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Pró-reitoria de EaD e CCDD 1 Comunicação e Realidade Brasileira Aula 3 Prof.ª Máira Nunes Pró-reitoria de EaD e CCDD 2 Conversa Inicial A sociedade brasileira ainda passa por muitos problemas. Racismo, questões de gênero, desigualdade social, problemas econômicos. Mas você já parou para pensar como essas questões surgiram? Uma ótima maneira de compreender a situação atual do Brasil é estudar sua história. Durante a época da colonização portuguesa, o Brasil era uma fonte de produtos e matérias-primas para Portugal, o que causava conflitos com a sociedade que estava se formando por aqui. A relação entre os proprietários de terras e aqueles que nelas trabalhavam, principalmente com os que trabalhavam a contragosto, ou seja, os escravos, também não era fácil, e muitos dos problemas sociais atuais podem ser rastreados para a época colonial. Agora vamos analisar os diferentes ciclos econômicos do Brasil Colônia, como era a vida dos escravos que foram trazidos para cá e como isso influenciou a cultura, a sociedade e a política brasileiras. Também vamos abordar as diferentes resistências, tanto dos escravos com relação a seus senhores como da sociedade brasileira com relação a Portugal. Tema 1: Ciclos Econômicos Ainda hoje o Brasil tem regiões diferentes entre si, propícias para diferentes tipos de atividades econômicas. Na época do Brasil Colônia, as dificuldades de comunicação e locomoção acentuavam essas diferenças, além do fato de ainda haver muitas áreas inexploradas. Os distintos ciclos econômicos brasileiros se caracterizam pelos latifúndios – diferente do que aconteceu na colonização dos Estados Unidos da América, então Nova Inglaterra, que não tiveram essa característica, o que foi decisivo nas condições culturais, políticas, econômicas e sociais deles e nossas. Pau-brasil Depois do descobrimento, não demorou muito para os portugueses começarem a extrair matérias-primas brasileiras. A primeira atividade Pró-reitoria de EaD e CCDD 3 econômica, já nos primeiros 30 anos depois do Descobrimento, foi a extração do pau-brasil, árvore de madeira avermelhada, um tanto como uma brasa, que deu origem ao nome do nosso país. No começo, eram os próprios portugueses que cortavam as árvores. A dificuldade de extraí-las encontrava-se no fato de as árvores crescerem separadas umas das outras. Quando as árvores do litoral se esgotaram, a tarefa foi encomendada aos índios, que trocavam a madeira por tecido, facas e outros objetos de pouco valor para os portugueses. Açúcar Pouco depois do auge do pau-brasil, em 1532, Martim Afonso trouxe especialistas no cultivo da cana. Essa atividade se concentrou no Nordeste – então chamado de Norte –, principalmente em Pernambuco e na Bahia. A cana também foi plantada no Rio de Janeiro, mas era transformada principalmente em cachaça, usada como pagamento por escravos vindos da África. Produzir açúcar implicava não apenas a instalação de engenhos, mas também a construção de toda uma estrutura – área para plantio da cana, instalações para os escravos, a casa-grande etc. Em alguns casos, os próprios comerciantes colaboravam com a instalação de um engenho, aceitando pagamentos de dívidas em açúcar. A construção de engenhos também era financiada, não por bancos, que ainda não existiam no Brasil, mas sim por instituições religiosas que emprestavam dinheiro. A transição dos escravos indígenas para os escravos africanos foi evidente na indústria açucareira. Entre 1574 e 1638, a presença de escravos africanos em engenhos passou de 7% para 100%. O trabalho era árduo: a moenda da cana provocava acidentes graves, como amputações – há relatos de que sempre havia à mão uma machadinha para amputar os membros de escravos que ficassem presos no maquinário, para evitar danos maiores ao equipamento. Nas fornalhas, o calor era insuportável, e muitas vezes usado como castigo. Os escravos podiam subir de cargo e, inclusive, chegar ao cargo de mestre açucareiro, encarregado de todo o processo de fabricação. Alguns Pró-reitoria de EaD e CCDD 4 trabalhadores brancos que não tinham recursos podiam plantar a cana, inclusive em terrenos de sua propriedade. Até o século XIX, o açúcar foi o principal produto