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CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação INTRODUÇÃO PROPRIEDADES DO POTENCIAL DE AÇÃO Os Altos e Baixos de um Potencial de Ação QUADRO 4.1 ALIMENTO PARA O CÉREBRO: Métodos para o Registro dos Potenciais de Ação A Geração de um Potencial de Ação A Geração de Múltiplos Potenciais de Ação Optogenética: Controle da Atividade Neural com Luz QUADRO 4.2 A ROTA DA DESCOBERTA: A Descoberta das Canalrrodopsinas, por Georg Nagel O POTENCIAL DE AÇÃO, NA TEORIA Correntes e Condutâncias da Membrana O Entra e Sai de um Potencial de Ação O POTENCIAL DE AÇÃO, NA PRÁTICA O Canal de Sódio Dependente de Voltagem Estrutura do Canal de Sódio Propriedades Funcionais do Canal de Sódio QUADRO 4.3 ALIMENTO PARA O CÉREBRO: O Método de Fixação de Membrana (Patch-Clamp) Os Efeitos de Toxinas sobre os Canais de Sódio Os Canais de Potássio Dependentes de Voltagem Montando o Quebra-Cabeça A CONDUÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO Fatores que Influenciam a Velocidade de Condução QUADRO 4.4 DE ESPECIAL INTERESSE: Anestesia Local Mielina e Condução Saltatória QUADRO 4.5 DE ESPECIAL INTERESSE: Esclerose Múltipla, uma Doença Desmielinizante POTENCIAIS DE AÇÃO, AXÔNIOS E DENDRITOS QUADRO 4.6 DE ESPECIAL INTERESSE: O Eclético Comportamento Elétrico dos Neurônios CONSIDERAÇÕES FINAIS PARTE I Fundamentos82 INTRODUÇÃO Agora, chegamos ao sinal que leva a informação ao longo do sistema nervoso – o potencial de ação. Como vimos no Capítulo 3, o interior da membrana neu- ronal durante o repouso é negativo em relação ao meio externo. O potencial de ação é uma inversão rápida dessa situação, de forma que, por um instante, o meio interno da membrana torna-se carregado positivamente com relação ao meio externo. O potencial de ação é também chamado de potenciais em ponta (spike), impulso nervoso ou descarga. Os potenciais de ação gerados por uma porção da membrana são simila- res em tamanho e duração, e não diminuem à medida que são propagados pelo axônio. É importante lembrar: a frequência e o padrão de potenciais de ação constituem o código utilizado pelos neurônios para transferir informação de um local para outro. Neste capítulo, discutiremos os mecanismos responsáveis pelo potencial de ação e como ele se propaga ao longo da membrana do axônio. PROPRIEDADES DO POTENCIAL DE AÇÃO Os potenciais de ação têm certas propriedades universais, características que são compartilhadas pelos axônios do sistema nervoso de qualquer animal, desde uma lula a um estudante universitário. Começaremos a explorar algumas dessas propriedades. Como se parece o potencial de ação? Como ele se inicia? Quão rapidamente pode um neurônio gerar potenciais de ação? Os Altos e Baixos de um Potencial de Ação No Capítulo 3, vimos que o potencial de membrana, Vm, pode ser determinado inserindo-se um microeletrodo na célula. Um voltímetro é utilizado para medir a diferença de potencial elétrico entre a ponta do microeletrodo intracelular e outro ponto posicionado fora da célula. Quando a membrana neuronal está em repouso, o voltímetro registra uma diferença de potencial estacionário de aproximada- mente − 65 mV. Durante o potencial de ação, entretanto, o potencial de mem- brana torna-se positivo por um breve momento. Como isso ocorre rapidamente – 100 vezes mais rápido do que o piscar de um olho –, um tipo especial de vol- tímetro, chamado de osciloscópio, é utilizado para estudar os potenciais de ação. O osciloscópio registra a voltagem conforme ela se altera com o tempo (Quadro 4.1). Um potencial de ação, conforme ele deveria aparecer na tela de um oscilos- cópio, é mostrado na Figura 4.1. Essa figura representa um gráfico do poten- cial de membrana em relação ao tempo. Observe que o potencial de ação tem certas partes identificáveis. A primeira parte, chamada de fase ascendente, é caracterizada por uma rápida despolarização da membrana. Essa alteração no potencial de membrana continua até o Vm atingir o valor máximo de pico, de aproximadamente 40 mV. A parte do potencial de ação em que o lado de den- tro do neurônio está carregado positivamente em relação ao lado externo é cha- mada de pico de ultrapassagem. A fase descendente do potencial de ação é uma rápida repolarização do meio interno da membrana até ele ficar, de fato, mais negativo que o potencial de repouso. A última parte da fase descendente é chamada de undershoot, ou hiperpolarização pós-potencial. Por fim, há uma restauração gradual do potencial de repouso. O potencial de ação dura cerca de 2 milissegundos (ms), do início ao fim. A Geração de um Potencial de Ação No Capítulo 3, dissemos que a penetração da pele por uma tachinha era sufi- ciente para gerar potenciais de ação em um nervo sensorial. Utilizaremos esse mesmo exemplo para vermos como o potencial de ação inicia. INTROODUÇÃÃO PROPPRIEDAADES DO POTENCIIAL DE AÇÃO CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 83 A percepção da dor aguda quando um percevejo entra em seu pé é causada pela geração de potenciais de ação em certas fibras nervosas da pele. (Apren- deremos mais sobre dor no Capítulo 12.) A membrana dessas fibras possui um tipo de canal de sódio fechado que se abre quando a terminação nervosa é esti- rada. A cadeia de eventos, por conseguinte, começa desta forma: (1) o percevejo entra na pele, (2) a membrana de fibras nervosas na pele é estirada, (3) e canais permeáveis ao Na+ se abrem. Devido ao gradiente de concentração e à carga negativa do interior da membrana, o Na+ atravessa a membrana através desses canais. A entrada de Na+ despolariza a membrana; isto é, a superfície citoplás- mica (interna) da membrana torna-se menos negativa. Se essa despolarização, Métodos para o Registro dos Potenciais de Ação Os métodos para estudar impulsos nervosos podem ser divididos de modo geral em dois tipos: intracelulares e extracelulares (Figura A). O registro intracelular requer a co- locação de um microeletrodo dentro de um neurônio ou axô- nio. O tamanho pequeno da maioria dos neurônios torna esse método difícil, razão pela qual muitos dos estudos iniciais de potencial de ação eram realizados em neurônios de inverte- brados, que podem ser 50 a 100 vezes maiores que os neu- rônios dos mamíferos. Felizmente, avanços técnicos recentes tornaram os menores neurônios dos vertebrados acessíveis aos métodos de registro intracelulares, e esses estudos con- firmaram que muito do que aprendemos em invertebrados é diretamente aplicável a seres humanos. O objetivo do registro intracelular é simples: medir a di- ferença de potencial entre a ponta do eletrodo intracelular e outro eletrodo colocado na solução que banha o neurô- nio (que faz o “terra” neste sistema). O eletrodo intracelular é preenchido com uma solução salina concentrada (frequente- mente KCl) e tem uma alta condutividade elétrica. O eletrodo é conectado a um amplificador que compara a diferença de potencial entre esse eletrodo e o terra. Essa diferença de po- tencial pode ser observada utilizando-se um osciloscópio. Os osciloscópios mais antigos funcionavam varrendo um feixe de elétrons da esquerda para a direita por meio de uma tela de fósforo. Desvios verticais desse feixe mostram mu- danças na voltagem. Os osciloscópios atuais fazem o registro digital da voltagem por meio do tempo, mas o princípio é o mesmo. Apenas um voltímetro sofisticado pode registrar mu- danças rápidas na voltagem (como um potencial de ação). Como veremos, o potencial de ação é caracterizado por uma sequência de movimentos iônicos através da membrana neuronal. Essas correntes elétricas podem ser detectadas, sem que o eletrodo penetre no neurônio, se o eletrodo for co- locado próximo da membrana. Esse é o princípio por trás dos registros extracelulares. Novamente, mediremos a diferença de potencial entre a ponta do eletrodo de registro e o terra. O eletrodo pode ser um capilar fino de vidro preenchido com uma solução salina, porém, com frequência, é simplesmente um fino fio de metal isolado (revestido). Em geral, na ausênciade atividade neural, a diferença de potencial entre o eletrodo de registro extracelular e o terra é zero. Entretanto, quando o potencial de ação se aproxima da posição onde se está fazendo o registro, cargas positivas fluem para fora do ele- trodo de registro rumo ao interior do neurônio. Então, quando o potencial de ação passa, cargas positivas fluem para fora, através da membrana, em direção ao eletrodo de registro. Assim, quando ocorre o potencial de ação na célula, o regis- tro extracelular é caracterizado por diferenças de voltagem breves e al- ternantes entre o eletrodo de registro e o terra. (Observe a diferente escala das alterações de voltagem produzi- das pelos registros intra e extracelu- lares.) Essas mudanças na voltagem podem ser observadas usando-se um osciloscópio, mas elas também podem ser ouvidas, se conectarmos sua saída a um amplificador com um alto-falante. Cada impulso faz um som distinguível, como um estalido. De fato, o som do registro de um nervo sensorial ativo é similar ao de pipoca sendo preparada. A L I M E N T O P A R A O C É R E B R O QUADRO 4.1 Eletrodo extracelular Amplificador Tela do osciloscópio Terra Eletrodo intracelular µV µV – 20 µV 0 µV 20 µV 40 µV – 60 mV – 40 mV – 20 mV 0 mV 20 mV 40 mV – 60 – 40 Figura A PARTE I Fundamentos84 chamada de gerador de potencial, atinge um nível crítico, a membrana gerará um potencial de ação. O nível crítico de despolarização que deve ser alcançado a fim de disparar um potencial