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BIOLOGIA CELULAR Carolina Saibro Girardi Citoesqueleto e movimentos celulares Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar a base de composição do citoesqueleto. � Definir as funções estruturais e mecânicas do citoesqueleto sobre as células. � Demonstrar alguns dos movimentos celulares determinados pelos filamentos do citoesqueleto. Introdução A capacidade de especificação funcional de uma célula depende da sua habilidade em assumir uma morfologia, em organizar seus componentes intracelulares e em ser capaz de fazer determinados movimentos celula- res. Células como macrófagos, por exemplo, têm sua função associada à capacidade de movimentar seu citosol em direção a um patógeno e fagocitá-lo. Espermatozoides, por sua vez, têm a capacidade de se loco- move rapidamente pela movimentação de uma estrutura especializada, o flagelo. Quando estimuladas, as células musculares são capazes de contrair o seu corpo celular, resultando na contração da fibra muscular. Neste capítulo, você vai descobrir como o citoesqueleto é determi- nante para processos celulares como esses. Mais especificamente, você poderá identificar os tipos de filamentos que compõem o citoesqueleto e a importância de cada um deles para a estrutura e a função celulares. Além disso, você poderá definir como o citoesqueleto determina alguns exemplos de movimentos celulares. Componentes do citoesqueleto O citoesqueleto celular é a rede de proteínas filamentosas tridimensional que determina a forma e a organização interna das células (LODISH et al., 2014). Essa rede de filamentos se estende por todo o citosol, ligada à membrana plasmática, ao núcleo e às organelas internas. O citoesqueleto é composto por um conjunto de três sistemas principais de filamentos proteicos: microfilamentos, microtúbulos e filamentos interme- diários (Figura 1). Microfilamentos e microtúbulos estão presentes em todas as células eucarióticas, enquanto filamentos intermediários encontram-se apenas em células de alguns metazoários, como os vertebrados. Cada um deles é composto por um polímero de subunidades proteicas associadas entre si, que podem ser montadas e desmontadas de acordo com a necessidade por diferentes organizações, formas e movimentos celulares. Dessa forma, seus componentes conferem dinamismo estrutural à célula, diferente do que o termo “citoesqueleto” pode dar a entender. A seguir, verifique as características estruturais dos diferentes sistemas de filamentos do citoesqueleto. Figura 1. Filamentos que compõem o citoesqueleto. No painel superior, o tipo de filamento com a respectiva subunidade proteica pela qual é composto. Abaixo, o modelo estrutural do filamento formado a partir da polimerização das subunidades. Perceba as diferenças na estrutura molecular desses filamentos, assim como deus diâmetros distintos. No painel inferior, a localização celular das diferentes redes de filamentos, em célula cultivada in vitro observada pela técnica de imunofluorescência (primeiro está identificada a actina, em seguida está a tubulina e, por fim, podemos ver uma proteína do filamento intermediário). Observe as diferenças com que os filamentos distintos se encontram dispostos na célula. Fonte: Lodish et al. (2014, p. 777). Citoesqueleto e movimentos celulares2 Microfilamentos são compostos por actina A unidade estrutural básica dos microfilamentos é a actina, uma proteína altamente conservada entre os eucariotos. A subunidade de actina é denomi- nada actina globular (ou actina G), um polipeptídio associado a uma molécula de ATP ou ADP. O polímero de subunidades de actina G dá origem à actina filamentosa (ou actina F), formada por duas cadeias lineares de actina G que se organizam no espaço na forma de uma hélice (Figura 2). Os microfilamentos são formados pelos filamentos de actina F, que podem ainda estar associados a outras proteínas acessórias e originar estruturas funcionais diversas. Uma característica importante dos filamentos de actina é que eles são bas- tantes flexíveis. Além disso, o filamento de actina F é polar, em razão de todas as subunidades de actina G estarem orientadas da mesma forma no polímero (Figura 2). Como consequência da polarização, são originadas extremidades distintas na actina F: as extremidades menos (–) e mais (+). A reação de polimerização de actina G se dá de forma espontânea. Na presença de alguns íons e de