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Potenciais de ação l O potencial de ação é um fenômeno de células excitáveis, como neurônios e miócitos, e é composto por uma rápida despolarização (fase ascendente) seguida pela repolarização do potencial de membrana. Os potenciais de ação são o mecanismo básico de transmissão de informação no sistema nervoso e em todos os tipos de músculos. Terminologia A seguinte terminologia será usada na discussão do potencial de ação, dos períodos refratários e da propagação dos potenciais de ação: • ♦ Despolarização é o processo de tornar o potencial de membrana menos negativo. Como já discutido, o potencial de membrana normal, em repouso, das células excitáveis, é orientado com o interior da célula negativo. A despolarização faz com que o interior da célula fique menos negativo ou até mesmo se torne positivo. Essa alteração no potencial de membrana não deve ser descrita como “aumento” ou “diminuição”, já que esses termos são ambíguos (por exemplo, quando o potencial de membrana se despolariza, ou se torna menos negativo, aumenta ou diminui?). • ♦ Hiperpolarização é o processo de tornar o potencial de membrana menos positivo. Como na despolarização, os termos “aumento” e “diminuição” não devem ser usados na descrição da alteração que faz com que o potencial de membrana seja mais negativo. • ♦ Corrente de influxo é o fluxo de cargas positivas para o interior da célula. Assim, as correntes de influxo despolarizam o potencial de membrana. Um exemplo de corrente de influxo é a entrada de Na+ na célula durante a fase ascendente do potencial de ação. • ♦ Corrente de efluxo é o fluxo de cargas positivas para fora da célula. As correntes de efluxo hiperpolarizam o potencial de membrana. Um exemplo de corrente de efluxo é a saída de K+ da célula durante a fase de repolarização do potencial de ação. • ♦ Potencial limiar é o potencial de membrana em que a ocorrência do potencial de ação é inevitável. Uma vez que o potencial limiar é menos negativo do que o potencial de membrana em repouso, uma corrente de influxo é necessária para despolarizar o potencial de membrana até o limiar. No potencial limiar, a corrente de influxo total (p. ex., a corrente de influxo de Na+) se torna maior do que a corrente de efluxo total (p. ex., a corrente de efluxo de K+) e a despolarização resultante torna-se autossustentável, originando a fase ascendente do potencial de ação. Se a corrente de influxo total for menor do que a corrente de efluxo total, a membrana não despolariza até o limiar e não há potencial de ação (veja a resposta tudo ou nada). • ♦ Pico do potencial de ação (ultrapassagem) é aquela porção do potencial de ação na qual o potencial de membrana é positivo (interior da célula positivo). • ♦ Pós-potencial hiperpolarizante (hiperpolarização) é aquela parte do potencial de ação, após a repolarização, em que o potencial de membrana é mais negativo do que em repouso. • ♦ Período refratário é o período em que outro potencial de ação normal não pode ser iniciado em uma célula excitável. Os períodos refratários podem ser absolutos ou relativos (nas células do músculo cardíaco, há uma outra categoria chamada período refratário efetivo). Características dos Potenciais de Ação Os potenciais de ação possuem três características básicas: tamanho e formato estereotípicos, propagação e resposta tudo ou nada. • ♦ Tamanho e formato estereotípicos. Cada potencial de ação normal de um determinado tipo celular parece idêntico, despolariza no mesmo potencial e repolariza no mesmo potencial de repouso. • ♦ Propagação. Um potencial de ação em um sítio provoca a despolarização dos sítios adjacentes, trazendo-os ao limiar. A propagação dos potenciais de ação de um sítio para o outro é sem decaimento (amplitude constante). • ♦ Resposta tudo ou nada. Um potencial de ação ocorre ou não ocorre. Se uma célula excitável é despolarizada até o limiar da maneira normal, a ocorrência de um potencial de ação é inevitável. Por outro lado, se a membrana não for despolarizada até o limiar, o potencial de ação não pode ocorrer. Na verdade, se o estímulo for aplicado durante o período refratário, o potencial de ação não ocorre ou ocorre com tamanho e formato estereotípicos diferentes. Bases Iônicas do Potencial de Ação O potencial de ação é a despolarização rápida (fase ascendente), seguida pela repolarização de volta ao potencial de membrana em repouso. A Figura 1.13 mostra os eventos do potencial de ação no sistema nervoso e na musculatura esquelética, que ocorrem nas seguintes etapas: 1. 