de ação é chamado de limiar. Os potenciais de ação são causados pela despolarização da membrana além do limiar. A despolarização que causa potenciais de ação é alcançada de formas dife- rentes em diferentes neurônios. No nosso exemplo anterior, a despolarização foi causada pela entrada de Na+ através de canais iônicos especializados sensíveis ao estiramento da membrana. Em interneurônios, a despolarização é, em geral, causada pela entrada de Na+ através dos canais que são sensíveis aos neuro- transmissores liberados por outros neurônios. Além desses mecanismos natu- rais, os neurônios também podem ser despolarizados pela injeção de uma cor- rente elétrica através de um microeletrodo, um método comumente utilizado pelos neurocientistas para estudar potenciais de ação em diferentes células. Produzir um potencial de ação pela despolarização de um neurônio é algo como o ato de se tirar uma fotografia pressionando o botão de disparo de uma câmera. Aplicar pressão sobre o botão não terá efeito até que se atinja o ponto de atravessar o limiar, e depois “clique” – o obturador abre-se e um quadro do filme é exposto. De forma semelhante, aumentar a despolarização de um neurônio não tem efeito até se ultrapassar o liminar, e, em seguida, “zás” – um potencial de ação é gerado! Por essa razão, diz-se que os potenciais de ação são “tudo ou nada”. A Geração de Múltiplos Potenciais de Ação Anteriormente, comparamos a geração de um potencial de ação por despola- rização com o ato de fotografar, pressionando o botão do obturador de uma câmera. Mas e se a câmara fosse de uso profissional, como as utilizadas por fotó- grafos de moda e esportes, por exemplo, e eles continuamente pressionassem o botão para tirar várias fotos consecutivas, quadro a quadro? A mesma coisa ocorre com um neurônio. Se, por exemplo, injetarmos continuamente corrente despolarizante em um neurônio através de um microeletrodo, produziremos não somente um, mas muitos potenciais de ação em sucessão (Figura 4.2). A taxa de geração de potenciais de ação depende da magnitude da cor- rente contínua despolarizante. Se injetarmos corrente suficiente por meio de um microeletrodo apenas para despolarizar a membrana até o limiar, mas não – 20 – 80 – 60 – 40 20 40 0 1 2 Tempo (ms) P o te n c ia l d e m e m b ra n a ( m V ) 0 mV Pico de ultrapassagem Fase descendente (a) (b) Fase ascendente Potencial de repouso Hiperpolarização pós-potencial 0 FIGURA 4.1 Um potencial de ação. (a) Um poten- cial de ação mostrado por um oscilos- cópio. (b) As partes de um potencial de ação. CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 85 muito além desse, veremos que a célula gerará potenciais de ação a uma taxa aproximada de 1 por segundo, ou 1 Hertz (Hz). Se aumentarmos a corrente um pouco mais, contudo, veremos que a taxa de geração de potenciais de ação aumenta, digamos, para 50 impulsos por segundo (50 Hz). Assim, a frequên- cia de disparos de potenciais de ação reflete a magnitude da corrente despolari- zante. Essa é uma das formas pelas quais a intensidade do estímulo é codificada no sistema nervoso (Figura 4.3). Embora a frequência de disparos aumente com a quantidade de corrente des- polarizante, existe um limite para a taxa na qual um neurônio possa gerar poten- ciais de ação. A frequência máxima de disparos é de cerca de 1.000 Hz; uma vez Tempo Amplificador Terra Eletrodo de registro Eletrodo para estimulação Axônio P o te n c ia l d e m e m b ra n a ( m V ) Corrente injetadaCorrente injetada – 40 – 80 – 40 0 0 – 65 FIGURA 4.2 O efeito da injeção de uma carga positiva dentro de um neurônio. (a) O cone de implan- tação axonal é penetrado por dois eletrodos, um para registrar o potencial de membrana em relação ao terra e o outro para a estimulação do neurônio com corrente elétrica. (b) Quando uma corrente elétrica é injetada dentro do neurônio (traço superior), a membrana é suficiente- mente despolarizada para disparar potenciais de ação (traço inferior). – 65 mV 0 0 Tempo C o rr e n te in je ta d a A frequência de disparo do potencial de ação aumenta à medida que a corrente despolarizante aumenta. Se a corrente injetada despolarizar a membrana além do limiar, potenciais de ação serão gerados. Se a corrente injetada não despolarizar a membrana até o limiar, não haverá geração do potencial de ação. FIGURA 4.3 Frequência de disparo do potencial de ação e sua dependência em rela- ção ao nível de despolarização. PARTE I Fundamentos86 que um potencial de ação é iniciado, é impossível iniciar outro durante cerca de 1 ms. Esse período de tempo é chamado de período refratário absoluto. Além disso, pode ser relativamente difícil iniciar outro potencial de ação durante diversos milissegundos após o fim do período refratário absoluto. Durante esse perío do refratário relativo, a quantidade de corrente necessária para despolari- zar o neurônio até o limiar do potencial de ação é maior do que a normal. Optogenética: Controle da Atividade Neural com Luz. Como já discu- tido, os potenciais de ação são provocados pela despolarização da membrana para um valor além do limiar, assim como ocorre naturalmente em neurônios pela abertura de canais de Na+ dependentes de voltagem. Ao longo da história, para controlar artificialmente as taxas de disparo neuronal, os neurocientistas tive- ram que utilizar microeletrodos para injetar corrente elétrica no neurônio. Essa limitação foi recentemente superada por uma nova abordagem revolucionária, A Descoberta das Canalrrodopsinas por Georg Nagel Quando voltei, em 1992, para o Instituto Max Planck de Bio-física, em Frankfurt, Alemanha, a partir de meus estudos de pós-doutorado na Universidade Yale e na Universidade Rockefeller, eu estava mais interessado nos mecanismos pe- los quais se estabelecem os gradientes de íons através das membranas celulares. Ernst Bamberg, o diretor de meu depar- tamento, convenceu-me a utilizar uma nova abordagem, estu- dando as rodopsinas microbianas – proteínas que transportam íons através das membranas quando eles absorvem a energia da luz. Nós expressamos o gene para bacteriorrodopsina em ovos de sapos (oócitos), e medimos a sua corrente elétrica ati- vada por luz com microeletrodos. Em 1995, descobrimos que a iluminação da bacteriorrodopsina provocava a ativação de bomba de prótons (H+) através da membrana do oócito. Pos- teriormente, em 1996,estudamos a bomba de cloreto ativada por luz halorrodopsina com essa nova técnica. Nós também recebemos DNA para clamiopsina 1 e 2, prote- ínas fotorreceptoras da alga verde Chlamydomonas reinhardtii, de Peter Hegemann, da Universidade de Regensburg. Infeliz- mente, como todos os outros laboratórios que receberam esse DNA, não fomos capazes de observar quaisquer sinais elétri- cos induzidos por luz. No entanto, eu concordei em testar a função de uma nova rodopsina da Chlamydomonas quando Peter me ligou, anunciando que eles tinham encontrado um “verdadeiro canal de cálcio ativado por luz”, que eles deno- minaram clamirrodopsina 3. Embora essa nova proteína não tenha sido purificada, a “clamiopsina 3” já havia sido detec- tada em um banco de dados de sequências de DNA a partir de Chlamydomonas, produzido no centro de pesquisas de Kazusa, no Japão, e que mostrava semelhanças com a bacte- riorrodopsina. Isso foi interessante para a pesquisa de rodop- sina em Chlamydomonas. Peter solicitou o DNA produzido no Japão, e eu, em seguida, realizei a expressão em oócitos. As nossas experiências iniciais, no entanto, foram decepcio- nantes, uma vez que a remoção ou adição de cálcio à solução de banho de oócito não fez diferença para a corrente eléctrica pela incidência de luz, como seria de se esperar se o canal fosse realmente permeável ao Ca2+. A fotocorrente em si foi bastante fraca e não pareceu ser influenciada por qualquer mudança nas concentrações iônicas no banho. Como eu ainda gostava da ideia de um canal iônico ser diretamente ativado pela luz, o que a maioria dos outros pes- quisadores no campo havia rejeitado, continuei a testar so- luções diferentes. Uma noite, eu observei uma corrente de entrada ativada por luz incrivelmente grande com uma solução feita para inibir as correntes de cálcio. Na verdade, percebi que a solução que eu usei foi mal tamponada; estava bas- tante ácida, com muito H+. Mas esse foi um grande avanço e eu tinha uma boa evidência de uma corrente de entrada de H+ induzida por luz. Então, por acidificação do oócito (i.e., aumentando a concentração de H+ no interior do oócito em relação ao exterior), descobri que era possível gerar também correntes de saída induzidas por luz. Logo ficou claro que clamirrodopsina 3 era um canal de prótons ativado por luz; portanto, sugeri aos meus colaboradores, Peter Hegemann e Ernst Bamberg, para chamar esta nova proteína de canalr- rodopsina 1. Experimentos sucessivos revelaram que outros cátions monovalentes também podem permear a canalrro- dopsina 1. Sabemos, então, que as pequenas fotocorren- tes que nós inicialmente observamos eram devidas à fraca expressão de canalrrodopsia 1 em oócitos. Fascinados por essa nova descoberta, nós preparamos um manuscrito (publicado em 2002) e um pedido de patente que descreveu o uso de canais iônicos ativados por luz em manipulação não invasiva de células e até mesmo em orga- nismos vivos. Posteriormente, comecei a estudar a proteína de algas canalrrodopsina 2, e tudo se tornou muito mais fácil porque as fotocorrentes eram realmente grandes e fáceis de analisar. A canalrrodopsina 2 (chop2) tem 737 aminoácidos