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PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA Didatismo e Conhecimento 1 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA 6.1. DEFINIÇÃO DE CRIMINALÍSTICA; A Criminalística é o conjunto de procedimentos científicos de que se vale a justiça moderna para averiguar o fato delituoso e suas circunstâncias, isto é, o estudo de todos os vestígios do crime, por meio de métodos adequados a cada um deles e criminologia é um conjunto de conhecimentos que se ocupa do crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social do ato criminoso, bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo. A criminologia é ciência moderna, sendo um modo específico e qualificado de conhecimento e uma sistematização do saber de várias disciplinas. A partir da experimentação desse saber multi- disciplinar surgem teorias (um corpo de conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domínio da realidade).Enquanto ciência, a criminologia possui objeto próprio e um rigor metodoló- gico (método) que inclui a necessidade de experimentação, a pos- sibilidade de refutação de suas teorias e a consciência da transito- riedade de seus postulados. Ainda que interdisciplinar é também ciência autônoma, não se confundindo com nenhuma das áreas que contribuem para a sua formação e sem deixar considerar o jogo dialético da realidade social como um todo. Objeto da criminologia é o crime, o criminoso (que é o sujeito que se envolve numa situação criminógena de onde deriva o cri- me), os mecanismos de controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime; e, a vítima (que às vezes pode ter inclusive certa culpa no evento).A relevância da criminologia reside no fato de que não existe sociedade sem crime. Ela contribui para o cresci- mento do conhecimento científico com uma abordagem adequada do fenômeno criminal. O fato de ser ciência não significa que ela esteja alheia a sua função na sociedade. Muito pelo contrário, ela filia-se ao princípio de justiça social. Os estudos em criminologia têm como finalidade, entre outros aspectos, determinar a etiologia do crime, fazer uma análise da personalidade e conduta do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que é uma preocupação da criminologia e não doDirei- to Penal), identificar as causas determinantes do fenômeno crimi- nógeno, auxiliar na prevenção da criminalidade; e permitir a resso- cialização do delinquente.Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que não são independentes, mas sim interdependen- tes. Temos de um lado a Criminologia Clínica(bioantropológica), esta utiliza-se do método individual, (particular, análise de casos, biológico, experimental), que envolve a indução. De outro lado vemos a Criminologia Penal(sociológica), esta utiliza-se do mé- todo estatístico (de grupo, estatístico, sociológico, histórico) que enfatiza o procedimento de dedução. A interdisciplinaridadeé uma perspectiva de abordagem científica envolvendo diversos continentes do saber. Ela é uma visão importante para qualquer ciência social. Em seus estudos, a criminologia se engaja em diálogo tanto com disciplinas das Ciên- cias Sociaisou humanas quanto das Ciências Físicasou naturais. Entre as áreas de estudo mais próximas da Criminologia te- mos: -Direito Penal: o principal ponto de contato da criminologia com o Direito Penal está no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia, na medida em que tipifica (define ju- ridicamente) a conduta delituosa; O direito penal é sancional por excelência; Ele caracteriza os delitos e, através de normas rígidas, prescreve penas que objetivam levar os indivíduos a evitar essas condutas. - Direito Processual Penal: a Criminologia fornece os ele- mentos necessários para que se estipule o adequado tratamento do réu no âmbito jurisdicional. Também indica qual a personalidade e o contexto social do acusado e do crime, auxiliando os juristas para que a sentença seja mais justa. A criminologia oferece os critérios valorativos da conduta criminosa. Ela pesquisa a eficácia das nor- mas do Direito Penal, bem como estuda e desenvolve métodos de prevenção e ressocialização do criminoso. - Direito Penitenciário: os dados criminológicos são impor- tantes no Direito Penitenciário para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocialização do apenado. A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana, buscando o objetivo de punir sem cas- tigar. - Psicologia Criminal: é ciência que demonstra a dimensão individual do ato criminoso; estuda a personalidade do criminoso, orientando a Criminologia. - Psiquiatria Criminal: é ramo do saber que identifica as di- versas patologias que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental. - Antropologia Criminal: abrange o fenômeno criminológico em sua dimensão holística, ou seja, biopsicosocial. É o Estudo do homem na sua história, em sua totalidade (homem como fator pre- sente no todo); - Sociologia Criminal: demonstra que a personalidade crimi- nosa é resultante de influências psicológicas e do meio social; - Ciências Biológicas: fornecem os elementos naturais e or- gânicos que influenciam ou determinam a conduta do criminoso; - Vitimologia: estuda a vítima e sua relação com o crime e o criminoso (estuda a proteção e tratamento da vítima, bem como sua possível influência para a ocorrência do crime); - Criminalística: é o ramo do conhecimento que cuida da di- nâmica de um crime. Estuda os fatores técnicos de como o crime aconteceu. Há um setor especializado da polícia destinado a essa área. - Ciências Econômicas: estuda o crime a partir do intrumental analítico racionalista. O crime é visto como um mercado e sua oferta é determinada por fatores como o ganho esperado da ativi- dade criminosa, probabilidade de sucesso e intensidade da punição em caso de falha. No entanto, não só do pensamento sociológico se sustenta a Criminologia, que, pelo contrário, possui aparência eminentemen- te multidisciplinar, sempre se enriquecendo com diferentes ciên- cias posicionadas à sua volta e áreas do conhecimento afins ou afluentes. A maioria vai listada adiante: primus inter pares, o Direito Pe- nal, ramo da Dogmática Jurídica que definem quais condutas tipifi- cam crimes ou contravenções, estabelecendo as respectivas penas; a Medicina Legal (aí compreendida a Psiquiatria Forense), aplica- ção específica das ciências médicas, paramédicas e biológicas ao Direito; Psicologia Criminal, cuja matriz é a Psicologia (comum), ciência ocupada com a mente humana, seus estados e processos: a Antropologia Criminal (Ferri, Lombroso e Garofalo), que assume para si a responsabilidade de pesquisar e desenhar supostos perfis dos infratores penais, a partir de disposições anatômicas e estig- Didatismo e Conhecimento 2 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA mas somáticos particulares, hoje um pouco desprovida do crédito que foi desfrutado antigamente; a Sociologia Criminal (subdivisão da Sociologia, filiada à Sociologia Jurídica), fundada por Enrico Ferri, que visualiza o ilícito penal como fenômeno gerado no de- senvolvimento do convívio, em escala ampla, dos homens, anali- sando a importância direta ou indireta do ambiente social na for- mação da personalidade de cada um; a Psicosociologia Criminal, subordinada a Psicosociologia, suma psicológica dos fatos sociais; a Política Criminal, que rastreia e monitora os meios educativos ou intimidativos de que dispõe ou deve dispor o Estado, inclusive no terreno da elaboração legislativa, para o melhor desempenho, em seu papel de, prevenir e reprimir a criminalidade, procurando ela, paralelamente, fornecer fórmulas para se achar a proporção ideal entre a gravidade da conduta de um determinado criminoso ou contraventor penal e o quantum da sanção a aplicar-lhe, face a face com a situação concreta, a Lógica Jurídica, no seu segmen- to que se dirige para a fenomenologia e a problemática do crime, lastreada na Lógica formal, pura (ciência da razão, em si mesma). Igualmente,conta a Criminologia com complemento de ciências auxiliares: a Genética, ciência da hereditariedade; a Demografia, levantamento numérico populacional (taxas de natalidade e de mortalidade, distribuição de faixas etárias, expectativa de vida, migrações etc.); a Etologia, investigação de natureza científica do comportamento humano, de acordo com as leis gerais da Psicologia, levando em conta às múltiplas influências e acomodações que as circunstâncias ambientais exercem, de ordinário, sobre o comportamento da pessoa ou da sociedade; a Penalogia (ou Penologia) que Francis Lieber, o criador da palavra (1834), conceituou como ‘‘o ramo das ciências criminais que cuida do castigo do delinquente’’, a Vitimologia, estudo do comportamento da vítima, com avaliação das causas e dos efeitos da ação delitiva, esquadrinhada sob o prisma e a interação da dupla penal criminoso/vítima, a Estatística, conjunto de métodos matemáticos, centrada em dados reais, de que se serve para construir modelos de probabilidade relativos a indivíduos, grupos ou coisas (por exemplo, defasagem quantitativa ou qualitativa na oferta de empregos), quando, numa fonte especializada (Estatística Criminal) retrate fatores ou indutores de criminalidade. “Toda ciência, proclamou Aristóteles, tem por objeto o necessário”. 