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O COLAPSO DO UNIVERSO O Colapso do Universo – Isaac Azimov i ii O Colapso do Universo – Isaac Azimov ISAAC ASIMOV O COLAPSO DO UNIVERSO Tradução de Donaldson M. Garschagen 5ª edição O Colapso do Universo – Isaac Azimov iii Copyright (c) 1977 by Isaac Asimov Titulo original: The Collapsing Universe Capa: Eugenic Hirsh Impresso no Brasil Printed in Brazil 1ª. edição: Novembro de 1979 2ª " Abril de 1980 3ª " Abril de 1980 4ª " Setembro de 1981 Ficha Catalográfica CIP-BRASIL. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Asimov, Isaac. A857c O Colapso do universo / Isaac Asimov ; tradução de Do- naldson M. Garschagen. — Rio de Janeiro : F. Alves, 1982 . 5ª ed. 1. Cosmogonia I. Titulo CDD — 523.1 79-0638 CDU — 523.1 Todos os direitos desta tradução reservados à LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A. Rua Sete de Setembro, 177 — Centro 20.050 Rio de Janeiro, RJ Não é permitida a venda em Portugal e paises de língua portuguesa. iv O Colapso do Universo – Isaac Azimov SUMÁRIO Partículas e Forças .............................................. 1 AS QUATRO FORÇAS .............................................................................. 2 ÁTOMOS .................................................................................................... 6 DENSIDADE ............................................................................................ 10 GRAVITAÇÃO ........................................................................................ 13 Os Planetas ....................................................... 20 A TERRA .................................................................................................. 20 OS OUTROS PLANETAS ....................................................................... 24 VELOCIDADE DE ESCAPE ................................................................... 27 DENSIDADE E FORMAÇÃO PLANETÁRIA ....................................... 32 Matéria Comprimida .......................................... 38 INTERIORES PLANETÁRIOS ............................................................... 38 O Colapso do Universo – Isaac Azimov v RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO .......................................................... 42 ESTRELAS ............................................................................................... 46 MATÉRIA DEGENERADA .................................................................... 49 Anãs Brancas .................................................... 55 GIGANTES VERMELHAS E COMPANHEIRAS ESCURAS .............. 55 SUPERDENSIDADE ................................................................................ 59 O DESVIO PARA O VERMELHO DE EINSTEIN ................................ 63 FORMAÇÃO DE ANÃS BRANCAS ...................................................... 66 Matéria em Explosão ......................................... 71 A GRANDE EXPLOSÃO ........................................................................ 71 A SEQÜÊNCIA PRINCIPAL ................................................................... 75 NEBULOSAS PLANETÁRIAS ............................................................... 80 NOVAS ..................................................................................................... 84 SUPERNOVAS ......................................................................................... 89 Estrelas de Nêutrons ......................................... 95 ALÉM DA ANÃ BRANCA ..................................................................... 95 ALÉM DA LUZ ........................................................................................ 98 PULSARES ............................................................................................. 101 PROPRIEDADES DAS ESTRELAS DE NÊUTRONS ......................... 106 EFEITOS DE MARÉ .............................................................................. 111 Buracos negros ............................................... 118 VITÓRIA FINAL .................................................................................... 118 A DETECÇÃO DO BURACO NEGRO ................................................ 123 MINIBURACOS NEGROS .................................................................... 129 O USO DOS BURACOS NEGROS ....................................................... 133 Fins e Começo ................................................ 136 O FIM ? ................................................................................................... 136 vi O Colapso do Universo – Isaac Azimov BURACOS DE MINHOCA E BURACOS BRANCOS ........................ 140 QUASARES ............................................................................................ 144 O OVO CÓSMICO ................................................................................. 149 Apêndice..................................................................................................... 155 O Colapso do Universo – Isaac Azimov vii Partículas e Forças Desde 1960 o universo adquiriu uma fisionomia inteiramente nova. Tornou- se mais excitante, mais misterioso, mais violento e mais extremo, pois nosso conhecimento a seu respeito cresceu subitamente. E dentre todos os fenômenos, o mais excitante, o mais misterioso, o mais violento e o mais extremo é o que tem o nome mais simples, comum, tranqüilo e sereno. Trata- se tão-somente de um " buraco negro ". Um buraco é um nada. E se é negro, nem podemos vê-lo. Por que o entusiasmo por um nada invisível? Há causa para esse entusiasmo — se aquele buraco negro representa o estado mais extremo possível da matéria, se representa o possível fim do universo, se representa o possível começo do universo, se representa novas leis físicas e novos métodos para ultrapassar o que antes eram consideradas limitações absolutas. O Colapso do Universo – Isaac Azimov 1 No entanto, para compreendermos o buraco negro, convém começar do começo e seguir passo a passo o caminho que leva até ele. AS QUATRO FORÇAS As várias partículas que compõem o universo interagem entre si de quatro maneiras diferentes. Cada uma dessas maneiras é uma forma particular de interação ou, para usarmos um termo mais antiquado, porém mais comum, uma força. Os cientistas jamais conseguiram detectar uma quinta força, ou mesmo descobrir qualquer razão pela qual uma quinta força seria necessária. O Quadro 1 relaciona as quatro forças em ordem decrescente de intensidade. QUADRO 1 — Intensidade relativa das quatro forças Força Intensidade relativa* Nuclear 103 Eletromagnética 1 Fraca 10-11 Gravitacional 10-39 Toda partícula existente no universo é fonte de uma ou mais dessas forças. Cada partícula serve como centro de um volume de espaço em que essa força existe com uma intensidade que diminui ao aumentar a distância da fonte. O volume de espaço em que aquela força pode atuar é o campo de força. Qualquer partícula capaz de servir como fonte de um campo particular responderá a um campo semelhante criado por outra partícula. Em geral, a resposta se dá em termos de movimento: as partículas mo- * As intensidades relativas são dadas em números exponenciais, ou seja, 103 representa 1.000 e 10-11 representa 1/100.000.000.000. Alguns detalhes concernentes aos números exponenciais aparecem no Apêndice, caso o leitor não esteja familiarizado com eles. 2 O Colapso do Universo – Isaac Azimov vem-se uma em direção à outra (atração) ou afastam-se uma da outra (repulsão), a menos que obstáculos físicos o impeçam. Assim, qualquer objeto capaz de produzir um campo gravitacional haverá de se mover, se colocado no campo gravitacional da Terra, em direção ao centro da Terra — isto é, cairá. A Terra, por sua vez, também se moverá em direção ao centro do objeto, mas já que, com toda probabilidade, será muito maior do que o objeto, subirá correspondentemente mais devagar — em geral, na verdade, com uma lentidão incomensurável. Dentre as quatro forças, duas — a nuclear e a fraca — só atuam em distâncias incrivelmente pequenas, da ordem de 10-18 centímetros ou menos, Essa distância representa praticamente a largura do minúsculo núcleo existente no centro do átomo. Só dentro do núcleo, na vizinhança imediata de partículas isoladas, é que essas forças existem. Por esse motivo, a denominação força nuclear é, às vezes, dada a ambas, sendo diferenciadas, no tocante à sua intensidade relativa, pelas expressões força nuclear forte e força nuclear fraca. Neste livro, entretanto, raramente haverá oportunidade para nos referirmos à força fraca, de modo que nos referiremos simplesmente à força nuclear mais forte como sendo a força nuclear, sem maiores qualificativos. Não é provável que uma determinada partícula produza cada uma dessas forças, nem que responda a cada uma delas. Somente certas partículas, por exemplo, produzem força nuclear e respondem a ela. As que assim fazem são chamadas hádrions, termo derivado de uma palavra grega que significa "forte", uma vez que a força nuclear é a mais forte das quatro. Os hádrions mais comuns e mais importantes para a estrutura do universo são dois núcleons — o próton e o nêutron. O próton