de comprimento, na sua forma nativa, podendo ser reduzida A R O T A D A D E S C O B E R T A QUADRO 4.2 CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 87 chamada de optogenética, que introduz genes em neurônios que promovem a expressão de canais iônicos de membranas que se abrem em resposta à luz. No Capítulo 9, discutiremos como a energia da luz é absorvida por pro- teínas, chamadas de fotopigmentos, para gerar as respostas neurais em nos- sas retinas, as quais nos fornecem a visão. Claro, sensibilidade à luz é uma pro- priedade de muitos organismos. Ao estudarem as respostas à luz em uma alga verde, os investigadores em Frankfurt, Alemanha, caracterizaram um fotopig- mento e o chamaram de canalrrodopsina 2 (ChR2). Eles provaram, ao intro- duzir o gene ChR2 em células de mamíferos, que o gene codifica um canal catiônico sensível à luz que é permeável aos íons Na+ e Ca2+ (Quadro 4.2). O canal abre rapidamente em resposta à luz azul, e, em neurônios, o fluxo interno de cátions é suficiente para produzir despolarização acima do limiar e gerar potenciais de ação. O grande potencial da optogenética foi, posteriormente, para 310 aminoácidos e ser ligada à proteína fluorescente amarela (YFP) para permitir a visualização da expressão da proteína. Depois que publicamos as características superio- res de chop2, em 2003, os pedidos de DNA começaram a chegar, e nós mesmos começamos colaborações com neu- robiólogos. Uma das nossas primeiras “vítimas” foi Alexander Gottschalk, da Universidade de Frankfurt, que trabalhava com o pequeno verme nematoide translúcido Caenorhabditis elegans (C. elegans). Infelizmente, eu cometi um erro na preparação do DNA, de forma que os vermes, embora bem marcados por YFP, não reagiram à luz. Depois que eu per- cebi o meu erro e conseguimos expressar chop2-YFP nas células musculares de C. elegans, ficamos espantados com a facilidade com que esses pequenos vermes se contraíam simplesmente por iluminação com luz azul. Na mesma época (abril de 2004), Karl Deisseroth, na Universidade Stanford, solicitou DNA e aconselhamento sobre a sua utilização em uma colaboração, que eu aceitei. Karl rapidamente demons- trou o poder da canalrrodopsina 2 em neurônios de mamífe- Na+ Cl− Luz azul (460 nm) Luz amarela (580 nm) Canalrrodopsina 2 Halorrodopsina Luz ligada Luz ligada Vm Vm Tempo Tempo Figura A Desenhos esquemáticos de canalrrodopsina 2 e halorrodopsina na membrana plasmática. Abaixo, o efeito das luzes azul e amarela sobre o potencial de mem- brana, mediado por canalrrodopsina 2 e halorrodopsina, respectivamente. ros. Seu trabalho com Ed Boyden e Feng Zhang atraiu muita atenção, o que resultou em muitas solicitações de DNA para expressar essa proteí na no encéfalo. Muitos colegas da Europa, então, perceberam que canalrrodopsinas tinham sido caracterizadas pela primeira vez em Frankfurt. O sucesso e a facilidade de aplicação da ca- nalrrodopsina 2 levaram Karl e Alexander a se questionarem se haviam outras rodopsinas que poderiam ser utilizadas para a inibição da ativi- dade neuronal induzida pela luz. Nós dissemos a eles sobre bacteriorrodopsina e halorrodopsina, as bombas de saída de prótons e de entrada de cloreto, respectivamente, ativadas por luz. Ambas as bombas tornam o interior da célula mais nega- tivo (i.e., elas são hiperpolarizantes ativados por luz). Recomendamos halorrodopsina do micróbio Natronomonas pharaonis como um hiperpolari- zante ativado por luz. Tiramos proveito do que aprendemos em 1996: que halorrodopsinas tinham uma alta afinidade para o cloreto e que a sua ex- pressão era estável em células animais. Como confirmado, a ativação por luz da bomba de cloreto halorrodopsina é suficiente para inibir a geração de potencial de ação nos neurônios de mamíferos e para inibir a contração muscular do nemátodo C. elegans. De forma irônica, esses experimentos neurobiológicos com halorrodopsina (o mesmo se aplica para bacteriorrodopsina) poderiam ter sido feitos há vários anos, mas somente a descoberta e a aplicação de cha- nalrrodopsina 2 encorajou o seu uso e ajudou a criar um novo campo, agora chamado de optogenética. Muitos neurobió- logos já estão utilizando essas ferramentas e alguns grupos, incluindo nós, estão empenhados em melhorar e expandir as ferramentas de optogenética existentes. Referências: Nagel G, Szellas T, Huhn W, Kateriya S, Adeishvili N, Berthold P, Ollig D, Hegemann P, Bamberg E. 2003. Channelrhodopsin-2, a directly light-gated cation-selective membrane channel. Proceedings of the National Academy of Sciences of United States of America 100:13940–13945. PARTE I Fundamentos88 demonstrado por pesquisadores nos Estados Unidos que mostraram que o com- portamentode ratos e camundongos podem ser influenciados de forma signi- ficante por incidir luz azul nos neurônios em que o gene ChR2 foi introduzido (Figura 4.4). Uma adição mais recente ao “kit de ferramentas de optogenética” disponível para investigadores inclui a halorrodopsina, uma proteína derivada de micróbios unicelulares que inibem os neurônios em resposta à luz amarela. Entender como comportamentos surgem requer a compreensão de como os potenciais de ação são gerados e propagados pelo sistema nervoso. Veremos, a seguir, como o movimento de íons através de canais especializados na mem- brana do neurônio apresentam um sinal neural com propriedades interessantes. O POTENCIAL DE AÇÃO, NA TEORIA O potencial de ação é uma redistribuição de carga elétrica através da membrana. A despolarização da célula durante o potencial de ação é causada pelo influxo de íons sódio através da membrana, e a repolarização é causada pelo efluxo de íons potássio. Aplicaremos alguns dos conceitos introduzidos no Capítulo 3 para com- preender como os íons são impelidos através da membrana e como esses movi- mentos iônicos afetam o potencial de membrana. Correntes e Condutâncias da Membrana Considere um neurônio idealizado, ilustrado na Figura 4.5. A membrana dessa célula tem três tipos de moléculas proteicas: bombas de sódio e potássio, canais de potássio e canais de sódio. As bombas trabalham continuamente para estabe- lecer e manter os gradientes de concentração. Como em todos os nossos exem- plos anteriores, vamos supor que K+ está concentrado vinte vezes dentro da célula e que Na+ está concentrado dez vezes fora da célula. De acordo com a equação de Nernst, a 37 °C, EK = − 80 mV e ENA = 62 mV. Usaremos este modelo para investi- gar os fatores que governam o movimento de íons através da membrana. Iniciaremos supondo que tanto os canais de potássio quanto os de sódio este- jam fechados e que o potencial de membrana, Vm, seja igual a 0 mV (Figura 4.5a). A seguir, abriremos somente os canais de potássio (Figura 4.5b). Como apren- demos no Capítulo 3, K+ fluirá para fora da célula, a favor de seu gradiente de concentração, até que o interior se torne carregado negativamente, e Vm = EK (Figura 4.5c). Aqui, focamos no movimento de K+, que muda o potencial de membrana de 0 mV para − 80 mV. Considere estes três aspectos: 1. O movimento de líquido de K+ através da membrana é uma corrente elé- trica. Podemos representar essa corrente usando o símbolo IK. 2. O número de canais de potássio abertos é proporcional a uma condutância elétrica. Podemos representar essa condutância com o símbolo gK. 3. A corrente de potássio IK, fluirá pelo canal enquanto Vm ≠ EK. A força motriz do K+ é definida como a diferença entre o potencial de membrana real e o potencial de equilíbrio, que pode ser escrito como Vm − EK. Existe uma relação simples entre a força impulsora iônica, a condutância iônica e a quantidade de corrente iônica que fluirá. Para K+, podemos escrever: Ik = gk (Vm – Ek). De modo geral, escrevemos: Iíon = gíon (Vm – Eíon). Se isso parece familiar é porque é simplesmente a expressão da Lei de Ohm I = gV, que aprendemos no Capítulo 3. O POOTTENCIAAL DE AÇÃO, NA TTEORIA FIGURA 4.4 Controle da atividade neural por opto- genética no enécalo de rato. O gene que codifica canalrrodopsina 2 foi in- troduzido em neurônios do encéfalo de rato usando um vírus. O disparo desses neurônios pode ser controlado com luz azul através de uma fibra óptica. (Fonte: cortesia do Dr. Ed Boyden, Instituto de Tecnologia de Massachusetts) CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 89 Agora, vejamos novamente nosso exemplo. Inicialmente, começamos com Vm = 0 mV e sem permeabilidade iônica na membrana (ver Figura 4.5a). Existe uma grande força motriz para o K+ porque Vm − EK; na verdade, (Vm − EK) = 80 mV. No entanto, como a membrana é impermeável ao K+, a condutância ao potássio, gK, é zero. Consequentemente, IK = 0. A corrente de potássio flui somente quando os canais de potássio na membrana se abrem e, portanto, gK > 0. Dessa forma, os íons K+ fluem para fora da célula – desde que o potencial de membrana seja diferente do potencial de equilíbrio do potássio (ver Figura 4.5b). Observe que o fluxo de corrente tende a levar Vm em direção ao EK. Quando + – + – + – + – + – + – + – + – + – + – + – + – + – K+K+ K+K+ K+K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ + – + – + – + – MeioExterior Meio intercelular Interior Neurônio ideal Canal de sódio Canal de potássio V m 0 E K = – 80 mV E Na = 62 mV g K = 0 I K = g K (V m – E K ) = 0 (a) (b) (c) V m 0 E K = – 80 mV E Na = 62 mV g K > 0 I K = g K (V m – E K ) > 0 V m 0 – 80 E K = – 80 mV E Na = 62 mV g K > 0 I K = g K (V m – E K ) = 0 extracelular FIGURA 4.5 Correntes e condutâncias de membrana. Aqui, está representado um neurônio