu fim e felicidade, relação que se vê sobrelevada pelo efeito da graça que diviniza a alma e toda a natureza. A compreensão radical destas verdades supõe com efeito ir mais além de uma psicologia física, e desenvolver uma psicologia metafísica, e ainda mais, uma psicologia teológica e cristã (Andereggen, 1999; Echavarría, 2005). "6 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA Assim, temos por um lado uma afirmação da profunda e essencial unidade da alma e do corpo, que não pode ser compreendida se não em sua relação substancial recíproca. Por outro lado, temos a transcendência e dignidade da alma humana como espírito, dignidade que com efeito, enquanto é forma do corpo, redunda também sobre este. Por ele se pode afirmar sem contradição que a alma é algo natural, no sentido de um co-princípio essencial da natureza humana e que é algo transcendente. Fora da solução aristotélico-tomista, pelo contrário, temos uma naturalização unilateral da alma, reduzindo-a a mero resultado ou acidente da matéria (se é que não se negue diretamente sua existência) ou desnaturalização, que a separa a tal ponto do corpo que sua relação é puramente extrínseca. 2. A perda do conceito de alma na psicologia moderna. 2.1. Impugnação do hilemorfismo aristotélico na filosofia moderna. A queda moderna do aristotelismo como paradigma científico principal teve como consequência também a perda da noção clássica aristotélico-tomista de alma como forma substancial, subsistentepor si mesma. Ainda que a necessidade teórica da conceitualização da forma tivesse sido minada pelo racionalismo da escolástica dos fins da idade média, com ele se perdendo também tanto o conceito clássico de natureza como a ideia da matéria- prima como pura potência no gênero da substância, é com os filósofos seculares do século XVIII que se derruba de vez aquilo que ainda permanecia erguido. O dualismo cartesiano, ainda que por um lado afirme a espiritualidade da alma humana, por outro lado faz da união desta com o corpo algo extrínseco, a tal ponto que o corpo humano é somente uma máquina que se pode explicar por leis mecânicas. Assim diz Descartes: [...] assim como o relógio, composto de roldanas e contrapesos, não segue exatamente as leis da natureza quando mal fabricado e não indica bem as horas, não satisfazendo inteiramente o desejo de seu fabricante; do mesmo modo, considero o corpo do homem uma máquina construída de tal modo e composta de ossos, nervos, músculos, veias, sangue e pele, que, ainda que não contenha espírito algum, não deixaria de se mover do mesmo modo que o faz agora, quando não se move dirigido pela vontade nem, por "7 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA conseguinte, com a ajuda do espírito, mas somente pela disposição de seus órgãos (Meditationes metafisicas, VI). O animal e a planta foram completamente reduzidos ao mesmo nível da máquina. Todos eles seriam mecanismos que necessitam de uma ativação exterior. Embora em Descartes permaneçam algumas fórmulas aristotélico-escolásticas sobre a união substancial da alma e do corpo, a realidade é a desanimação dos corpos vivos e a desencarnação da alma humana, elevada ao estado angelical de espírito puro. A linha de pensamento mecanicista na qual se inspirarão Descartes e [Thomas] Hobbes já não necessitará do conceito de alma para explicar o movimento dos seres vivos, nem tampouco do ser humano, tal como explica La Mettrie em <O homem máquina>, modelo retomado no século XX pelo Behaviorismo radical. Agora, mais do que uma naturalização da alma como havíamos dito (acerca da filosofia materialista pré-aristotélica), ocorre uma desanimação da matéria e uma desnaturalização da alma humana. Já a linha de pensamento empirista, também influenciada pela redução cartesiana da alma humana à consciência, ao puro 'eu penso', prescindindo também da teoria hilemórfica aristotélica, acabará reduzindo a alma à experiência consciente. A alma, já negada como princípio substancial do ente vivente, é reduzida às suas operações, especialmente, às operações cognoscitivas sensitivas. Estamos em pleno atualismo sensualista. Este é de alguma maneira o conceito de psíquico que passará para a psicologia dos séculos XIX e XX. Como consequência da crítica empirista e de sua própria concepção de construção do conhecimento a partir da <matéria> aportada pelos sentidos e das formas <a priori>, Kant deixa a alma de fora da experiência possível e, consequentemente, fora de todo o conhecimento real, dando o golpe de misericórdia ao conceito entitativo de alma como forma substancial do corpo orgânico. Para Kant, é impossível uma psicologia metafísica (psicologia racional); somente podemos nos limitar a descrever os fatos da consciência (psicologia empírica), mas sem se pretender que a psicologia possa chegar a ser uma ciência tal como a física. "8 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA Por sua vez, o anti-Kantiano [Friedrich] Herbart,, o iniciador da pedagogia científica, psicometria e psicologia dinâmica, elimina as potências da alma como realidades e princípios explicativos na psicologia. Este autor, como Kant, e anteriormente, Wolff, tenta sintetizar o racionalismo (leibniziano) com o empirismo. A alma seria uma espécie de mônada metafísica, inerte e essencialmente inconsciente. Somente a ação externa faz com que as representações das coisas sejam geradas como acidentes (de outra forma contraditórios) na alma imutável, numa espécie de reação defensiva de autopreservação. Antes disso, na alma não existem potências ou operações. As representações iriam gradualmente se unir ou se opor. Entre elas, estaria a representação de si mesmo, denominada 