foi descoberto em 1914 pelo físico britânico Ernest Rutherford (1871-1937) e seu nome provém da palavra grega que significa "primeiro", isso porque, ao tempo de sua descoberta, era o menor objeto conhecido que possuía carga elétrica positiva. O nêutron foi descoberto em 1932 pelo físico inglês James Chadwick (1891-1974). Não tem carga elétrica, positiva ou negativa. Em outras palavras, é eletricamente neutro — donde seu nome. Já em 1911 Rutherford havia demonstrado que um átomo contém quase toda sua massa numa região pequeníssima em seu centro, o núcleo. Assim que se descobriram os prótons, compreendeu-se que são partículas relativamente sólidas e que deviam estar localizadas no núcleo. O número de prótons varia de uma espécie de átomo para outra: O Colapso do Universo – Isaac Azimov 3 o átomo de hidrogênio possui um único próton no núcleo, o átomo de hélio tem 2, o átomo de lítio tem 3 e assim por diante — até o átomo de urânio, que tem 92 prótons. Átomos de massa ainda maior já foram criados em laboratório. Mas o que mantém os prótons juntos no núcleo, onde se acham todos eles comprimidos em tamanha proximidade? Antes de 1935, somente se conheciam duas forças — a eletromagnética e a gravitacional. A força gravitacional é fraca demais para conservar os átomos juntos. A força eletromagnética é suficientemente forte para isso, mas ela só pode se manifestar como uma atração ou como uma repulsão. Entre duas partículas de carga elétrica oposta (positiva e negativa) há uma atração. Entre duas partículas com a mesma carga elétrica (positiva e positiva ou negativa e negativa) há uma repulsão. Todos os prótons têm carga positiva e, por conseguinte, deveriam repelir-se mutuamente, sendo a repulsão mais intensa quanto riais próximos estiverem os prótons uns dos outros. No núcleo atômico, com os prótons apertados de tal maneira que se acham praticamente em contato, a repulsão eletromagnética deve ser de uma intensidade enorme — e, no entanto, os prótons permanecem juntos. Além de prótons, no núcleo também existem nêutrons, mas isso não parece resolver a situação. Como os nêutrons não têm carga elétrica, eles não produzem força eletromagnética nem reagem a ela; por isso, não deveriam atrair nem repelir os prótons. Não deveriam manter os prótons juntos nem acelerar sua separação. Só em 1935 o físico japonês Hideki Yukawa (1907 - ) expôs uma teoria satisfatória da força nuclear, mostrando que seria possível aos prótons e nêutrons, quando muito próximos uns dos outros, produzir uma força de atração mil vezes maior que a força de repulsão eletromagnética. O que a força nuclear junta, a força eletromagnética não pode separar. A força nuclear só funciona plenamente e mantém os átomos estáveis quando os prótons e nêutrons se acham presentes em certas proporções. Para os átomos que contêm 40 partículas ou menos, a melhor proporção parece ser a de números iguais de prótons e nêutrons. No caso de núcleos mais complicados, é preciso haver uma preponderância de nêutrons, crescendo essa preponderância à medida que o núcleo se torna mais complexo. Um núcleo de bismuto, por exemplo, contém 83 prótons, mas 126 nêutrons. Quando um núcleo atômico é forçado a ter proporções fora da região de estabilidade, ele não se mantém intacto. Sob a influência da 4 O Colapso do Universo – Isaac Azimov força fraca, pequenaspartículas beta (beta é a segunda letra do alfabeto grego) são emitidas até a proporção ajustar-se às normas de estabilidade. Existem ainda outras formas pelas quais os átomos podem ser decompostos, porém todas essas maneiras se reúnem sob o título de radioatividade. Por mais forte que seja a força nuclear, ela tem limites. A intensidade da força nuclear diminui muito rapidamente com a distância, e ela pode se fazer sentir fora do núcleo. Na verdade, sua influência atrativa reduz-se consideravelmente quando ela tem de se estender de uma extremidade à outra dos núcleos maiores. A força eletromagnética também diminui, porém muito mais lentamente. O tamanho do núcleo é limitado, uma vez que por fim a repulsão eletromagnética de uma extremidade à outra se tornará igual à atração nuclear rapidamente decrescente de uma extremidade à outra. É por isso que os núcleos atômicos têm dimensões tão infinitesimais. A força nuclear simplesmente não consegue produzir qualquer coisa maior (exceto em condições raríssimas, de que trataremos mais tarde). Concentremo-nos agora na interação eletromagnética, a qual, como já foi dito, só é produzida por aquelas partículas que têm carga elétrica, e às quais só as partículas carregadas reagem. A carga é de dois tipos, positiva e negativa. A força entre cargas positiva e negativa é uma atração, ao passo que a força entre cargas positiva e positiva ou negativa e negativa é uma repulsão. O próton, com sua carga elétrica positiva, é fonte de força nuclear e eletromagnética e reage a ambas. O nêutron, que é eletricamente descarregado, é fonte apenas de força nuclear e reage somente a ela. Além dessas, existem as partículas denominadas léptons, cujo nome deriva de uma palavra grega que significa "fraco"; os léptons são fonte da força fraca, à qual reagem, mas jamais reagem à força nuclear. Alguns léptons, no entanto, têm carga elétrica e são fontes de força eletromagnética e a ela respondem, da mesma forma que são fonte de força fraca, à qual reagem. O mais importante dos léptons, no que diz respeito à matéria ordinária, é o elétron, que tem carga elétrica negativa. (As partículas beta produzidas por núcleos instáveis, por intermédio da força fraca, são elétrons.) O elétron foi descoberto em 1897 pelo físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940), e recebeu esse nome por ser a menor unidade de carga elétrica então conhecida (ou, aliás, conhecida até hoje). As informações de que agora dispomos podem ser sumarizadas como mostra o Quadro 2. O Colapso do Universo – Isaac Azimov 5 QUADRO 2 — Partículas e forças Próton Nêutron Elétron Força nuclear Sim Sim Não Força eletromagnética Sim Não Sim NOTA: Existem também partículas como o elétron, mas com carga elétrica positiva: são os antielétrons ou pósitrons. Um próton com carga elétrica negativa é um antipróton. Um nêutron com algumas de suas propriedades invertidas é um antinêutron. Como grupo, esses opostos são as antipartículas. Da mesma forma que as partículas comuns compõem toda a matéria que nos rodeia, as antipartículas poderiam compor a antimatéria. Tal antimatéria pode existir em algum ponto do universo, mas nunca pudemos detectá-la; contudo, os cientistas podem produzi-la em quantidades ínfimas, em laboratório. ÁTOMOS Já que os elétrons não estão sujeitos à força nuclear, não podem fazer parte do núcleo. Não obstante, um elétron é atraído para um próton graças à força eletromagnética e tende a permanecer perto de um deles. Assim sendo, se um núcleo é constituído de um único próton, existe a probabilidade de que um único elétron seja mantido em sua vizinhança pela força eletromagnética. Se houver dois prótons no núcleo, é provável que sejam dois os elétrons mantidos em sua vizinhança, e assim por diante. O núcleo e os elétrons próximos perfazem o átomo. (Átomo vem de uma palavra grega que significa "inquebrável", porque quando se começou a lidar com átomos julgava-se que não pudessem ser decompostos em unidades menores.) Sucede que a carga do elétron é exatamente igual à do próton (ainda que de natureza oposta). Portanto, quando existem x prótons no núcleo, a existência de x elétrons nas regiões vizinhas a ele significa que as duas espécies de carga elétrica se neutralizarão de maneira precisa. Como um todo, o átomo é eletricamente neutro. Ainda que o elétron e o próton sejam iguais no tamanho da carga elétrica, eles não têm a mesma massa. *O próton tem massa 1.836,11 * Quando dizemos que um objeto possui massa, queremos dizer que é necessária uma força para fazê-lo mover-se, se está parado, ou para alterar a velocidade ou o sentido do movimento, se já está se movendo. Quanto mais massa ele possui, mais força é necessária. Em circunstâncias normais, aqui na superfície da Terra, os objetos possuidores de grande massa impressionam nossos sentidos como sendo "pesados". Quanto mais massa têm, mais pesados são. Entretanto, massa e peso não são coisas idênticas, e embora o significado fique claro se dissermos que o próton é muito mais pesado do que o elétron, é mais seguro dizer que "possui mais massa". 