ideal com bombas de sódio e potássio (não mostradas), canais de potássio e canais de sódio. As bom- bas estabelecem os gradientes de concentração, de forma que o K+ fica mais concentrado dentro da célula e o Na+ mais concentrado fora da célula. (a) Inicialmente, imaginemos que todos os canais estejam fechados e o potencial de membrana seja igual a 0 mV. (b) Agora, abrimos os canais de potássio e K+ sai da célula. Esse movimento de K+ é a corrente elétri- ca, IK, e o fluxo ocorre enquanto a condutância do canal ao K +, gK, for maior que zero, e o potencial de membrana não for igual ao potencial de equilíbrio do potássio. (c) No equilíbrio, não existe corrente resultante de potássio porque, embora gK > 0, o potencial de membrana em equilíbrio se iguala ao EK. No equilíbrio, um número igual de íons K + entra e sai da célula. PARTE I Fundamentos90 Vm = EK, a membrana está em equilíbrio para o K+ e não ocorre fluxo de cor- rente de K+ resultante. Nessa condição, apesar de existir uma alta condutância ao potássio, gK, não há força motriz resultante para o K+ (Figura 4.5c). O Entra e Sai de um Potencial de Ação Retomaremos o ponto de onde paramos na última seção. A membrana de nosso neurônio ideal é permeável somente ao K+, e Vm = EK = − 80 mV. O que acontece com o Na+ concentrado fora da célula? Como o potencial de mem- brana é mais negativo em relação ao potencial de equilíbrio do sódio, existe uma grande força motriz para o Na+ ([Vm − ENa] = [− 80 mV − 62 mV] = − 142 mV). No entanto, como a membrana é impermeável ao Na+, não pode existir corrente resultante de Na+. Agora, abriremos os canais de sódio e veremos o que acon- tece com o potencial de membrana. No momento em que alteramos a permeabilidade iônica da membrana, gNa aumenta, e, como discutimos anteriormente, existe uma grande força motriz de entrada para o Na+ na célula. Assim, temos o necessário para gerar uma alta corrente de sódio, INa, através da membrana. O Na+ atravessa a membrana pelos canais de sódio, levando o Vm em direção ao ENa; nesse caso, a corrente de sódio, INa, flui para dentro da célula. Assumindo que a permeabilidade da membrana é agora maior ao sódio do que ao potássio, este influxo de Na+ despolariza o neu- rônio até Vm se aproximar de ENa, 62 mV. Observe que algo extraordinário aconteceu aqui. Simplesmente alterando a permeabilidade dominante da membrana de K+ para o Na+, somos capazes de reverter o potencial de membrana rapidamente. Na teoria, então, a fase ascen- dente do potencial de ação poderia ser explicada se, em resposta à despolariza- ção da membrana além do limiar, os canais de sódio da membrana se abrissem. Isso permitiria ao Na+ entrar no neurônio, causando uma despolarização mas- siva até o potencial de membrana se aproximar do ENa. Como podemos explicar a fase descendente do potencial de ação? Simples- mente assuma que os canais de sódio se fecham rapidamente, ao passo que os canais de potássio permanecem abertos, de forma que a membrana retorna a ser predominantemente permeável ao o K+. Então, o K+ fluirá para fora da célulaaté o potencial de membrana se igualar ao EK. Nosso modelo para os entra e sai e os altos e baixos do potencial de ação em um neurônio ideal é mostrado na Figura 4.6. A fase ascendente do potencial de ação é explicada por uma corrente de entrada de sódio, e a fase descendente é explicada por uma corrente de saída de potássio. O potencial de ação, portanto, pode ser explicado simplesmente pelo movimento de íons através de canais que são acionados por mudanças no potencial de membrana. Se você entender esse conceito, compreenderá bastante a respeito das bases iônicas do potencial de ação. O que nos resta agora é estudar o que realmente acontece em um neurônio real. O POTENCIAL DE AÇÃO, NA PRÁTICA Analisaremos rapidamente nossa teoria sobre o potencial de ação. Quando a membrana é despolarizada ao limiar, existe um aumento transitório na gNa. O aumento na gNa permite a entrada de Na+, que despolariza o neurônio. Esse aumento na gNa tem de ser muito breve, pela curta duração do potencial de ação. Durante a restauração do potencial negativo da membrana ocorre um aumento transitório na gK durante a fase descendente do potencial de ação, per- mitindo ao K+ sair rapidamente do neurônio despolarizado. Testar essa teoria é bastante simples em princípio. Tudo o que se tem de fazer é medir as condutâncias do sódio e do potássio na membrana durante o potencial de ação. Na prática, entretanto, essa medida se mostrou bastante O POOTTENCIAAL DE AÇÃO, NA PPRÁTICA CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 91 – – – – – – – – – K+ K+ Na+ Na+ K+ K+ K+ K+ K+K+ K+ K+ K+K+ K+ K+ Na+ Na+ + + + + + + + K+ K+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + – – – – – – – – – – – – – – – – – – K+ K+ K+K+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + – – – – – – – – – – – – – – – – – – – K+ K+ K+K+ K+ K+ K+K+ V m V m Influxo de sódio Efluxo de potássio g K >> g Na g Na >> g K g K >> g Na g K >> g Na – 80 mV – 80 mV – 80 mV (a) (b) (c) (d) – 80 mV Tempo Meio extracelular Meio intracelular Canal de sódio Canal de potássio V m V m FIGURA 4.6 Revertendo o potencial de membrana pela alteração da permeabilidade iônica relativa da membrana. (a) A membrana de um neurônio idealizado, introduzida na Figura 4.4. Come- çamos assumindo que a membrana é permeável somente ao K+ e que Vm = EK. (b) Agora, es- tipulamos que os canais de sódio da membrana estão abertos e, portanto, gNa > > gK. Existe uma grande força motriz sobre o Na+, então o Na+ entra na célula, levando o Vm em direção ao ENa. (c) Agora, fechamos os canais de sódio, então gK > > gNa. Como o potencial de membra- na está positivo, existe uma grande força motriz sobre o K+. O efluxo de K+ leva o Vm de volta próximo ao EK. (d) O potencial de repouso é restaurado quando Vm = EK. PARTE I Fundamentos92 difícil em neurônios reais. Uma técnica-chave para isso é chamada de fixação de voltagem (do inglês, voltage clamp), inventada pelo fisiologista americano Kenneth C. Cole e utilizada em experimentos decisivos realizados pelos fisio- logistas da Universidade de Cambridge, Alan Hodgkin e Andrew Huxley, por volta de 1950. A fixação de voltagem permitiu a Hodgkin e Huxley “fixar” o potencial de membrana de um axônio em qualquer valor que escolhessem. Eles podiam, então, calcular as mudanças que ocorriam na condutância da mem- brana em diferentes potenciais a partir das correntes que fluíam através dela. Em uma série de experimentos, Hodgkin e Huxley mostraram que a fase ascen- dente do potencial de ação era causada pelo aumento transitório na gNa com um influxo de Na+. e que a fase descendente do potencial de ação estava associada com o aumento transitório na gK e no efluxo de K+. Suas descobertas foram reconhecidas com o prêmio Nobel de 1963. Para explicar as alterações transitórias na gNa, Hodgkin e Huxley propuse- ram a existência de canais com portão na membrana axonal. A hipótese era de que esses portões eram “ativados” (abertos) por despolarização acima do limiar e “inativados” (fechados e bloqueados) quando a membrana adquiria um potencial positivo. Esses portões eram “inativados” (fechados, desbloqueados e com habilidade de reabrir) somente depois de o potencial de membrana ter atingido novamente valores negativos. É um tributo a Hodgkin e Huxley que suas hipóteses sobre os portões de membrana se anteciparam mais de 20 anos à demonstração direta de canais proteicos dependentes de voltagem na membrana neuronal. Temos uma nova compreensão de canais de membrana dependentes de voltagem devido a dois grandes avanços científicos recentes. Primeiro, novas técnicas da biologia mole- cular permitiram aos neurocientistas determinar a estrutura detalhada des- sas proteínas. Segundo, novas técnicas neurofisiológicas permitiram aos neu- rocientistas medir as correntes iônicas que passam através de um único canal isolado (“registro unitário”). Assim, seguiremos estudando o potencial de ação abordando esses canais iônicos de membrana. O Canal de Sódio Dependente de Voltagem O canal de sódio dependente de voltagem tem um nome bastante adequado. A proteína forma um poro na membrana e é altamente seletiva ao Na+, e o poro abre e fecha de acordo com alterações na voltagem da membrana. Estrutura do Canal de Sódio. O canal de sódio dependente de voltagem é criado a partir de um único e longo polipeptídeo. A molécula possui quatro domínios distintos, numerados de I a IV; cada domínio consiste em seis segmen- tos de α-hélice transmembrana, numerados de S1 a S6 (Figura 4.7). Os quatro domínos se unem para formar um poro entre eles. O poro fica fechado quando a membrana está em seu potencial de repouso negativo. Quando a membrana é despolarizada até o limiar, entretanto, a molécula sofre uma alteração confor- macional para permitir a passagem de Na+ através do poro (Figura 4.8). Assim como o canal de potássio, o canal de sódio apresenta, junto ao poro, alças que se organizam para formar um filtro seletivo. Esse filtro faz o canal de sódio doze vezes mais permeável ao Na+ do que ao K+. Aparentemente, os íons de Na+ são desprovidos de quase todas as suas moléculas de água associadas durante a sua passagem pelo canal. A água retida, que serve como uma espécie de “acompanhante”* molecular para o íon, é necessária para que ele passe pelo filtro de seletividade. O complexo íon-água pode, então, ser utilizado para sele- cionar Na+ e excluir K+ (Figura 4.9). O canal de sódio é ativado por uma alteração na