6.2. LEGISLAÇÃO APLICADA À PERÍCIA (ARTIGOS 155 A 184 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL); TÍTULO VII DA PROVA CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fun- damentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não re- petíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sen- do, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, obser- vando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em viola- ção a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, se- guindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declara- da inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, faculta- do às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 4o(VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) CAPÍTULO II DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispen- sável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso supe- rior. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habi- litação técnica relacionada com a natureza do exame. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) Didatismo e Conhecimento 3 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA § 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às par- tes, quanto à perícia: (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pare- ceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiên- cia. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descre- verão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos que- sitos formulados. (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos. (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qual- quer dia e a qualquer hora. Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto. Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o sim- ples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante. Art. 163. Em caso de exumação para exame cadavérico, a au- toridade providenciará para que, em dia e hora previamente marca- dos, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado. Parágrafo único. O administrador de cemitério público ou par- ticular indicará o lugar da sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto. Art. 164. Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime. (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) Art. 165. Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados. Art. 166. Havendo dúvida sobre a identidade do cadáverexu- mado, proceder-se-á ao reconhecimento pelo Instituto de Identifi- cação e Estatística ou repartição congênere ou pela inquirição de testemunhas, lavrando-se auto de reconhecimento e de identidade, no qual se descreverá o cadáver, com todos os sinais e indicações. Parágrafo único. Em qualquer caso, serão arrecadados e au- tenticados todos os objetos encontrados, que possam ser úteis para a identificação do cadáver. Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complemen- tar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acu- sado, ou de seu defensor. § 1o No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo. § 2o Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que de- corra o prazo de 30 dias, contado da data do crime. § 3o A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal. Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peri- tos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. (Vide Lei nº 5.970, de 1973) Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as altera- ções do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequên- cias dessas alterações na dinâmica dos fatos. (Incluído pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão ma- terial suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas. Art. 171. Nos crimes cometidos com destruição ou rompimen- to de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instru- mentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado. Art. 172. Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do cri- me. Parágrafo único. Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio dos elementos existentes nos au- tos e dos que resultarem de diligências. Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato. Didatismo e Conhecimento 4 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA Art. 174. No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á o seguinte: I - a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se for encontrada; II - para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente re- conhecidos como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvida; III - a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exa- me, os documentos que existirem em arquivos ou estabelecimen- tos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados; IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os exibidos, a autoridade mandará que a pessoa escre- va o que Ihe for ditado. Se estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em que se consignarão as palavras que a pessoa será intimada a escrever. Art. 175. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se Ihes verificar a natureza e a eficiência. Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência. Art. 177. No exame por precatória, a nomeação dos peritos far-se-á no juízo deprecado. Havendo, porém, no caso de ação pri- vada, acordo das partes, essa nomeação poderá ser feita pelo juiz deprecante. Parágrafo único. Os quesitos do juiz e das partes serão trans- critos na precatória. Art. 178. No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição, juntando-se ao processo o lau- do assinado pelos peritos. Art. 179. No caso do § 1o do art. 159, o escrivão lavrará o auto respectivo, que será assinado pelos peritos e, se presente ao exame, também pela autoridade. Parágrafo único. No caso do art. 160, parágrafo único, o lau- do, que poderá ser datilografado, será subscrito e rubricado em suas folhas por todos os peritos. Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão con- signadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autori- dade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos. Art. 181. No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judi- ciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo. (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) Parágrafo único. A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente. Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. Art. 183. Nos crimes em que não couber ação pública, obser- var-se-á o disposto no art. 19. Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade. 6.3. LEVANTAMENTOS PERICIAIS EM LOCAIS DE CRIME (CONCEITUAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO, ISOLAMENTO E PRESERVAÇÃO); O crimepode ser considerado como uma manifestação da tendência anti-social, derivando datransgressão das normas jurídico-legais estabelecidas para uma determinada sociedade e numadeterminada época. Marques-Teixeira refere, no entanto, que algumas teorias de cunhoambientalista têm assumido uma perspectiva mais abrangente, identificando o crime como algoarbitrariamente desenhado, quer pelas forças populares (normas e costumes) quer pelas forçaseconômicas. Mas, ao falarmos de crime, falamos, antes de mais, na percepção de determinado comportamentocomo crime por uma dada sociedade e que resulta, necessariamente, do enquadramento que lheé dado pelo Direito Penal. Este conjunto de normas traduz uma série de opções de políticacriminal relativas à definição e hierarquização dos valores sociais fundamentais da sociedade edas vias instrumentais para os proteger, definindo o conjunto de pressupostos de que depende averificação de uma consequência ou de um efeito jurídicos e estabelecendo as reações ousanções que ao crime se encontram juridicamente ligadas. O Direito Penal constitui, pois, do ponto de vista formal (como emanação do exercício da funçãolegislativa do Estado) e institucional (como conjunto de normas cuja aplicação se impõe àsinstituições do poder judicial), a linha da frente da reação social ao crime, cujo estudo éfundamental para a justificação e legitimação das respostas que a sociedade escolhe dar aoscomportamentos criminosos. Assim, definido pela lei processual penal como “o conjunto de pressupostos de que dependeaaplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança” (cfr. art. 1º, alínea a do CPP), crime é todo o fato voluntário declarado punível pela lei penal, excluindo-se os atos reflexos e oscometidos no estado de inconsciência, bem como os levados a cabo com carência total devontade. Para se falar em crime tem que se falar no conjunto de normas jurídicas que fixam ospressupostosde aplicação de determinadas reações legais: as reações criminais, queenglobam as penas e as medidas de segurança. A Constituição da República Portuguesa defineos parâmetros constitucionais, e os limites materiais e formais da criminalização, estabelecendoos limites ao arbítrio da definição de comportamentos que hão de ser crime ou não (cfr. art. 18º daCRP). Podem constituir crimes condutas que ofendam