substratos de actina G, as subunidades de actina G se agrupam em pequenos oligômeros em uma etapa de nucleação. Esses núcleos poderão, então, servir de base para o crescimento de um filamento de actina F na fase de alongamento. A taxa de polimerização é proporcional à quantidade de substratos de actina G, e ao longo da reação a concentração de substratos livres diminui. Ao mesmo tempo, a dissociação de subunidades de actina G também ocorre a uma taxa constante ao longo da reação. Assim, a reação atinge o momento em que as taxas de polimerização se igualam à de dissociação, em estado estacionário. Na extremidade (–) da actina F, a polimerização ocorre de forma mais lenta, já na extremidade (+), ela ocorre de forma mais rápida. A presença de moléculas de trifosfato de adenosina (ATP) ou de difosfato de adenosina (ADP) ligadas às subunidades também influencia o crescimento ou dissociação do filamento. A actina G tem atividade intrínseca de ATPase. As subunidades livres encontram-se majoritariamente ligadas ao ATP, e a taxa de hidrólise do ATP pela atividade de ATPase é baixa. Ligada ao ATP, a actina G tem maior afinidade pela ligação com outras subunidades, sendo mais facilmente incorporada ao filamento. Após a incorporação, a taxa de hidrólise do ATP pela atividade de ATPase é maior. Assim, a hidrólise de ATP em ADP é mais provável em subunidades da actina F. Ligadas ao ADP, a actina G tem menor afinidade pelas demais subunidades do filamento, podendo ser mais facilmente dissociadas. Assim, é geralmente uma forma ligada ao ATP que é adicionada ao filamento e uma forma ligada ao ADP que sofre dissociação. 3Citoesqueleto e movimentos celulares Da mesma forma, a tendência é que subunidades do filamento que se encontram ligadas ao ATP foram associadas mais recentemente, enquanto subunidades ligadas ao ADP se encontram associadas há mais tempo. A hidrólise de ATP pelas subunidades de actina G nos microfilamentos libera energia e tem uma série de consequências para o seu funcionamento. Na célula, a montagem ou desmontagem de filamentos de actina será definida pela regulação do crescimento ou da dissociação dos filamentos por diversas proteínas, de acordo com as demandas celulares. Além disso, proteínas de ligação à actina podem também atuar alterando a arquitetura dos microfilamentos. Uma importante proteína que interage com filamentos de actina é a miosina, uma proteína motora que compõe os feixes contráteis de microfilamentos e que atua em diversas das funções de microfilamentos. Essa proteína tem atividade de ATPase e utiliza a energia da hidrólise de ATP para se mover sobre os filamentos de actina rumo à extremidade (+). Microtúbulos são compostos por tubulina Os microtúbulos têm estrutura mais complexa que os microfilamentos de actina, mas sua organização molecular e a sua dinâmica de polimerização e dissociação é, em muitos pontos, semelhante à de filamentos de actina. A unidade estrutural básica que compõe os microtúbulos é a tubulina. Cada subunidade de tubulina é, na verdade, composta por um dímero formado por duas proteínas globulares: a α-tubulina e a β-tubulina. A α-tubulina encontra-se firmemente associada a uma molécula de trifosfato de guanosina (GTP), que permanece sempre na forma trifosfatada. A β-tubulina, por sua vez, apresenta também um sítio de ligação ao nucleotídeo, que pode estar na forma de GTP ou difosfato de guanosina (GDP) (Figura 2). O filamento dos microtúbulos é uma estrutura cilíndrica e oca, formada por 13cadeias lineares (protofilamentos) de subunidades de tubulina. A in- teração lateral entre as cadeias se dá preferencialmente entre monômeros do mesmo tipo (α-α e β-β), e desemparelhamentos entre os contatos laterais dão origem a microtúbulos helicoidais. Dados os múltiplos contatos presentes entre as subunidades nos microtúbulos, esses filamentos são mais rígidos e menos flexíveis. Esses filamentos também são polares: a orientação α-β das subunidades de tubulina encontra-se sempre da mesma direção, dando origem a extremidades (+) e (–) distintas uma da outra (Figura 2). Citoesqueleto e movimentos celulares4 Figura 2. Organização molecular dos filamentos de actina e de tubulina. (a) As subunidades de actina G são assimétricas e orientadas de forma regular ao longo do filamento de actina F, dando origem a extremidades polares nos microfilamentos. (b) A tubulina é composta por dímeros de α e β-tubulina, orientadas de forma