'eu' (self), uma mera construção mutável sobre a alma imutável. As representações lutariam entre si. As mais fortes expulsariam os mais fracas para o inconsciente. A psicologia é a ciência que estudará esses fenômenos: de um lado, o equilíbrio das representações (estática psíquica), de outro, a ascensão das representações à consciência ou sua descida ao inconsciente (dinâmica psíquica). Embora a alma seja um conceito central, ela está tão separada dos fenômenos psíquicos contraditórios, que também podemos falar de uma 'desnaturalização' da alma ou uma naturalização da alma, no sentido negativo do termo: a vida mental é reduzida à mecânica das representações, mecanismo que passará, ainda mais naturalizado, à psicologia freudiana. É claro que a psicologia dinâmica de Freud é praticamente uma inversão da psicologia dinâmica de Herbart (Assoun, 2001, p. 129-142). Em vez da alma-mônada herbartiana, temos o organismo. Ele se defende dos desequilíbrios causados pelas necessidades internas e interferências externas representações que seriam mediadoras psíquicas entre as necessidades orgânicas (manifestando-se psiquicamente como pulsões) e sua satisfação. Essas representações lutam entre si, sobem e descem. Finalmente, como parte de seu projeto de transvalorização de todos os valores, Nietzsche propõe usar uma ressignificação do conceito de alma. Ressignificação, que não busca o conhecimento, mas o domínio, pois já não se busca alcançar o conhecimento objetivo sobre a alma ou sobre o ente vivente - "9 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA conhecimento presumivelmente demonstrado como impossível por Kant -, e sim, um jogo de luta de vontades: Devemos acabar com o atomismo da alma [...] aquela crença de que com a alma como algo indestrutível, eterno, indivisível, como uma mônada, como um átomo: esta crença devemos expulsar da Ciência! Dito entre nós, não é necessário livrar-se da própria 'alma', desistindo de uma das hipóteses mais antigas e veneráveis: algo que geralmente cede à incapacidade dos naturalistas, que apenas tocam 'a alma', mas a perdem. Mas está aberto o caminho que leva a novas formulações e refinamentos da hipótese da alma: e conceitos como 'alma mortal' e 'alma como pluralidade do sujeito' e 'alma como estrutura social de instintos e afetos' desejam ter, doravante, o direito de cidadania na ciência. O novo psicólogo, ao acabar com a superstição que até agora proliferava com uma folhagem quase tropical em torno da representação da alma, ele certamente se baniu, por assim dizer, para um novo deserto e uma nova desconfiança (Nietzsche, 1997, p. 34). 2.2. A 'psicologia sem alma' A psicologia experimental do século XIX, desenvolvida em seus primórdios, principalmente por pesquisadores de origem germânica ou anglo-saxônica, em seu fundamento filosófico é fortemente marcada, tanto pela redução empirista da alma à experiência consciente, quanto pela negação kantiana da possibilidade de desenvolver um conhecimento científico da alma como um princípio substancial. É por isso que foi estabelecido desde suas origens como uma 'psicologia sem alma'. Wundt compara a psicologia experimental com a psicologia metafísica. Só a primeira seria digna do nome de <ciência>. A psicologia experimental teria como objeto a 'experiência consciente integral', estudada de acordo com os métodos da ciência experimental moderna. Ao contrário, a psicologiametafísica partiria de uma concepção a priori da alma, de acordo com o conjunto do sistema de pensamento de cada autor, e sem suporte na experiência. Embora a psicologia experimental não seja a única, visto que deve ser completada por uma psicologia cultural (Volkerpsychologie), nenhuma das duas considera a alma como princípio substancial ou operativa. Por outro lado, a psicologia anglo-saxônica, particularmente a psicologia americana, tenderá a preferir o termo 'mente' ao invés do termo <alma>. William James, por exemplo, define psicologia como a "ciência da vida mental, tanto de seus "10 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA fenômenos como de suas condições" (James, 2003). A vida mental é o fluxo de consciência, que tentaria descrever, por um lado, e substancializar (biologicamente), por outro. Esta definição de psicologia e o abandono do termo <alma> são consequências do empirismo. Se não há princípio entitativo fomal do ente vivente, do animal ou do homem, o conceito de alma perdeu seu sentido. O que resta é a experiência consciente, chamada <mental>. Tanto do lado de Wundt quanto do lado de James e, conseqüentemente, pelas tradições da psicologia experimental que ambos fundaram, tanto no território europeu continental quanto no território anglo-saxão, chegou-se ao desenvolvimento de uma disciplina chamada <psicologia>, mas nada tem a ver com a Ψυχή (psychē), o princípio de vida dos entes vivos. As operações vitais cognitivas e conativas se separam da alma como de seu princípio primeiro, e ou se tornam independentes, dando lugar a uma ciência que é a fenomenologia da consciência, ou se fundamentam em última instância, em um organismo que não conta mais com a alma como princípio formal e organizador. Ademais, o mental não apenas se radicaliza num organismo 'inanimado', mas especialmente no sistema nervoso, quando não no cérebro ou em parte dele (córtex), donde surge o problema tão debatido hoje da relação 'mente-cérebro', ao qual nos referiremos mais adiante. 