o conjunto de valores que sãoindispensáveis à pessoa humana para a sua subsistência e a sua afirmação com autonomia edignidade, ou os valores indispensáveis ao funcionamento da legalidade democrática dasinstituições democráticas. Didatismo e Conhecimento 5 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA É em obediência aos parâmetros atrás enunciados que o legislador penal pode classificardeterminado comportamento como crime (cfr. art. 10º do CP). Os elementos do conceito de crime comuns a todo o fato punível são a tipicidade, a ilicitude (aantijuricidade) e a culpa. Por isso se diz do comportamento criminal que ele é típico, ilícito eculposo. Mas, antes de mais, o crime é constituído por um comportamento humano que se traduznum ato material,nullumcri mensineactione, (não ocorrem crimes que tenham umaexistência meramente espiritual), mas é ainda necessário que o fato material praticado sejalesivo dos interesses protegidos,nullumcrimensine injurie, e que tenha sido praticado comculpa,nullumcrimensine culpa. A consideração de que o comportamento humano é o ponto departida da construção do conceito de crime coloca a questão da causalidade da relaçãodaquele com este, por forma a que se possa atribuir ou imputar a existência do fato ao comportamento. A ação é equiparada à omissão, nos termos do nº 2 do art.10º, consagrando- seuma verdadeira extensão da punibilidade, como consequência das exigências resultantes doprincípio nullumcrimensine lege. Para se afirmar a ilicitude de uma conduta (art. 31º do CP), não basta a sua subsunção formal aum tipo legal: importa, ainda, que ela não seja enquadrável num tipo de causa (de justificação) docomportamento humano que exclua a ilicitude da conduta. São causas de justificação: a legítimadefesa (art. 32º CP), o exercício de um direito (art. 31º CP), o cumprimento de um dever impostopor ordem legítima da autoridade (art. 31º CP), o consentimento do ofendido (art. 38º CP), odireito de necessidade (art. 34º), o conflito de deveres (art. 36º), o consentimento presumido (art.39º) e outras causas justificativas que eventualmente resultem da ponderação dos valores emconflito na situação concreta. A existência de culpa (a formulação de um juizo de censura ética) pelo comportamento écondição indispensável da aplicação de uma pena, constituindo uma exigência jurídicoconstitucional(cfr. a aplicação conjugada dos art.s 1º, 13º e 25º do CP). O princípio nullumpoenasine culpa vem plasmado no art. 13º do CP: só é punível o fato praticado com dolo, ou, noscasos especialmente previstos na lei, com negligência. A culpabilidade pode manifestar-se como culpabilidade pelo fato individual, na qual se consideram os fatores da atitude interna juridicamente censurável que se manifestam de forma imediata na ação típica, ou como culpabilidade na condução da vida (a culpa na formação dapersonalidade, na construção teórica de Eduardo Correia), em que o juízo de culpabilidade seamplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento. A nossa lei penal pareceacolher a união de ambas as concepções, ao mandar atender, na determinação da medida dapena (art. 62º, nº 2, alínea f) do CP) à “gravidade da falta da preparação para manter umaconduta lícita manifestada no fato, quando essa falta deva ser censurada através da aplicaçãoda pena”. O conceito dogmático de culpa integra três noções fundamentais: - a imputabilidade (fatores endógenos): existência de qualidades pessoais que possibilitam o juízo de censura aoagente; constitui o primeiro elemento que repousa sobre o juízo de culpa); - anão-exigibilidade (fatores exógenos): situações que tornam inexigível outro tipo de comportamento por parte doagente; - a graduação: o dolo (violação intencional da norma) e a negligência (o descuido, a violação do dever objetivo de cuidado). A culpa (o dolo) é excluída pela inimputabilidade e pelainexigibilidade. A inimputabilidade pode verificar-se em razão da idade (art. 19º do CP): a idade inferior a 16 anosé um obstáculo à culpa, já que esta pressupõe a liberdade de decisão, existindo uma presunçãoabsoluta de inimputabilidade, através de um critério biológico, sem ter que se averiguar sequer oestado de desenvolvimento individual da criança ou do jovem e a sua capacidade intelectual evolitiva. A inimputabilidade pode, ainda, verificar-se em razão de anomalia psíquica (art. 20º do CP): adeterminação da inimputabilidade referida no nº 1 do art. 20º está condicionada à existência deum pressuposto biológico (anomalia psíquica) e de um pressuposto psicológico ou normativo (aincapacidade para avaliar a ilicitude do fato ou se determinar de harmonia com essa avaliação). O nº 2 do art. 20º prevê a possibilidade de declaração da imputabilidade diminuída. Se o tribunalentender que o efeito psicológico da inimputabilidade só parcialmente se verifica, mas encontraruma base biológica grave permanente, não dominando o agente os seus efeitos, pode declarar oagente como inimputável, tendo presente o indício previsto no nº 3 do mesmo artigo, ou seja, aincapacidade do agente para se deixar influenciar pelas penas. A não exigibilidade de conduta diferente da realizada pelo agente de um fato criminalmentepunível está cristalizada em situações-tipo: - estado de necessidade desculpabilizante (art. 35º); - excesso astênico de legítima defesa; - obediência devida desculpabilizante; - o erro sobre as circunstâncias do fato (art. 16º) ; e) o erro sobre a ilicitude (2ª parte do nº1 do art. 16º e a falta devaloração e interiorização do juízo de valor prevista no art. 17º). A culpa é atenuada por: - erro censurável sobre a ilicitude; - excesso de legítima defesa; - estado de necessidade desculpabilizante. Sintetizando e articulando as diferentes noções e categorias referidas, podemos concluir que aculpa resulta do juízo segundo o qual o agente deveria agir de acordo com a norma porque podia atuar de acordo com ela, o que pressupõe a liberdade de decisão (pois só assim se poderáconsiderar responsável o agente por ter praticado o ato, em vez de dominar os impulsos criminais) e uma decisão correta (a liberdade de querer deve andar associada à capacidade paraajuizar os valores uma vez que sem ela as decisões humanas não poderão ser determinadas pornormas de dever). Com a liberdade de decisão prendem-se as questões relacionadas com a imputabilidade; com a correção da decisão prende-se a problemática do erro sobre as circunstâncias do fato e sobre a ilicitude. A definição de trauma pode variar de acordo com a perspectiva teórica e prática em que oconceito assenta.Quando se fala em trauma pensamos, muitas vezes, em traumatismo físico, da mesma formaque quando se fala em dano corporal (conceito médico-legal) pensamos, geralmente, apenas nasua vertente orgânica. Trata-se de um hábito ancestral, que remonta a alguns milênios antes deCristo e para o qual ainda continua a remeter-nos o sistema de peritagem médico-tabelar. Procura-se, desta forma, a organicidade do dano, que facilita o estabelecimento do seu nexo decausalidade com o traumatismo permitindo, assim,descrevê-Io de maneira objetiva e,supostamente, orientar concretamente o tratamento/reintegração da vítima e a atribuição de uma eventual indenização. Didatismo e Conhecimento 6 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA Mas os eventos traumáticos podem ser de múltiplas etiologias, não correspondendo,necessariamente, todos eles, a situações de violência e, muito menos de lesão orgânica. Poroutro lado, mesmo no caso de existirem lesões orgânicas, além das suas sequelasmais objetiváveis (no corpo, nas capacidades e nas situações de vida), poderão existir outras subjetivas, relacionadas não só com a vivência pessoal do trauma mas, também, com apercepção que a pessoa tem do seu dano corporal. Dependendo da natureza da força que causa o trauma, podemos designá-lo por desastre (forçada natureza), ou atrocidade (força de outro ser humano). Ainda que de forma muito incompleta, podem sistematizar-se da seguinte maneira algumasetiologias do trauma: 1. Desastre sofrido pelo próprio ou por terceiros: a) de origem natural (ex.: terremoto); b) de origem humana (ex.: acidente de viação); 2. Assalto pessoal violento ao próprio ou a terceiros: a) Crime contra a integridade física; b) Crime sexual; c) Maus-tratos; d) Tortura; e) Rapto; 3. Guerra, ataque terrorista e atentado 4. Diagnóstico de doença ameaçadora da vida, no próprio ou em terceiros 5. Sequelas mais ou menos graves, de um traumatismo ou doença, sofridas pelo próprio oupor terceiros 6. Questão relacional: a) Separação; b) Divórcio; c) Conflito grave (laboral ou familiar); d) Injúrias graves ou falsas acusações; 7. Questão de sobrevivência: a) Problema econômico grave; b) Desemprego prolongado e inesperado; c) Burla, fraude ou falsificação; d) Roubo; 8. Perda de terceiros: a) Morte por suicídio ou homicídio; b) Morte súbita de causa acidental ou natural. Assim, o conceito de trauma, de acordo com o ponto de vista de vários autores traduz um evento(choque), que ocorre súbita e inesperadamente, de forma irreversível, que não é familiar à vítimae está fora do seu controlo não lhe sendo por isso possível a tomada de ações corretivas diretas