6 O Colapso do Universo – Isaac Azimov vezes maior que a do elétron. Imaginemos, pois, um átomo com 20 prótons e 20 nêutrons no núcleo e 20 elétrons nas regiões exteriores. A carga elétrica está equilibrada, porém mais de 99,97% da massa do átomo se encontram no núcleo. Entretanto, ainda que o núcleo contenha quase toda a massa de um átomo, ele constitui uma fração minúscula de seu volume (Isto é um ponto importante para o tema deste livro, como haveremos de ver). O núcleo tem um diâmetro de aproximadamente 10-43 centímetros; o de um átomo é de mais ou menos 10-8 centímetros. Isso significa que o átomo é 100.000 vezes mais largo que o núcleo. Seriam necessários 100.000 núcleos, postos lado a lado, para cobrir o diâmetro do átomo de que faz parte. Se o leitor imaginar que o átomo é uma esfera oca e começar a enchê-la de núcleos, há de verificar que são necessários 1015 (um milhão de bilhões) de núcleos para enchê-lo, Consideremos agora dois átomos. Cada um deles tem uma carga elétrica geral igual a zero. Poderíamos supor, nesse caso, que não se atrairiam mutuamente; que, por assim dizer, não tomariam conhecimento da existência um do outro, no que se refere à força eletromagnética. Idealmente seria assim. Se em vários átomos, a carga do elétron estivesse espalhada com perfeita uniformidade numa esfera em torno do núcleo, e se a carga positiva do núcleo estivesse uniformemente misturada à carga negativa dos elétrons, nesse caso a força eletromagnética não desempenharia nenhum papel entre os átomos. As coisas, entretanto, não sucedem assim. A carga negativa dos elétrons está presente nas regiões externas do átomo e a carga positiva do núcleo está oculta em seu interior; quando dois átomos aproximam-se um do outro, é a região externa negativamente carregada de um deles que está se aproximando da região externa carregada negativamente do outro. As duas regiões de carga negativa se repelem (cargas iguais repelem-se), e isso significa que quando dois átomos se aproximam muito, eles se desviam ou ricocheteiam. Uma amostra de hélio, por exemplo, é constituída de átomos de hélio separados que giram eternamente um em volta do outro, num mútuo movimento de ricochete. A temperaturas normais, os átomos de hélio movem- se com bastante rapidez e imprimem um ao outro um movimento de ricochete de força considerável. À medida que a temperatura baixa, entretanto, os átomos movem-se cada vez mais devagar e ricocheteiam com crescente fraqueza. Os átomos de hélio juntam-se mais, o hélio se contrai e. seu volume diminui. Por outro lado, se a temperaturaaumenta, os átomos movem-se mais depressa, ricocheteiam com mais força e o hélio se dilata. Aparentemente, não haveria limite para a rapidez com que os átomos poderiam mover-se (dentro do razoável), mas é fácil estabelecer O Colapso do Universo – Isaac Azimov 7 um limite para seu movimento lento. Se a temperatura cair suficientemente, chega-se a um ponto em que eles se movem tão lentamente que nenhuma energia poderá mais ser tirada deles. A esse nível de frio alcançamos uma temperatura de zero absoluto, que é igual a -273,18°C. Ainda que os átomos de hélio tenham uma distribuição de carga que se aproxima bastante da perfeita simetria, ela não é completamente perfeita. A carga elétrica não se distribui de maneira exatamente uniforme e, em conseqüência disso, certas partes da superfície do átomo são um pouco menos carregadas negativamente do que outras. Por isso, a carga positiva interna do átomo se infiltra pelas áreas menos negativas do exterior, por assim dizer, e dois átomos vizinhos atraem-se mutuamente com muita debilidade. Essa débil atração é denominada força de van der Waals, por ter sido definida pela primeira vez pelo físico holandês Jones Diderik van der Waals (1837-1923). Quando a temperatura cai e os átomos de hélio movem- se cada vez mais lentamente, a força de ricochete acaba por não ser suficiente para vencer as minúsculas forças de van der Waals. Os átomos se juntam e o hélio se liquefaz. As forças de van der Waals são tão fracas no átomo do hélio, altamente simétrico, que a temperatura tem de cair a 4,3 graus acima do zero absoluto para que o hélio se torne líquido. Todos os demais gases têm uma distribuição de carga menos simétrica em seus átomos; por conseguinte, experimentam forças de van der Waals maiores e se liquefazem a temperaturas mais altas. Às vezes os átomos podem se atrair de modo mais forte. Nas regiões externas dos átomos os elétrons dispõem-se em camadas, e a estrutura tem estabilidade máxima se todas as camadas estiverem cheias. Exceto no caso do hélio e de alguns elementos semelhantes, em geral os átomos têm sua camada mais exterior incompleta ou possuem alguns elétrons de sobra, depois de completada aquela camada. Existe, por isso, uma tendência para que, no momento da colisão de dois átomos, haja uma transferência de um ou dois elétrons do átomo em que são excedentes para aquele em que faltam, o que deixa ambos com as camadas mais externas completas. Mas, nesse caso, o átomo que recebe elétrons ganhou uma carga negativa e o que perdeu elétrons não pode mais equilibrar completamente a carga de seu núcleo, ganhando com isso uma carga positiva. Os dois átomos apresentam, então, tendência para se aglutinarem. Pode ocorrer ainda que dois átomos, ao colidirem, partilhem elétrons, o que ajuda a preencher a camada mais externa de ambos. Assim, os dois átomos passam a apresentar suas camadas mais externas completas, desde que permaneçam em contato. 8 O Colapso do Universo – Isaac Azimov Em ambos os casos — transferência ou partilha de elétrons — é preciso uma energia considerável para separar os átomos, em circunstâncias normais eles permanecem juntos. Tais combinações de átomos são chamadas moléculas, de uma palavra latina que significa "pequeno objeto". Às vezes, dois átomos em contato bastam para produzir estabilidade. Dois átomos de hidrogênio formam uma molécula de hidrogênio; dois átomos de nitrogênio, uma molécula de nitrogênio, e dois átomos de oxigênio, uma molécula de oxigênio. Às vezes, é preciso que mais de dois átomos entrem em contato para completar todas as camadas; a molécula de água é constituída de um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio; a molécula de metano compõe-se de um átomo de carbono e quatro átomos de hidrogênio; a molécula de bióxido de carbono é constituída por um átomo de carbono e dois átomos de oxigênio, e assim por diante. Em alguns casos, uma molécula pode ser formada por milhões de átomos. Isso acontece porque os átomos de carbono, em particular, são capazes de partilhar elétrons com até quatro outros átomos diferentes. Por conseguinte, é possível a formação de longas cadeias e complicados anéis de átomos de carbono; tais cadeias e anéis formam a base das moléculas que caracterizam o tecido vivo. As moléculas de proteínas e de ácidos nucléicos, no corpo humano e em todas as demais coisas vivas, são exemplos dessas macromoléculas (macro é uma palavra grega que quer dizer "grande"). As combinações de átomos em que os elétrons são transferidos podem acarretar a formação de cristais, nos quais os átomos existem em incontáveis milhões, enfileirados em colunas uniformes. De modo geral, quanto maior a molécula e quanto menos uniforme for a distribuição da carga elétrica na mesma, mais provável será a reunião de muitas moléculas e a formação de substância líquida ou sólida. Todas as substâncias sólidas que vemos são mantidas fortemente coesas pelas interações eletromagnéticas que existem, primeiro, entre elétrons e prótons, depois entre diferentes átomos e, por fim, entre diferentes moléculas. Além disso, essa capacidade que a força eletromagnética apresenta de manter juntas miríades de partículas estende-se em direção ao exterior, indefinidamente. A interação nuclear, que envolve uma atração que se dissipa com extrema rapidez ao aumentar a distância, só é capaz de gerar o pequeníssimo núcleo atômico. A força eletromagnética, que se dissipa lentamente com a distância, é capaz de amalgamar qualquer coisa, desde partículas de pó a montanhas; pode produzir um corpo do tamanho da Terra e corpos ainda muito mais colossais. O Colapso do Universo – Isaac Azimov 9 A força eletromagnética está intimamente relacionada conosco, e de maneiras mais complexas que simplesmente nos possibilitando, e ao planeta em que vivemos, ser mantidos coesos. Toda mudança química é resultado de deslocamentos ou transferências de elétrons de um átomo para outro. Isso inclui os delicadíssimos e versáteis deslocamentos e transferências nos tecidos de seres vivos, como nós. Todas as mudanças que ocorrem dentro de nosso corpo — a digestão dos alimentos, a contração dos músculos, o crescimento de novo tecido, os impulsos nervosos, a geração de pensamentos no cérebro — são o resultado de mudanças sob o controle da força eletromagnética. Alguns deslocamentos de elétrons liberam considerável energia; a energia de uma fogueira, da queima de carvão ou óleo, assim como a energia produzida dentro do tecido vivo, resultam de mudanças sob o controle da força eletromagnética. DENSIDADE Ao se separarem os átomos ou moléculas de um dado fragmento de matéria, devido ao aumento da temperatura ou por qualquer outro motivo, passa a haver menos massa num determinado volume fixo daquela matéria. Acontece o oposto se os átomos ou moléculas se juntarem mais. A quantidade de massa por volume dado é dita densidade; em outras palavras, quando a matéria se expande sua densidade diminui; quando a matéria se contrai, sua densidade aumenta. Usando o sistema métrico, os cientistas medem a massa em gramas e o volume em centímetros cúbicos. Para darmos um exemplo típico de densidade, um centímetro cúbico de água tem massa de um grama. (Não é por coincidência; as duas unidades de medida foram definidas na década de 1790 para se ajustarem dessa maneira.) Isso significa que podemos dizer que a água tem uma densidade de 1 grama por centímetro cúbico ou, abreviadamente, 1 g/cm3. As mudanças de densidade não são apenas questão de dilatação ou contração. Substâncias diferentes têm densidades diferentes devido à própria natureza de suas estruturas. Os gases apresentamdensidades muito inferiores às dos líquidos porque são constituídos de átomos ou moléculas separadas, com pequena atração uns pelos outros. Enquanto as moléculas dos líquidos estão praticamente em contato, os átomos ou as moléculas dos gases movem-se rapidamente, ricocheteando uns nos outros e assim permanecendo bastante separados. A maior parte do volume de um gás é constituída do espaço vazio entre os átomos e moléculas. 