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Pró-reitoria de EaD e CCDD 1 Comunicação e Realidade Brasileira Aula 6 Prof.ª Máira Nunes Pró-reitoria de EaD e CCDD 2 Conversa Inicial No dia a dia, é complicado pensar sobre o papel da mídia, e talvez o seja ainda mais caso estejamos inseridos nela, trabalhando nela ou consumindo-a. Qualquer que seja nossa relação com a mídia – e certamente temos uma relação com ela, por mais que queiramos nos alienar e jogar nosso televisor fora –, é importante pensar nas pessoas envolvidas e atingidas por ela, e principalmente nos efeitos que ela tem nessas pessoas. Aqui vamos falar da relação da publicidade com setores da sociedade mais fragilizados, cuja representação costuma ser inexistente ou, quando existe, problemática. A reflexão que buscamos aqui é se é possível uma publicidade ética, que leve em consideração a sociedade como um todo, diminuindo – ou pelo menos não aumentando – os problemas de cada setor, e também conceber que o respeito por todas as pessoas não é uma limitação à criatividade nem à liberdade de expressão, e, sim, simplesmente respeito por outras pessoas. Tema 1: Publicidade e Infância O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) tem, em seu próprio código, um artigo dedicado à publicidade direcionada a crianças e adolescentes. Ele começa assim: Artigo 37 - Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. (CONAR) Como toda lei, ela pode ser contornada e interpretada de acordo com os interesses em jogo. Apesar de tudo que o Artigo acima diz – você pode ler a íntegra dele no site do Conar –, as empresas estão investindo cada vez mais nas crianças. A criança interessa às empresas por três fatores (Sampaio, 2009, p. 27-28): Ela é um consumidor em potencial, que vem sendo educada para ficar sujeita aos códigos da publicidade. Ela decodifica os signos da publicidade em algo que não é inerente ao objeto. Por isso, acaba influenciando na compra de produtos. Pró-reitoria de EaD e CCDD 3 A criança atua como “catalisadora” do consumo nas propagandas que são destinadas às crianças, mas visam atingir os adultos. A publicidade dirigida às crianças pode parecer algo inofensivo, mas é necessário considerar o papel da mídia. Para Douglas Kellner, a mídia não é o monstro poderoso que autores anteriores a ele pintam; para ele, a mídia acaba substituindo, em partes, instituições tradicionais como a igreja, a família e a escola. (Kellner, 2001, p. 135) Assim, a publicidade infantil acaba sendo um lugar cheio de felicidade associada ao consumo de produtos, passando a ideia de uma infância feliz (Sampaio, 2009, p. 16), e muitas vezes moldada em comportamentos distantes da realidade da criança (Sampaio, 2009, p. 10) que se contrapõe às “mazelas do mundo adulto” (Sampaio, 2009, p. 11-12) às quais as crianças são expostas na mídia. Tema 2: Relações Étnico-Raciais A segregação racial sempre foi um problema no Brasil e no mundo. Depois da preferência pelos escravos trazidos da África, e de várias tentativas de “branqueamento” da população (Martins, 2009), estamos em uma situação de suposta igualdade racial. Porém, dados censitários revelam a desigualdade racial entre diversas classes econômicas, com predomínio de pessoas negras entre as classes mais pobres. A publicidade atual também colabora para reafirmar essa situação. Apesar de metade da população brasileira ser negra, a publicidade “fica reservada com exclusividade aos descendentes de europeus. Nesse lócus, perpetuam-se e se naturalizam os estereótipos que penetram no imaginário da população; assim, a publicidade é considerada veículo da violência simbólica em nosso país” (Silva, 2011, p. 22). Essa afirmação se comprova na análise feita pelo pesquisador Carlos Augusto de Miranda e Martins na dissertação de mestrado Racismo anunciado: o negro e a publicidade no Brasil. (Martins, 2009) Ele analisou a proporção de pessoas negras