voltagem através da mem- brana. Sabe-se, hoje, que o sensor de voltagem reside no segmento S4 da molécula. *N. de T. Do inglês chaperone. CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 93 + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + (a) (b) (c) S1 S2 S3 S4 S5 S6 Meio intracelular N C Meio extracelular I II III IV Alça do poro Portão Sensor de voltagem Filtro de seletividade FIGURA 4.7 Estrutura do canal de sódio dependente de voltagem. (a) Acredita-se que a cadeia polipep- tídica do canal de sódio esteja colocada dessa maneira na membrana. A molécula consiste em quatro domínios, I a IV. Cada domínio consiste em 6 α-hélices (representadas em cilindros azul e púrpura), que atravessam a membrana. (b) Visão expandida de um domínio, mostrando o sen- sor de voltagem da α-hélice S4 e a alça do poro (em vermelho), que contribui para o filtro de seletividade. (c) Uma visão da molécula mostrando como os domínios podem se arranjar para formar um poro entre eles. (Fonte: adaptada de Armstrong e Hille, 1998, Fig. 1.) PARTE I Fundamentos94 Nesse segmento, resíduos de aminoácidos carregados positivamente estão posi- cionados regularmente ao longo das voltas da α-hélice. Assim, o segmento inteiro pode ser forçado a mover-se quando se muda o potencial de membrana. A despo- larização empurra o S4 do interior da membrana para fora, e essa mudança con- formacional na molécula faz o portão se abrir. Propriedades Funcionais do Canal de Sódio. Uma pesquisa realizada por volta de 1980,no Instituto Max Planck, em Goettingen, Alemanha, reve- lou as propriedades funcionais dos canais de sódio dependentes de voltagem. Um novo método, chamado de fixação de membrana (patch-clamp), foi utili- zado para estudar correntes iônicas que passam através de canais iônicos indi- viduais (Quadro 4.3). O método de patch-clamp consiste em selar a ponta de um eletrodo a uma pequena “porção” da membrana da célula. Essa porção pode, então, ser retirada da membrana e a corrente iônica através dela pode ser medida quando o potencial de membrana for fixado a qualquer valor determi- nado pelo experimentador. Com sorte, aquela pequena porção de membrana conterá apenas um único canal, e o comportamento desse canal poderá ser estudado. O método de patch-clamp possibilitou a investigação de propriedades funcionais dos canais de sódio dependentes de voltagem. A mudança de potencial de membrana em uma porção da membrana axo- nal de − 80 a − 65 mV provoca pouco efeito nos canais de sódio dependen- tes de voltagem. Eles permanecem fechados porque a despolarização da mem- brana ainda não atingiu o limiar. A mudança de potencial de membrana de − 65 a − 40 mV, entretanto, causa a rápida abertura desses canais. Como mos- trado na Figura 4.10, os canais de sódio dependentes de voltagem apresentam um padrão de comportamento característico: 1. Eles abrem com pouco atraso (ativação rápida). 2. Eles permanecem abertos por cerca de 1 ms e, então, fecham-se (são inativados). 3. Eles não podem ser abertos novamente mediante despolarização até que o potencial de membrana retorne para um valor negativo próximo ao limiar. Um modelo hipotético de como alterações conformacionais no canal de sódio dependente de voltagem possam explicar essas propriedades está ilus- trado na Figura 4.10c. Um único canal não determina um potencial de ação. A membrana do axô- nio pode conter milhares de canais de sódio dependentes de voltagem por micrô- metro quadrado (µm2), e a ação orquestrada de todos esses canais é necessária para gerar o que medimos como potencial de ação. Apesar disso, é interessante observar que inúmeras propriedades do potencial de ação podem ser explicadas pelas propriedades do canal de sódio dependente de voltagem. Por exemplo, o fato de que canais unitários não abrem até que um nível crítico de despolariza- ção da membrana seja atingido explica o limiar do potencial de ação. A abertura rápida dos canais em resposta à despolarização explica por que a fase ascen- dente do potencial de ação ocorre tão rapidamente. E o curto perío do durante O H H H H O Na+ K+ 0 ,5 n m Tamanho do filtro de seletividade do canal de sódio Tamanho do íon Na+ parcialmente hidratado Tamanho do íon K+ parcialmente hidratado FIGURA 4.9 Dimensões do filtro de seletividade do canal de sódio. A água acompanha os íons à medida que estes passam através do canal. Na+ hidratado cabe; K+ hidratado não. (Fonte: adaptada de Hille, 1992, Figs. 5, 6.) FIGURA 4.8 Um modelo hipotético para a mu- dança de configuração do canal de sódio pela despolarização da mem- brana. + + + + + + + + + + + + + + + + Poro fechado – 65 mV – 40 mV Poro aberto CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 95 o qual os canais permanecem abertos antes de serem inativados (cerca de 1 ms) explica, em parte, por que o potencial de ação é tão breve. Além disso, a inati- vação dos canais é responsável pelo período refratário absoluto: outro potencial de ação não pode ser gerado até que os canais sejam ativados. Existem diversos genes para os canais de sódio no genoma humano. Dife- renças na expressão desses genes entre os neurônios podem levar a sutis, porém importantes, variações nas propriedades do potencial de ação. O Método de Fixação de Membrana (Patch-Clamp) A própria existência dos canais dependentes de voltagem na membrana neuronal era uma mera conjectura até que mé- todos foram desenvolvidos para se estudar os canais proteicos individualmente. Um novo e revolucionário método, o método de fixação de membrana (patch-clamp), foi desenvolvido pelos neurocientistas alemães Bert Sakmann e Erwin Neher na me- tade da década de 1970. Em reconhecimento por sua contri- buição, Sakmann e Neher receberam o Prêmio Nobel, em 1991. Esse método permite que se registrem correntes iônicas atravessando por um único canal (Figura A). O primeiro passo é descer o eletrodo de registro (micropipeta de vidro com ponta polida por calor com 1–5 µm de diâmetro), até alcançar a membrana dos neurônios (parte a), e, então, aplicar uma sucção na ponta do eletrodo (parte b). A borda entre as pa- redes do eletrodo e a porção de membrana adjacente ficam seladas. Essa selagem de magnitude “gigaohm” (assim de- nominada devido à sua alta resistência: > 109 Ω) permite aos íons no eletrodo seguirem somente um caminho, através dos canais que estão na porção da membrana em contato com o eletrodo. Se o eletrodo é retirado da célula, aquela porção de membrana adjacente pode ser arrancada (parte c), e corren- tes iônicas podem ser medidas quando voltagens constantes são aplicadas através da membrana (parte d). Com um pouco de sorte, podemos registrar correntes fluindo através de um único canal. Se a porção da membrana contém canal de sódio dependente de voltagem, por exem- plo, a alteração do potencial de membrana de − 65 a − 40 mV causará a abertura do canal e, consequentemente, fluxo de corrente (I) (parte e). A amplitude da corrente medida em uma voltagem constante na membrana reflete a condutância do canal, e a duração da corrente reflete o tempo em que o canal está aberto. Registros utilizando fixação de membrana revelam que a maior parte dos canais oscila entre dois estados de condu- tância, que podem ser interpretados como abertos ou fecha- dos. O tempo em que eles permanecem abertos pode variar, mas o valor de condutância de um único canal permanece o mesmo, e diz-se, então, que ele é unitário. Os íons podem passar através de um único canal a uma taxa surpreendente – bem acima de um milhão por segundo. A L I M E N T O P A R A O C É R E B R O QUADRO 4.3 Ponta da pipeta (b) (c) (d) (a) (e) Canal de sódio (fechado) Mudança na voltagem através de uma porção da membrana Canal de sódio (aberto) Neurônio Pipeta Vm Canal aberto Canal fechado Saída I Entrada – 65 mV Selagem gigaohm Na+ Figura A PARTE I Fundamentos96 Recentemente, mostrou-se que mutações em um único aminoácido da região extracelular de um canal de sódio causava um distúrbio geneticamente trans- missível comum em crianças, a epilepsia generalizada com crises febris. Cri- ses epilépticas resultam de uma atividade elétrica súbita e altamente sincro- nizada de neurônios no encéfalo. (A epilepsia será discutida em detalhes no Capítulo 19.) As crises nesse caso ocorrem em resposta à febre (do latim, febrile). Em geral, elas ocorrem no início da infância, entre 3 meses e 5 anos de idade. Embora não se saiba precisamente como a temperatura desencadeia as crises no encéfalo, um dos efeitos das mutações é o atraso na inativação dos canais de sódio dependentes de voltagem, prolongando o potencial de ação. Epilepsia generalizada com crises febris é uma canalopatia, uma doença gené- tica humana causada por alterações na estrutura e função dos canais iônicos. Os Efeitos de Toxinas sobre os Canais de Sódio. Pesquisadores da Universidade Duke descobriram, em 1960, que a toxina isolada de ovários do baiacu (Figura 4.11) poderia seletivamente bloquear os canais de sódio. A tetrodotoxina (TTX) obstrui o poro de canal permeável ao Na+ ligando-se for- temente a um sítio específico no lado externo do canal. A TTX bloqueia todos os potenciais de ação que são dependentes de sódio e, em geral, é fatal quando ingerida. Apesar disso, o baiacu é considerado uma iguaria no Japão. Sushi chefs licenciados pelo governo treinam por anos a preparar o sushi de baiacu, de forma que quando ingerido provoca somente um adormecimentoao redor da boca. Isso que é se aventurar comendo! A TTX é uma entre as várias toxinas naturais que interferem com a