exportado pelo Brasil. Houve um grande crescimento entre 1570 e 1620, e mais tarde houve alguns fatores que provocaram quedas na produtividade. Foi o caso das invasões holandesas em Pernambuco, da Guerra dos 30 anos na Europa, e da concorrência com as Antilhas, por exemplo. Fumo Concentrou-se na região do recôncavo baiano, próximo da cidade de Cachoeira. Como o cultivo de fumo era viável em pequenas propriedades, alguns proprietários, inclusive mulatos, viviam desse cultivo junto a produtores maiores. Os fumos mais finos eram vendidos para a Europa, e os de qualidade inferior eram usados no comércio de escravos. Pecuária A criação de gado começou perto dos engenhos, mas a necessidade de terras férteis para o cultivo de cana foi “empurrando” a pecuária para o interior. Isso ocasionou o “desbravamento” do interior do Piauí, do Maranhão, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. A atividade se caracterizava por latifúndios imensos, alguns maiores do que Portugal. Como o trabalho com gado era mais “livre”, havia presença de mão de obra de índios, mestiços e escravos. Mineração Motivados pela descoberta de metais preciosos nas colônias espanholas, foi no final do século XVII que começou a exploração de minérios, no começo ouro e, mais tarde, diamantes, principalmente em Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso. O ouro – e os impostos pagos por ele – ajudou a equilibrar a balança comercial entre Inglaterra e Portugal. A atividade também provocou que o foco da economia brasileira passasse do nordesteNordeste Pró-reitoria de EaD e CCDD 5 para o centro e para o atual sudoeste, inclusive com a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro. Industrialização As primeiras iniciativas para a industrialização do Brasil vieram da mão do Barão de Mauá, durante o século XIX. Foi em uma viagem à Inglaterra, em 1840, que ele concebeu que o Brasil precisava acompanhar os processos de industrialização que estavam acontecendo por lá. No começo, suas ideias – liberalismo econômico, abolição da escravatura – não eram muito bem-vindas, mas, aos poucos, ele conseguiu que o Brasil acompanhasse algumas inovações tecnológicas da Revolução Industrial, como a criação da primeira ferrovia, estradas, cabos de telégrafo submarinos, iluminação pública. Tema 2: O Brasil Escravagista Na América espanhola, houve diferentes formas de trabalho compulsório, enquanto no Brasil a forma de trabalho compulsório predominante foi o escravagismo. Na época, escravizar pessoas já havia deixado de ser uma atividade tão comum, então por que se apelou para esse tipo de trabalho? Por um lado, não havia suficientes trabalhadores dispostos a emigrar e trabalhar em regimes de semidependência ou por salários. Por outro lado, o trabalho assalariado não era conveniente para os processos de colonização. Para ocupar as terras, seriam necessárias grandes quantidades de trabalhadores. Além disso, eles poderiam tentar ganhar a vida de outras maneiras. Então, por que houve preferência por trazer pessoas da África em vez de se aproveitar dos índios? Na verdade, os primeiros escravos foram índios, e o trabalho de escravos trazidos da África, em alguns lugares mais periféricos, só começou a ser utilizado a partir do século XVIII. Houve vários fatores pelos quais os índios não eram vistos como lucrativos. Além de eles não terem uma cultura de produtividade, trabalhavam o necessário para sua subsistência, e não tinham a mesma ideia de trabalho dos Pró-reitoria de EaD e CCDD 6 europeus. Eles também tinham total familiaridade com o entorno,o que lhes permitia fugir da escravidão e não ter dificuldades para voltar a morar nas florestas. Além disso, os índios não tinham resistência diante das doenças, inéditas para eles, trazidas pelos europeus. Entre 1562 e 1563, mais de 60 mil índios morreram vítimas de sarampo, varíola e até gripe. Cabe aqui destacar a oposição de religiosos, particularmente das missões jesuíticas, os quais tinham outros planos para os índios: transformá- los em “bons cristãos”, o que causava conflitos entre os religiosos e os colonos. Não que os jesuítas tivessem algum respeito pelas culturas indígenas, duvidando até que eles pudessem ser considerados pessoas. A partir de 