em anúncios veiculados em revistas. Em 1985, de 308 Pró-reitoria de EaD e CCDD 4 anúncios com pessoas, apenas 8 – 3% do total – tinham pessoas negras. Em 2005, a proporção aumentou para 13% – 32 de 247 anúncios. Desses 32 anúncios, 21 eram pessoas representando estereótipos como atleta, trabalhador braçal ou carente social. Considerando todas as campanhas, 32% dos anúncios com negros são empresas públicas ou ONGs. O pesquisador ainda ressalta algumas características, como um tratamento de imagem que “branqueia” a pele negra, a presença da pessoa negra em segundo plano – já que geralmente aparece junto a pessoas brancas –, e geralmente a pessoa negra não ter contato direto com o produto anunciado, em uma estratégia para “não contaminar” o produto. (Hasenblag apud Martins, 2009, p. 98) Martins também cita várias pesquisas e entrevistas para tentar entender o aumento, ainda que modesto, da figura de pessoas negras na publicidade. Ele menciona entrevistas com publicitários, que falam sobre a falta de pessoas negras na publicidade como reflexo da condição econômica. Martins cita uma resposta dada pelo publicitário Ênio Mainardi, em entrevista de 1988: A propaganda não é revolucionária, ela vive de clichês sociais, dos preconceitos, só mostrando aquilo que as pessoas querem ver. Nos comerciais, as pessoas querem se ver representadas, numa verdadeira projeção psicanalítica, como lindas, ricas, poderosas. E os pretos são pobres meu amor. (Pires apud Martins, 2009, p. 106) Em pesquisas posteriores, as pessoas negras são vistas como um mercado a ser descoberto, mas ainda não explorado. Dilma de Melo Silva, porém, duvida desse tipo de afirmação: “Num sistema econômico que visa ao lucro, por que ocupar-se com não cidadãos, sem posses, sem status, sem recursos para o consumo? A lógica que predomina advém da herança escravista: o que é bom para o branco também será para o não branco” (Silva, 2011, p. 22). E Martins (2009, p. 109) conclui que: A publicidade e mídia como um todo atuariam, portanto, negativamente no que concerne à autoestima e à identidade da parcela negra da população, dificultando a formação de um modelo identitário que permita ao grupo negro pensar sua inserção na estrutura social brasileira em pé de igualdade com o grupo branco. Os dados e autores apresentados buscam oferecer um panorama da Pró-reitoria de EaD e CCDD 5 situação das pessoas negras na publicidade, e consequentemente na sociedade. A reflexão buscada é sobre o papel da publicidade em manter esses estereótipos, e que tanto a publicidade pode colaborar – ou deixar de colaborar, ou até atrapalhar – com os problemas sociais derivados do racismo. É uma saída fácil dizer que a publicidade não tem esse papel, colocando-a como mero reflexo da sociedade. Entretanto, também não podemos isolar a publicidade da sociedade e eximi-la de responsabilidades. Tema 3: Gênero e Sexualidade Vivemos em uma sociedade na qual a busca por definições de padrões no que diz respeito ao corpo transforma-se numa corrida rumo ao consumo. Tornou-se comum querer ter um corpo “da moda”. Baseado em tipos franzinos, magros, esses corpos são tão produtos de consumo quanto as roupas que os vestem. (Samarão, 2009, p. 167) A partir dessa frase de Liliany Samarão, é possível refletir sobre várias questões. Primeiro, de onde vem a utilização do corpo e/ou da imagem do corpo feminino? Angela Schaun e Rosana Schwartz fazem um apanhado de como, no Brasil, o corpo da mulher foi sendo construído enquanto “objeto erótico”: mulheres indígenas sendo acusadas dos próprios estupros, por andarem nuas; mulheres escravizadas com a função de “amas de cama” dos senhores de engenho,além de terem a função de reproduzir para gerar mais escravos, e muitas vezes sofrer violência pelos ciúmes das “senhoras de engenho”, elas próprias provavelmente obrigadas pela família a se casarem com algum homem poderoso. (Schaun; Schwartz, 