10 O Colapso do Universo – Isaac Azimov Por exemplo, uma amostra de hidrogênio gasoso preparada na Terra, a temperaturas e pressões normais, teria uma densidade de aproximadamente 0,00009 (ou 9 x 10-5) g/cm3. A água líquida é um pouco mais de 11.000 vezes mais densa que o hidrogênio gasoso. A densidade do hidrogênio poderia ser tornada ainda mais baixa se fosse permitido às moléculas de hidrogênio (ou átomos separados, no caso) se separarem mais. No espaço exterior, por exemplo, há tão pouca matéria que só existe, em média, um átomo de hidrogênio em cada centímetro cúbico. Nesse caso, a densidade do espaço exterior seria alguma coisa semelhante a 0,0000000000000000000000017 g/cm3 — praticamente nenhuma, na verdade. A densidade da água é cerca de 600 bilhões de trilhões de vezes maior que a do espaço exterior. Diferentes gases tendem a diferir em densidade. Em condições semelhantes, os átomos e moléculas que compõem os gases estão separados por um espaço vazio praticamente igual. A densidade depende então da massa dos átomos ou moléculas individuais. Se um gás é composto de moléculas com o triplo da massa das moléculas de outro, nesse caso a densidade do primeiro é três vezes maior que a do segundo. Por exemplo, um gás com uma molécula de massa particularmente grande é o hexafluoreto de urânio. Cada molécula compõe-se de um átomo de urânio e seis átomos de flúor e o conjunto tem massa 176 vezes maior que as moléculas de hidrogênio, com seus dois átomos de hidrogênio. O hexafluoreto de urânio é um líquido que se transforma em gás com pequeno aquecimento, e a densidade do gás é de aproximadamente 0,016 g/cm3. A água líquida é apenas 62,5 vezes mais densa que esse gás. Ainda assim, qualquer gás, mesmo o hexafluoreto de urânio, é formado principalmente por espaços vazios. Se tal gás for comprimido — por exemplo, colocado num recipiente fechado cujas paredes sejam então empurradas uma em direção à outra — as moléculas são empurradas mais para perto umas das outras e a densidade aumenta. O mesmo efeito é produzido com eficiência ainda maior se a temperatura for baixada. As moléculas de gás se ajuntam mais, e a uma determinada temperatura, suficientemente baixa, o gás se transforma em líquido, no qual as moléculas ficam praticamente em contato. Se o hidrogênio é esfriado a temperaturas baixíssimas, ele não só se liquefaz, como, a 14 graus acima do zero absoluto, congela. As moléculas não só estão em contato, como também permanecem mais ou menos fixas no lugar, de modo que a substância é agora um sólido. O hidrogênio sólido é a substância sólida menos densa que existe, com uma densidade de 0,09 g/cm3 — um décimo da densidade da água sólida. Contudo, apesar de sua baixa densidade, o hidrogênio sólido é O Colapso do Universo – Isaac Azimov 11 apenas cinco vezes mais denso que o hexafluoreto de urânio, um gás densíssimo. De modo geral, a densidade dos líquidos e dos sólidos também aumenta ao aumentar a massa dos átomos e moléculas individuais que os compõem. Um sólido constituído de átomos de grande massa é geralmente mais denso que um sólido composto de átomos de menor massa. Entretanto, a regra não é invariável. No caso dos sólidos a situação é mais complexa que no caso dos gases. A massa comparativa de diferentes átomos é dada por um número conhecido como peso atômico. O peso atômico do hidrogênio é de aproximadamente 1, de modo que o peso atômico de qualquer outro átomo nos dá uma idéia aproximada do número de vezes que ele é mais pesado que um átomo de hidrogênio. O átomo de alumínio, por exemplo, tem um peso atômico de aproximadamente 27, enquanto o átomo de ferro tem um peso atômico de cerca de 56. O átomo de ferro tem 56 vezes a massa de um átomo de hidrogênio e pouco mais do dobro da massa de um átomo de alumínio. O ferro, no entanto, tem uma densidade de 7,85 g/cm3, ao passo que a do alumínio é de 2,7 g/cm3. O ferro é quase três vezes mais denso que o alumínio. Se o ferro se compõe de átomos com massa duas vezes maior que os de alumínio, por que o ferro tem densidade três vezes maior? Por que não apenas duas vezes maior? A resposta está em que outros fatores intervêm; por exemplo, a quantidade de espaço que é ocupada pelos elétrons de um determinado átomo e o fato de certas disposições atômicas serem mais compactas do que outras. Os átomos cujos elétrons giram a uma distância grande do núcleo central são menos densos do que seria de se esperar de sua massa, que está, afinal, concentrada no minúsculo núcleo. Os elétrons representam quase que apenas espaço vazio, e se eles se estendem para fora e ocupam mais espaço, a densidade diminui. Assim, o césio, com um peso atômico de 132,91, tem uma densidade de apenas 1,873 g/cm3, pois seus elétrons ocupam grande quantidade de espaço. Os átomos de cobre, muito mais compactos e com um peso atômico de 63,54, menos da metade do peso atômico do césio, dão ao cobre uma densidade de 8,95 g/cm3, quase cinco vezes superior à do césio. Portanto, se desejarmos conhecer a substância com maior densidade conhecida devemos procurar entre átomos de grande massa, mas não necessariamente entre aqueles de massa máxima. O elemento de ocorrência natural que possui átomos de maior massa é o urânio, com um peso atômico de 238,07. Sua densidade é alta — 18,68 g/cm3 , o dobro da do cobre — 12 O Colapso do Universo – Isaac Azimov mas não estabelece um recorde: há nada menos que quatro elementos com densidade maior, os quais, juntamente com o urânio, estão listados no Quadro 3 em ordem de densidade crescente. QUADRO 3 — Elementos de alta densidade Elemento Peso atômico Densidade (g/cm3) Urânio 238,07 18,68 Ouro 197,0 19,32 Platina 195,09 21,37 Irídio 192,2 22,42 Ósmio 190,2 22,48 O ósmio, um metal raro, mantém o recorde. Dentre os materiais que compõem a crosta terrestre ou que dela podem ser obtidos, é o mais denso. Imagine-se um lingote de ósmio puro, com 15 cm de comprimento, 5 cm de largura e 2 cm de espessura; não é muito, mas esse lingote, com apenas 150 cm3, pesaria 3,372 kg. GRAVITAÇÃO Até aqui estendemo-nos longamente sobre as forças nuclear e eletromagnética e deixamos de lado a força fraca, considerando-a relativamente sem importância para nossos objetivos. Contudo, praticamente não fizemos menção à força gravitacional — e ela é a mais importante de todas, no que se refere ao tema deste livro. Na verdade, falaremos tanto dela que seria conveniente pouparmos algum esforço e nos referirmos à força gravitacional simplesmente como gravitação, quando isso parecer natural. A gravitação afeta qualquer partícula com massa, hádrions, léptons e qualquer combinação deles — o que significa todos os objetos que vemos na Terra e no céu. * Podemos agora expandir o Quadro 2, transformando-o no Quadro 4 pelo acréscimo da força fraca e da gravitação. * Há certas partículas sem massa, que não são afetadas, no sentido comum do termo, pela gravitação. Por exemplo, as partículas de luz e de radiações semelhantes, chamadas fótons (de uma palavra grega que significa "luz"), não têm massa. Outro exemplo são certas partículas sem carga elétrica, denominadas neutrinos. Ambas aparecerão mais tarde, neste livro. O Colapso do Universo – Isaac Azimov 13 QUADRO 4 —As partículas e as quatro forças Próton Nêutron Elétron Força nuclear Sim Sim Não Força eletromagnética Sim Não Sim Força fraca Não Não Sim Força gravitacional Sim Sim Sim Dentre todas as forças, a gravitação é de longe a mais fraca, como mostramos no Quadro 1. Podemos demonstrar isso, ao invés de simplesmente afirmá-lo, com cálculos matemáticos simples. Suponhamos dois objetos dotados de massa, sozinhos no universo. A força gravitacional entre eles pode ser expressa por uma equação elaborada pela primeira vez em 1687, pelo cientista inglês Isaac Newton (1642-1727), e que é: F(g) = Gmm’ (Equação. 1) d2 Nessa equação, F(g) é a intensidade da força gravitacional entre os dois corpos, m é a massa de um dos corpos, m’ é a massa do outro corpo, d a distância entre eles e G a constante gravitacional universal. Cumpre termos cuidado com nossas unidades de medida. Costuma-se medir a massa em gramas e a distância em centímetros. G é medido em unidades um pouco mais complicadas, com que não precisamos nos preocupar aqui. Se usarmos gramas e centímetros, terminaremos determinando a força gravitacional em unidades chamadas dinas. O valor de G é fixo, pelo que sabemos, em todas as partes do universo.