função do canal de sódio dependente de voltagem. Outra toxina bloqueadora de canais FIGURA 4.10 A abertura e o fechamento dos ca- nais de sódio com a despolarização da membrana. (a) Esse traçado mos- tra o potencial elétrico através de uma porção da membrana. Quando o poten- cial de membrana altera de − 65 para − 40 mV, os canais de sódio dependen- tes de voltagem abrem rapidamente. (b) Esses traçados mostram como três canais diferentes respondem à altera- ção de voltagem. Cada linha é o regis- tro da corrente elétrica que flui através de um único canal. A − 65 mV, os ca- nais estão fechados, então não há flu- xo de corrente. Quando a membrana é despolarizada a − 40 mV, os canais abrem brevemente e a corrente entra através deles, representado pela defle- xão para baixo nos traçados das cor- rentes. Embora haja variabilidade entre os canais, todos abrem com um pe- queno atraso e permanecem abertos por pelo menos 1 ms. Obeserve que, depois de abertos, eles fecham e per- manecem fechados enquanto o poten- cial de membrana Vm é mantido em um estado despolarizado. O fechamen- to do canal de sódio pela despolari- zação estável e continuada é chama- do de inativação. Para reengatilhar os canais, a membrana tem de voltar ao potencial de repouso de − 65 mV. (c) Um modelo por meio do qual mu- danças na conformação da proteína do canal de sódio poderiam explicar suas propriedades funcionais. O ca- nal fechado abre-se com a despola- rização da membrana. A inativação ocorre quando uma porção globular da proteína gira para cima e oclui o poro. O reengatilhamento ocorre quando a porção globular se afasta, e o poro se fecha pelo movimento dos domínios transmembrana. Corrente de entrada Corrente de entrada Corrente de entrada (a) Na+ 1 2 3 (b) (c) Canal fechado Canal aberto Vm – 40 mV 5 ms – 65 mV 4 Canal de sódio 21 3 4 Membrana CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 97 é a saxitoxina, produzida pelo dinoflagelado do gênero Gonyaulax. A saxitoxina é encontrada mais concentrada em mariscos, mexilhões e outros moluscos que se alimentam desses protozoários marinhos. Ocasionalmente, os dinoflagelados reproduzem-se, causando o que é conhecido como “maré vermelha”. A ingestão de moluscos nesses períodos pode ser fatal, devido à alta concentração da toxina. Além das toxinas que bloqueiam canais de sódio, certos compostos interfe- rem no funcionamento do sistema nervoso, pois causam a abertura dos canais de maneira inapropriada. Nessa categoria, existe também a batracotoxina, iso- lada da pele da rã de espécie colombiana. A batracotoxina faz os canais se abri- rem em potenciais mais negativos e permanecerem abertos por um período muito mais longo do que o normal, de forma a prejudicar a codificação da informação pelos potenciais de ação. Toxinas produzidas por lírio (veratridina) e ranúnculus (aconitina) têm mecanismo de ação similar. A inativação do canal de sódio é também perturbada por toxinas de escorpiões e anêmonas marinhas. O que podemos aprender dessas toxinas? Primeiro, as diferentes toxinas perturbam a função do canal ao se ligarem a diferentes sítios na proteína. Infor- mações acerca da ligação de toxinas e suas consequências têm ajudado os pes- quisadores a deduzirem a estrutura tridimensional do canal de sódio. Segundo, as toxinas podem ser utilizadas como ferramentas experimentais para estudar as consequências do bloqueio dos potenciais de ação. Por exemplo, como vere- mos em capítulos subsequentes, TTX é comumente utilizada em experimentos que necessitam de bloqueio de impulso no nervo ou no músculo. A terceira e mais importante lição obtida do estudo das toxinas? Tenha cuidado com aquilo que você coloca em sua boca! Os Canais de Potássio Dependentes de Voltagem Os experimentos de Hodgkin e Huxley indicaram que a fase descendente do potencial de ação poderia ser explicada somente em parte pela inativação da gNa. Eles também descobriram um aumento transitório na gk, que acelerava a restauração do potencial de membrana negativo após o pico. Eles postularam a existência de portões de potássio na membrana que, assim como os portões de sódio, abrem em resposta à despolarização da membrana. Contudo, diferen- temente dos portões de sódio, os portões de potássio não se abrem imediata- mente após a despolarização: é necessário cerca de 1 ms para que eles se abram. FIGURA 4.11 O baiacu, fonte de TTX. (Fonte: corte- sia do Dr. Toshio Narahashi, Universi- dade Duke.) PARTE I Fundamentos98 Devido a esse retardo e ao fato de a condutância de potássio servir para retifi- car, ou restabelecer o potencial de membrana, essa condutância foi chamada de retificadora com retardo *. Hoje, sabemos que há muitos tipos de canais de potássio dependentes de voltagem. Muitos deles se abrem quando a membrana é despolarizada, agindo para diminuir qualquer despolarização extra ao proporcionarem a saída de K+ do interior da célula através da membrana. Os canais de potássio dependentes de voltagem conhecidos têm uma estrutura similar. As proteínas desses canais consistem em quatro subunidades polipeptídicas separadas que se reúnem, for- mando um poro. De forma semelhante aos canais de sódio, essas proteínas são sensíveis às mudanças no campo elétrico presente na membrana. Quando a membrana é despolarizada, as subunidades parecem mudar de conformação, permitindo que o K+ passe através do poro. Montando o Quebra-Cabeça Chegamos ao ponto em que podemos usar o que aprendemos sobre íons e canais para explicar as propriedades-chave dos potenciais de ação (Figura 4.12). Limiar. É o potencial de membrana no qual um número suficiente de canais de sódio dependentes de voltagem se abre, de forma que a permeabilidade iônica relativa da membrana favoreça o sódio sobre o potássio. Fase ascendente. Quando o meio interno da membrana tem um potencial elétrico negativo, existe uma grande força motriz para o Na+. Dessa forma, o Na+ se difunde rapidamente para dentro da célula através dos canais de sódio dependentes de voltagem abertos, causando uma rápida despolariza- ção da membrana. Ultrapassagem. Uma vez que a permeabilidade relativa da membrana favo- rece significativamente o sódio, o potencial de membrana atinge um valor próximo do ENa, que é maior do que 0 mV. Fase descendente. O comportamento de dois tipos de canais colabora para a fase descendente de repolarização. Primeiro, os canais de sódio dependentes de voltagem são inativados. Segundo, os canais de potássio dependentes de voltagem finalmente terminam de se abrir (o mecanismo para isso é dispa- rado 1 ms antes pela despolarização da membrana). Existe uma grande força motriz para o K+ quando a membrana é fortemente despolarizada. Assim, o K+ se difunde rapidamente para fora da célula através dos canais de potássio dependentes de voltagem abertos, fazendo o potencial de membrana se tor- nar negativo novamente. Hiperpolarização pós-potencial. Os canais de potássio dependentes de volta- gem que estão abertos aumentam ainda mais a permeabilidade ao potássio em relação ao que era quando a membrana estava em repouso. Uma vez que há pouca permeabilidade ao sódio, o potencial de membrana muda em direção ao EK, causando uma hiperpolarização em relação ao potencial de repouso da membrana até que os canais de potássio dependentes de volta- gem completem seu fechamento. Período refratário absoluto. Os canais de sódio são inativados quando a membrana se torna fortemente despolarizada. Esses canais não podem se abrir novamente, e outro potencial de ação não pode ser gerado até que o potencial de membrana esteja suficientemente negativo para fechar os canais e torna-los aptos a serem ativados novamente. Período refratário relativo. A membrana permanece hiperpolarizada até que os canais de potássio dependentes de voltagemfechem. Dessa forma, mais corrente despolarizante é necessária para levar o potencial de membrana ao limiar. *N. de T. Do inglês, delayed rectifier. CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 99 (a) (b) (c) (d) (e) (f) Correntes através de canais de sódio dependentes de voltagem Correntes através de canais de potássio dependentes de voltagem Somatório das correntes de K+ através de todos os canais Somatório das correntes de Na+ através de todos os canais Efluxo de K+ Influxo de Na+ Corrente transmembrana Corrente de entrada In fl u x o d e N a + E flu x o d e K + Corrente de saída Corrente de saída Corrente de entrada FIGURA 4.12 A base molecular do potencial de ação. (a) Mudan- ça do potencial de membrana durante o tempo em que ocorre um potencial de ação. A fase ascendente do po- tencial de ação é causada pelo influxo de Na+ através de centenas de canais de sódio dependentes de voltagem. A fase descendente é causada pela inativação dos ca- nais de sódio dependentes de voltagem e o efluxo de K+ através de canais de potássio dependentes de voltagem. (b) As correntes de entrada através de três representati- vos canais de sódio dependentes de voltagem. Cada ca- nal se abre com pequeno retardo quando a membrana está despolarizada até o limiar. Os canais permanecem abertos por não mais do que 1 ms e, então, são inativa- dos. (c) O somatório das correntes de Na+ fluindo através de todos os canais de sódio. (d) As correntes de saída através de três representativos canais de potássio depen- dentes de voltagem. Os canais de potássio dependentes de voltagem se abrem cerca de 1 ms após a membrana estar despolarizada até o limiar e permanecem abertos enquanto a membrana estiver despolarizada. A alta per- meabilidade