também regular em protofilamentos que se associam lateralmente para formar os microtúbulos. Fonte: (a) Adaptada de Alberts et al. (2017); (b) Adaptada de Alberts et al. (2017). (a) (b) 5Citoesqueleto e movimentos celulares A polimerização de filamentos de tubulina se dá de forma semelhante à polimerização de filamentos de actina. Há a nucleação de subunidades, seguida do alongamento de um filamento e de uma fase estacionária quando as taxas de associação se igualam à de dissociação. A velocidade de polimerização é maior na extremidade (+) e menor na extremidade (–). Além disso, a hidrólise de nucleotídeos é determinante na dinâmica de microtúbulos e, como mencionado anteriormente, ocorre apenas na β-tubulina. A hidrólise de GTP ocorre em taxas muito reduzidas nas subunidades livres de tubulina e é aumentada com a associação da subunidade ao filamento, e a incorporação é mais provável com tubulinas ligadas ao GTP do que ao GDP. Nos filamentos, a presença de extremidades com subunidades ligadas ao GTP produz protofilamentos retos, enquanto a presença de subunidades em que já ocorreu hidrólise e que se encontram ligadas ao GDP produz protofilamentos flexionados, afastados entre si e mais facilmente dissociáveis. Assim, tubulinas ligadas ao GDP favorecem a dissociação do microtúbulo. Diversas proteínas acessórias atuam também na modulação da dinâmica e na organização dos microtúbulos. Muitas proteínas que se associam a mi- crotúbulos são denominadas coletivamente como proteínas associadas ao microtúbulo (MAPs, do inglês microtubule-associated proteins). As MAPs têm funções diversas: algumas estabilizam os filamentos evitando a sua dissociação, outras atuam mediando a interação dos microtúbulos entre si e com outros componentes celulares. Além disso, proteínas motoras também se associam a microtúbulos para desempenhar funções diversas, como veremos mais adiante neste capítulo. As principais proteínas motoras associadas a microtúbulos são as cinesinas e as dineínas, que acoplam a hidrólise de nucleotídeos para o trabalho motor de forma semelhante ao funcionamento de miosinas. A nucleação de subunidades de tubulina é um processo que, em especial, depende da participação de outros fatores celulares. A γ-tubulina é um tipo distinto de tubulina presente em baixas concentrações no citoplasma e atua na nucleação e no crescimento de microtúbulos. A nucleação desses filamentos ocorre geralmente a partir de localizações celulares específicas, conhecidas como centros organizadores de microtúbulos (MTOC), onde a γ-tubulina é encontrada em maior concentração. Citoesqueleto e movimentos celulares6 Filamentos intermediários são compostos por proteínas variáveis Os filamentos intermediários são componentes do citoesqueleto presentes em apenas algumas células eucarióticas, como as células de vertebrados. Em geral, são células que necessitam de suporte mecânico mais resistente; não é o caso, por exemplo, de células vegetais e de fungos, com paredes celulares, e de animais como insetos, que apresentam exoesqueleto. Diferente da estrutura de microfilamentos e de microtúbulos, composta por subunidades altamente conservadas e repetitivas, os filamentos inter- mediários são compostos por famílias proteicas diversas e com expressão célula-específica. Todos os membros da família de filamentos intermediários são proteínas alongadas, com um domínio central conservado. Elas não con- têm sítios de ligação a nucleotídeos, não formam filamentos intermediários organizados de forma polar e não contam com proteínas acessórias motoras. Veja no Quadro 1, a seguir, alguns exemplos de filamentos e sua localização. Os monômeros de filamentos intermediários, com estruturas semelhan- tes a uma corda, alinham-se lateralmente para formar filamentos maiores. Esses filamentos são facilmente curvados e esticados, e são extremamente resistentes. Embora os filamentos intermediários sejam muito mais estáveis que microfilamentos e microtúbulos, a remodelagem deles ocorre em eventos celulares que exigem grande rearranjo citosólico, como divisão, diferenciação e migração celular. Os mecanismos dessa remodelagem, por sua vez, são menos conhecidos do que os de microfilamentos e microtúbulos (ALBERTS et al., 2017). Tipos dos filamentos intermediários Polipeptídios componentes Localização Nuclear Lâminas A, B e C Lâmina nuclear (revestimento interno do envelope nuclear) Quadro 1. Principais tipos