1. Potencial de membrana em repouso. Em repouso, o potencial de membrana é de aproximadamente -70 mV (interior da célula negativo). A condutância ou permeabilidade ao K+ é alta; os canais de K+ estão quase completamente abertos, permitindo que esses íons se difundam para fora da célula seguindo o gradiente de concentração existente. Essa difusão cria um potencial de difusão de K+, que leva o potencial de membrana até o potencial de equilíbrio do K+. A condutância ao Cl- (não mostrada) também é alta e, em repouso, esse íon está próximo de seu equilíbrio eletroquímico. Em repouso, a condutância de Na+ é baixa e, assim, o potencial de membrana de repouso está longe do potencial de equilíbrio desse íon e ele está distante do equilíbrio eletroquímico. 2. 2. Fase ascendente do potencial de ação. Uma corrente de influxo, geralmente o resultado da corrente disseminada por potenciais de ação de sítios adjacentes, provoca a despolarização da membrana da célula nervosa até o limiar, o que ocorre a aproximadamente -60 mV. Essa despolarização inicial provoca a rápida abertura das comportas de ativação do canal de Na+, aumentando, rapidamente, a condutância a esse íon, que fica até superior à de K+ (Figura 1.14). O aumento da condutância ao Na+ gera uma corrente de influxo do íon; o potencial de membrana é ainda mais despolarizado, mas não chega a atingir o potencial de equilíbrio do Na+, de +65 mV. A tetrodotoxina (uma toxina obtida do baiacu japonês) e o anestésico local lidocaína bloqueiam esses canais de Na+ dependentes de voltagem e impedem a ocorrência de potenciais de ação no sistema nervoso. 3. 3. Repolarização do potencial de ação. A fase ascendente termina e o potencial de membrana repolariza ao nível em repouso em decorrência de dois eventos. Primeiro, as comportas de inativação dos canais de Na+ respondem à despolarização e se fecham, mas essa resposta é mais lenta do que a abertura das comportas de ativação. Assim, depois de um tempo, as comportas de inativação se fecham, fechando os canais de Na+ e terminando a fase ascendente. No segundo evento, a despolarização abre os canais de K+, aumentando a condutância desse íon a um valor ainda maior do que o observado em repouso. O efeito combinado do fechamento dos canais de Na+ e da maior abertura dos canais de K+ faz com que a condutância desse último íon seja muito maior do que a do primeiro. Assim, há o estabelecimento de uma corrente de efluxo de K+ e a membrana é repolarizada. O tetraetilamônio (TEA) bloqueia esses canais de K+ dependentes de voltagem, a corrente de efluxo desse íon e a repolarização. 1. 4. Pós-potencial hiperpolarizante (hiperpolarização). Por um breve período após a repolarização, a condutância ao K+ é maior do que em repouso e o potencial de membrana se aproxima ainda mais do potencial de equilíbrio de K+ (pós-potencial hiperpolarizante). Por fim, a condutância ao K+ retorna ao nível de repouso e o potencial de membrana sofre uma pequena despolarização, retornando ao valor de repouso. A membrana agora está pronta para, se estimulada, gerar outro potencial de ação. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0070 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0075 FIGURA 1.13 Progressão das alteraçõesde voltagem e condutância durante o potencial de ação do axônio. FIGURA 1.14 Estados das comportas de ativação e inativação no canal de Na+ do axônio. 1) No estado fechado, porém disponível, no potencial de membrana em repouso, a comporta de ativação está fechada, a comporta de inativação está aberta e o canal está fechado (porém disponível em caso de despolarização). 2) No estado aberto, durante a fase ascendente do potencial de ação, as comportas de ativação e inativação estão abertas e o canal está aberto. 