* Seu valor nas unidades que estamos empregando para ele é de 6,67 x 10-8, ou 0,0000000667. Suponhamos que os dois corpos em questão estejam separados por exatamente 1 cm, de modo que d = 1 e que, portanto, d2 = d x d = 1 x 1 = 1. Nesse caso, pois, a Equação 1 torna-se: F(g) = 6,67 x 10-8 mm’ (Equação. 2) Suponhamos agora que estamos lidando com um elétron e um próton. A massa do elétron (m) é de 9,1 x 10-28 gramas. A massa * Há uma certa discussão a respeito disso, assunto que será abordado mais adiante. 14 O Colapso do Universo – Isaac Azimov do próton (m') é de 1,7 x 10-24 gramas. Se multiplicarmos esses dois números e multiplicarmos o produto por 6,67 x 10-8, terminamos com um produto final de 1 x 10-58 dinas, ou 0,0000000000000000000000000000000000000000000 000000000000001 dinas (Temos aí um exemplo do motivo pelo qual os cientistas preferem usar números exponenciais e não os decimais comuns). Podemos, Por conseguinte, dizer que para um próton e um elétron separados por 1 cm a atração gravitacional entre eles pode ser representada como: F(S) = 1 x 10-58 dinas. (Equação 3) Passemos agora para a força eletromagnética e montemos uma equação para sua intensidade entre dois objetos carregados eletricamente sozinhos no universo. Exatamente cem anos depois de Newton haver elaborado a equação para a força gravitacional, o físico francês Charles Augustin de Coulomb (1736-1806) conseguiu demonstrar que uma equação muito semelhante poderia ser empregada para determinar a intensidade da força eletromagnética. A equação é: F(e) = qq’ (Equação 4) d2 Nessa equação, F(e) é a intensidade da força eletromagnética entre os dois corpos, q é a carga elétrica de um corpo, q’ é a carga elétrica de outro e d é a distância entre eles. Também neste caso a distância é medida em centímetros, e se medirmos a carga elétrica nas chamadas unidades eletrostáticas não será necessário adotar um termo análogo à constante gravitacional, desde que os objetos estejam separados pelo vácuo. (Como estou supondo que os objetos se acham sozinhos no universo, é claro que há um vácuo entre eles.) Além disso, se usarmos essas unidades obteremos para F(e) um resultado também expresso em dinas. Se, mais uma vez, supusermos que os dois objetos em questão acham- se a 1 cm de distância um do outro, d2 é novamente igual a 1 e a equação pode ser escrita da seguinte maneira: F(e) = qq’ (Equação 5) O Colapso do Universo – Isaac Azimov 15 Suponhamos ainda que esses corpos sejam um elétron e um próton. As duas partículas possuem cargas elétricas iguais (muito embora sejam de sinais contrários), sendo cada uma dessas cargas de 4,8 x 10-10 unidades eletrostáticas. O produto qq’ é igual a 4,8 x 10-10 x 4,8 x 10-10 = 2,3 x 10-19 dinas. Portanto, para um elétron e um próton separados por 1 cm, a força eletromagnética entre eles é de: F(e) = 2,3 x 10-19 dinas (Equação 6) Se desejarmos saber o quanto a força eletromagnética é mais forte que a força gravitacional, temos de dividir F(e) por F(g). Como em nossos exemplos ambas as intensidades estão sendo medidas em dinas, essas unidades serão mutuamente canceladas e teremos como resultado um número "puro", um número sem unidades. Se dividirmos a Equação 6 pela Equação 3, teremos: F(e) = 2,3 x 10-19 = 2,3 x 1039 (Equação 7) F(g) 1,0 x 10-58 Em outras palavras, a força eletromagnética é 2.300.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 vezes mais forte que a força gravitacional. Para termos uma idéia da enormidade dessa diferença de intensidade, suponhamos que representemos a força gravitacional por uma massa de 1 grama. Que massa teríamos então de usar para representar a força eletromagnética? Teria de ser uma massa igual a um milhão de corpos com a massa de nosso Sol. Suponhamos, ainda, que a intensidade da força gravitacional seja simbolizada por uma distância igual à largura de um átomo. A intensidade da força eletromagnética teria então de ser representada por uma distância mil vezes maior que a largura de todo o universo conhecido. A gravitação, portanto, é a mais fraca das quatro forças. Mesmo a chamada força fraca é 10.000 trilhões de trilhões de vezes mais forte que a gravitação. Não é de admirar, assim, que os físicos nucleares, ao estudarem o comportamento das partículas subatômicas, levem em consideração a força nuclear, a força eletromagnética e a força fraca, mas ignorem inteiramente a força gravitacional. A gravitação é tão fraca que simplesmente nunca 16 O Colapso do Universo – Isaac Azimov influencia o rumo dos acontecimentos no interior dos átomos e dos núcleos atômicos num nível mensurável. Também é esse o caso na química: em todas as considerações das várias mudanças químicas no corpo e no ambiente não-vivo, só é preciso levar em conta a força eletromagnética — dedicando-se algum interesse à força nuclear e à força fraca, no caso da radioatividade — mas nunca à força gravitacional. A gravitação é tão fraca que não causa nenhum efeito mensurável nas mudanças químicas comuns. Nesse caso, por que não poderíamos simplesmente esquecer a gravitação? Porque, seja como for, ela existe e porque, apesar de sua incrível debilidade, ela se faz sentir. Percebemos sua influência toda vez que levamos um tombo. Sabemos que se cairmos de uma pequena altura (digamos, da janela do terceiro andar até o chão) é muito provável que venhamos a morrer por causa do puxão da gravitação. Sabemos que é a gravitação que mantém a Lua em órbita ao redor da Terra e a Terra em redor do Sol. Como é possível que uma força tão pequena tenha tais efeitos? Consideremos novamente as quatro forças. A força nuclear e a fraca diminuem tão depressa com a distância que não há necessidade de as levarmos em conta fora de objetos como os núcleos atômicos. A força eletromagnética e a gravitacional, no entanto, só diminuem na razão do quadrado da distância, e esse ritmo de diminuição é suficientemente lento para possibilitar que ambas as forças se façam sentir a grandes distâncias. Contudo, há uma diferença crucial entre as duas forças. Existem dois tipos opostos de carga elétrica e, até onde sabemos, apenas uma espécie de massa. No caso da força eletromagnética, há atrações (entre cargas diferentes) e repulsões (entre cargas iguais). Sendo a força eletromagnética tão forte como é, a poderosa repulsão entre cargas iguais tende a dispersá-las, impedindoa acumulação de um grande número delas em qualquer lugar. A atração igualmente poderosa entre as cargas de sinais contrários tende a juntá-las, neutralizando-as. No fim, as cargas positivas e negativas (que se acham presentes no universo em quantidades iguais, ao que sabemos) ficam inteiramente misturadas, e em nenhum lugar existe mais que um minúsculo excesso de qualquer uma dessas cargas sobre a outra. Por isso, embora a interação eletromagnética seja poderosa e esmagadora ao manter os elétrons na vizinhança do núcleo e ao manter reunidos os átomos vizinhos, um pedaço de matéria com dimensões razoáveis tem pouquíssima atração ou repulsão eletromagnética por outro O Colapso do Universo – Isaac Azimov 17 pedaço de matéria de dimensões razoáveis a alguma distância, uma vez que em ambos objetos as duas diferentes espécies de carga acham-se tão bem misturadas que os dois corpos terminam por apresentar uma carga geral aproximadamente igual a zero.* Todavia, já que só existe uma espécie de massa, só existe uma atração gravitacional. Ao que sabemos, não existe nada que se poderia chamar de repulsão gravitacional. Todo objeto com massa atrai todos os outros objetos com massa, e a força gravitacional total entre dois corpos quaisquer é proporcional à massa total dos dois corpos tomados em conjunto; não existe limite superior. Quanto maior a massa dos corpos, maior será a força gravitacional que atua entre eles. Consideremos um objeto como a Terra, que possui massa igual a 3,5 x 1051 vezes a de um próton. Em outras palavras, a Terra tem uma massa 3.500 trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de vezes maior que um próton. Por conseguinte, a Terra produz um campo gravitacional que é 3,5 x 1051 vezes maior que o de um simples próton. Outra maneira de olharmos a situação consiste em considerar que toda partícula na Terra que possui massa — todos os prótons, nêutrons e elétrons — é fonte de um pequeno campo gravitacional, e que todos esses pequenos campos se juntam para formar o campo gravitacional total da Terra. A Terra possui também campos eletromagnéticos, para os quais todos os prótons e elétrons agem como fonte. Os campos dos prótons e dos elétrons tendem a cancelar-se, no entanto, de modo que o campo magnético da Terra é pequeníssimo. É suficiente para afetar a agulha da bússola e para desviar partículas carregadas provenientes do Sol e de outros corpos celestes, mas é terrivelmente fraco para um objeto do tamanho enorme da Terra, constituído de tantas partículas carregadas. Assim, muito embora a força gravitacional seja muito mais fraca que a força eletromagnética, quando se consideram partículas isoladas, a força gravitacional da Terra, como um todo, é muitíssimo maior que sua força eletromagnética. A força gravitacional da Terra é bastante forte para que a sintamos inequivocamente e até para nos matar, se não tivermos cuidado. O enorme campo gravitacional da Terra é capaz de interagir com o campo menor da Lua, de modo que os dois corpos se mantêm fortemente unidos. Forças gravitacionais mantêm juntos os planetas e o Sol. * É possível remover alguns elétrons de um objeto por fricção, deixando-o com uma pequena carga positiva, ou acrescentar alguns elétrons, deixando-o com uma pequena carga negativa. Tais corpos podem atrair-se ou repelir-se mutuamente ou a outros objetos, mas a força envolvida é inconcebivelmente pequena comparada ao que seria se todas as partículas carregadas em qualquer um dos corpos pudesse exercer sua plena força eletromagnética. 