2012, p. 2) Na arte, a imagem das mulheres foi associada ao desejo, como nos nus das pinturas europeias. Um cartaz do grupo de mulheres artistas Guerrilha Girls aponta que, em 1989, as mulheres representavam menos de 5% dos artistas das seções de arte moderna do Museu Metropolitano de Arte, em Nova Iorque; mas que 85% das pinturas de nus eram de mulheres (TATE). Essa representação se manteve com o surgimento da fotografia, do cinema, e, é claro, da publicidade. Alguns autores afirmam que as primeiras obras a explorarem o uso da figura feminina em cartazes foram do artista e cartazista Pró-reitoria de EaD e CCDD 6 francês Jules Chéret, cujas obras foram mais populares na chamada “belle époque” – França, final do século XIX. Figura 1 – Quinquina Dubonnet, 1895 Fonte: <http://www.zazzle.com.br/quinquina+posters>. Segundo Schaun e Schwartz, foi com a Revolução de 1930, no Brasil, que começaram a aparecer figuras femininas no papel de mães, trabalhadoras, educadoras dos filhos; essa imagem estava em sintonia com “os ideais da ordem e disciplina para atingir o progresso” (2012, p. 5). Algumas décadas depois, especificamente nos Estados Unidos, mas com influência visível no resto do mundo, a figura feminina passou por um período de celebração do poder feminino, estimulando a participação de mulheres na produção de aviões para a Segunda Guerra. Um exemplo dessa iconografia é a clássica ilustração da Rosie the Riveter, dizendo “We Can Do It!” (Nós podemos!). Figura 2 – Mulher trabalhando na indústria aeronáutica, aplicando arrebites em uma chapa de aço, no final da Segunda Guerra Pró-reitoria de EaD e CCDD 7 Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/7b/Rosie_the_Riveter_%28Vultee% 29_DS.jpg/1024px-Rosie_the_Riveter_%28Vultee%29_DS.jpg>. Quando os homens voltaram da guerra, foi necessário encontrar postos de trabalho para eles, e então as mulheres saíram das fábricas. A imagem das mulheres voltou a colocá-las em posição de mãe, de educadora, de cuidadora do lar. Entretanto, a sensualidade nessas mulheres continuava aparecendo, ainda que vestidas com aventais, já que eram corpos esguios, de pernas compridas e acinturados. (Schaun; Schwartz, 2012, p. 7) Pró-reitoria de EaD e CCDD 8 Figura 3 – Propaganda de panelas em revista O Cruzeiro de 1954 Fonte: <http://histormundi.blogspot.com.br/2012/04/anuncio-antigo-11-rainha-do-lar.html>. Na modernidade dos anos 1960 a 1980, e inclusive até hoje, Schaun e Schwartz (2012, p. 8) narram como a figura feminina passou a mostrar mais do corpo das mulheres, ainda como objetos de desejo e de decoração, associados ao consumo do produto anunciado. Segundo elas, graças ao aumento do poder econômico das mulheres, há algumas mudanças, como a exploração erótica do corpo masculino para anunciar produtos destinados às mulheres, mas isso não é o objetivo das mulheres, e, sim, o “respeito às diferenças” (Schaun; Schwartz, Pró-reitoria de EaD e CCDD 9 2012, p. 10). Outra questão a ser pensada é como essa representação do corpo feminino leva à definição de padrões de beleza que devem ser seguidos pelas mulheres: A polêmica dos corpos ganha páginas de jornais e de revistas e chega até a TV por meio de imagens e representações que abrem espaço para a discussão sobre como a idealização do corpo adquiriu poder ao longo do século XX, chegando ao século XXI com normas estéticas específicas. É necessário ser como modelos: corpo plasticamente perfeito, à prova de velhice, isento de qualquer descuido ou preguiça. (Samarão, 2009, p. 167) Isso faz com que a representação das mulheres, na mídia em geral e especificamente na publicidade, tenha influência sobre a cultura e as pessoas. Apesar de as pessoas terem certo poder para se apropriar e fazer sua interpretação do que é divulgado, é necessário refletir sobre os efeitos dessas representações. Além disso, é interessante expandir essa discussão a outros setores da