3) No estado inativado, no pico do potencial de ação, a comporta de ativação está aberta, a comporta de inativação está fechada e o canal está fechado. O Canal de Na+ do axônio Um canal de Na+ dependente de voltagem é responsável pela fase ascendente do potencial de ação nas células nervosas e da musculatura esquelética. Esse canal é uma proteína integral de membrana, composta por uma grande subunidade α e duas subunidades β. A subunidade α possui quatro domínios, cada um com seis α- hélices transmembrânicas. As repetições das α-hélices transmembrânicas revestem o poro central por onde o Na+ pode fluir (se as comportas do canal estiverem abertas). Um modelo conceitual do canal de Na+, mostrando a função das comportas de ativação e inativação, é mostrado na Figura 1.14. A premissa básica deste modelo é que, para que o Na+ atravesse o canal, as duas comportas devem estar abertas. Lembre-se de como essas comportas respondem a alterações de voltagem. As comportas de inativação se fecham em resposta à despolarização, mas de forma lenta, após um tempo. Assim, quando a despolarização ocorre, as comportas de https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0075 ativação se abrem rapidamente e, a seguir, há o fechamento mais lento das comportas de inativação. A figura mostra três combinações das posições das comportas e o efeito resultante sobre a abertura do canal de Na+. 1. 1. Canal fechado, mas disponível. No potencial de membrana em repouso, as comportas de ativação estão fechadas e as comportas de inativação estão abertas. Assim, os canais de Na+ estão fechados. No entanto, estão “disponíveis” para disparar um potencial de ação se houver despolarização (a despolarização abre as comportas de ativação e, uma vez que as comportas de inativação já estão abertas, os canais de Na+ se abrem). 2. 2. Canal aberto. Durante a fase ascendente do potencial de ação, a despolarização provoca a rápida abertura das comportas de ativação e tanto essas quanto as comportas de inativação ficam abertas por um curto período. O Na+ pode fluir pelos canais até o interior celular, causando maior despolarização. 3. 3. Canal inativado. No pico do potencial de ação, as lentas comportas de inativação finalmente se fecham em resposta à despolarização; agora, os canais de Na+ estão fechados, a fase ascendente acabou e começa a repolarização. Como os canais de Na+ voltam ao estado fechado, mas disponível? Em outras palavras, como se recuperam para que fiquem prontos para disparar outro potencial de ação? A repolarização para o potencial de membrana em repouso provoca a abertura das comportas de inativação. Agora, os canais de Na+ voltam ao estado fechado, mas disponível, e estão prontos e “à disposição” para disparar outro potencial de ação caso haja despolarização. Períodos Refratários Durante os períodos refratários, as células excitáveis são incapazes de produzir potenciais de ação normais (Figura 1.13). O período refratário é formado por um período refratário absoluto e um período refratário relativo. Período Refratário Absoluto O período refratário absoluto se sobrepõe à quase toda a duração do potencial de ação. Durante esse período, não importa quão grande o estímulo, outro potencial de ação não pode ser provocado. A base para esse período refratário absoluto é o fechamento das comportas de inativação do canal de Na+ em resposta à despolarização. Essas comportas de inativação ficam fechadas até que a célula seja novamente repolarizada até o potencial de membrana de repouso e os canais recuperem o estado “fechado, mas disponível” (Figura 1.14). Período Refratário Relativo O período refratário relativo começa ao final do período refratário absoluto e se sobrepõe, principalmente, ao período de pós-potencial hiperpolarizante. Durante esse período, um potencial de ação pode ser provocado, mas apenas se uma corrente despolarizante (de influxo) maior do que a usual for aplicada. A base desse período refratário relativo é a maior condutância ao K+ do que a observada em repouso. Uma vez que o potencial de membrana é mais próximo do