de proteínas dos filamentos intermediários em células de ver- tebrados (Continua) 7Citoesqueleto e movimentos celulares Fonte: Adaptado de Alberts et al. (2017). Quadro 1. Principais tipos de proteínas dos filamentos intermediários em células de ver- tebrados Tipos dos filamentos intermediários Polipeptídios componentes Localização Semelhantes à vimentina Vimentina Diversas células de origem mesenquimal Desmina Músculo Proteína ácida glial fibrilar Células da glia (astrócitos e algumas células de Schwann) Periferina Alguns neurônios Epitelial Queratinas tipo I (ácidas) Células epiteliais e seus derivados (p. ex., cabelos e unhas)Queratinas tipo II (neutras/básicas) Axonal Proteínas de neurofilamento (NF-L, NF-M e NF-H) Neurônios (Continuação) Funções estruturais do citoesqueleto A morfologia, a organização interna, as propriedades mecânicas e os movi- mentos celulares da célula são orientados pelo citoesqueleto. Os três principais filamentos do citoesqueleto são responsáveis por aspectos distintos das suas funções. A seguir, confira algumas das principais funções que microfilamentos, microtúbulos e filamentos intermediários desempenham para a estruturação celular. Microfilamentos organizam a superfície celular O citoesqueleto de actina atua na estruturação do citosol como um todo e é especialmente importante na composição de estruturas específicas na super- fície celular (LODISH et al., 2014). Assim, os microfilamentos são também importantes na determinação de características morfológicas e de polaridade Citoesqueleto e movimentos celulares8 celular. Os microfilamentos encontram-se sob a membrana plasmática na forma de uma rede pouco ordenada, chamada córtex celular, onde fornecem suporte e organização à superfície das células. Algumas células exibem ainda estruturas de actina específicas, relacionadas à função celular. Nas células intestinais, as microvilosidades são estruturas de superfície especializadas formadas por microfilamentos na forma de feixes compactos e alinhados, de forma a aumentar a área de contato com o lúmen. Em células migratórias, os microfilamentos formam as estruturas da borda anterior, e a dinâmica de mi- crotúbulos próximos a essa superfície celular é fundamental para movimentos celulares como a migração. Além disso, feixes contráteis de microfilamentos associados a miosinas também atuam no citosol e próximas à superfície celular. No processo de fagocitose, por exemplo, células especializadas como macrófagos internalizam componentes extracelulares como patógenos, o que ocorrepela dinâmica de microfilamentos contráteis. Outro exemplo é a estrutura formada por feixes contráteis responsável pela intensa deformação que divide a célula ao meio na divisão celular. Após a duplicação e a segregação dos componentes celulares, um anel contrátil de microfilamentos e miosina se forma em volta da célula e contrai para finalizar a divisão celular e dar origem a duas células-filhas, no processo de citocinese. Assim, os filamentos de actina extremamente flexíveis, dinâmicos e por vezes ainda contráteis atuam na arquitetura de estruturas fixas do citoesque- leto, mas são especialmente requisitados nos processos de remodelagem da forma celular. Microtúbulos organizam componentes intracelulares e formam o fuso mitótico Os microtúbulos são estruturas mais rígidas e de nucleação mais complexa, com redes que geralmente partem de poucos centros organizadores MTOCs. Nas células animais, o centrossomo é o principal centro MTOC celular – por vezes o único, inclusive. Ele é uma região bem definida localizada próxima ao núcleo, a partir de onde os microtúbulos são nucleados nas extremidades (–), enquanto as extremidades (+) ficam orientadas para o exterior, sofrendo crescimento e dissociação continuamente. O centrossomo contém complexos da proteína γ-tubulina em forma de anel e nele são encontrados imersos, ainda, dois centríolos, que são estruturas cilíndricas formadas por microtúbulos curtos e modificados, dispostos perpendicularmente entre si. 9Citoesqueleto e movimentos celulares Essa rede radial a partir do centrossomo fornece uma base para a organiza- ção interna celular e para a distribuição de componentes pelo citosol, auxiliando a determinar a localização de organelas. Além disso, a rede de microtúbulos auxilia no estabelecimento de polaridade celular. Essa função de microtúbu- los fica ainda mais nítida durante a divisão celular: uma