3. A alma nos reducionismos da psicologia contemporânea 3.1. Evolucionismo e funcionalismo Neste ponto, não podemos deixar de mencionar o impacto muito forte do evolucionismo na psicologia contemporânea desde o final do século XIX. A tese evolucionária, em suas várias versões, implicava ou afirmava claramente a continuidade natural entre os animais e os homens. Isso teve sua influência tanto na criação de uma seção especial dentro da psicologia, a <psicologia comparada>, quanto na psicologia como um todo. O próprio Darwin publicou em 1873 o livro <A expressão das emoções nos animais e no homem>, seguido posteriormente por muitos outros. A novidade não consiste em estudar a psicologia animal e compará- la com as diferentes espécies e com o homem (algo que se fazia de alguma forma desde a antiguidade, e que não está em desacordo com a concepção aristotélica da "11 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA alma), mas fazê-lo numa perspectiva evolutiva, isto é, considerando que a semelhança psicológica entre as espécies animais (incluindo o homem) derivaria de um parentesco genético. Como dissemos, isso teve um impacto em toda a psicologia, de tal forma que ao estudar a psicologia (e fisiologia) humana poder-se-ia encontrar nela traços de estágios menos evoluídos da psique, sendo essas camadas as mais essenciais, e o restante uma espécie de superestrutura ordenada para os mesmos fins que aquelas: adaptação e sobrevivência. Nesta linha evolutiva se moveram moveu muitas, senão a maioria das psicologias do século XX. Os autores comportamentais são geralmente evolucionistas. McDougall foi evolucionista, assim como Freud. Piaget também foi. Na verdade, sua <epistemologia genética> não é nada de psicologia, mas uma tentativa de desenvolver uma teoria do conhecimento de modo científico, e não meramente filosófico. Agora, bem: a ciência de hoje é evolucionista, portanto, a epistemologia deve ser necessariamente 'genética', no sentido de rastrear a evolução da construção do conhecimento, que seria a única via explicativa para isso. Embora os autores sejam muito distintos, e alguns excluem diretamente o conceito mitológico de alma, quando eles falam sobre isso, entende-se a alma como uma propriedade do sistema nervoso, de modo semelhante às recentes posições emergentistas ou organicistas, sobre as quais discutiremos no fim deste trabalho. Mas, em geral, as psicologias evolucionistas não somente eliminam a diferença entre alma e corpo, ou consideram a alma uma qualidade do organismo; elas eliminam os diferentes graus de operações vitais e cognitivas, derivando as operações superiores das inferiores, e dessa maneira chegam à eliminação de uma distinção essencial entre o homem e o animal. Para Piaget, por exemplo, a inteligência sensório-motora não é o mesmo que, na linguagem tomista, se refere à ação dos sentidos internos (enquanto preparam, dispõem os dados sensoriais para a intelecção), mas a mesma inteligência que as operações abstratas, apenas mais evoluída. Além disso, a inteligência não seria mais do que um modo mais sutil, abstrato e de longo alcance de manipular a matéria. Ou seja, não haveria diferença essencial entre pensamento e ação. Pensar é uma forma de se adaptar "12 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA ao meio e de adaptar o meio às próprias necessidades, e não uma atividade que se busca por si mesma: o saber orienta-se para o fazer (Piaget, 1967). Portanto, é muito difícil, senão impossível, distinguir essencialmente a 'inteligência animal' da humana. Piaget freqüentemente cita, quanto a este ponto, Edouard Clarapède, que foi um de seus professores, diretor do Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, e introdutor do funcionalismo na Europa. O funcionalismo é, talvez, a primeira corrente psicológica importante a assumir o 'ponto de vista biológico', característico da evolução, como uma bússola da psicologia. William James é considerado seu fundador e é quase uma versão psicológica do pragmatismo. Clarapède apresenta o funcionalismo nestes termos: Foi da América que a psicologia funcional chegou até nós, com William James. A psicologia funcional nada mais é do que a aplicação à psicologia, por um lado, do ponto de vista biológico, por outro, do ponto de vista pragmático (para o qual é a ação que importa acima de tudo; não vivemos para pensar, mas pensamos para viver) (Clarapède, 2003, p. 37). A mente, ou melhor, o organismo como um todo (como assinalará o holismo, ao qual nos referiremos mais tarde), é entendida a partir de sua finalidade biológica: atender às necessidades, sobreviver. 3.2. A alma na psicanálise de Sigmund Freud. Freud freqüentemente usa a palavra <alma> (Seele) e a palavra <espírito> (Geist). Por outro lado, se opõe à redução da alma à consciência, que era a característica da psicologia experimental do século XIX, mas que tem sua origem na redução cartesiana e empirista da alma ao 'ego cogito'. Isso poderia nos levar a pensar que em Freud encontraremos uma reivindicação do conceito de alma. Nada mais longe da realidade. A psicologia de Freud se move plenamente nas coordenadas da naturalização moderna da alma humana (ou desnaturalização, como enfatizamos o tema), reunindo-se em Freud várias correntes e autores já mencionados aqui: o empirismo, o mecanicismo de Herbart, o niilismo de Nietzsche, o evolucionismo, entre outros. Na verdade, se poderia descrever sinteticamente o "13 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍAsistema teórico de Freud, como já dissemos antes, como uma inversão, materialista e evolucionista, da dinâmica das representações, de Herbart, e uma mentalidade pós-moral de inspiração nietzscheana. Para Freud a alma não só não é reduzida à consciência, mas é em sua essência inconsciente - como por outro lado era a mônada de Herbart, e assim como este, a alma para Freud também é essencialmente inerte. Mas por alma entende-se os processos