18 O Colapso do Universo – Isaac Azimov Há forças gravitacionais mensuráveis entre os planetas e entre diferentes estrelas. Na verdade, é a força gravitacional, e apenas ela, que mantém o universo e dita o movimento de todos os seus corpos; todas as demais forças têm influência localizada. Somente a força gravitacional, que é de longe a mais fraca de todas, guia os destinos do universo — através da combinação de atuar à distância e só exercer atração. Em particular, é a força gravitacional que representa a chave para qualquer consideração dos buracos negros. Portanto, já estamos no caminho que leva a eles. Estudemos com cuidado os marcos dessa estrada. O Colapso do Universo – Isaac Azimov 19 Os Planetas A TERRA Um dos primeiros marcos na estrada que conduz ao buraco negro (embora nem por sonhos fosse considerado como tal na época) foi a determinação da massa da Terra, o que foi efetuado através da força gravitacional. Newton havia determinado que a intensidade do campo gravitacional produzido por qualquer objeto é proporcional à sua massa. Com efeito, essa é outra maneira de se definir massa: aquela propriedade da matéria que produz um campo gravitacional. Não foi assim que eu defini massa no começo deste livro. Eu a descrevi como aquela propriedade da matéria que faz com que seja necessário usar uma força, de alguma espécie, a fim de produzir uma mudança no movimento da matéria, seja em velocidade ou direção. Quanto maior a força necessária para produzir uma certa mudança no movimento, maior será a massa do corpo ao qual a força é aplicada. A primeira definição de massa, dada acima, é às vezes denominada massa gravitacional. A segunda, por envolver a relutância da matéria em sofrer uma mudança em seu movimento, propriedade essa chamada inércia, é denominada massa inercial. A gravitação e a inércia 20 O Colapso do Universo – Isaac Azimov parecem ser duas propriedades inteiramente diferentes, e não parece haver qualquer razão para se supor que as duas espécies de massa devessem ser exatamente iguais e que, sempre que uma massa tivesse o dobro da inércia de outra, teria também um campo gravitacional de intensidade duas vezes maior. Não obstante, é assim que as coisas parecem suceder. Ninguém pôde jamais mostrar qualquer distinção entre a massa gravitacional e a massa inercial, de modo que atualmente não se discute que sejam idênticas. Assim, o campo gravitacional da Terra exerce uma força sobre um corpo em queda livre, de modo que ele passa por uma mudança em seu movimento, ou aceleração, caindo cada vez mais depressa. Como a massa inercial e a massa gravitacional são iguais, podemos supor que o aumento de velocidade com que um objeto cai pode ser usado para medir a intensidade da gravitação da Terra. Essa aceleração foi medida pela primeira vez na década de 1590, pelo cientista italiano Galileo Galilei (1564-1642). Ela é igual a 980 cm por segundo por segundo. Isso significa que a cada segundo um corpo em queda livre está se movendo 980 cm por segundo mais depressa do que estava no segundo anterior. Voltemos agora à equação de Newton: F = Gmm' (Equação 8) d 2 onde F é a intensidade do campo gravitacional e, portanto, o valor da aceleração de um corpo em queda livre, o qual, como eu disse, é conhecido há muito tempo. G é a constante gravitacional, m é a massa do corpo que cai, m' é a massa da Terra e d é a distância entre o corpo e a Terra. O que nos interessa realmente é a massa da Terra, de modo que vamos alterar a equação lançando mão das habituais técnicas algébricas, de modo a isolar m' na porção esquerda da equação. Temos então: m' = Fd2 (Equação 9) Gm Se tivermos valores para todos os símbolos do membro direito da equação podemos multiplicar o valor de F pelo valor de d, multiplicar O Colapso do Universo – Isaac Azimov 21 o produto novamente por d, dividir esse resultado por G, dividir o quociente por m e isso dará o valor de m', a massa da Terra. Bem, isso parece fácil, pois realmente dispomos do valor de F, como acabei de explicar. Temos também o valor de m, a massa do corpo em queda livre, pois podemossimplesmente pesá-lo numa balança, para encontrar sua massa em gramas. A distância entre o corpo que cai e a Terra é um pouco complicada. Newton mostrou que quando um corpo produz um campo gravitacional, esse campo se comporta como se fosse produzido por toda a massa do corpo concentrada em seu centro de gravidade. Quando um corpo possui forma e propriedades que preenchem certas condições de simetria, o centro de gravidade encontra-se no centro geométrico do corpo. Essas condições de simetria prevalecem para a Terra e para todos os corpos mensuráveis que conhecemos no universo. Isso significa que a Terra age como se seu campo gravitacional se originasse em seu centro; d, portanto, representa a distância que vai do corpo em queda livre até o centro da Terra, e não até a superfície do planeta. Se o corpo estiver perto da superfície da Terra, então a distância será igual ao raio da esfera da Terra naquele ponto. Esse valor foi demonstrado pela primeira vez mais ou menos em 240 a.C. por um geógrafo grego chamado Eratóstenes (276-192 a.C.), que determinou o tamanho da esfera terrestre através do ângulo de curvatura da Terra, o qual, por sua vez, ele determinou medindo o ângulo com que os raios do Sol caíam em diferentes partes da superfície da Terra ao mesmo tempo. O raio da Terra (a distância desde a superfície até o centro) é igual a 637.000.000 de centímetros. Temos agora os valores de F, m e d, mas até fins do século XVIII não tínhamos o valor de G, e até obtermos esse valor não podíamos usar a Equação 9 para calcular m', a massa da Terra. Há algum meio pelo qual possamos determinar o valor de G? Bem, se G for verdadeiramente universal, suponhamos então que meçamos o campo gravitacional entre duas bolas de chumbo e que façamos uso de outra forma da Equação 8. Técnicas algébricas permitem convertê-la em G = Fd2 (Equação 10) mm' Podemos facilmente medir a massa de cada uma das bolas de chumbo, o que nos fornece os valores de m e de m'. Podemos medir 22 O Colapso do Universo – Isaac Azimov também a distância entre elas, e isso nos dá o valor de d. Se pudermos então medir também a força gravitacional entre elas e obter F, poderemos resolver a equação e calcular o valor de G. Depois poderemos colocar o valor de G na Equação 9 e calcular imediatamente a massa da Terra. Encontramos aí outra dificuldade. As forças gravitacionais são de tal forma fracas, em relação à massa, que é preciso um objeto de massa descomunal, como a Terra, para se ter um campo gravitacional suficientemente intenso para se medir facilmente. Antes de podermos trabalhar com objetos pequenos o bastante para serem levados ao laboratório, precisamos de algum dispositivo que possa medir essas forças ínfimas. O necessário aprimoramento na mensuração ocorreu com a invenção, em 1777, da balança de torção, por Coulomb (aquele mesmo que definiu a Equação 4). Nesse tipo de balança medimos forças minúsculas fazendo-as torcer um fio ou um arame fino. Para se detectar a torção é preciso prender ao fio vertical uma longa barra horizontal equilibrada no centro. Mesmo uma torção minúscula, quase imperceptível, produziria um movimento mensurável na extremidade da barra. Se o fio utilizado for bastante fino e a barra bastante longa, podemos medir a torção provocada pelos ultraminúsculos campos gravitacionais de objetos de tamanho comum. O fio ou arame, entendamos, é elástico, de modo que existe dentro dele uma força que tende a destorcê-lo. Quanto mais ele for torcido, maior se torna a força de destorção. Por fim, esta equilibra a força de tensão e a barra assume uma nova posição de equilíbrio. É medindo-se a extensão em que a barra se torceu para alcançar um novo equilíbrio que se determina a intensidade da força que age sobre ela. Em 1798 o químico inglês Henry Cavendish (1731-1810) tentou a seguinte experiência: Começou com uma barra de 180 cm de comprimento e colocou em cada extremidade dela uma bola de chumbo com 5 cm de diâmetro. Em seguida suspendeu a barra com um fio metálico fino, preso a seu centro. Depois Cavendish pendurou uma bola de chumbo com pouco mais de 20 cm de diâmetro de um lado de uma das bolas de chumbo menores, na extremidade da barra horizontal. Pendurou outra bola semelhante do lado oposto da outra bola de chumbo menor. O campo gravitacional das bolas grandes serviria agora para atrair as pequenas e girar o fio, dando-lhe uma nova posição. Pela mudança representada pela nova posição, comparada com a antiga, Cavendish poderia medir a minúscula força gravitacional