das características mais marcantes dos microtúbulos talvez seja a formação do fuso mitótico, responsável pela segregação correta de cromossomos durante a divisão celular. O fuso mitótico nada mais é que o rearranjo da rede de microtúbulos que parte dos centrossomos. Na divisão celular, as células reorganizam completamente seus microtúbulos para formar um fuso bipolar: o centrossomo se duplica e cada um dos centrossomos formados migra para lados opostos da célula-mãe, originando os dois polos do fuso mitótico. A estrutura de microtúbulos é dinâmica o suficiente para remodelar a organização de componentes celulares durante a divisão celular. Apesar disso, ele também compõe as estruturas fixas, como anexos celulares importantes para a locomoção de alguns tipos celulares. Microfilamentos e microtúbulos transportam cargas no citosol O citoesqueleto serve de base para o transporte de componentes celulares, que vão desde moléculas como proteínas e ácidos ribonucleicos (RNAs) até vesículas e organelas completas. O transporte de cargas é importante na distribuição regular de componentes intracelulares pelo citosol e também na reorganização citoplasmática, necessárias a processos como divisão celular e brotamento, por exemplo. Com suas proteínas motoras, filamentos de actina e de tubulina atuam nesse transporte. O transporte de cargas por redes de microfilamentos ocorre por intermédio das proteínas miosinas. Elas se ligam a componentes celulares e utilizam a hidrólise de ATP para se mover ao longo dos filamentos de actina rumo à extremidade (+), transportando uma vasta variedade de cargas: RNAs mensa- geiros, vesículas secretoras e organelas como mitocôndrias. Um mecanismo semelhante de interação entre actina e miosina é utilizado para promover a contração celular. Citoesqueleto e movimentos celulares10 Os microtúbulos também usam suas proteínas motoras cinesinas e dine- ínas para o transporte de cargas, acoplando a hidrólise de nucleotídeos para o trabalho motor. Cinesinas são estruturalmente semelhantes a miosinas e transportam cargas em direção à extremidade (+), no denominado transporte anterógrado. As dineínas, por sua vez, são proteínas não relacionadas às an- teriores que transportam rumo à extremidade (–), no denominado transporte retrógrado. O transporte por microtúbulos é importante para a distribuição de componentes diversos por meio do citosol e atua no transporte axonal, cuja função é distribuir cargas entre o corpo celular e a extremidade dos axônios em neurônios. De forma geral, podemos ressaltar as seguintes características, em termos de orga- nização molecular e de principais funções biológicas, dos diferentes filamentos do citoesqueleto (Quadro 2): Quadro 2. Características dos diferentes filamentos do citoesqueleto Microfilamentos Microtúbulos Filamentos intermediários Subunidades de actina G com ligação a ATP Subunidades de α-β tubulinas com ligação a GTP Subunidades de filamentos intermediários variáveis Filamento polarizado Filamento polarizado Filamento não polarizado Filamentos flexíveis e dinâmicos Filamentos rígidos e dinâmicos Filamentos resistentes e pouco dinâmicos Proteínas motoras miosinas Proteínas motoras cinesinas e dineínas Proteínas motoras ausentes Organização da superfície celular e função contrátil Organização de organelas no citosol Integridade celular 11Citoesqueleto e movimentos celulares Filamentos intermediários dão resistência mecânica à célula Como já mencionado, os filamentos intermediários têm como função a proteção contra estresses mecânicos, promovendo a integridade celular. São proteínas bioquimicamente diversas expressas nas células animais de forma tecido-espe- cífica. Assim, determinados filamentos intermediários estão presentes apenas em determinadas células e atribuem características mecânicas específicas a elas. Além disso, os filamentos assumem outras funções tecido-específicas. A seguir, verifique as funções de alguns dos tipos de filamentos intermediários: � As lâminas são os filamentos intermediários mais amplamente distri- buídos entre as células. Elas formam uma rede entre o envelope nuclear e a cromatina e atuam estruturando a superfície interna de membranas nucleares. � As queratinas fornecem resistência a tecidos epiteliais. Estruturadas por ligações dissulfeto entre os filamentos, as redes de queratina resistem até mesmo à morte de suas células, formando coberturas protetoras na pele, nos