potencial de equilíbrio de K+, mais corrente de influxo é necessária para trazer a membrana ao limiar e iniciar o próximo potencial de ação. Acomodação Quando uma célula nervosa ou muscular é lentamente despolarizada ou mantida em um nível despolarizado, o potencial limiar usual pode passar sem que um potencial de ação seja disparado. Esse processo, denominado acomodação, ocorre porque a despolarização fecha as comportas de inativação nos canais de Na+. Quando a despolarização é suficientemente lenta, os canais de Na+ se fecham e assim permanecem. A fase ascendente do potencial de ação não pode ocorrer, já que não há suficientes canais de Na+ abertos para carrear a corrente de influxo. Um exemplo de acomodação é observado em indivíduos que apresentam elevação da concentração sérica de K+, chamada hipercalemia. Em repouso, as membranas de células nervosas e musculares são muito permeáveis ao K+; um aumento na concentração extracelular de K+ despolariza a membrana em repouso (como determinado pela equação de Nernst). Essa despolarização faz com que a membrana celular fique mais próxima do limiar e deveria facilitar o disparo de um potencial de ação. Na verdade, é menos provável, porém, que a célula dispare um potencial de ação, já que a manutenção da despolarização fecha as comportas de inativação dos canais de Na+ (Quadro 1.3). Q u a d r o 1 . 3 F i s i o l o g i a C l í n i c a : H i p e r c a l e m i a c o m F r a q u e z a M u s c u l a r Descrição do caso https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0070 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0075 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#b0020 Uma mulher de 48 anos, com diabetes melito insulino-dependente, relata grave fraqueza muscular a seu médico. A paciente também apresenta hipertensão e é tratada com propranolol, um agente bloqueador β-adrenérgico. Seu médico imediatamente solicita exames de sangue, que revelam que a [K+] sérica é de 6,5 mEq/L (normal, 4,5 mEq/L) e elevação do nível sérico de ureia. O médico reduz gradativamente a dosagem do propranolol até interromper o tratamento. Em poucos dias, a [K+] sérica cai a 4,7 mEq/L e a paciente relata que a força muscular voltou ao normal. Explicação do caso A paciente diabética apresenta hipercalemia grave causada por diversos fatores: (1) uma vez que a dose de insulina que essa paciente recebe é insuficiente, a ausência do hormônio provoca a saída do K+ das células para o sangue (a insulina promove a entrada desse íon nas células). (2) O propranolol, um agente bloqueador β- adrenérgico usado no tratamento da hipertensão, também causa a saída do K+ das células para a circulação. (3) A elevação da concentração sérica de ureia sugere que a mulher apresenta insuficiência renal; os rins doentes não são capazes de excretar o K+ extra que se acumula no sangue. Esses mecanismos envolvem conceitos relacionados à fisiologia renal e endócrina. É importante entender que essa paciente apresenta grande elevação da [K+] sérica (hipercalemia) e quesua fraqueza muscular era decorrente da hipercalemia. A base da fraqueza pode ser explicada da seguinte maneira: o potencial de membrana em repouso das células musculares é determinado pelo gradiente de concentração de K+ através da membrana celular (equação de Nernst). Em repouso, a membrana celular é muito permeável ao K+, que se difunde para fora da célula conforme seu gradiente de concentração, criando um potencial de difusão de K+. Esse potencial de difusão de K+ é responsável pelo potencial da membrana em repouso, em que o interior celular é negativo. Quanto maior o gradiente de concentração de K+, maior a negatividade da célula. Quando a [K+] sanguínea é elevada, o gradiente de concentração através da membrana celular é menor do que o normal; o potencial de membrana em repouso, portanto, é menos negativo (ou seja, despolarizado). Seria possível esperar que a despolarização facilitasse a geração de potenciais de ação no músculo, já que o potencial de membrana em repouso seria mais próximo ao limiar. Um efeito mais importante da despolarização, porém, é o fechamento das comportas de