1570, a Coroa começou a incentivar a “importação” de escravos africanos, e, em 1758, decretou a libertação definitiva dos indígenas. Entretanto, os escravos vindos da África eram preferidos muito antes disso. Foi durante as navegações do século XV que os portugueses começaram o contato com sociedades que já traficavam escravos. No século XVI, já havia uma estrutura para esse comércio. Várias culturas da África já trabalhavam com ferro e com criação de gado, o que tornava os escravos africanos pessoas mais produtivas do que os índios brasileiros. Durante a primeira metade do século XVII, no apogeu da economia do açúcar, o custo por um escravo “se pagava” após pouco mais de um ano de trabalho. No começo do século seguinte, houve uma alta no preço, e o tempo estimado para amortizar o custo era de 30 meses. (Schwartz apud Fausto, 1995, p. 51) No século XVI, os escravos vinham principalmente da Guiné (Bissau e Cacheu) e da Costa da Mina. A partir do século XVII, passaram a vir de regiões mais ao sul, como Congo e Angola, por meio dos portos de Luanda, Benguela e Cabinda. Durante o século XVIII, 70% dos escravos vinham da Angola. Os escravos da Angola eram trazidos principalmente para o Rio de Janeiro, que constituía um dos principais portos de chegada de escravos. O outro era Salvador, que botava na negociação o fumo produzido no recôncavo Pró-reitoria de EaD e CCDD 7 baiano e recebia escravos da Guiné e da Costa da Mina, e mais tarde do Golfo de Benin. Uma vez no Brasil, os escravos não aceitavam seu destino com tanta facilidade. Havia fugas individuais, fugas em massa, agressões aos senhores etc. No que se refere à mortalidade, os escravos vindos da África eram mais resistentes a doenças do que os índios, então não há registros de epidemias graves. A expectativa de vida, porém, era baixa: em 1872, era de 18 anos, enquanto a média geral era de 27 anos. A população escrava diminuía em torno de 5% ao ano, sendo reposta com novos escravos, já que a natalidade entre os escravos era baixa e via-se a criação de um escravo desde o nascimento como um investimento de alto risco. A abolição da escravatura no Brasil foi resultado de uma combinação da resistência dos escravizados com uma aceitação social cada vez maior do movimento abolicionista, apoiado por intelectuais e políticos como José do Patrocínio e Joaquim Nabuco. A primeira lei proibindo o tráfico de escravos entre a África e o Brasil foi sancionada em 1831, mas somente em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós, o tráfico foi abolido, intensificando o tráfico de escravos dentro do Brasil. Em 1871, foi sancionada a Lei do Ventre Livre, que considerava livres os filhos de escravas, além de permitir aos escravos que acumulassem dinheiro para comprar a própria alforria – ato de se libertarem dos seus senhores. Em 1885, com a promulgação da Lei dos Sexagenários, toda pessoa escravizada que tivesse chegado aos 65 anos seria considerada livre. Finalmente, em 13 de maio de 1888, a escravidão foi abolida oficialmente com a Lei Áurea, promulgada pela então regente do Império, Princesa Isabel, em nome de seu pai, o Imperador Dom Pedro II. Tema 3: Revoltas e Resistência Já no começo do século XVIII, surgiam movimentos conspiratórios Pró-reitoria de EaD e CCDD 8 contra Portugal, os quais buscavam a independência. Entretanto, os movimentos considerados mais importantes se concentraram entre o final do século XVIII e o começo do século XIX. Os três principais, que detalharemos adiante, foram a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração dos Alfaiates (1798) e a revolução de 1817 em Pernambuco. A Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos eram suas fontes inspiradoras. Porém, os movimentos brasileiros eram formados por diferentes grupos sociais, e cada um tinha seus próprios interesses: enquanto setores mais ricos agiam com mais prudência quanto a questões que não eram do seu interesse – como a abolição da escravatura –, as classes dominadas tinham ideais igualitários, como a reforma social. É interessante observar também que, mais do que se afirmarem como brasileiros, os revolucionários se identificavam como mineiros, pernambucanos, baianos ou até “pobres”. Além dessas revoltas, houve