cabelos, nas unhas e nas escamas. Assim, são importantes para a integridade de vários tecidos. Os neurofilamentos são expressos exclusivamente em neurônios. Dispostos nos axônios, eles são importantes para a estruturação axonal, fornecendo resistência e estabilidade a essas longas estruturas e influenciando o seu diâmetro (ALBERTS et al., 2017). Movimentos celulares A origem de movimentos celulares tanto em estruturas especializadas quanto no citoplasma como um todo está na organização de filamentos que compõem o citoesqueleto. O movimento relativo entre proteínas motoras e filamentos de actina e tubulina proporcionam a força motriz para alguns desses movimentos, sejam citoplasmáticos ou de estruturas especializadas. Veja a seguir alguns exemplos de movimentos celulares importantes proporcionados pela dinâmica de filamentos do citoesqueleto. Citoesqueleto e movimentos celulares12 A dinâmica de microfilamentos de actina define a migração celular O citoesqueleto de actina é fundamental para a movimentação de células migra- tórias como fibroblastos. Isso ocorre em grande parte por dois mecanismos: pelo aproveitamento da força de polimerização da actina e pelo movimento contrátil de feixes de actina e miosina. Primeiro, a célula aproveita a energia liberada pela polimerização espontânea dos filamentos de actina para a realização de movimentos celulares. Uma das formas com que a célula utiliza essa força é orientando a polimerização dos microfilamentos na direção de movimentos celulares, “empurrando” a membrana plasmática nessa direção. Depois, feixes contráteisde actina e miosina participam de algumas movimentações do citoplasma, como na endocitose e na citocinese, e também da movimentação do citoplasma por maiores distâncias, como na migração celular (Figura 3). Veja como a dinâmica de actina participa de diferentes etapas da migração celular, no exemplo de um fibroblasto: � Primeiramente, a célula estende a sua membrana na borda anterior, em direção ao movimento. Nesse caso, a célula orienta a polimerização do citoesqueleto de actina nessa direção, fornecendo a força para o movimento. É induzida a polimerização da actina do córtex celular junto à membrana da borda anterior, forçando a expansão da membrana plasmática, e são formadas as estruturas do lamelopódio (na forma de redes de actina) e de filopódios (na forma de feixes protuberantes de actina). � Após a extensão da membrana, é necessária a adesão celular ao subs- trato. Nas adesões focais formadas na borda anterior, é observado o ancoramento de filamentos de actina. Os filamentos auxiliam a fixar a célula ao substrato, impedindo a retração do movimento e permitindo que a célula avance. � Fixada ao substrato, a célula deve então avançar com o corpo celular, em um movimento de translocação. Isso ocorre por intermédio de feixes contráteis de actina no córtex celular junto à borda posterior, que empurram o núcleo e outros componentes do citosol na direção da borda anterior. � Para o deslocamento, a célula precisa desfazer as adesões focais na borda posterior. Em grande parte, isso ocorre pela endocitose dessas adesões focais; a actina e seus filamentos contráteis participam ativa- mente desse processo. 13Citoesqueleto e movimentos celulares Figura 3. Etapas da migração celular. Em todas elas, o citoesqueleto de actina participa de movimentos celulares necessários à migração. Fonte: Lodish et al. (2014, p. 811). Contrações musculares são resultado da interação entre miosina e actina Todas as formas de contração muscular dependem do deslizamento de um conjunto extremamente organizado de filamentos de actina sobre arranjos de filamentos de miosina. As longas fibras musculares são, na verdade, produtos da fusão de muitas células musculares. O conteúdo citoplasmático dessas células são unidades contráteis (denominadas sarcômeros) contendo os arranjos de actina e miosina. Citoesqueleto e movimentos celulares14 Veja na Figura 4 os detalhes da organização dos sarcômeros. Os filamentos de actina formam os filamentos delgados dispostos lateralmente, ligados por suas extremidades (+) ao disco Z nos limites do sarcômero. Suas extremidades (–) se estendem em direção ao centro. Os filamentos de miosina formam os filamentos espessos, dispostos no centro do sarcômero e intercalados com os filamentos delgados de actina. Além disso, diversas proteínas acessórias encontram-se associadas aos filamentos, mantendo