inativação nos canais de Na+. Quando essas comportas de inativação são fechadas, os potenciais de ação não podem ser gerados, mesmo se as comportas de ativação estiverem abertas. Sem potenciais de ação no músculo, não pode haver contração. Tratamento O tratamento dessa paciente tem como base o retorno do K+ para dentro das células, aumentando as doses de insulina e interrompendo a administração de propranolol. Ao reduzir a [K+] sanguínea a níveis normais, o potencial de membrana em repouso de suas células musculares esqueléticas retorna ao normal, as comportas de inativação nos canais de Na+ são abertas no potencial de membrana em repouso (como devem ser) e potenciais de ação normais podem ocorrer. Propagação dos Potenciais de Ação A propagação dos potenciais de ação por uma fibra nervosa ou muscular ocorre por meio da disseminação de correntes locais das regiões ativas às regiões inativas adjacentes. A Figura 1.15 mostra o corpo celular de um neurônio com sua árvore dendrítica e um axônio. Em repouso, todo o axônio apresenta o potencial de membrana de repouso e o interior da célula é negativo. Os potenciais de ação começam no segmento inicial do axônio, mais próximo ao corpo do neurônio. Esses potenciais se propagam pelo axônio por meio da disseminação de correntes locais, como mostra a figura. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0080 FIGURA 1.15 Disseminação da despolarização por um axônio por meio de correntes locais. A, O segmento inicial de um axônio disparou um potencial de ação e a diferença de potencial através da membrana celular foi revertida, tornando o interior positivo. A área adjacente permanece com o potencial de membrana em repouso, com o interior negativo. B, No sítio ativo, as cargas positivas dentro do neurônio fluem para a área em repouso adjacente. C, O fluxo local de correntes faz com que a área adjacente seja despolarizada até o limiar e dispare potenciais de ação; a região ativa é repolarizada, voltando a apresentar o potencial de membrana em repouso. Na Figura 1.15A, o segmento inicial do axônio é despolarizado até o limiar e dispara um potencial de ação (a região ativa). Devido à corrente de influxo de Na+, no pico do potencial de ação, a polaridade do potencial de membrana é revertida e o interior da célula se torna positivo. A região adjacente do axônio continua inativa, com seu interior celular negativo. A Figura 1.15B ilustra a disseminação da corrente local da região ativa despolarizada à região inativa adjacente. No sítio ativo, as cargas positivas no interior da célula fluem em direção às cargas negativas no sítio inativo adjacente. Esse fluxo de corrente faz com que a região adjacente se despolarize até o limiar. Na Figura 1.15C, a região adjacente do axônio, tendo sido despolarizada até o limiar, agora dispara um potencial de ação. A polaridade de seu potencial de membrana é revertida e o interior da célula fica positivo. Nesse momento, a região ativa original foi repolarizada, voltando ao potencial de membrana de repouso e restaurando sua polaridade negativa interior. O processo continua e transmite o potencial de ação de forma sequencial pelo axônio. Velocidade de Condução A velocidade com que os potenciais de ação são transmitidos por uma fibra nervosa ou muscular é a velocidade de condução. Essa propriedade tem grande importância fisiológica, já que determina a velocidade de transmissão da informação pelo sistema nervoso. Para entender a velocidade de condução em tecidos excitáveis, dois conceitos principais devem ser explicados: a constante de tempo e a constante de comprimento. Esses conceitos, as propriedades de cabo, explicam como os nervos e músculos agem como cabos na condução da energia elétrica. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0080 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0080 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#f0080 A constante de tempo (τ) é o período transcorrido após a injeção de corrente para a mudança do potencial a 63% de seu valor final. Em outras palavras, a constante de tempo indica a rapidez da despolarização da membrana em resposta a uma corrente de influxo ou ainda a rapidez da hiperpolarização em resposta a uma corrente de efluxo. Assim, Em que • τ = Constante de tempo • Rm = Resistência da membrana • Cm = Capacitância da membrana Dois fatores afetam a constante de tempo. O primeiro fator é a resistência da membrana (Rm). Quando a Rm é alta, a corrente não atravessa a membrana celular com facilidade, o que dificulta a alteração do potencial de membrana e, assim, aumenta a constante de tempo. O segundo fator, a capacitância da membrana (Cm) é a habilidade de armazenamento de carga pela membrana celular. Quando a Cm é alta, a constante de tempo aumenta, já que a corrente injetada deve, primeiro, descarregar o capacitor da membrana antes de despolarizá- la. Assim, a constante de tempo é maior (ou seja, o período transcorrido é maior) quando Rm e Cm são altas. A constante de comprimento (λ) é a distância do sítio de injeção de corrente em que o potencial caiu a 63% de seu valor original. A constante de comprimento indica a distância de disseminação da corrente despolarizante pelo nervo. Em outras palavras, quanto maior a constante de comprimento, maior a disseminação da corrente pela fibra nervosa. Assim, em que • λ = Constante de comprimento • Rm = Resistência da membrana • Ri = Resistência interna Mais uma vez, Rm representa a resistência da membrana. A resistência interna, R i, é inversamente relacionada à facilidade do fluxo de corrente pelo citoplasma da fibra nervosa. A constante de comprimento, portanto, é maior (ou seja, a corrente trafega mais) quando o diâmetro do nervo é grande, a resistência da membrana é baixa e a resistência interna é pequena. Em outras palavras, a corrente flui pelo caminho de menor resistência. Alterações na Velocidade de Condução Existem dois mecanismos que aumentam a velocidade de condução através do nervo: o aumento do tamanho da fibra nervosa e a mielinização da fibra nervosa. Esses mecanismos podem ser mais bem entendidos em termos das propriedades de cabo da constante de tempo e da constante de comprimento. • ♦ Aumento do diâmetro do axônio. O aumento do tamanho de uma fibra nervosa eleva a velocidade de condução, uma relação que pode ser explicada da seguinte forma: a resistência interna, Ri, é inversamente proporcional à área transversal (A = 2πr2). Portanto, quanto maior a fibra, menor a resistência interna. A constantede comprimento é inversamente proporcional à raiz quadrada de Ri (veja a equação da constante de comprimento). Assim, a constante de comprimento (λ) é maior quando a resistência interna (Ri) é menor (ou seja, a fibra é maior). Os nervos maiores apresentam as maiores constantes de comprimento e as correntes se disseminam para mais longe da região ativa para propagar os potenciais de ação. O aumento do tamanho da fibra nervosa certamente é um mecanismo importante para elevar a velocidade de condução no sistema nervoso, mas existem limitações anatômicas ao tamanho dos axônios. Assim, um segundo mecanismo, a mielinização, é usado para aumentar a velocidade de condução. • ♦ Mielinização. A mielina é um isolante lipídico de axônios que aumenta a resistência da membrana e diminui a capacitância da membrana. A maior resistência da membrana força a corrente a fluir pela via de menor resistência do interior do axônio, ao invés da via de alta resistência da membrana axonal. A diminuição da capacitância da membrana reduz a constante de tempo; assim, nas interrupções da bainha de mielina (veja a seguir), a membrana do axônio despolariza mais rapidamente em resposta à corrente de influxo. Juntos, os efeitos da maior resistência da membrana e de sua menor capacitância aumentam a velocidade de condução (Quadro 1.4). • Q u a d r o 1 . 