cognitivos e afetivos (representação e afeto) para os quais não superamos a redução moderna totalmente. No resto, a teoria de Freud é tanto evolucionista quanto mecanicista. Para Freud, a alma não é reduzida ao organismo. Há uma afirmação bastante clara de uma influência da alma sobre o corpo, embora esta alma por sua vez pareça ser produzida pelo corpo como uma estrutura defensiva, que Freud geralmente chama de 'aparelho psíquico' (seelicher Apparat). Para explicar esse aparelho, Freud recorre aos princípios da física, especialmente os da termodinâmica. Outras vezes, explica-o através dos princípios animalescos do evolucionismo, ou de ambos ao mesmo tempo. Como Freud explica no último período de seu desenvolvimento intelectual, inicialmente o ser humano seria um organismo puramente impessoal, um Isso ou Aquilo (Id). Este organismo tem uma série de necessidades a satisfazer. Para isso, essas necessidades fazem uso do aparelho mental, que elas trazem de sua inatividade essencial. A pulsão é o modo de manifestação psíquica das necessidades orgânicas e, por isso, Freud considera a pulsão um 'conceito de fronteira' entre o psíquico e o orgânico. A alma ou aparelho psíquico é um sistema de forças em equilíbrio. Esse equilíbrio é quebrado toda vez que há necessidades no corpo ou também por influências externas. No aparelho psíquico aparecem então os impulsos, que são tendências conservadoras voltadas para a recuperação do equilíbrio perdido, que se consegue uma vez que o excesso de energia é descarregado pelo comportamento. A satisfação das necessidades necessita do mundo, e é por isso que surgem representações, para mediar entre o Id e o mundo. A partir do sistema perceptivo, na superfície deste Id (e fisiologicamente no córtex cerebral) o Ego é formado, como uma instância mediadora entre o Id e o mundo. O Ego está a serviço do Id, mas deve interromper sua impulsividade, para seu "14 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA próprio bem, levando em consideração as necessidades do mundo e externo. Esses requisitos são finalmente internalizados, gerando uma terceira instância, o Superego, que representa a consciência moral. Aqueles representações que são incongruentes com a consciência moral (com ideais do Ego e as proibições do Superego), correm o risco de serem expulsas da consciência pelo mecanismo defensivo da repressão. Essas representações, contendo energia afetiva, não permanecem inativas no inconsciente, mas lutam para se manifestar e causar sintomas neuróticos. Como se pode ver neste breve resumo da complexa e tenebrosa teoria freudiana, o conceito de alma como forma substancial está completamente ausente. Ainda mais seu caráter espiritual e subsistente. O anímico é uma superestrutura ordenada para a satisfação das necessidades orgânicas, mas não é seu princípio de explicação, nem entitativa nem operacionalmente, pois “aquilo que chamamos de nosso <eu> é passivo na vida e [...] ao invés de vivermos, somos 'vividos' por poderes invisíveis e desconhecidos.” (Freud, 1973, p. 2707) Essa visão da alma como aparato defensivo não desaparece nem mesmo em seu ex-discípulo e oponente, Alfred Adler, que, no entanto, critica o mecanicismo freudiano. Lemos em Adler: Observando deste ponto de vista a função da vida da alma, torna-se claro que estamos em presença do desenvolvimento de uma faculdade inata que tende a representar um <órgão de ataque, defesa ou proteção>, dependendo da situação do organismo vivo requerer ataque ou defesa. Portanto, só podemos considerar a vida da alma como um complexo de medidas de ataque e defesa que devem afetar o mundo e causar seus efeitos correspondentes para garantir a conservação e o desenvolvimento do organismo humano (Adler, 1947, p. 22). Em ambos os casos, como em tantos outros que não podemos citar aqui, nos movemos no que os funcionalistas chamaram de 'ponto de vista biológico': a alma como mero instrumento de adaptação do organismo ao meio ambiente e, portanto, somos uma 'naturalização' da alma. 3.3. A eliminação da alma e da mente no behaviorismo "15 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA Mas, sem dúvida, a proposta mais radical é o behaviorismo de John Watson e B. F. Skinner. Apesar das diferenças teóricas e técnicas entre os dois autores, há um ponto que os une e que tem a ver com o nosso tema: a rejeição total da terminologia 'mentalista' e da conceituação em psicologia. A alma não é apenas rejeitada como um conceito adequado para descrever ou explicar o comportamento, mas também conceitos como imagem, memória, pensamento, personalidade, inconsciente, instinto, emoção, etc. (Watson, 1976). É assim que Watson coloca: Todos esses termos nada mais seriam do que resquícios de um pensamento mágico pré-empírico, isto é, das filosofias de Sócrates, Platão e Aristóteles: A física e a biologia já percorreram um longo caminho, mas não houve nenhum desenvolvimento paralelo equivalente, ou algo parecido, no que diz respeito à ciência do comportamento humano. A física e a biologia gregas hoje têm apenas valor histórico e nenhum físico ou biólogo contemporâneo pensaria em recorrer à Aristóteles para a solução de qualquer um de seus problemas. No entanto, os diálogos de Platão são leitura obrigatória para os alunos e são freqüentemente citados como esclarecedores sobre o comportamento humano atual. Aristóteles provavelmente seria incapaz de compreender uma única página de qualquer tratado atual de física ou biologia e, em vez disso, Sócrates e seus amigos teriam muito pouca dificuldade em seguir confortavelmente a maioria das discussões contemporâneas a respeito de nossos problemas humanos. [...] Enquanto a física