ao potássio faz a membrana se hiperpolarizar por algum tempo. Quando os canais de potássio depen- dentes de voltagem se fecham, o potencial de mem- brana volta ao valor de repouso, de aproximadamente − 65 mV. (e) O somatório das correntes de K+ fluindo através de todos os canais de potássio. (f) A corrente transmembrana durante o potencial de ação (soma das partes c e e). Vimos que os canais e o movimento de íons através deles podem explicar as propriedades do potencial de ação. No entanto, é importante lembrar que a bomba de sódio e potássio também está trabalhando em silêncio no pano de fundo deste cenário. Imagine que a entrada de Na+ durante cada potencial de ação seja como uma onda caindo sobre a proa de um barco que navega em mares tempestuosos. Assim como a ação contínua da bomba que desalaga a embarca- ção, a bomba de sódio e potássio trabalha o tempo todo para transportar o Na+ PARTE I Fundamentos100 através da membrana de volta ao exterior da célula. A bomba mantém os gra- dientes de concentração iônica que impulsionam o Na+ e o K+ atráves de seus respectivos canais durante o potencial de ação. A CONDUÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO Para transferir informação de um ponto a outro no sistema nervoso, é necessá- rio que o potencial de ação, uma vez gerado, seja conduzido ao longo do axônio. Esse processo é como a queima de um pavio. Imagine que você esteja segurando um rojão com um fósforo aceso no final do pavio. O pavio pega fogo quando se torna suficientemente quente (ultrapassa algum limiar). A chama aquece o seg- mento de pavio que se segue até que ele pegue fogo e, dessa forma, a chama faz seu caminho ao longo do pavio. Observe que o pavio que é aceso em uma extre- midade apenas queima em um sentido: a chama não pode retornar por onde veio porque o material inflamável logo atrás já foi queimado. A propagação de um potencial de ação ao longo do axônio é semelhante à propagação da chama ao longo do pavio. Quando uma porção da membrana axonal é despolarizada suficientemente para atingir o limiar, os canais de sódio dependentes de voltagem se abrem e o potencial de ação é iniciado. O influxo de carga positiva se difunde dentro do axônio e despolariza os segmentos adja- centes da membrana, e quando atinge o limiar, os canais de sódio dependentes de voltagem se abrem nessa porção da membrana. (Figura 4.13). Dessa forma, o potencial de ação faz seu caminho ao longo do axônio até alcançar o termi- nal axonal, assim iniciando a transmissão sináptica (discutida no Capítulo 5). Um potencial de ação iniciado em uma extremidade de um axônio apenas se propaga em um sentido; ele não volta pelo caminho já percorrido. Isso ocorre porque a membrana por onde passou está refratária como resultado da inativação dos canais de sódio recém-utilizados. Em geral, os potenciais de ação se condu- zem em apenas uma direção, do cone do axônio, próximo ao corpo celular, para o axônio terminal; chamada de condução ortodrômica. Entretando, semelhante ao fusil, o potencial de ação pode gerar uma despolarização vizinha e, portanto, pro- pagar para qualquer direção. A retropropagação, provocada experimentalmente, é chamada de condução antidrômica. Observe que, uma vez que a membrana axo- nal é excitável (capaz de gerar potenciais de ação) ao longo de toda a sua extensão, o potencial propagar-se-á sem decaimento. O pavio funciona do mesmo modo A CONDUÇÃÃO DO POTENCIALL DE AÇÃO FIGURA 4.13 Condução do potencial de ação. A entrada de cargas positivas durante o potencial de ação causa a despola- rização da membrana até o limiar logo a sua frente. + ++ + + + + + + + + + Tempo zero 1 ms após 2 ms após 3 ms após CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 101 porque é inflamável ao longo de toda a sua extensão. Contudo, diferentemente do pavio, o axônio pode regenerar sua capacidade de disparo. As velocidades de condução do potencial de ação variam, mas 10 m/s é uma taxa típica. Lembre-se, o potencial de ação dura em torno de 2 ms, desde o iní- cio até o fim. A partir disso, podemos calcular o comprimento da membrana que está envolvida no potencial de ação a qualquer instante: 10 m/s × 2 × 10–3 s = 2 × 10–2 m. Assim, um potencial de ação andando a 10 m/s ocorre sobre uma extensão de 2 cm de axônio. Fatores que Influenciam a Velocidade de Condução Lembre-se que a corrente de entrada de Na+ durante o potencial de ação des- polariza a porção de membrana adjacente. Quando essa porção de membrana atingir o limiar, os canais de sódio dependentes de voltagem irão se abrir, e, assim, o potencial de ação “queimará” ao longo da membrana. A velocidade na qual o potencial de ação se propaga ao longo do axônio depende de quão longe a despolarização se projeta à frente do potencial de ação, o que, por sua vez, depende de certas características físicas do axônio. Imagine que o influxo de cargas positivas para o interior do axônio seja como abrir a água em uma mangueira de jardim furada. Existem duas vias pelas quais a água pode seguir: direto pelo interior da mangueira ou através dos furos dela. Quanta água vai por cada caminho depende de sua resistência relativa; a maior parte da água percorrerá o caminho de menor resistência. Se a mangueira for estreita e os furos forem numerosos e grandes, a maior parte da água fluirá através desses furos. Se a mangueira for larga e os furos em pequeno número e pequenos, a maior parte da água fluirá pela interior da mangueira. Os mesmos princípios se aplicam à propagação da corrente positiva ao longo do axônio à frente do potencial de ação. Existem duas vias pelas quais a carga positiva pode se difundir: pelo interior do axônio ou através dos canais da membrana axonal. Se o axônio for estreito e houver muitos poros abertos na membrana, a maior parte da corrente fluirá através da membrana. Se o axônio for largo e houver poucos poros abertos na membrana, a maior parte da corrente fluirá pelo interior do axônio. Quanto mais longe a corrente se propagar ao longo do axônio, mais longe o potencial de ação despolarizará a sua frente e mais rápido ele se propagará. Como regra, portanto, a velocidade de condução do potencial de ação aumenta com o diâ-metro axonal. Como consequência dessa relação entre diâmetro axonal e velocidade de condução, vias neurais importantes para a sobrevivência desenvolveram axô- nios anormalmente largos durante o processo evolutivo. Um exemplo é o axônio gigante da lula, que é uma parte de uma via que medeia um reflexo de fuga em resposta a uma forte estimulação sensorial. O axônio gigante da lula pode che- gar a ter 1 mm de diâmetro, tão grande que originariamente se pensou que fosse parte do sistema circulatório do animal. As Neurociências têm um débito para com o zoólogo britânico J. Z. Young, que, em 1939, chamou a atenção para o axô- nio gigante da lula como uma promissora preparação experimental para o estudo biofísico da membrana neuronal. Hodgkin e Huxley usaram essa preparação para elucidar as bases iônicas do potencial de ação, e o axônio gigante continua a ser utilizado até hoje em uma grande variedade de estudos neurobiológicos. O tamanho axonal e o número de canais dependentes de voltagem na mem- brana também afetam a excitabilidade neuronal. Axônios menores necessitam de uma maior despolarização para alcançar o limiar do potencial de ação e são mais sensíveis ao bloqueio por anestésicos locais (Quadro 4.4). PARTE I Fundamentos102 Anestesia Local Embora você tenha tentado ser forte, já não aguenta mais. Por fim, você se rende à dor de dente e procura seu den- tista. Felizmente, a pior parte de se ter de fazer uma restau- ração é a picada na gengiva causada pela agulha. Após a injeção, sua boca fica dormente e você sonha enquanto o dentista perfura e repara os seus dentes. O que foi injetado e como é que isso funciona? Anestésicos locais são fármacos que bloqueiam tempo- rariamente os potenciais de ação nos axônios. Eles são ditos “locais” porque são injetados diretamente no tecido onde a anestesia – a ausência de sensação – é desejada. Axônios pequenos, disparando vários potenciais de ação, são mais sensíveis ao bloqueio da condução por anestésicos locais. O primeiro anestésico local introduzido na prática mé- dica foi a cocaína. Esse composto foi originalmente isolado das folhas da coca, em 1860, pelo médico alemão Albert Niemann. Conforme o costume dos farmacologistas de seu tempo, Niemann testou o novo composto e descobriu que causava dormência em sua língua. Logo foi descoberto que a cocaína também possui propriedades tóxicas e aditi- vas. (O efeito comportamental da cocaína foi estudado por outro médico bem conhecido da época, Sigmund Freud. A cocaí na altera o humor por um mecanismo diferente da- quele responsável por sua ação de anestésico local, como veremos no Capítulo 15.) A procura por um anestésico sintético adequado para substituir a cocaína levou ao desenvolvimento da lidocaí na, que é atualmente o anestésico local mais utilizado. A lido- caína pode ser dissolvida em gel e ser passada na mem- brana mucosa da boca (e em outros locais) para anestesiar as terminações nervosas (chamada de anestesia tópica); pode ser injetada diretamente no tecido (anestesia por infil- tração) ou no nervo (bloqueio do nervo); pode também ser infundida no líquido cerebrospinhal que banha a medula espinhal (anestesia espinhal), onde pode anestesiar uma extensa parte do corpo. A lidocaína e outros anestésicos locais previnem a gera- ção de potenciais de ação ao se ligarem a canais