e que ameaça o seu bem-estar psicológico, direta ou indiretamente, constituindo umaexperiência muito estressante que requer uma adaptação psicológica, podendo originar sequelas,designadamente psicológicas. A mudança imposta pelo trauma inclui a percepção de si próprio, a percepção dos outros e apercepção da vida circundante, na medida em que implica a vivência de emoções intensas e cognitiva da vulnerabilidade pessoal. Todas estas formas de trauma têm consequências definitivas, mais ou menos graves, que se irãomarcar e ter repercussões na vida da pessoa que o viveu. São os eventos traumáticos súbitos e inesperados, incontroláveis, fora do comum, crônicos ecom culpa de terceiros, que produzem mais dificuldades psicológicas para o indivíduo que osvive. As alterações psicológicas e a capacidade para ultrapassar todas estas dificuldades econtrariedades, reencontrando o gosto anterior de viver, dependem: - do tipo de trauma: severidade e duração; - da disposição individual: estado de saúde prévio da pessoa, da sua experiênciaanterior, do nível da vida da vítima (um trauma na infância e na velhice temconsequências muito particulares; os idosos sofrem mais repercussões do stress queos jovens), das crenças e práticas culturais, de fatores demográficos; - da percepção individual: percepção do trauma, expectativas e motivação relativamenteà reabilitação/reintegração, tipo de práticas usadas contra o stress (como o exercícioou uma alimentação adequada); - do suporte de terceiros: características do seu meio e da sua situação social e cultural,da existência de suporte de amigos e da família. Desta forma podemos compreender que nem todos os abusos são traumáticos, sendo para talimportante a percepção da pessoa relativamente ao evento. Se não houver violência, um abusosexual de um menor pode não ser percebido como tal e, por isso, não ser traumatizante (noimediato), uma vez que não percebe o evento como uma ameaça de séria lesão ou dano. As situações traumáticas, pela sua natureza, confrontam as pessoas com os sentimentosmáximos de abandono, incapacidade e terror. Não sendo a severidade do trauma mensurável,pode, no entanto, caracterizar-se pelo seu poder em inspirar os sentimentos referidos. Há três elementos que transformam um evento numa situação de verdadeiro trauma: aincapacidade da pessoa para o controlar e o resultado da falta desse controlo na segurançaindividual; a atribuição de uma elevada valência negativa ao evento; o fato da experiência serinesperada. A capacidade para controlar um evento torna-o mais previsível e a capacidade para o prever tornao seu controlo mais fácil. No entanto, a previsibilidade não é, necessariamente, um elementoessencial para o processo de trauma. Mesmo que um evento seja previsível, poderá sertraumatizante se sentido como incontrolável e altamente negativo (ex: abuso sexual reiterado decriança; neste caso a previsibilidade pode até torná-lo mais traumático na sequência do stress etensão devido à espera do abuso incontrolável). A valência negativa é devida à percepção ou à presença de lesão e(ou) sofrimento físico ouemocional. As características desta valência negativa dependem de fatores subjetivos quevariam de indivíduo para indivíduo. Por exemplo, testemunhar a tortura ou morte de uma pessoapode ser sentido como negativo em determinadas circunstâncias (quando se trate dum próximoou ente querido) ou positivo (quando por exemplo se tratar de um inimigo de guerra). Didatismo e Conhecimento 7 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA O fato de ser inesperado constitui, também, um elemento chave do processo de trauma. Oseventos discretos que surgem de forma abrupta podem causar mais terror e ser mais traumáticosdo que aqueles que são vividos gradualmente, durante um longo período de tempo, uma vez queeste tempo permite uma adaptação cognitiva e emocional ao esquema individual e do mundo emredor. Assim, respondendo à pergunta inicial, “O que pode vitimizar uma pessoa?”, diríamos quepodemos ser vitimizados por circunstâncias que nos são adversas e causam dano físico,psicológico e(ou) social, seja um crime ou outra situação de violência, mesmo que não criminosa,situações estas que, pelas suas características podem configurar um trauma, resultando daí orisco de maior dano bio-psico-social, temporário ou permanente, para a vítima. Vítima e vitimação. Níveis e tipos de vitimaçãoA raiz do termo vítima está ligada aos verbos latinos vincire(ligar, atar) ou vincere(derrotar,desarmar).Este substantivo usa-se frequentemente em criminologia e na medicina legal mas raramente nodireito, que prefere os termos “ofendido”, “pessoa ofendida”, “parte lesada” ou, ainda, “sujeitopassivo do crime”, entendido como “o titular do bem jurídico tutelado da norma incriminatóriaviolada”. Todos somos vítimas de próximos e de desconhecidos, da sociedade e das tecnologias, até denós próprios.... Ser considerada vítima faz pressupor que se sofreu qualquer tipo de “agressão” aque frequentemente se chama violência. Essa forma de violência, como se referiu, não tem de sersempre intencional. Há pessoas que têm tendência para sofrer acidentes repetidos, porapresentarem determinadas características pessoais ou do seu contexto que favorecem esseacontecimento. Serão vítimas de acidentes, acidentes que o podem ser, de fato, mas quetambém podem resultar de determinado tipo de culpa de terceiros (negligência). Muitos, são vítimas não só destas ocorrências, como da forma como posteriormente são tratadospelas estruturas a que têm de recorrer (de saúde, de justiça, por exemplo) e pela comunidade emgeral. Outros são vítimas indiretas ou vicariantes. De uma forma clássica a vítima pode ser considerada como a pessoa ferida ou lesada por outroou outros, que se sente prejudicada, que partilha essa experiência e procura assistência ereparação, e que é reconhecida como vítima e possivelmente assistida por organismoscomunitários públicos ou privados. Nesta definição a vítima é entendida como um indivíduo, masas instituições, corporações, estabelecimentos comerciais e grupos de pessoas podem, também,ser vitimizados e reclamar o seu estatuto de vítima. De fato podem ser vítimas pessoas físicas ouentes jurídicos (ex: o Estado) e também sujeitos passivos indeterminados (ou seja, nos casosemque o ofendido pertence genericamente a uma coletividade não delimitada mas concreta,ex:crimes contra a integridade e saúde da raça, contra a incolumidade pública, o sentimento religiosoe a piedade dos defuntos). Têm-se afirmado que o crime pode não ter uma vítima mas tal é apenas devido à invisibilidade davítima; quanto mais não fosse, o Estado seria a vítima, como tutelar do interesse da resolução doconflito e da paz social. Para dar resposta às perguntas: quem deve ser considerada vítima? quando deve uma pessoaser considerada vítima?, analisaremos os diversos níveis a considerar relativamente ao estatutode vítima. Assim, no processo de vitimação podemos distinguir quatro níveis, segundo Viano: - 1º nível: O indivíduo experimenta um dano e sofrimento causado por outra pessoa ou instituição,sem o entender como uma forma de vitimação; - 2º nível: Alguns desses indivíduos entendem esse dano como imerecido e injusto e sentem-sevítimas; - 3º nível: Outros, ainda, sentindo-se lesados ou vitimizados, tentam encontrar alguém (familiar,amigo, profissional, autoridade) que reconheça essa vitimação e o dano sofrido; - 4º nível: Destes, os que encontram reconhecimento para o seu estatuto de vítima tornam-se “oficialmente” vítimas, podendo beneficiar de vários tipos de apoio. Primeiro nível: O primeiro nível remete-nos para o dano e suas causas.De acordo com o ponto de vista tradicional, o elemento essencial do estatuto de vítima é apresença de dano, sofrimento e(ou) lesão, causado por um crime. No entanto, alguns consideramque não existe nenhuma razão que deva limitar a causa do dano a um ato criminoso cometidopor um indivíduo contra outro. A vitimação institucional, o abuso do poder, a vitimação coletiva e as ações governamentais ilegais ou ilegítimas também devem ser consideradas causas devitimação. Da mesma forma, devem ser considerados não só os atos de comissão mas tambémos de omissão. Em que medida é que as vítimas de desastres naturais, guerra, poluiçãoambiental, encerramento de fábricas, etc., devem ser aqui incluídas, é discutível. Algunsconsideram que o motivo e a forma do dano é irrelevante e o que conta é estar em crise, serlesado, ferido e necessitar de recuperação, de reparação e de adquirir, novamente, autonomia. Assim, como atrás referido, a vítima pode ser considerada como alguém que sofre um dano, nasequência de um crime ou de um ato violento não criminoso, que em certas circunstância podeconfigurar um trauma. No entanto, uma pessoa pode experimentar um dano sem se auto-considerar vítima (mesmo emcaso de dano e sofrimento causado por outro). A cultura, tradição e credos religiosos podempermitir uma racionalização que os leve a considerar eles próprios como responsáveis pelo danoque estão a sofrer e a culpar-se a eles mesmos e não ao perpetrador. As vítimas podem acreditarque são responsáveis pela sua vitimação, surgindo sintomas de