e a biologia gregas lançaram as bases - elementares como eram - a partir das quais a ciência moderna finalmente emergiu, as teorias gregas do comportamento humano, pelo contrário, não eles lançaram as bases para nada (Skinner, 1986, pp. 11-12). No behaviorismo existe uma aplicação muito radical dos princípios positivistas. Devemos deixar de lado o que não é acessível à observação científica: quer dizer, tanto a mente como os complexos mecanismos dos organismos. o que podemos observar é o comportamento. A ciência do comportamento deve se concentrar em descrever o mais precisamente possível as condições em que um comportamento é produzido e não com uma finalidade explicativa (que sempre tem um fundo metafísico) nem teórica, mas técnica: a manipulação da realidade, neste caso, do comportamento humano: O interesse do behaviorista nas ações humanas significa algo mais do que o de mero espectador: quer controlar as ações do homem, da mesma forma que na física, os homens da ciência desejam examinar e lidar com outros fenômenos naturais. Cabe à psicologia comportamental fiscalizar e controlar a atividade humana (Watson, 1976, p. 28). "16 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA Skinner fala de uma tecnologia do comportamento em um sentido muito próximo a um tipo de engenharia humana: O que precisamos é de uma tecnologia de comportamento. Poderíamos resolver nossos problemas com rapidez suficiente se pudéssemos ajustar, por exemplo, a população mundial coma mesma precisão com que determinamos o curso de uma aeronave; ou se pudéssemos melhorar a agricultura e a indústria com o mesmo grau de segurança com que aceleramos partículas de alta energia; ou marchar para um mundo pacífico com progresso, até semelhante ao seguido pela física no seu caminho para o zero absoluto [...]. Mas certamente não temos uma tecnologia comportamental comparável em poder e precisão à tecnologia física e biológica, e todos aqueles que não consideram essa possibilidade ridícula, podem ficar assustados em vez de tranquilizados (Skinner, 1986, p. 11). Não pode haver dúvida de que estamos aqui diante de uma das tentativas mais crassas de 'naturalização', não mais da alma (negada), mas do próprio ser humano, não reduzido apenas ao nível do animal, mas ao nível da máquina. Conclusão e o que, por outro lado, não é ilógica, sendo o mecanicismo que 'desanima' e 'despersonaliza' o ser humano uma das características centrais do pensamento filosófico moderno. 4. Tentativas incompletas de recuperação da alma. 4.1. Neovitalismo Contra o mecanicismo, surgiu entre alguns teóricos da biologia no século XX uma corrente que costuma ser conhecida como neo-vitalismo (já que existe uma corrente vitalista anterior, a da escola médica de Montpellier). Embora haja conexões com o vitalismo filosófico do século XIX, o neo-vitalismo é um movimento sui generis que reivindica a especificidade da vida e que põe no centro a aplicação do conceito aristotélico de <enteléquia> O principal representante desta corrente foi o biólogo e filósofo, famoso por seus estudos sobre embriologia, Hans Driech. Também move-se nesta direção o biólogo e psicólogo comparado von Uexküll (criador da noção de <Umwelt>). No campo da Psicologia parece apoiar esta posição Philipp Lersch: "17 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA Se uma pedra muda sua forma externa no curso de seu tempo, esta mudança obedece exclusivamente a influências externas, climáticas ou mecânicas, enquanto que a mudança que observamos em um vegetal, no curso temporal de sua vida, só parcialmente pode ser explicada por por influências externas. Estamos mais inclinados a admitir que na planta há tendências próprias de crescimento que atuam e são dirigidas a partir de dentro: forças formadoras internas que cuidam da realização de possibilidades disposicionais (inatas) do ser e que prescrevem o organismo, não apenas sua forma externa, mas também sua organização interior. O conjunto dessas forças formativas pode ser resumido no conceito metafísico de 'Gestaltidee' (Ideia Configurante) ou biológico de "plano de construção" (von Uexküll). Assim, por exemplo, na semente do girassol atualiza uma ideia, assim como um óvulo humano fecundado. Este ideia configuradora, realizada na consumação do desenvolvimento, é o que ARISTOTELES chamava 'entelequia' e GOETHE com o termo bem conhecido de 'forma que vivendo se desenvolve'. O desenvolvimento deve ter, por conseguinte, uma finalidade (τέλος), e assim se chegou a dizer que ele tem um caráter teleológico. Seu τέλος é a implantação das possibilidades inatas do ser i.e., da ideia configuradora incluída no conjunto orgânico o qual dá sua forma externa e organização interna. Influências externas podem mudar o desdobramento dessa ideia configuradora, desse "plano de construção"; mas seu início e sua direção são sempre a partir de dentro. Portanto, o desenvolvimento é a auto-implantação e auto-configuração do organismo, que é baseado em um plano, em uma ideia do todo como um unidade de atualização de certas forças de configuração (Lersch, 1974, 3). Como você pode ver, o conceito vitalista de <enteléquia> é como o aristotélico, e como sua etimologia sugere, relacionado com a finalidade. O vitalismo critica o mecanicismo por sua redução da vida ao mero resultado da soma das partes do ser vivo. Na realidade, a organização e a operação dos seres vivos não podem ser explicadas, senão levando em conta os propósitos do ser vivo como um todo e para o que suas operações são direcionadas. Para explicar essa direção teleológica do ser vivo, Hans Driesch propõe o conceito de <enteléquia>, entendido como uma força 'psicoide', ou seja, imaterial