entre as bolas de chumbo. O Colapso do Universo – Isaac Azimov 23 (Evidentemente, Cavendish fechou tudo isso numa caixa e tomou todas as precauções para evitar que o fio fosse agitado por correntes de ar.) Cavendish repetiu a experiência várias vezes, até se convencer de que tinha uma boa medida para F. Como não havia nenhum problema em medir a massa das bolas de chumbo ou as distâncias entre as bolas grandes e as pequenas, ele já dispunha dos valores de m, m' e d. Agora podia calcular o valor de G na Equação 10, e foi o que ele fez. Empregando aprimoramentos das experiências de Cavendish, acreditamos hoje que a massa da Terra seja de 5,983 x 1027 gramas, ou aproximadamente 6.000 trilhões de trilhões de gramas. Podemos determinar a densidade de qualquer objeto dividindo sua massa por seu volume. O volume da Terra tinha sido calculado cor- retamente, ou quase corretamente, com base no número determinado por Eratóstenes para a circunferência da Terra. Tendo Cavendish determinado a massa de nosso planeta, foi possível, portanto, calcular imediatamente a densidade média da Terra —5,52 g/cm3. OS OUTROS PLANETAS A importância da determinação da massa da Terra está não apenas nesse cálculo em si, mas também no fato de que ela permitiu aos astrônomos determinar a massa de grande número de outros objetos no universo. Temos, por exemplo, a Lua, o único satélite da Terra, que se encontra a 384.000 quilômetros de nós e que gira em torno da Terra uma vez a cada período de 27 1/3 dias. Mais precisamente, tanto a Terra como a Lua giram em torno de um centro de gravidade comum. Exigem as leis da mecânica que a distância entre cada corpo e seu centro de gravidade esteja relacionada com sua massa; em outras palavras, se a Lua tivesse a metade da massa da Terra estaria duas vezes mais distante do centro de gravidade do que a Terra; se tivesse uma massa três vezes menor, estaria três vezes mais longe, e assim por diante. A posição do centro de gravidade do sistema Terra-lua pode ser determinada pelos astrônomos, que o situam a cerca de 1.650 km sob a superfície da Terra e a cerca de 4.720 km do centro de nosso planeta (Não nos esqueçamos de que é o centro que importa no que tange a questões gravitacionais). A Lua gira em torno daquele ponto, e o mesmo faz a Terra, cujo centro bamboleia em torno desse ponto a cada 27 1/3 dias. O centro de gravidade está 81,3 vezes mais distante do centro da Lua que do centro da Terra, de modo que a massa da Lua é igual a 24 O Colapso do Universo – Isaac Azimov 1 / 81,3 ou 0,0123 da massa da Terra. Portanto, a massa da Lua é de 7,36 x 1025 gramas, mas é mais fácil expressar o valor como uma fração da massa da Terra. Os astrônomos podem também determinar a massa dos outros planetas do sistema solar em relação à da Terra; uma das maneiras de fazê-lo consiste em comparar o efeito do planeta sobre seu satélite com o da Terra sobre a Lua. O tempo que um pequeno satélite leva para completar sua órbita em torno do planeta depende apenas de duas coisas: da distância do satélite até o centro do planeta e da intensidade do campo gravitacionaldo planeta. Por exemplo, Júpiter possui um satélite, Io, que se encontra quase exatamente à mesma distância de Júpiter que a Lua da Terra. Entretanto, Io circunda Júpiter em 1¾ dias, ao passo que a Lua circunda a Terra em 27 3/4 dias. Pode-se calcular que a gravitação de Júpiter deve ser 318,4 vezes mais intensa que a da Terra para que possa fazer Io circundar aquele planeta tão depressa. Em outras palavras, Júpiter deve ter uma massa 318,4 vezes maior que a da Terra. Usando esse método e outros, pode-se determinar a massa de todos os objetos do sistema solar. No Quadro 5 temos as massas e as densidades dos nove planetas do sistema solar, bem como de nossa Lua, em ordem de distância do Sol. QUADRO 5 — Massa e densidade dos planetas Massa Densidade (Terra = 1) (g/cm2) Mercúrio 0,055 5,4 Vênus 0,815 5,2 Terra 1 5,52 Marte 0,108 3,96 Júpiter 317,9 1,34 Saturno 95,2 0,71 Urano 14,6 1,27 Netuno 17,2 1,7 Plutão 0,1 4 A intensidade do campo gravitacional de cada um desses corpos é proporcional à sua massa, e como o leitor pode ver, a Terra não O Colapso do Universo – Isaac Azimov 25 possui de modo algum a maior intensidade gravitacional ou a maior massa entre os planetas do sistema solar. Há quatro planetas com maior massa do que a Terra — Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Júpiter é o gigante do sistema planetário: sua massa é aproximadamente 2,5 maior que a dos outros oito planetas juntos. A intensidade do campo gravitacional de cada planeta (ou de qualquer corpo) diminui com o quadrado da distância, o que significa que a intensidade relativa do campo gravitacional de dois corpos de massa diferente permanece a mesma a qualquer distância. Por exemplo, para uma nave espacial a 1 milhão de quilômetros do centro de Júpiter o arrasto gravitacional de Júpiter seria 317,9 vezes maior do que seria o arrasto gravitacional da Terra, se a nave estivesse a 1 milhão de quilômetros do centro da Terra. Se a nave aumentasse sua distância do centro de Júpiter de 1 para 2 milhões de quilômetros, o campo gravitacional de Júpiter passaria a ter um quarto da intensidade que tinha antes. Se o mesmo fosse feito com relação à Terra, o campo gravitacional da Terra também teria um quarto da intensidade na nova posição, em relação à anterior. O campo de Júpiter, na nova localização da nave, continuaria a ser 317,9 vezes mais forte do que o campo da Terra no novo ponto. O campo gravitacional de Júpiter seria 317,9 vezes mais forte que o da Terra em todo par de pontos correspondentes. Mas, e se os pontos não corresponderem? Há um momento importante em que seríamos forçados a permanecer a uma distância do centro de um planeta diferente da distância do centro de outro. Ocorreria esse caso quando estivéssemos na superfície de um planeta e depois na superfície de outro, e os dois planetas fossem de tamanhos diferentes. Podemos demonstrar isto mais claramente comparando a Terra com a Lua, uma vez que o homem já esteve em ambos e pôde confirmar a teoria. A massa da Terra é 81,3 vezes maior do que a da Lua, e para posições a iguais distâncias do centro de cada corpo a intensidade do campo gravitacional da Terra é sempre 81,3 vezes maior que a da Lua. Suponhamos, porém, que estejamos sobre a superfície da Lua; estamos, então, a 1.738 km do centro do satélite. Se estivermos de pé na superfície da Terra, estaremos a 6.371 km de seu centro. A intensidade gravitacional na superfície de um corpo é sua gravidade superficial (conceito importante na história dos buracos negros), e para 26 O Colapso do Universo – Isaac Azimov calculá-la temos que levar em conta as diferenças de distância até o centro. A distância entre a superfície e o centro da Terra é 3,666 maior que a distância entre a superfície e o centro da Lua. A intensidade gravitacional enfraquece com o quadrado da distância, de modo que a gravidade superficial da Terra torna-se fraca em relação à da Lua segundo um fator igual a 3,666 x 3,666, ou 13,44. Por isso, temos que dividir a intensidade gravitacional inata da Terra, que é de 81,3 (comparada com a da Lua) por 13,44, e isso nos dá um resultado de 6,05. Assim, embora a Terra tenha uma massa 81,3 vezes maior que a da Lua, sua gravidade superficial é apenas 6,05 maior. Em outras palavras, a gravidade superficial da Lua é aproximadamente um sexto da gravidade superficial da Terra. De modo análogo, podemos calcular a gravidade superficial de todos os corpos do sistema solar. Os quatro planetas gigantes constituem um problema porque o que vemos como uma "superfície" é, na verdade, a camada exterior de suas gigantescas atmosferas, cuja espessura não podemos avaliar com facilidade. Não, podemos sequer ter a certeza de que haja uma superfície sólida ou líquida em algum lugar. Entretanto, se fizermos de conta que podemos ficar de pé no alto dessa camada de nuvens e se calcularmos a intensidade do campo gravitacional naquele ponto, podemos chamá-la de gravidade superficial. Tendo isso em mente, podemos elaborar o Quadro 6. QUADRO 6 Gravidade superficial (Terra = 1) Mercúrio 0,37 Vênus 0,88 Terra 1,00 Lua 0,165 Marte 0,38 Júpiter 2,64 Saturno 1,15 Urano 1,17 Netuno 1,18 Plutão 0,4 VELOCIDADE DE ESCAPE É o campo gravitacional da Terra que faz com que tudo que suba acabe caindo. Qualquer objeto atirado ao ar com uma dada velocidade está O Colapso do Universo – Isaac Azimov 27 submetido à constante atração da gravitação da Terra. Por isso ele perde velocidade continuamente, até chegar a uma parada momentânea em algum ponto acima da superfície da Terra. Nesse ponto ele começa a cair, ganhando velocidade continuamente, até atingir o chão com a mesma velocidade com que foi originalmente atirado para o alto.