stress, ansiedade e culpa,associados com a vitimação (perturbação de stress pós-traumático). A violência conjugal, oscrimes sexuais e o assédio sexual são exemplos clássicos que estão na origem deste tipo deracionalizações. Os conceitos de susceptibilidade, vulnerabilidade e estilo de vida são instrumentos importantes naabordagem desta dimensão. Por essa razão, muitos autores consideram que a vitimologia nãodeveria incluir este nível, devendo antes partir do momento em que a pessoa compreende e sesente vitimizada ou, melhor ainda, do momento em que esta sente necessidade de revelar o fatoe o seu estatuto de vítima é publicamente reconhecido. Outros discordam e consideram que as questões levantadas a partir deste primeiro nível e na suatransposição para o nível seguinte facultam uma importante e útil investigação. Por outro lado,este nível fornece-nos uma forte fundamentação para efetivos esforços de prevenção, uma vezque nos permite articular questões do tipo: como reduzir o grau de dano das pessoas quandoestas não se consideram vítimas? O que significa um aumento da taxa de vitimaçãopara umasociedade? Que reestruturação fundamental é necessária para interromper a vitimação? Didatismo e Conhecimento 8 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA Segundo nível: A transição entre o primeiro nível (sofrer um dano) e o segundo nível (sentir-se vítima) é crucial etem sido negligenciada, talvez devido à recente ênfase dada à macro- pesquisa orientadasociologicamente (ex: sondagens nacionais de vitimação) versus as micro-abordagens orientadasdo ponto de vista psicológico. Um dos maiores obstáculos ao reconhecimento da vitimação, mesmo por parte da vítima, éfrequentemente a sua tolerância pública silenciosa. Tal tolerância pode resultar de um sistema de valores, crenças e leis que ativamente sustentem, justifiquem e legitimem a vitimação. O fato de altos cargos religiosos e alguns padres terem recentemente reconhecido de formaexplícita, a existência e as atividades do crime organizado, tem causado sensação, não tanto porrevelarem algo de novo mas porque desafiam o código do silêncio, tradicionalmente aceite, e apretensão de que nada estava errado. A aceitação tácita da vitimação pode ser o resultado de uma ideologia “não consciente”, umsistema de crenças e atitudes, que são implicitamente aceites mas que não estãoconscencializadas, devido aos estereótipos que prevalecem. Pode ser, também, devida ao fatode algumas vezes não existirem alternativas disponíveis, possíveis ou imagináveis. Para evitar oaparecimento da dissonância cognitiva perturbadora, a consciência das injustiças e prevaricaçõesé apagada e a normalidade é restaurada através da legitimação e incorporação da vitimação nosvalores e formas de vida aceites numa dada sociedade. É frequentemente preciso mudanças sociais drásticas como a industrialização, a urbanização, ocrescimento de oportunidades educacionais e de carreiras e a abertura de estilos de viaalternativos para abanar o status quo e levantar questões importantes. Isto por sua vez educa asvítimas acerca da sua vitimação, aumenta a sua consciência, encoraja a busca pela mudança e,acima de tudo, leva- as a assumirem-se como vítimas de um sistema injusto. A percepção de que“isto não me deveria ter acontecido”, “eu não merecia isto”, ou “as coisas não têm de ser assim”,constitui a dinâmica psicológica chave neste complexo processo. A dificuldade de atingir esta meta resulta do fato de crenças, valores e sistemas bem enraizados terem de ser questionados ealterados e as figuras de liderança rejeitadas, sem garantia imediata de sucesso. Este riscoemparelha com a consciência de que a derrota agravaria mais ainda o processo de vitimação (ummal maior). A principal razão porque as pessoas têm dificuldade em se assumirem como vítimas é a novelaameaçadora e abaladora da experiência de ser vitimizado. Geralmente uma atmosfera desegurança e harmonia social suporta as nossas actividades. Ser vitimizado não é uma realidadeque normalmente se nos depara. Se há algum pensamento de vitimação a tendência é pensar “seique acontece mas não me acontecerá a mim”. Antes da ocorrência a vitimação é no máximo umapossibilidade vazia, com a qual normalmente não nos preocupamos na nossa rotina diária. Ser vitimizado é a alvorada de uma nova configuração do significado e ocorre naexperiência real através de um processo desenvolvimental. No início deste processo apresenta-secomo estranha, desenquadrada, não familiar, talvez problemática e confusa. Mesmo quando avitimação se torna uma realidade viva, a descrença expressa nos relatos das vítimas indica queela ainda é um tipo relativamente vazio de quase realidade. Ela ainda não foi completamentearticulada, apercebida e compreendida. Isto acontece porque o mundo de significado prévio dapessoa era baseado na segurança e harmonia social. Quando que estas estruturas são abaladas,a vítima é entregue a uma nova realidade estranha, não familiar, chocante e dificilmente credível,fora das normas usuais e das normaisexperiências de vida. A vitimização (ou pelo menos uma sua primeira fase) é originalmente surpreendente, alígena eimprevisível, já que despedaça o mundo da pessoa. Assim, mesmo quando se torna claro para apessoa que a sua situação preferida está a ser destruída por outra pessoa, o que resulta é umaespécie de vazio que só gradualmente começa a ser entendido. A vítima foi arrancada da sua vidae lançada noutra que é contrária à primeira, esvaziando assim o seu mundo do seu significadousual. Há três componentes principais da vitimação que a tornam particularmente ameaçadora e difícilde assumir: - a capacidade da vítima para controlar as perdas, ficando indefesa, vulnerável e isolada; - a dificuldade de aceder aos sistemas de apoio social e cooperativo; - o fato de alguém ter invadido a sua vida e destruído, a vários níveis, o seu bem-estar. Ver-se como vítima e aceitar a sua vitimação é importante por outra razão crucial: pode ser oinício do processo de recuperação. Compreender, permite ultrapassar o choque e a confusão eabre o caminho para encetar a luta. Este segundo nível alerta-nos para a importância da educação pública e do despertar dasconsciências, para que as pessoas possam transcender explicações particulares e justificaçõesda vitimação e agarrem a natureza sistêmica e alargada do dano que as afeta. Isto deveráconduzi-las ao desenvolvimento do sentimento de raiva e da decisão de que algo tem de ser feitopara mudar a situação, não só num caso particular mas em toda uma classe de vítimas oupotenciais vítimas, o que atacaria assim o problema nas suas raízes, resolvendo-o na sua formadefinitiva. Alguns peritos acreditam que as pessoas que foram vítimas de um dano deveriam ser capazes dese considerarem elas próprias vítimas antes ainda da vitimologia as considerar vitimizadas. Outrosdefendem que nenhuma fase isolada constitui o ponto fulcral da vitimologia e que, em vez disso, avitimologia deve concentrar-se em todo o processo de vitimação. Terceiro nível: O terceira nível corresponde à assunção do estatuto e papel de vítima, pela própria.Após um indivíduo reconhecer uma experiência de vitimação ele deve decidir o que fazer acercadisso. Várias possibilidades, formais e informais se abrem à vítima. Há provas de que as vítimasvalidam a sua experiência e as suas conclusões com uma pessoa de confiança, maisfrequentemente do que se pensa. Tal validação influencia fortemente o fato de eles participaremoficialmente (polícia, agências de proteção) ou não. Muitas variáveis afetam a decisão da vítimarelativamente à participação pública da vitimação: a opinião sobre a probabilidade da políciaencontrar o culpado; a quantidade do dano e sofrimento devidos à revelação; a relação com ovitimizador; o impacto social da participação; os obstáculos, despesas e tempo envolvido naparticipação; a percepção da complexidade do complexo burocrático; o medo de ser ridicularizadoou de sofrer retaliação e vingança; a falta de privacidade nos níveis iniciais da participação; o localde residência (os habitantes rurais participam mais dificilmente). Didatismo e Conhecimento 9 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA Assim, fatores sociais, culturais e psicológicos podem impedir a vítima de reclamar publicamenteesse estatuto. Tal pode levar, por vezes, à perpetuação da vitimação com o vitimizador a tirar partido da falta de ação por parte da vítima. Um fator decisivo para dar algum espaço de manobra à vítima é a importância colocada no fatode ganhar ou de ser bem sucedida na sociedade. Aos olhos de muitos, a vítima é um perdedor,mesmo que inocente; como resultado, a vítima pode ter um preço alto a pagar quando reconhecea vitimação. É por isso que é mais difícil ao sexo masculino admitir, participar a sua vitimação eprocurar ajuda apropriada. Nas sociedades em que estabelecer os limites da atividade sexual é estritamente daresponsabilidade das mulheres, a violação é um crime sério. Percebe-se, assim, a relutância da vítima para participar um acontecimento vitimizante. Participá-lopoderá ser o equivalente a passar uma sentença de morte a si próprio ou, pelo menos, pôr emsério risco o seu