também revoltas protagonizadas por escravos, das quais já falamos. Inconfidência Mineira A maioria dos chamados inconfidentes provinha de famílias ricas, e alguns deles tiveram contato com ideais independentistas em universidades na Europa. Eram em sua maioria parte da elite colonial, mineradores, fazendeiros, funcionários etc. José Joaquim da Silva Xavier era, em partes, exceção. Sua família perdera os bens por causa de dívidas, e ele entrou na carreira militar. Nas horas vagas, exercia o ofício de dentista, de onde veio o apelido de Tiradentes. Nas últimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira estava em decadência, devido principalmente à queda constante na produção de ouro, o que dificultava pagar os impostos sobre esse produto, os quais não levavam em conta a queda na produção, e atribuíam a falta de ouro ao descaminho. O imposto exigido era de 1,5 mil quilos de ouro, e, caso essa quantia não fosse atingida, seria cobrada a derrama, um imposto que todo habitante da capitania Pró-reitoria de EaD e CCDD 9 deveria pagar. A Coroa não permitia a atividade fabril, e ainda cobrava altos impostos de produtos manufaturados. Outras dívidas com Portugal eram originadas de contratos para arrecadar impostos, que alguns membros da elite, os quais arrecadaram o dinheiro, não repassaram à Coroa. Em 1788, começaram as reuniões, com o objetivo de declarar um país independente – não o Brasil, e sim a capitania de Minas Gerais –, considerar pagas as dívidas com Portugal e estimular a atividade fabril. Esse país não teria exército, já que considerava obrigação dos habitantes formar milícias. Também estava prevista a libertação dos escravos – alguns inconfidentes consideravam que isso fortaleceria o novo país, enquanto outros se opunham a essa ideia. Em 1789, um dos devedores, Joaquim Silvério dos Reis, denunciou o movimento à Coroa, em troca do perdão de suas dívidas. Os inconfidentes foram presos e condenados à forca. Um decreto comutou as penas de morte para o degredo – exílio nas colônias portuguesas na África e para conventos em Portugal –, com exceção de Tiradentes, que havia se declarado líder do movimento. Depois de um julgamento espetacularizado, foi enforcado, esquartejado, e sua cabeça exposta ao público, como advertência. Fausto (1995, p. 118) analisa como essa espetacularização da pena de Tiradentes o transformou, aos poucos, em mártir e em símbolo dos ideais republicanos brasileiros. Ainda segundo Fausto, o movimento como um todo foi relativamente pequeno, mas se tornou importante em tanto que símbolo. Conjuração dos Alfaiates Ao contrário da Inconfidência Mineira, a Conjuração dos Alfaiates, que aconteceu na Bahia no ano de 1798, foi um movimento de classes mais baixas: negros e mulatos livres ou libertos, que trabalhavam como artesãos ou soldados, alguns escravos, e vários brancos de classes mais baixas – a exceção foi o médico Cipriano Barata, educado em Coimbra.A presença de vários alfaiates deu nome ao movimento. Os conspiradores defendiam a Pró-reitoria de EaD e CCDD 10 república, o fim da escravidão, o livre comércio – particularmente com a França – e a abertura dos portos, igualdade social, entre outras. As influências vinham da Revolução Francesa, da maçonaria e do processo de independência do Haiti. A escassez de alimentos levou à ocorrência de vários motins em Salvador entre 1797 e 1798. Por exemplo, no sábado de aleluia de 1797, os escravos que transportavam carne para o general-comandante de Salvador foram atacados pela multidão, e os alimentos repartidos com a população. (Fausto, 1995, p. 119) O movimento não foi muito além de algumas articulações e da divulgação de panfletos. Houve uma tentativa de pedir apoio do governador da Bahia, mas logo começaram as prisões e delações. Os principais acusados foram exilados, presos, e quatro deles – sendo dois alfaiates – foram enforcados e esquartejados, em penas exageradas a fim de servirem de exemplo e, assim, evitar uma insurreição da população negra da cidade, que chegava a 80%. O temor da Coroa era o de que acontecesse algo similar ao que estava acontecendo no Haiti. Boris Fausto (1995, p. 120) fala sobre como esse movimento, assim como a Inconfidência Mineira, é importante