* Se dois objetos forem atirados para cima com velocidades diferentes, o de maior velocidade levará mais tempo para perdê-la; por conseguinte, subirá mais alto, antes de começar a descida. Poder-se-ia supor que não importa a velocidade com que um objeto começasse sua subida, essa velocidade acabaria por ser erodida. O objeto poderia subir 100 km, 1.000 km, mas por fim o implacável arrasto do campo gravitacional se imporia, Seria assim . . . se a intensidade do campo gravitacional não enfraquecesse com a distância. A gravidade superficial da Terra exerce uma certa força sobre um objeto na superfície, que está a 6.371 km do centro do planeta. A intensidade da gravitação decresce quando qualquer objeto sujeito àquela força se ergue da superfície e aumenta sua distância em relação ao centro da Terra. O decréscimo de intensidade é proporcional ao quadrado da distância — mas à distância do centro, não da superfície. Suponhamos que subamos à estratosfera, a cerca de 35 km sobre a superfície da Terra. Esta é uma altitude elevada segundo os padrões normais, mas a distância até o centro da Terra só aumenta de 6.371 km para 6.406 km. Não é uma grande mudança; a intensidade gravitacional a essa altitude ainda é de 98,9% da que existe na superfície. Um homem que pesasse 70 kg na superfície da Terra ainda pesaria 69,23 kg na estratosfera. Na vida comum não temos consciência de qualquer mudança na intensidade da gravitação da Terra, de modo que nunca levamos essa mudança em consideração. Imaginemos, entretanto, que um objeto suba a uma distância realmente grande — digamos, a 6.371 km acima da superfície da Terra. Ela estará, nesse caso, a 6.371 + 6.371 ou 12.742 km do centro do globo. Sua distância desse centro terá sido multiplicada por dois e, com isso, a intensidade gravitacional terá diminuído para um quarto do que era na superfície. Se imaginarmos um objeto atirado para o alto com velocidade tal que atinja a estratosfera antes que essa velocidade se dissipe,veremos então que nos estágios finais de sua ascensão a intensidade gravitacional é * Na verdade, a resistência do ar complica a situação e retarda ainda mais tanto a subida quanto a descida do objeto. Entretanto, vamos partir do princípio, neste capítulo, de que a resistência do ar não existe. Esse fator envolve uma mudança muito pequena e não altera a essência de nossa argumentação. 28 O Colapso do Universo – Isaac Azimov ligeiramente menor do que era nos estágios iniciais. A perda adicional de velocidade é menor, então, do que seria se a intensidade da gravitação permanecesse a mesma em todo o percurso. O objeto sobe um pouco mais do que seria de se esperar, antes daquela pausa momentânea e do início da descida. Imaginemos agora que um segundo objeto seja lançado para o alto com uma velocidade inicial duas vezes maior que a do primeiro objeto. Quando o segundo tiver atingido a altura em que o primeiro perdeu toda sua velocidade, ele terá perdido apenas metade de sua velocidade. Estará agora movendo-se à velocidade que o primeiro objeto possuía ao deixar a Terra. O segundo objeto irá alcançar uma distância adicional igual à distância total percorrida pelo primeiro objeto? Não, pois o segundo está agora fazendo sua ascensão adicional através de uma região de gravitação mais débil. Ele perde velocidade mais lentamente e percorrerá uma distância maior do que a percorrida pelo primeiro objeto desde a superfície. Devido ao declínio da intensidade gravitacional com a altura, a duplicação da velocidade inicial de um objeto atirado para cima mais que duplica a altura por ele alcançada. No Quadro 7 vemos a altura que os objetos sobem acima da superfície da Terra com dadas velocidades iniciais. QUADRO 7 — Corpos em ascensão Velocidade inicial (km/seg) Altura máxima sobre a superfície da Terra (km) 1,6 3,2 4,8 6,4 8,0 9,6 130 560 1.450 3.100 6.700 17.900 Aumentando a velocidade inicial, a altura máxima aumenta também, e aumenta cada vez mais depressa à medida que o objeto entra em regiões de gravitação cada vez mais fraca. Entre a primeira e a O Colapso do Universo – Isaac Azimov 29 última linhas da tabela a velocidade inicial aumentou 6 vezes, mas a altura máxima aumentou 140 vezes. Chega um ponto em que um objeto sobe tão rapidamente que seu decréscimo de velocidade iguala-se ao declínio da intensidade gravitacional. Quando ele perdeu metade de sua velocidade a intensidade gravitacional também caiu à metade, de modo que, nesse momento, para que a menor intensidade removesse a metade restante da velocidade seria preciso tanto tempo quanto o necessário para que a plena intensidade gravitacional eliminasse a velocidade plena. O objeto em ascensão continua a perder velocidade, mas a um ritmo cada vez mais lento à medida que a gravitação se torna cada vez mais fraca. O corpo em ascensão jamais perderá toda sua velocidade e, assim, dar-se-ia o caso em que aquilo que sobe não cai, porque nunca deixa totalmente de subir. A velocidade mínima em que isso acontece é a velocidade de escape. A velocidade de escape da superfície da Terra é de 11,23 km por segundo. Qualquer coisa lançada da superfície da Terra a uma velocidade igual ou maior que essa subirá e jamais cairá, afastando-se cada vez mais do planeta. Qualquer coisa que suba com uma velocidade inicial inferior a 11,23 km/seg (sem que lhe seja dado outro impulso, além daquele que já possui*) retornará à Terra.** O valor da velocidade de escape depende da intensidade do campo gravitacional; com o declínio daquela intensidade, diminui também a velocidade de escape. Verifica-se que, ao aumentarmos nossa distância do centro da Terra, a velocidade de escape diminui segundo a raiz quadrada daquela distância. Suponhamos que estamos no espaço, a 57.400 km do centro da Terra — nove vezes mais longe desse centro do que estaríamos se estivéssemos na superfície da Terra. A raiz quadrada de 9 é 3, e isso * Um objeto que tenha uma velocidade inicial e nenhum impulso adicional está em vôo balístico, e precisa partir com a velocidade de escape ou mais para se afastar indefinidamente da Terra. Um foguete, porém, pode ser impulsionado continuamente por seus jatos, de modo que, embora se mova com velocidade inferior à de escape, pode subir tanto quanto queira. Contudo, nos casos em que seres vivos não estão envolvidos, o movimento no universo é quase sempre balístico, com um impulso inicial e nada mais. ** Se um objeto se move com velocidade inferior à de escape, porém não menor que 70% dela, e se tem também um movimento lateral poderá, nesse caso, não escapar da Terra, mas tampouco voltará à superfície. Poderá estabelecer uma órbita em torno da Terra e nela permanecer indefinidamente. Um astronauta que orbite em tomo da Terra a cerca de 200 km, apenas, acima da superfície precisa mover-se a, pelo menos, 7,94 km/seg a fim de permanecer em órbita. . 30 O Colapso do Universo – Isaac Azimov significa que a velocidade de escape a uma altura de 57.400 km do centro da Terra é apenas um terço do que é na superfície. Àquela altura ela é de 11,23 / 3, ou seja, 3,74 km/seg. A velocidade de escape é diferente de planeta para planeta. Um mundo com menos massa que a Terra e com gravidade superficial mais baixa apresentará também menor velocidade de escape de sua superfície. A velocidade de escape da superfície da Lua, por exemplo, é de apenas 2,40 km/seg. Por outro lado, os planetas com massa maior que a da Terra possuem maiores velocidades de escape. No Quadro 8 estão as velocidades de escape dos vários planetas, medidas na superfície visível (ou seja, a camada superior do revestimento de nuvens, no caso dos planetas gigantes). QUADRO 8 — Velocidades de escape dos planetas Planeta Mercúrio Vênus Terra Lua Marte Júpiter Saturno Urano Netuno Plutão Velocidade de escape 4,2 10,3 11,23 2,40 5,0 60,5 35,2 21,7 24,0 5,0 Não surpreende que o gigante do sistema planetário, Júpiter, apresente a maior velocidade de escape. Além disso, por ser tão volumoso, Júpiter tem um campo gravitacional que diminui, com a distância, mais lentamente que o da Terra. Como a superfície da Terra acha-se a 6.371 km de seu centro, sua gravitação reduz- se a 1/4 de seu valor na superfície a uma altura de 6.371 km sobre a mesma. A uma altura de 19.113 km da superfície, a distância do centro da Terra é 4 vezes maior do que era na superfície, e a gravitação representa apenas 1/16 de seu valor superficial. A superfície de Júpiter, contudo, está a 71.450 km do centro. Por isso, seria necessário que se subisse a uma altura de 71.450 km sobre O Colapso do Universo – Isaac Azimov 31 a superfície para que a gravitação jupiteriana caísse a 1/4 do valor superficial e a 214.350 km para que ela caísse a 1/16 desse mesmo valor. A intensidade da gravitação de Júpiter cai tão mais lentamente que a da Terra que, a distâncias iguais no espaço, a intensidade gravitacional de Júpiter é 317,9 vezes a da Terra (a que deveria ser, considerando-se as massas comparativas dos dois planetas), muito embora a gravidade superficial de Júpiter seja apenas 2,64 vezes maior que a da Terra. A velocidade de escape de Júpiter também diminui, com a distância, mais lentamente que a da Terra. A velocidade de escape é apenas 5,4 vezes maior que a da superfície terrestre. Contudo, a velocidade de escape de Júpiter diminui tão lentamente com a distância que mesmo a uma altura de 2.000.000 km ela ainda é igual à da superfície da Terra. DENSIDADE E FORMAÇÃO PLANETÁRIA Apesar da grandeza da gravidade superficial e da velocidade de escape de Júpiter, em comparação
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