estatuto social, a respeitabilidade e aceitação na comunidade, bem como oestatuto social da sua família. Enfim, pode significar a estigmatização ou até a exclusão social.Por outras palavras, onde a culpabilização da vítima é prevalecente, e pior que isso, interiorizadapela própria vítima, o preço psicológico e social a pagar pela revelação pode ser muito alto. Da mesma forma a percepção da vítima de que poderá não ser acreditada, pode, efetivamente,fechar todas as vias para revelar e procurar a reparação por um período indeterminado de tempo,e pode conduzir a uma vitimação prolongada. Para além disso, a desvalorização social doconsentimento para revelar, pode fazer da vítima um alvo fácil para assédio e revitimização, nasmãos do vitimizador ou de outros. Exemplos destas vitimizações incluem o incesto, assédiosexual, violência doméstica e abuso dos idosos. A relutância em reclamar o estatuto ou papel de vítima não se confina às vítimas. Corporações,empresas e mesmo os governos, podem não participar serem vítimas de vitimação, paramanterem uma certa imagem, por razões de ordem prática (ex: empresa pode não participar umainvasão de vírus ou perda de segurança nos seus computadores, preferindo arcar com as perdaspara evitar má publicidade que poderia abalar a confiança dos clientes e afetar a sua capacidadede funcionamento). A aquisciência de pequenos e mesmo grandes negócios às exigências do extorcionista do crimeorganizado ou de um corrupto judiciário, também refletem muitas destas dinâmicas que afetama vontade individual das vítimas para reconhecer e reclamar o seu papel de vítima e procurarem areparação. Quarto nível: O quarto e último nível é o do reconhecimento público da vitimização e do apoio da sociedade.Ultrapassar a vitimação é o exato reverso do seu significado e não deve ser descurada. Se omundo social que causa e apoia a vitimação não muda ou continua a ser conivente, se a vítimanada faz acerca da sua má sorte ou se os outros permanecem indiferentes ou indisponíveis, avitimação é aprofundada. A sociedade e os outros desempenham um papel fundamental noprocesso que permite à vítima ultrapassar a sua vitimação e construir um novo mundo. A ajuda ativa dos outros restaura o sentimento de confiança e harmonia na sociabilidade destruída davítima e ajuda-a a fazer a transição para o novo mundo “após” a vitimação. É vital para o bem-estar da vítima, como indivíduo e como membro da sociedade que o danoprovocado pela vitimação seja ultrapassado e que a crise por ele gerada se resolva com sucesso. A tarefa e necessidade de todas as vítimas é restabelecer o mundo como o prefere e conhece.Isto envolve sair da imobilidade e aproveitar a iniciativa, pondo fim ao isolamento e estabelecendocontactos e redes, escapando ao perigo e entrando num porto seguro. Este processo requer três elementos interrelacionados: um esforço ativo, a garantia por parte domundo de uma segurança previsível, e a ajuda ativa dos outros. É através deste processo que avitimação aparecerá como evitável, prevenível e possível de ultrapassar. O reconhecimento ecompreensão da sociedade é crucial para a efetivação deste processo de recuperação. Uma quantidade substancial da pesquisa vitimológica tem- se desenvolvido à volta dos fatores que afetam a transição do terceiro para o quarto nível (ex: os fatores que determinam se areclamação do estatuto de vítima é reconhecida e leva os agentes da sociedade a agir) e das ações dos agentes que oferecem ajuda, retribuição, restituição e compensação. Pesquisas eartigos sobre a vítima e o sistema criminal de justiça, programas de proteção à vítimatestemunha, compensação e restituição, tratamento à vítima, reforma do sistema criminal dejustiça, etc, dominam esta área. A reação e envolvimento da sociedade são muito afetadospelo terceiro nível. O númerocrescente de vítimas que ultrapassam a questão reforça e intensifica a consciência pública acercada vitimação e contribui para estabelecê-la na constelação de assuntos que não podem serignorados e acerca dos quais é preciso fazer algo. Também fornece informação em primeira mãosobre as vítimas, números, dinâmicas de vitimação, necessidades das vítimas e como chegar atéelas. Assim que as vítimas se revelam e o interesse público e profissional é acentuado, o passoseguinte será formular uma política pública apropriada e fornecer serviços relacionados. Talplanificação é requerida para assegurar que a sociedade terá capacidade para responderadequada e prontamente quando as vítimas reconhecem e reclamam o seu estatuto e procuramreconhecimento e apoio na comunidade. No contexto criminal, para se ser considerada vítima, devem verificar-se certas condições: osseus direitos legais ou interesses devem ter sido afetados ou, pelo menos, postos em risco, por um ato punível pela lei penal; o dano sofrido deve ter sido causado pela ofensa criminal. Esta conceptualização permite não só o reconhecimento do dano direto à pessoa como vítimamas, também, dos seus próximos ou ainda daqueles que dependem diretamente da vítima. Adistinção deve ser feita entre as vítimas individuais ou integradas num corpo coletivo. A vitimação coletiva envolve grupos de indivíduos ligados por fatos especiais ou circunstâncias que os tornaalvo de ofensa criminal. O assunto sobre quando uma pessoa deve ser considerada vítima na perspectiva médico-legal é polêmico. Há três diferentes pontos de vista sobre esta questão: - A pessoa deve ser considerada vítima nos procedimentos criminais, a partir domomento que denunciar o crime às autoridades judiciárias; - Deve ser considerado vítima apenas no momento em que assume a posição formal e oseu papel no sistema de justiça criminal; - Só deve ser reconhecido como vítima depois do tribunal ter estabelecido a culpa doacusado. Didatismo e Conhecimento 10 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA Nesta última perspectiva, a pessoa que sofreu o dano por uma ofensa mantém o estatuto dealegada vítima durante todo o processo criminal até ao veredicto final. Esta opinião vai na mesmaordem de razão da presunção de se considerar o agressor inocente até o tribunal decisor que éculpado (fundamental para proteger os direitos e interesses do acusado e para lhe permitir oexercício do seu direito de defesa). No entanto, relativamente à vítima, se esta presunção fortambém usada, não lhe avança os seus interesses, pelo contrário, limitando-a no efetivoexercício dos seus direitos, além de ter um claro efeito prejudicial na sua posição durante oprocesso judicial. Assim, a analogia referida não deve ser seguida, no respeito pela vítima decrime. A pessoa que apresenta uma denúncia às autoridades e reclama o seu papel de vítimadeve ser presumida como tal até prova em contrário, de forma a salvaguardar os seus direitoslegais. A segunda perspectiva é frequentemente encontrada. Nesta conceptualização os direitos davítima podem apenas ser exercidos se esta formalmente reconhecer o seu papel, particularmentea demanda civil. Esta conceptualização da vítima previne, por exemplo, a provisão de informaçãopela polícia no momento em que a vítima denuncia o crime. Mais ainda, se a vítima não estáinformada pela autoridade sobre os seus direitos e oportunidades no processo criminal, o riscodesta não ser capaz de assumir o papel formal necessário não é imaginável. A primeira opinião é aquela que oferece melhor proteção aos direitos e interesses da vítima. Oreconhecimento da pessoa como vítima desde o momento da denúncia às autoridades não só lhedá a melhor possibilidade de ser informada dos seus direitos e oportunidades, como apossibilidade de ser notificada dos desenvolvimentos relevantes, além da melhor oportunidade de efetivamente exercer o seu direito de perseguir os seus interesses no processo criminal. Excluindo esta perspectiva puramente técnico-jurídica, impõe- se outra perspectiva menos rígida, mais articulada e capaz de se adaptar às inúmeras situações de vitimação, sem perder de vista a visão unitária do fenômeno do crime ou das situações traumáticas. Conceito Formal de Crime Afirma Damásio de Jesus que este conceito deriva da análise do crime sobre o “aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei”. Neste sentido, abundam definições: “Crime é o fato humano contrário à lei” (Carmignani). “Crime é qualquer ação legalmente punível” (Maggiore). “Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça da pena” (Fragoso). “Crime é uma conduta (ação ou omissão contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena” (Pi- mentel). “Todo ato ou fato que a lei proíbe sob ameaça de uma pena” (Bruno). “o fato ao qual a ordem jurídica associa a pena como legítima consequência” (Liszt). “ação punível: conjunto dos pressupostos da pena” (Mezger). “l´azionevietatadaldirittoconlam inaciadella pena” (Petrocelli). Como se percebe, estes significados conceituam o crime atra- vés da descrição obtida através de um imperativo legal vigente. Segundo L.A. Machado, esta formulação é “claramente tautoló- gica, a nada conduz. Pode ser, sem ofensa à verdade, reduzida a uma igualdade matemática: o crime é o crime.” De fato, sobre o prisma da modernidade, o conceito formal de crime não só é