e transcendente do organismo, que leva à sua unificação e ao seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, Driesch chega ao ponto de sugerir que a enteléquia é única para todos os seres vivos, uma espécie de inteligência diretriz e externa. Acerca disso está correto G. P. Branco (2002, p. 204-207) em sua sintética e clara posição quando ele critica essa posição como incapaz de explicar a vida. Se a enteléquia é externa ao ser vivo, não é a vida que ele (formalmente) vive, e portanto, o ente vivente deixa de sê-lo. Neste conceito de enteléquia, ela é mais uma causa eficiente, organizadora ativa e mantenedora da ordem para um fim, do que uma causa formal. Por outro lado, o preconceito "18 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA cartesiano de que, onde há propósito, há consciência, leva Driesch ao <panpsiquismo> com o conceito de <psicoide>. 4.2. Holismo Outra posição que surgiu nos campos da biologia e psicologia no século XX foi o holismo (greg. ὅλος, 'todo', 'totalidade'). O holismo se opõe ao mecanicismo, assim como a neovitalismo, por não reduzir o ser vivo à mera soma de átomos e partes. Mas também se assemelha ao vitalismo por sua recorrência à uma enteléquia distinta do organismo. O holismo se move mais plenamente sob a órbita da crítica kantiana, e descarta tanto o conceito de alma quanto o de propósito real transcendente. É por isso que seus representantes não têm apenas uma concepção unitária de organismo, como rechaçam uma separação entre uma ordem anímica e uma ordem biológica, e preferem o termo 'organismo' ao invés de 'pessoa'. Este é um movimento complexo, com muitas fontes, muitos deles da filosofia germânica e também da psicologia de Gestalt . Há também uma influência notável e explícita do 5 funcionalismo de William James. O principal teórico do holismo, e o que teve maior influência no campo da psicologia, foi o neurologista e psiquiatra Kurt Goldstein, que inspirou psicoterapeutas como Carl R. Rogers (fundador da 'Psicoterapia Centrada na Pessoa') e Fritz Perls (fundador da 'Psicoterapia da Gestalt'). No entanto, diferente destes, focados em questões práticas, às vezes com pouco ou nenhum rigor Segundo Blanco (2002, pp. 207-208), suas fontes seriam: 5 "1) Kant, que em sua 'Crítica do Juízo' enfrenta dois problemas: o problema do orgânico e do estético. Quanto ao primeiro, Kant argumenta que o conceito regulador, o conceito mediante o qual eu penso o orgânico, é o de que o 'orgânico é um todo cujas partes são subordinadas a ele por seu propósito intrínseco': Kant afirma a primazia do todo em relação às partes, que só fazem sentido por sua ordenação. 2) O poeta alemão Goethe, que adotou uma posição que ele chamou de "platonismo", ou "morfologia idealista". [...] 3) O filósofo alemão Dilthey, pai da psicologia compreensiva e um grande crítico da psicologia de Wundt, argumenta que o caráter dos viventes é ser uma totalidade, e que esta não se explica, mas se compreende. [...] 4) A psicologia da Gestalt: a princípio é uma interpretação psicológica o tipo totalizante, e logo se torna uma teoria em que não só o psíquico é uma totalidade, mas também o biológico (o todo antes das partes) e o físico (a ideia de totalidade na teoria desse campo como um conjunto de relações: o importante é o campo, não o átomo)." "19 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA metodológico (especialmente Perls, um autor caótico), Goldstein é um autorsistemático e sério com uma cultura filosófica e interessante em muitos de seus desenvolvimentos (Reyes Oribe, 2004, p. 209-218). Goldstein contrasta o 'método atomístico' (ou método analítico), baseado no acúmulo de dados e no estudo isolado das partes, ao 'método holístico', que foca-se no todo, a partir do qual os dados sobre as partes fazem sentido. Goldstein diz: Se o organismo é um todo e cada uma de suas partes funciona normalmente dentro desse todo, então, na experimentação analítica, que isola as partes enquanto você as estuda, as propriedades e funções de qualquer uma dessas partes devem ser alteradas pelo seu isolamento inteiramente do organismo. Portanto, eles não podem revelar o funcionamento dessas partes na vida normal (Goldstein, 1961, p. 18-19). A separação entre mente e corpo seria uma consequência da concepção atomística. Essa oposição se observaria no campo da psicologia e medicina atuais na discussão existente entre psicoterapeutas e médicos sobre a causalidade psíquica ou física dos transtornos mentais. Os rivais concordam quanto a um ponto: a separação, o isolamento de duas realidades, a mente e o corpo. A perspectiva holística, por outro lado, vê a mente e o corpo como dois aspectos do organismo como um todo: O que se chama mente é somente uma abstração da real atualização da vida do organismo, e não algo que acontece isoladamente. O que é isto tem a ver com organismo vivo precisa ser ser revelado. Certamente, não está <no> organismo, como parte dele. Eu homens e só poderia refletir, como parte dele. Na melhor das hipóteses, seria apenas um aspecto do organismo (Goldstein, 1939, p. 338-339) Uma descrição única dos processos vitais requer que os termos "psicológico" e "físico" sejam utilizados desde o início, em um sentido indiferente ao processo real, como instrumentos auxiliares da descrição. Apesar do fato de que para ser forçado a usar esses termos descritivos, em outras palavras, para falar sobre fenômenos físicos e psicológicos, devemos sempre ter em mente que, não estamos lidando com dados que precisam ser avaliados à luz de seu significado funcional para o todo (Goldstein, 1939, p. 339). Nem a mente age sobre o corpo, nem o corpo age sobre a mente, não importa