sociedade. Será que é de fato necessário dar continuidade a estereótipos para aumentar as vendas de cerveja? Tema 4: Movimentos Sociais Em dezembro de 2010, mais de 50 entidades brasileiras lançaram a Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos. O objetivo da organização é conseguir a regulação da publicidade de alimentos diante dos problemas de saúde, como excesso de peso, causados por alimentos ultraprocessados. (Observatório, 2011) Por ocasião da Copa de 2014, a ONG Plan, que luta contra o turismo sexual, criticou o anúncio da Boate Bahamas, que insinuava que jogadores de futebol seriam atendidos pelas mulheres que se prostituem no local. A mesma ONG conseguiu que a Adidas retirasse do mercado duas camisetas com estampas que faziam alusão à beleza das mulheres brasileiras e à possibilidade de manter relações sexuais com elas. (EFE, 2014) O projeto Criança e Consumo, do instituto Alana, e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) enviaram ao Conar, juntas, 21 denúncias entre os anos de 2001 e 2011. (Valente, 2013, p. 9) O instituto Alana também colaborou para Pró-reitoria de EaD e CCDD 10 conseguir a proibição da venda casada de brindes para crianças, como os dados em redes de fast-food, e a proibição da publicidade dirigida a crianças. Esses são apenas alguns exemplos da importância dos movimentos sociais na luta para conseguir uma publicidade mais justa, que leve em consideração a sociedade como um todo, sem desrespeitar nenhum setor da sociedade ou alguém em particular. Os movimentos sociais são agregações de pessoas com objetivos em comum, dentro da ideia da chamada “sociedade civil organizada”. Eles podem assumir as mais diversas formas; podem ser grupos de pessoas pequenos ou chegar aos milhares ou até milhões de pessoas; geralmente reivindicam mudanças a um assunto público – como é o caso da publicidade – e às vezes conseguem essas mudanças, e podem atuar na legalidade ou na clandestinidade. (Giddens, 2005, p. 443) Os movimentos sociais são considerados por Giddens (2005, p. 443) “das formas mais poderosas de ação coletiva”. Ele cita não apenas o movimento de direitos civis dos Estados Unidos, o qual conseguiu que a segregação racial se tornasse ilegal, mas também as conquistas do movimento feminista, e, mais recentemente, vitórias de movimentos ambientalistas no que se refere a questões como sustentabilidade e alimentos geneticamente modificados. A publicidade tem trabalhado cada vez mais em cima da identificação, e não da racionalização da compra do produto. (Gastaldo, 2004, p. 86-87) Ou seja, para conseguir essa identificação, a publicidade trabalha com ideais de consumidores, provocando nestes um desejo de se identificar com as pessoas representadas na publicidade – o que resulta em problemas sobre o tipo de pessoa representada e nas maneiras como essas pessoas são representadas, como já vimos. Tal representação faz parte das preocupações de vários movimentos sociais, que questionam a maneira como negros, mulheres, homossexuais, transexuais, entre outros são representados na publicidade. Outro problema é a ética na publicidade, sobre a qual destacamos os Pró-reitoria de EaD e CCDD 11 problemas da publicidade infantil e da publicidade enganosa. Há organizações preocupadas com a influência da publicidade no consumo de alimentos ultraprocessados, como é o caso da Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos. Também há organizações preocupadas com a publicidade enganosa, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), cuja preocupação é com os consumidores que são enganados, porexemplo, com recursos anunciados como vantagens, sendo que são inerentes ao produto, ou com histórias excessivamente romantizadas – como a romantização das fazendas nas quais eram cultivadas frutas para a elaboração de uma marca de sucos –, ou ainda com simples mentiras – como o sorvete feito segundo a receita de