insuficiente e vazio, como claramente dogmático. No entanto, não basta criticá-lo, é necessário demonstrar a sua importância, visto que, em termos, o conceito analítico vem a resgatar um pouco des- ta dogmática. A conceituação formal como uma definição autossuficiente poderia ser fundamentada através do pensamento normativista, principalmente através de Kelsen e o seu pretenso purismo meto- dológico. A tentativa normativista de unificar o direito em um blo- co monolítico foi um sucesso, no entanto, o mesmo não pode ser dito sobre o esforço de firmar o direito como uma ciência absoluta- mente autônoma, em atitude típica do modernismo, cujas reflexões tanto ciências quanto nas artes procuravam objetos puros auto re- feridos, visto que a existência da insuperável interdisciplinaridade. Muito embora a função de garantia dos direitos do cidadão (segurança jurídica) já estivesse a muito sedimentada através do princípio da legalidade, e, aliás, com uma doutrina que remonta a vários séculos atrás, foi o normativismo que contribuiu com o seu radicalismo para expurgar da aplicação do direito os valores que externos a este, apesar da segurança jurídica poder ser abalroada de outras maneiras, como leis retroativas, cuja teoria pura do Di- reito não refuta, mas até explica. A aparente suficiência de conceitos formais era proveniente da necessidade de certeza, assim como a eliminação da insegu- rança que atingia os juristas, por isto, nada mais certo e ausente de dúvidas interpretativas que afirmar “crime é crime”. Todavia, está clara a tautologia, assim como a impossibilidade de se utilizar deste conceito para desenhar os critérios de orientação da materia- lidade legislativa. Conceito Puramente Material do Crime Como afirma o L.A. Machado, “o conceito material busca a essência … do delito, a fixação de limites legislativos à incrimina- ção de condutas”. Desta forma, o crime é um “desvalor da vida so- cial”, e, segundo Garofalo, “a violação dos sentimentos altruísticos fundamentais de piedade e probidade, na medida média em que se encontram na humanidade civilizada, por meio de ações nocivas à coletividade”. A raiz da valorização destes tipos de conceitos puramente ma- teriais do direito pode ser encontrada através do desenvolvimento de correntes que negavam o direito como uma expressão autôno- ma, ora o caracterizando como apenas um fato social (sociologis- mo jurídico), ora como expressão de relações puramente econô- micas de repressão (materialismo jurídico), o que castravam do mundo jurídico a sua capacidade de auto-alimentação científica.Na corrente materialista econômica mais radical (marxismo vulgar), para compreender o fenômeno jurídico, se utiliza uma compreensão sociológica baseada em fatos economicamente va- lorados, na qual as condições materiais de produção e existência econômica (a infra-estrutura) exerceriam um determinismo sobre a superestrutura, isto é, sobre o plano cultural e psicológico, na qual se insere o estado, o direito, a política, a consciência individual e coletiva, etc. Esta corrente era tão exacerbada que não admitia que a superestrutura influenciasse a infra-estrutura, e, desta forma, o direito adquiria a forma de um “instrumento de dominação do homem pelo homem”, refletindo condições concretas de existência puramente econômica. Evidentemente, esta teoria não era capaz de formular um im- portante conceito suficiente de crime, já que, se o direito era um instrumento de dominação, não explicava como o crime poderia ser um mal social que poderia afetar toda a sociedade, e não apenas a sua classe dominante. Outro erro era o fato de asseverar que as correntes sociais se constituíam principalmente por interesses eco- Didatismo e Conhecimento 11 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA nômicos. A expressão mais correta é que as realizações subjetivas podem ser traduzidas e expressas através dos seus equivalentes econômicos, muitas vezes de forma árdua e imprecisa, no entan- to, apenas para aferição das consequências derivadas de interesses socialmente difundidos e transplantá-los para o da economia desta sociedade, sem resumir ou menosprezar as análises sociais que vi- sualizam as relações sociais sobre outras perspectivas. Outro problema do materialismo radical é que não explica porque a culpabilidade (juízo de reprovação social) não é menor em casos de crimes contra vida que naqueles furtos e roubos que envolvem valores monetários de enorme valia, que, na teoria, afe- tam as classes dominantes no seu instrumento básico de poder. No entanto, serve de explicação para o fato do latrocínio possuir uma pena maior que o homicídio e o estupro seguido de morte. Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha o nosso vão materialismo radical, e é nesse sentido que o sociologismo ju- rídico é capaz de superá-lo, quando atribuiu maior relevância a ca- racterização material do crime fundada em elementos sociais mais complexos. Em contraposição, a sua maior desvantagem é atribuir a sociologia o papel de ciência enciclopédica do ramo cultural, tor- nando a sociologia como a única ciência social (cultural/humana). Os juristas que aderiram a esta corrente, para poderem afir- mar que o direito constituía ciência, deveriam fazê-lo como uma subdivisão da sociologia. Desta forma, nada mais correto que caracterizar o direito como um fato social, como outro qualquer, cuja análise também deveria ser sociológica. Daí o surgimento do conceito puramente material do crime como algo autossuficiente, o que precedeu os dogmáticos normativistas neste tipo de orgulho insensato. É desta doutrina que se origina a afirmativa que o direito é um mero reflexo da sociedade, criado pela simples observação dos fatos sociais e suas relações, negando qualquer abstração independente orientada exclusivamente no plano teórico, já que todas as iniciativas criativas do direito deveriam surgir de outros fatos sociais. Destarte, o crime seria uma ofensa ao corpo social, uma atitude patológica, que abalava a harmonia e a saúde deste or- ganismo, tornando necessária o tratamento (eliminação) da doen- ça. Seus defeitos são definidos por Machado: “É evidente que, pela sua amplitude conceitual, a definição material de crime tem sabor pré-legislativo, de orientação e parâmetro à liberdade legis- lativa de criação de delitos... Não presta à formulação dogmáti- ca pela sua volatilidade e insegurança conceituais”. No entanto, mesmo como definidor pré-legislativo, o conceito material puro é incompetente, pois resume os crimes aos de dano, perigo e dano presumido (sem comprovação prática), quando, como em caso de alguns crimes de mera desobediência, o sistema penal pode clas- sificar algo como crime apenas por causa da mobilização social que se comove a favor de tal medida, sem que este represente um problema efetivo. Várias condutas são assim proibidas não porque representam ou podem potencialmente representar algum dano, mas por razões de vontade, pura e simples. Na sociedade atual, o surgimento des- tes crimes ocorre pela proliferação de toda sorte de fobias, terrores, horrores e medos, são gerados pelo constante fluxo de informações realizadas por veículos de informação, cujo interesse primário é de atrair o público com notícias chocantes. Não obstante, quase todos os autores conceituados, ao defi- nirem o conceito material de crime, sempre trazem ao bojo uma análise material através dos olhos da modernidade, não tratando do conceito material puro justamente por causa da sua instabilidade, instabilidade esta que surge do fato que alguns fatos só são dano- sos se situados em uma determinada conjuntura, e estas conjuntu- ras modificam rapidamente, assim como o dano potencial destas condutas, que pode mesmo não mais existir; enquanto, por outro lado, o direito penal é dogmático, e a descriminalização de uma conduta não depende de uma modificação social, pura e simples, mas um esforço despendido através do processo legislativo. Então, atualmente, o conceito de crime não pode ser desvinculado da legislação penal, e uma análise científica da lei deve ser necessariamente destacada como independente do corpo social que lhe deu razão, mesmo que apenas a título de interpretação. Conceito Moderno Material de Crime Este conceito que foi inaugurado por Rudolf VonIhering, e baseado neste, autores defendem que crime seria “o ato que ofen- de ou ameaça um bem jurídico tutelado pela lei penal”, o que, ao contrário do conceito anterior, vincula a avaliação do que seja so- cialmente valioso a noção de bem jurídico (valor juridicamente protegido). Portanto, “crime é, assim, numa definição material, a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proi- bida sob ameaça de pena”, seria a “infração da lei do Estado, pro- mulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputá- vel e politicamente danoso”. Podemos destacar deste discurso dois elementos, a lei penal e o “bem jurídico material” que visa proteger, sabendo que bem jurídico material não só engloba objetos materiais, como abstratos, como os religiosos, morais e psicológicos. Destarte, o problema do conceito material puro é solucionado, no entanto, apesar de re- presentar um avanço em