o quanto este possa parecer o caso para um olhar superficial. Estamos sempre diante da atividade de todo o organismo, cujos efeitos às vezes nos referimos a algo chamado mente, e às vezes a algo chamado corpo (Goldstein, 1939, p. 340). "20 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA Em suma, a única realidade é o organismo, e o princípio final, não mais analisável, de explicação do organismo (e da realidade em geral) é o da totalidade. Alma (ou mente) e corpo são duas ficções ou visões que são adotadas na descrição atomista, mas, na realidade, eles devem ser pensados funcionalmente a partir do todo, como manifestações do todo e em ordem no tudo, não como realidades subsistentes. A posição holística tem seus méritos. Por um lado, supera a visão mecanicista, que vê o todo e o nível superior como resultado da mera soma das partes e do nível inferior. Por outro lado, evita o problema do vitalismo que coloca a enteléquia como uma força vital praticamente fora desse organismo. O conceito em si de organismo pode estar relacionado com o 'synolon' aristotélico (ou 'compositum', escolástica). No entanto, essa posição ainda tem seus problemas. Em primeiro lugar, podemos perguntar, como Blanco (2002, p. 213): Por que 'totalidade' é a última palavra que posso dizer sobre a realidade? Por que eu deveria aceitar que o conceito de totalidade é um conceito limite, além do qual não se pode ir no campo filosófico? Por que deve ser o limite, se eu ainda posso me perguntar o que faz um todo ser um todo, de modo que "todo" não seria a última resposta? Na verdade, na perspectiva aristotélica, a alma como um ato e forma substancial é a explicação de tudo. Por outro lado, no vitalismo, há uma diluição da possível distinção real das partes de um todo, bem como a distinção entre diferentes tipos de todo e parte. Há partes quantitativas e partes qualitativas, integrais, essenciais, subjetivas, potencias, etc. As potências da alma são realmente distintas umas das outras, embora elas sejam partes potenciais do todo, que é a alma ou pessoa. 'Actiones sunt suppositorum', sim, mas através de diferentes formas acidentais, que são fonte próxima de tais atos. Alma e corpo são partes do todo da pessoa: sim, mas eles não deixam de ser distintos enquanto co- princípios, não como substâncias completas. Finalmente, a tese holística perde de vista a espiritualidade da alma humana. Nem tudo são ações conjuntas do organismo (no sentido de synolon). Há atos que, sendo atribuíveis à pessoa como fim primeiro e substantivo, não podem, no entanto, ser atribuídos ao composto, ao "21 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA contrário de animais que são apenas organismos. Nós temos aqui, portanto, novamente, a dissolução da fronteira homem-animal. 4.3. Psicologia cognitiva e filosofia da mente. O cognitivismo não é uma corrente uniforme. Por cognitivismo se entende, por um lado, um ampla corrente acadêmica surgida nos anos 50, mas cujos efeitos se fizeram notar no fim dos anos 60; e por outro lado, uma corrente de psicoterapia, surgida também nos anos 50, mas independentemente desse movimento acadêmico. Vamos focar aqui no primeiro, porque o segundo parece alheio às discussões que tratamos aqui. Depois de um hegemonia acadêmica de várias décadas do behaviorismo na psicologia americana (dos anos 20 aos 50), o cognitivismo surgiu como uma reivindicação do estudo científico da mente, em reação ao reducionismo metodológico behaviorista. Pioneiros deste movimento foram autores como George Miller, Jerome Bruner e Ulric Neisser. Embora alguns de seus métodos de pesquisa foram originais, não era realmente uma novidade genuína, mas um retorno aos programas de psicologia de Wundt e de James, que haviam sido superados pelo reducionismo behaviorista. De acordo com a tradição empírica anglo-saxã, este movimento preferiu o termo 'mente' para alma. E em linha também com essa tradição é de tendência cientificista e atualista. A primeira onda de cognitivismo foi muito atraída pelo que foi chamado 'metáfora do computador'. O progresso da computação e cibernética levou-os a pensar que a distância entre o homem e a máquina de processamento de informações não era tão grande, e pensar a mente como um processador de informações natural, orgânico. Desta forma, não era a fronteira homem-animal que era violada, mas a fronteira homem-máquina, em uma nova forma de cibermecanicismo. No entanto, alguns dos representantes do cognitivismo atenuaram sua posição, ou mesmo mudaram, como Ulric Neisser, propondo um cogtivismo ecológico. Esses autores argumentam que a metáfora do computador é uma ideia inapropriada dos processos cognitivos. Na verdade, a cognição humana é entendida nas situações concretas, nos contextos sociais em que ocorrem. Por sua vez, o filósofo John Searle (2001) criticou a visão do pensamento como processamento de "22 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA informações, dizendo que essa perspectiva considera apenas o aspecto sintático, mas não o semântico. Computadores processam informações que não compreendem. A compreensão não é mera combinação de símbolos, mas também é um entendimento desses símbolos. Com base no desenvolvimento da psicologia cognitiva e de outras disciplinas interessadas na cognição (neurociências, informática, cibernética, linguística), há algumas décadas se desenvolveua filosofia da mente. Neste contexto, o clássico problema da relação alma-corpo foi substituído pelo problema da relação cérebro- mente. O mesmo tratamento da questão nos dá a entender qual a solução predominante neste campo: o 'emergentismo'. Em geral, os partidários desta posição (com diferentes