4 F i s i o l o g i a Cl í n i c a : E s c l e r o s e M ú l t i p l a • Descrição do caso • Uma mulher de 32 anos teve um primeiro episódio de visão borrada há 5 anos. A paciente sentiu dificuldade ao ler o jornal e as letras pequenas em etiquetas. A visão voltou ao normal de forma espontânea, mas, 10 meses depois, houve recidiva da visão borrada, dessa vez acompanhada por outros sintomas, incluindo visão dupla e uma sensação de “pontadas” e fraqueza grave nas pernas. A paciente estava muito fraca até mesmo para subir um único lance de escadas. Ela foi encaminhada a um neurologista, que pediu uma série de exames. A ressonância magnética (RM) do encéfalo mostrou a presença de lesões características da esclerose múltipla. Os potenciais visuais evocados apresentaram latência prolongada, consistente com a diminuição da velocidade de condução nervosa. Desde o diagnóstico, a paciente apresentou duas recidivas, e está sendo tratada com interferon beta. • Explicação do caso • Os potenciais de ação são propagados ao longo das fibras nervosas por meio da disseminação das correntes locais, da seguinte maneira: quando há um potencial de ação, a corrente de influxo da fase ascendente do potencial de ação despolariza a membrana naquele ponto, revertendo a polaridade (ou seja, o interior daquele sítio se torna, por um breve período, positivo). A despolarização, então, se dissemina a sítios adjacentes ao longo da fibra nervosa por meio do fluxo de corrente local. É importante notar que, se essas correntes locais despolarizam uma região adjacente ao limiar, há o disparo de um potencial de ação (ou seja, sua propagação). A velocidade de propagação do potencial de ação é chamada velocidade de condução. Quanto maior a disseminação das correntes locais sem decaimento (expressa como a constante de comprimento), maior a velocidade de condução. Dois fatores principais aumentam a constante de comprimento e, portanto, a velocidade de condução nos nervos: o maior diâmetro do axônio e a mielinização. • A mielina é um isolante de axônios que aumenta a resistência da membrana e diminui sua capacitância. Ao aumentar a resistência da membrana, a corrente é forçada a seguir pelo interior do axônio e, assim, há menor perda de corrente na membrana da célula (aumentando a constante de comprimento); com mais corrente seguindo pelo axônio, a velocidade de condução aumenta. Ao diminuir a capacitância da membrana, as correntes locais a despolarizam com maior rapidez, o que também aumenta a velocidade de condução. Para que os potenciais de ação sejam conduzidos pelos nervos mielinizados, a bainha de mielina deve apresentar quebras periódicas (os nós de Ranvier), nos quais os canais de Na+ e K+ se concentram. Assim, nos nós, as correntes iônicas necessárias para o potencial de ação podem fluir pela membrana (p. ex., a corrente de influxo de Na+ necessária à fase ascendente do potencial de ação). Entre os nós, a resistência da membrana é muito alta e a corrente é forçada a fluir rapidamente pelo axônio até o próximo nó, onde o próximo potencial de ação pode ser gerado. Assim, o potencial de ação parece “pular” de um nó de Ranvier até o outro, isso é denominado condução saltatória. • A esclerose múltipla é a doença desmielinizante mais comum do sistema nervoso. A perda da bainha de mielina ao redor dos axônios diminui a resistência da membrana, fazendo com que a corrente “escape” pela membrana durante a condução das correntes locais. Por isso, as correntes locais decaem mais rapidamente ao fluir pelo axônio (menor constante de comprimento) e, por causa disso, podem ser insuficientes para gerar um potencial de ação ao chegarem ao próximo nó de Ranvier. • Se todo o axônio fosse recoberto pela bainha lipídica de mielina, porém, não haveria potenciais de ação, já que não existiriam as interrupções de baixa resistência por onde ocorre o fluxo de corrente despolarizante. É importante notar, portanto, que a bainha de mielina é interrompida a intervalos de 1 a 2 mm, nos nós de Ranvier. Nesses nós, a resistência da membrana é baixa, a corrente pode fluir através da membrana e os potenciais de ação podem ocorrer. Assim, a condução de potenciais de ação é mais rápida em axônios mielinizados do https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595151642/epub/OEBPS/Text/B9788535290349000012_1.xhtml?favre=brett#b0025 que naqueles não mielinizados, já que esses potenciais “saltam” grandes distâncias de um nó ao próximo, em um processo denominado condução saltatória.
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