mais pelo simbolismo do que pelas consequências diretas. Ele também fala sobre como o movimento era relativamente desconhecido até a publicação do livro de Affonso Ruy, A Primeira Revolução Social Brasileira, em 1942. Revolução Pernambucana de 1817 Com a Corte instalada no Brasil, aumentaram-se os impostos para sustentar os gastos desta, e também houve mudanças no exército, deixando os militares brasileiros insatisfeitos. Especificamente no Nordeste, o sentimento geral era o de que a situação para eles não tinha vantagem alguma, pelo contrário. Os privilégios concedidos aos portugueses resultaram em um sentimento antilusitano. As influências eram similares à Inconfidência Mineira e Pró-reitoria de EaD e CCDD 11 à Conjuração dos Alfaiates, porém havia interesses de diferentes grupos sociais envolvidos. Iniciada em Recife, a Revolução se alastrou para Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, que também sofriam com as diferenças entre as regiões brasileiras. Os revolucionários implantaram um governo provisório em Recife, baseado em uma “lei orgânica” na qual se proclamava a República. Essa lei falava de igualdade de direitos, mas não abolia a escravidão. Também foram enviados representantes a outras capitanias e aos Estados Unidos, à Inglaterra e à Argentina, em busca de apoio. Logo veio a resposta das tropas portuguesas, com lutas pelo sertão, e finalmente com a ocupação de Recife, em maio de 1817, com as consequentes prisões e execuções dos líderes. Os dois meses de movimento deixaram uma marca no Nordeste. A Revolução Pernambucana foi a única revolução da época colonial que passou da etapa da conspiração e chegou a tomar o poder, mesmo que brevemente. Tema 4: Cultura Colonial Não é de hoje que a sociedade brasileira se caracteriza pela desigualdade social. A divisão da sociedade em diferentes classes remonta aos tempos da colônia. Durante o “período açucareiro”, a desigualdade se fazia visível na própria construção dos engenhos, divididos em casa grande e senzala. A casa grande era o domínio do senhor de engenho sobre sua família. O patriarca, o senhor de engenho, era quem impunha regras sobre o resto da família. Às mulheres restava se ocuparem de afazeres domésticos e do controle dos escravos destinados a esses afazeres. Aos homens cabia todo o resto, inclusive o treinamento dos filhos e netos, nascidos na casa grande, para que dessem continuidade à “liderança” do engenho. Abaixo dessa elite, havia uma pequena elite urbana, composta por Pró-reitoria de EaD e CCDD 12 comerciantes, artesãos e funcionários públicos. A senzala representa a camada da base da sociedade, composta por escravos. Além de mão de obra, eles eram um indicador de “status”, do poder do senhor de engenho. Aos escravos e escravas, como escreveu um monge jesuíta, eram dados “os três P”: pau – agressões físicas – para andar na linha, pano para cobrir as vergonhas – se vestir – e pão – alimento – para sobreviver. Todas essas situações foram descritas por Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande e Senzala, publicado em 1933. Nesse livro, Freyre investigou documentos da época dos engenhos e traçou uma relação entre a divisão da casa grande e da senzala como fundamentais para a história da cultura e da sociedade brasileira. Além disso, Freyre também refutou a ideia que a miscigenação gerou uma raça inferior, destacando os aspectos positivos, principalmente culturais, dessa convivência. A obra de Freyre, entretanto, foi usada para defender o fato de que no Brasil haveria uma “democracia racial”, na qual a sociedade não seria racista, diferente do que aconteceu – e acontece – nos Estados Unidos, por exemplo. Pesquisas indicam que as pessoas não se veem como racistas, mas conhecem alguém que é. Estatísticas sobre renda e pobreza também servem para refutar a ideia de “democracia racial” em que se acreditou, a qual era defendida por Freyre. Lançada três anos depois da obra de Freyre, Raízes do Brasil é outra obra importante para compreender a história da cultura brasileira a partir da colonização. Escrita por Sérgio Buarque de Holanda – pai de Chico Buarque –, um dos conceitos importantes nessa obra é a ideia de que o brasileiro seria um “homem cordial” – não no sentido