um imigrante italiano que nunca existiu. A atuação dos movimentos sociais para combater abusos na publicidade adquire, no Brasil, certa importância devido ao fato de as leis que regulamentam a publicidade estarem dispersas; não há uma lei específica que regulamente a publicidade, e essa função cabe ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o Conar. (Valente, 2013, p. 7) Nessa relação entre movimentos sociais e a publicidade, a pesquisadora Suelen Brandes Marques Valente (2013) levantou que as denúncias elaboradas por organizações como Alana e Idec são mais qualificadas e se baseiam na legislação brasileira e no Código de Ética do próprio Conar, o que talvez explicaria a maioria dessas denúncias ser julgada procedente – 56% das 99 denúncias feitas por organizações entre 2001 e 2011. Porém, a ideia de “liberdade de expressão comercial” terminou servindo para o Conar considerar que não havia problemas com muitas das propagandas denunciadas: Mesmo que a maioria das queixas tenha sido julgada procedente, levando a campanha a sofrer alteração ou sustação, vale observar que existe uma clara divisão na percepção do Conar quanto a essas denúncias. Um aspecto é o uso da imagem indevida de uma marca. Não se trata de um questionamento da publicidade em si, mas do direito de propriedade. Nesse caso, as denúncias foram acatadas. Outro é o questionamento da publicidade que induz a criança a um determinado comportamento. Nesse caso, há um questionamento da linguagem publicitária, portanto, do fazer publicitário. No entendimento do Conar, isso pode ser um desrespeito à chamada liberdade de expressão comercial. Essas denúncias foram julgadas com maior rigor e a maioria foi arquivada. (Valente, Pró-reitoria de EaD e CCDD 12 2013, p. 10) A partir da pesquisa de Valente, caso queiramos que a publicidade não cometa excessos, podemos chamar a atenção para dois pontos: primeiro, é necessário saber como exigir mudanças a partir de leis que já existem, o que seria mais fácil de conseguir em organizações nas quais haja acesso a profissionais como advogados; em segundo lugar, a própria publicidade precisa ser autocrítica, já que não adianta ter um código que autorregulamenta a profissão se ele permite interpretações que favorecem a própria publicidade. Ou, ainda, a noção de que é possível uma publicidade criativa na qual o respeito – a quem consome, a minorias, a grupos sociais, a sexualidades – não seja visto como um limite para a criação. Tema 5: Cultura de Juventude Durante muito tempo, sequer se acreditava na existência de uma “cultura jovem”; eram consideradas apenas como nichos de mercados, ou como uma fase de rebeldia passageira. As culturas jovens começaram a ter atenção acadêmica enquanto grupo social no ano de 1976, com a publicação da coletânea de estudos chamada Resistência através de rituais, do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade de Birmingham. O objetivo era reafirmar a existência de uma cultura jovem, afastando-se das antigas concepções do que seria isso, e levando a sério as questões culturais e de produção de significados por parte desses jovens e dos grupos sociais aos quais eles pertencem. (Freire Filho, 2005) Esses estudos buscavam retratar as origens – sociais, culturais e econômicas – das diferentes culturas juvenis. Para fazer esse retrato, é necessário observar o uso que essas pessoas faziam de artefatos da cultura de consumo, o que inclui roupas, acessórios, computadores, livros, revistas, bicicletas, carros, enfim, tudo o que, apropriado e ressignificado por quem os consome, ajuda na construção dessas identidades, dessas culturas. (Mackay, 1997, p. 2) O sociólogo Juarez Dayrell pesquisou jovens de classe econômica baixa Pró-reitoria de EaD e CCDD 13 pertencentes a duas culturas: o rap e o funk. Segundo ele, essas culturas “constituem um espaço e um tempo nos quais esses jovens podem afirmar a experiência