essa organização. A contração muscular se dá pelo encurtamento do sarcômero de forma semelhante a uma mola. Os filamentos espessos de miosina ao centro do sar- cômero interagem com os filamentos de actina e, com gasto de ATP, deslizam da extremidade (–) em direção à extremidade (+), “puxando” os filamentos de actina ligados às extremidades dos sarcômeros. A contração do músculo como um todo só é possível pelo encurtamento sincronizado de milhares de sarcômeros, induzido por sinais nervosos. Esse movimento é orientado por fluxos de Ca2+ no citosol. Os sinais nervosos provo- cam a despolarização de membrana na célula muscular e, consequentemente, do retículo sarcoplasmático – que é um retículo endoplasmático especializado de células musculares. Canais de Ca2+ regulados por voltagem permitem então o fluxo do íon do interior do retículo para o sarcômero, e esses íons ativam proteínas que regulam a contração. Nas células da musculatura esquelética, essas proteínas são troponinas e tropomiosinas que interagem com os fila- mentos. Na célula relaxada, essas proteínas impedem o deslizamento dos filamentos de actina sobre os de miosina; na presença de Ca2+, o deslizamento é permitido e a contração ocorre. 15Citoesqueleto e movimentos celulares Figura 4. Organização do sarcômero nas células musculares. Os filamentos de miosina (filamentos espessos), dispostos centralmente, orientam-se de forma bipolar de forma que as cabeças de miosina com atividade de ATPase interajam com os filamentos de actina (filamentos delgados) de ambas as laterais do sarcômero. Uma molécula da grande proteína titina encontra-se associada aos discos Z por intermédio da grande proteína titina, com estrutura elástica capaz de mudar de comprimento de acordo com o estado de contração do sarcômero. Os filamentos de actina encontram-se associados por todo o seu comprimento com proteínas nebulina; nas extremidades (+) associadas ao disco Z eles ligam-se à capZ e nas extremidades (–) voltadas para o centro eles encontram-se capeados por tropomodulinas. Os filamentos de actina encontram-se recobertos também por troponinas e tropomiosinas (não mostradas). Fonte: Alberts et al. (2017, p. 920). Cílios e flagelos são compostos por microtúbulos e dineínas Tanto cílios quanto flagelos são apêndices celulares motizes, de estrutura semelhante aos pelos, compostas por um feixe de microtúbulos. Cílios e fla- gelos formados por microtúbulos são diferentes dos observados em bactérias e estão presentes em protozoários e animais. Nos seres humanos, flagelos são encontrados nos espermatozoides enquanto superfícies ciliadas são encontradas em mucosas como o oviduto e o trato respiratório. O movimento dessas estruturas especializadas é dado pela flexão da sua porção central, denominada axonema. O axonema é composto por microtúbulos e proteínas associadas com um arranjo característico de pares externos de microtúbulos dispostos em torno de um par central de microtúbulos (veja a Figura 5), o qual se estende de forma contínua ao longo do axonema. Proteínas motoras dineínas fazem parte desse arranjo e determinam a sua movimentação, com gasto de ATP. Moléculas de dineína axonemal interligam pares externos Citoesqueleto e movimentos celulares16 adjacentes na circunferência do axonema e, quando seus domínios motores são ativados, elas tentam deslizar um par sobre o outro (de forma semelhante ao que ocorre entre filamentos de actina e miosina na contração muscular). No entanto, outras conexões entre os filamentos impedem esse deslizamento e o movimento da dineína é convertido em movimento de flexão dos filamentos (ALBERTS et al., 2017). Figura 5. Organização do axonema em cílios e flagelos. (a) Fotomicrografia eletrônica e (b) representação esquemática do corte transversal de um flagelo de célula de alga verde. Pares externos de microtúbulos modificados (consistindo em um microtúbulo completo fusionado a um parcial) em torno de um par de microtúbulos simples centrais. Proteínas associadas organizam a estrutura de microtúbulos. Estão ilustradas nexinas e conexões radiais, além dos braços interno e externo das dineínas axonemais. Fonte: Adaptada de Alberts et al. (2017). ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. LODISH, H. et al. Biologia celular e molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 17Citoesqueleto e movimentos celulares
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