matizes) argumentam que a mente é uma qualidade emergente dos processos cerebrais, distinta do corpo, mas de alguma forma uma qualidade do corpo . Searle, que é um emergentista sutil e inteligente, expressa 6 sobre isto com estas palavras: Os processos mentais que consideramos constituir uma mente são causados, inteiramente, por processos que ocorrem dentro do cérebro. Mas vamos ser diretos, e vamos encurtar isso com cinco palavras - cérebros causam as mentes (Searle, 2001, 45). Enquanto o movimento cognitivista é um progresso em relação ao behaviorismo, observamos, principalmente na psicologia cognitiva, uma enorme dificuldade em se afastar de metodologias e atitudes que levam a posições reducionistas. Nas ciências cognitivas em geral, e na filosofia da mente em particular, há uma grande dificuldade em levantar problemas corretamente, o que, por sua vez, leva à impossibilidade de compreender a solução aristotélica. Se se parte do atualismo e, portanto, da questão sobre a relação entre atos mentais e fenômenos e estruturas nervosos, nunca se pode chegar a entender a coisa certa "Para esta posição, a complexidade nervosa orgânica do passado produziria certas 6 'propriedades holísticas' superiores, não dedutíveis da soma das partes do organismo, como de muitas entidades microscópicas emergem propriedades macroscópicas nos corpos, propriedades que, em certo sentido, são 'novas' em relação as suas partes. O mesmo se poderia dizer das propriedades da vida. Os traços da vida e da consciência 'emergem' de certa complexidade química. Esta posição é chamada de emergentismo. É apoiada, por exemplo, por Mario Bunge" (Sanguineti, 2007). "23 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA sobre a posição hilemomórfica, que parte da alma como solução ao problema da natureza, organização e unidade do ente vivente, e não a partir dos atos conscientes, que é o ponto de partida cartesiano. Na verdade, Descartes é o contraponto dialético constante de esses autores. Searle diz: Desde Descartes, o problema mente-corpo tomou a seguinte forma: como podemos explicar as relações entre dois gêneros de coisas, de aparências totalmente diferentes? Por um lado, há coisas imateriais, como nossos pensamentos e sensações: consideramos que eles sejam subjetivos, conscientes e imateriais. Por outro lado, há coisas físicas; pensamos que eles têm uma massa, que se estendem no espaço e que interagem causalmente com as coisas físicas" (Searle, 2001, p. 19). E o neurologista (que se tornou cripto-filósofo) Antonio Damásio, que se manifesta como um spinozziano, escreveu um livro intitulado 'El Error de Descartes' (O Erro de Descartes) para explicar que, ao contrário de Descartes, ele considera que "alma e espírito, com toda sua dignidade e escala humanas, são na verdade estados complexos e únicos do organismo" (Damasio, 2003, p. 231). Embora as abordagens emergentistas, como as organicistas holísticas, tenham o mérito de devolver os processos 'mentais' para a radicação ao 'synolon', falham na perda moderna de conceitos filosóficos que podem nos permitir unir alma e matéria em um todo, em que um não é o mero resultado do outro: os conceitos complementares de <ato> e <potência>, e suas concretizações de <matéria> e <forma>. Sem dúvida, os metabolismos e processos neurológicos são a causa daqueles processos 'mentais, mas... Que tipo de causa? Causa eficiente? causa material? Se for a primeira [causa eficiente], ainda há muito para explicar acerca desta estranha realidade que é causada pela matéria como seu agente. Se for a última [causa material], estamos com Aristóteles. Só que para este, a alma também está ligada a processos vegetativos. O conceito de alma como uma forma substancial permite, de uma forma mais eficaz que o emergentismo, unificar todos os processos vitais, cognitivos e vegetativos, e até mesmo, mas além disso, o próprio ser dos entes viventes. O emergentismo deixa de explicar a unidade do organismo em si, e, consequentemente, de todas as suas ações vitais. Na melhor das hipóteses, o emergentismo se aproxima da ideia de <eductio> das formas da "24 CORRENTES DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA MARTIN F. ECHAVARRÍA matéria, segundo a tradição aristotélica. Mas isso nos deixa com uma alma que perde sua dimensão transcendente. Assim como no caso do holismo, com quem compartilha muitas teses, o emergentismo perde a especificidade da alma espiritual e subsistente, tornando praticamente impossível uma justificação séria sobre a dignidade do ser humano e sua diferença em relação aos animais brutos que, todavia, somente retoricamente Damásio foi capaz de evocar. Conclusão A rápida jornada histórica sobre os avatares do conceito de alma na psicologia, que acabamos de fazer, evidencia por um lado a tentação recorrente de reduzir o ser humano a uma escala ontológica inferior a sua, através da distorção ou negação do conceito de alma, assim como pela 'desnaturalização' da alma. Também nos revela a atualidade da abordagem aristotélico-tomista no debate contemporâneo sobre o organismo, a vida e a mente, ao mesmo tempo que permite satisfazer as condições de unidade de alma e corpo, sendo a alma não só inerente ao organismo, mas um co-princípio sem o qual o organismo não é o que é, um co- princípio de dignidade e transcendência do espírito, que o torna uma pessoa 'o mais digno em toda a natureza' por ser a imagem de Deus. Bibliografia ADLER, A. (1947). Conocimiento del hombre. Buenos Aires: Espasa - Calpe. ANDEREGGEN, I., Santo Tomás de Aquino, psicólogo, en Sapientia 54 (1999) p. 59-68. ARISTÓTELES (1944). Tratado dei alma. Buenos Aires. 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