da condição juvenil” (Dayrell, 2003, p. 49). Eles constroem seus próprios modelos do que é ser jovem, desafiando os modelos tradicionais. Um desses modelos tradicionais é o que vê a juventude como uma fase, como algo passageiro, e, por consequência, vê as culturas juvenis também como passageiras. Para os jovens, a chegada da vida adulta é inevitável, mas talvez justamente por isso eles reforcem a identidade como jovens e não como pré- adultos. Segundo Dayrell, os jovens cada vez mais “lançam mão da dimensão simbólica como a principal e mais visível forma de comunicação” (Dayrell, 2005, p. 15). É por meio desses símbolos, usados para construir uma cultura e se tornar parte dela, que os jovens criam sua identidade, distanciando-se da infância e afirmando-se não enquanto adultos em construção, e, sim, enquanto jovens. Outro desses modelos tradicionais que os jovens pesquisados por Dayrell desconstroem é o do hedonismo que seria típico da juventude. Os jovens pesquisados, talvez por sua condição econômica, vivem, sim, o “aqui e agora”, mas não em uma busca constante pelo prazer, e, sim, tendo consciência da situação na qual se encontram inseridos, curtindo as companhias, os grupos sociais aos quais pertencem, as pessoas das quais se aproximaram, mas também com a consciência de que em algum momento vão precisar ajudar em casa. A ideia de que jovens pobres, como os pesquisados por Dayrell, vivem em famílias desestruturadas também é uma das ideias que foram desconstruídas na pesquisa. Jovens mais pobres geralmente são de famílias sem pai, mas que não por isso são desestruturadas; é a qualidade dos laços com mãe e irmãos que estrutura a família. Então outro modelo tradicional, da juventude como momento de se distanciar da família, também fica em xeque, talvez com mais destaque em famílias mais pobres. Pró-reitoria de EaD e CCDD 14 Um último aspecto apontado por Dayrell é a visão romântica da juventude. No caso dos jovens por ele pesquisados, as dificuldades são as tensões entre uma escola que não lhes interessa, e o mundo do trabalho, no qual duvidam conseguir entrar, inclusive pela falta de educação formal. Esses são motivos para que eles insistam na música – no rap e no funk –, como uma maneira de conseguir certos privilégios para o futuro e alguma diversão para o presente. Pertencer a uma cultura juvenil implica por um lado certa resistência, mas que, talvez por ser construída a partir de elementos de uma cultura hegemônica, não representa grande ameaça às relações de poder; essa insubordinação implica se reconhecer em uma situação de impotência. (Hebdige apud Freire Filho, 2005, p. 144) O importante é reconhecer as culturas juvenis e as identidades que delas derivam. Os jovens têm algo a dizer, e, principalmente, necessidade de dizê-lo, mesmo que o façam de maneiras pouco convencionais e que tenhamos de ler entrelinhas. Na Prática Agora você vai fazer sua própria pesquisa documental quantitativa! Esse método é o mesmo utilizado na pesquisa do Carlos Augusto de Miranda e Martins (2009), mas aqui vamos fazer uma versão bem reduzida. Pegue uma revista qualquer. Em um papel, faça uma tabela e vá contando – pode ser com palitinhos, como quem anota os pontos no truco – a quantidade de anúncios que essa revista tem. Conte quantos desses anúncios têm pessoas. Conte a quantidade de pessoas que há nos anúncios. Conte quantas mulheres, quantas negras e negros, quantas crianças, quantas pessoas LGBT. Anote também quais os produtos anunciados, como essas pessoas são representadas, como o produto é mostrado. Calculeas porcentagens e compare com o que foi apresentado aqui, tanto em termos numéricos, como em termos de representação. Quais são Pró-reitoria de EaD e CCDD 15 suas conclusões? Síntese Pró-reitoria de EaD e CCDD 16 Referências CONAR. Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. 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