relação ao parâmetro anterior, é apenas com o conceito analítico que podemos extrair de forma mais exata e melhor o conceito de crime. Mesmo assim, é de grande valia o presente conceito para a definição de critérios para incriminação de condutas. Conceito Analítico de Crime A classificação analítica tem várias vantagens, como demons- tra a analogia de Machado: “Ainda que, formalmente, a água seja água e, materialmente, seja um líquido insípido, inodoro e incolor que serve para, entre outras coisas, saciar a sede, analiticamente a sua composição é H2O”. Preliminarmente, disciplina Fragoso que a expressão “ele- mento” é inadequada, pois dá a ideia de partes simples de um composto. Seria mais adequado falar em “características” ou em “requisitos”, embora este mesmo autor admita que esta questão não afete a “essência das coisas”. Existem duas formas de classificação analítica do crime. Em- bora a primeira classificação (bipartida) não seja mais aceita pela doutrina, reservaremos a esta algum espaço, assim como para a corrente dominante, que é a conceituação tripartida. Didatismo e Conhecimento 12 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA A concepção bipartida define o crime através de doiscritérios: o subjetivo e o objetivo, quer dizer a força moral e a força física, “na força moral teríamos a culpabilidade (vontade inteligente) e o dano moral do delito, constituído pela intimidação (dano imediato) e pelo mau exemplo que o delito apresenta; na força física tería- mos a ação com que o agente executa o desígnio malvado e o dano material do delito”. Porém, é pacífica a caracterização analítica do crime da forma tripartida, como uma ação ou omissão típica, antijurídica e culpá- vel. No entanto, disciplina Magalhães Noronha que, “com segu- rança escreve Hungria que um fato pode ser típico, antijurídico, culpado e ameaçado com pena (“inthesi”), isto é, criminoso, e, no entanto, anormalmente deixar de acarretar a efetiva imposição de pena, como nas causas pessoais de exclusão da pena (eximentes, escusas absolutórias), tal qual se dá no furto familiar (art. 181, I e II) e no favorecimento pessoal (art. 348, §2º), nas causas de extinção da punibilidade nas extintivas condicionais (livramento condicional e “sursis”), em que não há aplicação de pena, mas o crime permanece”. Enquanto a ação é atividade, a omissão seria a falta de ação, falta que é uma transgressão a uma expectativa jurídica sobre um ato considerado imperativo e necessário. A conduta típica seria a correspondência entre o fato concreto e o modelo abstrato (pre- visão legislativa), a ilicitude (antijuridicidade) é a característica deste ato, que é juridicamente proibida, (sempre que a conduta é típica e não estão presentes os excludentes de ilicitude, quer dizer, a legítima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito, conforme art. 19 do Código Penal). Já a culpabilidade seria o juízo de reprovação social sobre a ação ou omissão, pois, quando era esperado que o sujeito tomas- se uma determinada atitude, toma outra proibida em seu lugar. Todavia, a conduta, apesar de ser vedada pelo ordenamento, não é reprovável quando o sujeito não é imputável, quando não tem potencial consciência da ilicitude ou quando dele não se poderia exigir do indivíduo conduta diversa. Parte bastante recessiva da doutrina diverge do aqui estabele- cido, fixando que o conceito de crime é constituído apenas de uma conduta ilegal e culpável, já que a conduta ilegal é necessariamen- te típica. Outros acreditam que a culpabilidade é pressuposto da pena, e não do crime. Como podemos perceber, nos baseamos na doutrina dominante para trabalhar esta parte. Baseada nesta carac- terização analítica, afirma Fragoso que “é feliz a expressão que al- guns autores empregam, segundo a qual, se concebe o crime como um prisma, seus componentes devem ser representados por suas faces e não como suas partes”. A conceituação do crime foi delongada porque esta definição é a mais importante do Direito Penal. É o conceito chave deste ramo do direito, que, segundo alguns autores, deveria ser chamado de “Direito Criminal”, e não “Penal”. Embora se tenha valorado cada uma destas definições como completas ou incompletas, todas são importantes. Apesar disto, alguns autores se esforçaram para concretizar uma conceituação mais definitiva do crime, algo que o jurista Damásio parece ter tentado ao desenvolver o critério “formal, material e sintomático do crime”, que “visa o aspecto formal e material do delito, incluin- do na conceituação a personalidade do agente. Ranieri, sob esse aspecto, define o delito como “fato humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em sentido estrito (pena criminal), lesivo ou perigoso para bens ou interesses consi- derados merecedores da mais enérgica tutela, constituindo expres- são reprovável da personalidade do agente, tal como se revela no momento de sua realização”. Alguns acentuam que o crime não é o fato em si, como postula Machado, já que o fato é a consequência do ato/omissão criminosa, sendo que esta consequência não é sempre necessária para a caracterização da atitude criminosa. No entanto, segundo doutrina dominante, esta separação de fato e ato não é procedente, pelo menos não da forma como foi realizada. Melhor caracterização nos traz Heleno Fragoso: “O crime é, sem dúvida, fato jurídico. Fato jurídico é designação genérica de todo acontecimento rele- vante para o direito, provocando o nascimento, a modificação ou extinção de uma relação jurídica. Fatos jurídicos dividem-se em fatos naturais (ou fatos jurídicos em sentido estrito) e fatos vo- luntários (ou atos jurídicos). Aqueles são fatos da natureza, como o nascimento ou a morte. Estes são condutas voluntárias, que in- fluem sobre relações jurídicas. Os fatos voluntários (ou atos jurídi- cos) subdividem-se em duas grandes categorias, a dos atos lícitos e a dos atos ilícitos. Os atos lícitos são atos praticados de acordo com o direito e podem ser declarações de vontade dirigidas a pro- duzir efeitos jurídicos (negócios jurídicos) ou ações, positivas ou negativas, que produzem efeitos jurídicos, sem serem dirigidas a produzi-los”. Assim, a Ciência Penal se torna principalmente o estudo jurí- dico dos atos ilícitos, que são fatos em sentido amplo. A definição do crime é tão importante que tem serventia para o desenvolvi- mento de inúmeros outros conceitos, como por exemplo, a deter- minação do objeto do crime (jurídico formal, jurídico substancial e material), a diferença entre os ilícitos civis e os ilícitos penais e etc. Observação:Quando se aborda o fenômeno crime, uma das questões mais frequentemente colocadas é a das suas razões ou causas, sendo comum ouvir como resposta que é porque os sujei- tos são fracos, são maus ou são anormais. No entanto a resposta parece ter de ser bem mais complexa, implicando estudar o sujeito criminoso, de modo a dar conta de todos os fatores que influen- ciam o seu comportamento. Tenta-se seguidamente demonstrar a necessidade de incluir as abordagens biológicas no estudo do crime. A utilização do atual paradigma científico, o paradigma sis- têmico comunicacional informacional, permite ter uma visão complexa do ser humano, pois ao considerá-lo como um sistema biopsicossocial, realça não só a existência dos níveis biológico, psicológico e social, separadamente, mas também a articulação e comunicação entre eles. Num comportamento complexo e proble- mático como é o crime, a complexidade do sistema biopsicossocial torna-se particularmente importante, pois para intervir é necessá- rio conhecer os diferentes níveis do sistema humano e a importân- cia de cada um deles no comportamento do sujeito. Um dos níveis mais criticado e desvalorizado é o nível bioló- gico. Defender a existência e a importância das abordagens bioló- gicas no estudo do crime implica entrar num tema polêmico, fre- quentemente utilizado pelos meios de comunicação social como explicação securizante de casos pontuais. No entanto, convém não esquecer que esta utilização da biologia como justificação do comportamento não é recente, pois há bem menos de um século quer a biologia, quer o darwinismo social serviram de base para Didatismo e Conhecimento 13 PROGRAMA DE NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA o colonialismo, o racismo e a procura da raça pura. Contudo, não considerar este nível, elimina à partida um dos elementos do triplo sistema, o sistema biopsicossocial. O crime, definido como um “ato que ofende certos sentimen- tos coletivos”, apesar da sua natureza aparentemente patológica, não deixa de ser considerado como um fenômeno normal, no en- tanto, com algumas precauções. O que é normal é que “exista uma criminalidade, contanto que atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível”. A sociedade constrói-se, na verdade, em torno de sentimen- tos mais ou menos fortes, sentimentos cuja dignidade parece tanto mais inquestionável quanto mais forem respeitados. No entanto isso não quer dizer que todos os membros da coletividade parti- lhem dos mesmos sentimentos com a mesma intensidade. De fato, alguns indivíduos
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