de quem dá bom dia e boa tarde; aqui cordial se refere ao coração, às emoções da pessoa. O “homem cordial” não consegue separar o público do privado, não vê que a vida, com reação ao governo e suas burocracias, tem de ser impessoal, e não pessoal; Holanda situa isso como uma herança da família patriarcal, lá dos senhores de engenho, que tem consequências na maneira como as pessoas lidam com as instituições. Pró-reitoria de EaD e CCDD 13 Tema 5: Coronelismo e Voto Várias características da colonização brasileira, como a divisão em capitanias e os latifúndios, colaboraram para concentrar o poder nos proprietários de terras, os chamados “coronéis”. Depois da proclamação da República, em 1889, os sistemas de voto ainda eram frágeis e fáceis de serem manipulados. Nas palavras de Victor Nunes Leal, o coronelismo seria o “resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada”. (Leal, 2012, p. 43). Ou seja, não adiantava estabelecer uma democracia representativa se as pessoas não estavam em condições de votar com independência. Leal (2012, p. 44) também se refere ao coronelismo como “uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa.” Foi uma maneira que o poder privado encontrou para continuar no poder apesar das novas regras. E como os “coronéis” conseguiam se perpetrar no poder? Podemos considerar quatro estratégias principais: Voto de Cabresto: os coronéis tinham várias maneiras de manipular o resultado de uma eleição. Como o voto não era secreto, e o eleitor falava em voz alta em quem queria votar, capangas a serviço dos coronéis ficavam próximo aos lugares de votação, para intimidar quem ousasse votar em um candidato que não fosse do interesse deles. Se alguém votasse em outro candidato, era perseguido e ameaçado, inclusive com agressão física. Outro recurso era a compra de votos com bens materiais ou alimentos. As regiões controladas pelos coronéis eram conhecidas como currais eleitorais. Fraude eleitoral: tratava-se simplesmente de falsificar votos, destruir registros de votação, falsificardocumentos para que eleitores fantasma ou homens já falecidos votassem, ou para que houvesse vários votos de uma Pró-reitoria de EaD e CCDD 14 mesma pessoa. Política do café com leite: o nome se refere a São Paulo – que produzia café – e Minas Gerais – que produzia leite e derivados. No começo do século XX, esses eram os estados mais ricos do Brasil, e os políticos deles faziam acordos para se manter no poder. Política dos Governadores: os governadores e o presidente da República faziam acordos na base de favores. Quem não fizesse oposição ganhava liberação de verbas federais. O coronelismo perdeu forças com mudanças na sociedade, como o aumento de população urbana e a instauração do voto secreto, na década de 1930. Porém, algumas práticas, principalmente as que se referem a acordos entre políticos, continuam acontecendo. Na Prática Vamos tentar comparar o Brasil colonial com a situação atual? Apesar de termos analisado fatos que aconteceram há alguns séculos, muitas questões ainda acontecem: Escravidão: ainda há trabalho escravo no Brasil? Onde? Ainda há situações de acordos entre políticos ou entre partidos políticos que visam manter o poder concentrado entre certos políticos? O Brasil já se tornou um país industrializado, ou sua economia ainda se baseia na agricultura, na pecuária e na mineração? Isso é bom ou ruim? Quais as consequências? Qual a situação de pessoas descendentes de escravos africanos? Como encaramos o problema do racismo? Pró-reitoria de EaD e CCDD 15 Síntese CICLOS ECONÔMICOS Exploração de recursos naturais Exploração de minérios Produção de açúcar e derivados ESCRAVAGISMO Preferência pelo negro e não pelo índio Presença do escravo africano no Brasil Resistência VOTO DE CABRESTO Estratégias para perpetuar o poder dos coronéis Efeitos posteriores na política brasileira CULTURA COLONIAL Relações de poder centralizado no senhor de engenho e outras hierarquias Influência na cultura REVOLTAS Tentativas de independência Motivos das revoltas Repressão Revoltas como antecedentes Pró-reitoria de EaD e CCDD 16 Referências FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: USP, 1995. LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.