de sódio dependentes de voltagem. O sítio de ligação para a lidocaína foi identificado como o segmento de α-hélice S6 do domínio IV da proteína (Figura A). A lidocaína não tem acesso a esse sítio pelo lado de fora. O anestésico deve, primeiramente, cruzar a membrana axonal e, então, passar através do portão aberto do canal para encontrar seu sítio de ligação no interior do poro. Isso explica por que nervos ativos são bloqueados mais rapidamente (os portões do canal de sódio são abertos mais rápido). A lidocaína ligada interfere com o fluxo de Na+ que normalmente resulta da despolarização.. Axônios menores são afetados por anestésicos locais mais rapidamente do que axônios maiores, uma vez que seus potenciais de ação têm menor margem de segurança; um número maior de canais de sódio dependentes de voltagem deve funcionar para assegurar que o potencial de ação não falhe à medida que percorre o axônio. Essa maior sensibili- dade dos axônios pequenos aos anestésicos locais é uma vantagem na prática clínica. Como veremos no Capítulo 12, são as fibras pequenas que transmitem informação relativa a estímulos dolorosos, como uma dor de dente. CO CH2 C2H5C2H5 CH3H3C N NH α-Hélice S6 Sítios de ligação da lidocaína Lidocaína N Canal de sódio dependente de voltagem C I II III IV Figura A Mecanismo de ação da lidocaína. (Fonte: adaptada de Hardman, et al., 1996, Fig. 15-3.) D E E S P E C I A L I N T E R E S S E QUADRO 4.4 CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 103 Mielina e Condução Saltatória O que há de bom acerca dos axônios “gordos” é que eles conduzem o poten- cial de ação mais depressa; o ruim é que eles ocupam muito espaço. Se todos os axônios em seu encéfalo tivessem o diâmetro do axônio gigante da lula, sua cabeça seria grande demais para passar pela porta de um celeiro. Felizmente, vertebrados apresentaram outra solução para aumentar a velocidade de condu- ção: envolver o axônio com um isolante chamado de mielina (ver Capítulo 2). A bainha de mielina consiste em muitas voltas de membrana fornecidas por células gliais, as células de Schwann no sistema nervoso periférico (fora do encéfalo e da medula espinhal) e os oligodendrócitos no sistema nervoso cen- tral. Assim como envolver a mangueira perfurada do jardim com uma fita de vedação facilita o fluxo de água pelo seu interior, a mielina facilita o fluxo de corrente pelo interior do axônio, aumentando, assim, a velocidade de condução do potencial de ação (Quadro 4.5). A bainha de mielina não se estende continuamente ao longo de todo o axô- nio. Existem quebras no isolamento, onde os íons podem atravessar a mem- brana para gerar potenciais de ação. Lembre-se do que foi visto no Capítulo 2, que essas quebras de mielina são os nódulos de Ranvier (Figura 4.14). Canais de sódio dependentes de voltagem estão concentrados na membrana desses nódu- los. A distância entre nódulos é, em geral, de 0,2 a 2 mm, dependendo do tama- nho do axônio (axônios largos têm maiores distâncias internodais). Imagine que o potencial de ação viajando através da membrana axonal seja como você caminhando pela calçada. A condução do potencial de ação sem a mielina seria como caminhar ao longo do caminho em passos muito peque- nos, utilizando cada polegada da calçada para colocar os pés. Em contrapar- tida, a condução com mielina seria como ir andando a passos largos ao longo Esclerose Múltipla, uma Doença Desmielinizante A importância crítica da mielina para a transferência normal de informação no sistema nervoso humano é revelada pela doença neurológica conhecida como esclerose múltipla (EM). Vítimas da EM queixam-se com frequência de fraqueza, falta de coordenação e dificuldades de visão ou de fala. A doença é caprichosa, marcada normalmente por melhoras e pioras ocasionais que ocorrem no decurso de muitos anos. Embora a causa exata da EM ainda não seja bem conhecida, a causa dos distúrbios sensoriais e motores está bastante clara. A EM ataca as bainhas de mielina dos feixes de axô- nios do encéfalo, da medula espinhal e dos nervos ópticos. A palavra esclerose é derivada do grego para definir “endu- recimento”, que descreve as lesões que se desenvolvem ao redor de feixes de axônios, e a esclerose é múltipla porque a doença atinge muitos sítios no sistema nervoso ao mesmo tempo. Lesões no encéfalo podem ser visualizadas de forma não invasiva por meio da utilização de novos métodos, como a ressonância magnética (RM). Os neurologistas, entretanto, foram por vários anos capazes de diagnosticar EM utilizando o fato de que a mielina é importantepara o sistema nervoso por aumentar a velocidade de condução axonal. Um teste simples envolve estimular o olho com uma figura com padrão quadriculado e medir o tempo até que a resposta elétrica seja registrada com um eletrodo no escalpo na região do encé- falo responsável pela visão, o córtex occipital, alvo para os estímulos conduzidos pelo nervo óptico. Pessoas com EM caracteristicamente têm um retardo na velocidade de condu- ção do nervo óptico. Outra doença desmielinizante, chamada de síndrome de Guillain-Barré, possui acometimento da mielina dos nervos periféricos que inervam os músculos e a pele. Essa doença pode se seguir a doenças infecciosas ou inoculações leves e parece resultar de uma resposta imune anômala contra a própria mielina. Os sintomas derivam diretamente do retardo e/ou da falha na condução do potencial de ação nos axônios que inervam os músculos. Esse déficit de condução pode ser demonstrado clinicamente pelo estímulo elétrico de ner- vos periféricos através da pele, medindo-se, então, o tempo decorrido para evocar uma resposta (p. ex., um movimento brusco em um músculo). Tanto a EM quanto a síndrome de Guillain-Barré são caracterizadas por um profundo retardo no tempo de resposta, uma vez que a condução saltatória está prejudicada. D E E S P E C I A L I N T E R E S S E QUADRO 4.5 PARTE I Fundamentos104 do caminho. Em axônios mielinizados, o potencial de ação pula de um nódulo a outro (Figura 4.15). Esse tipo de propagação do potencial de ação é chamado de condução saltatória. POTENCIAIS DE AÇÃO, AXÔNIOS E DENDRITOS Potenciais de ação do tipo discutido neste capítulo são principalmente uma característica de axônios. Em geral, as membranas dos dendritos e dos corpos celulares neuronais não geram potenciais de ação causados pelo sódio, uma vez que possuem muito poucos canais de sódio dependentes de voltagem. POTEENCIAISS DE AÇÃO, AXÔNIIOS E DENDRITOS Axônio Nódulo de Ranvier Bainha de mielina FIGURA 4.14 A bainha de mielina e o nódulo de Ranvier. O isolamento elétrico fornecido pela mielina ajuda a acelerar a condução do potencial de ação de um nódulo a outro. Canais de sódio de- pendentes de voltagem estão concentrados na membrana axonal nos nódulos de Ranvier. + ++ + ++ Bainha de mielina Nódulo de Ranvier Axônio Tempo zero 1 ms após FIGURA 4.15 A condução saltatória. A mielina permite que a corrente se estenda para mais longe e de forma mais rápida entre os nódulos, acelerando a condução do potencial de ação. Comparar esta figura com a Figura 4.12. CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 105 Apenas membranas que possuem essas moléculas proteicas especializa- das são capazes de gerar potenciais de ação, e esse tipo de membrana excitá- vel é normalmente encontrado apenas em axônios. Assim, a parte do neurô- nio onde o axônio se origina do corpo celular, o cone de implantação axonal, é frequentemente também chamada de zona de gatilho. Em um neurônio típico no encéfalo ou na medula espinhal, a despolarização dos dendritos e do corpo celular, causada pelo estímulo sináptico de outros neurônios, leva à geração de potenciais de ação se a membrana do cone de implantação axonal for despola- rizada além do limiar (Figura 4.16a). Na maioria dos neurônios sensoriais, no entanto, a zona de gatilho de potencial de ação ocorre perto da terminação ner- vosa sensorial, onde a despolarização causada pela estimulação sensorial leva à geração de potenciais de ação que se propagam ao longo do nervo sensorial (Figura 4.16b). No Capítulo 2, aprendemos que axônios e dendritos diferem em sua mor- fologia. Agora, aprendemos que são funcionalmente diferentes e que essa dife- rença de função é especificada no nível molecular pelo tipo de proteína que há na membrana neuronal. Diferenças nos tipos e densidade de canais iônicos na membrana podem também ser responsáveis pelas propriedades elétricas carac- terísticas de diferentes tipos de neurônios (Quadro 4.6). Célula piramidal Membrana com alta densidade de canais de sódio dependentes de voltagem Neurônio sensorial Zona de gatilho: terminal nervoso sensorial Zona de gatilho (ou disparo): cone de implantação axonal (a) (b) FIGURA 4.16 A zona de gatilho. Proteínas de membrana especificam as funções de diferentes partes do neurônio. Aqui, estão demonstrados (a) um neurônio piramidal cortical e (b) um neurônio sen- sorial primário. Apesar da diversidade da estrutura neuronal, a membrana axonal pode ser identificada ao nível molecular por sua alta densidade de canais de sódio dependentes de voltagem. Essa distinção molecular permite que os axônios gerem e conduzam potenciais de ação. A região da membrana onde os potenciais de ação são geralmente gerados é chama- da de zona de gatilho (do inglês, spike-initiation zone). As setas indicam o sentido normal de propagação do potencial de ação nesses dois tipos de neurônio. PARTE I Fundamentos106 O Eclético Comportamento Elétrico dos Neurônios Neurônios não são todos iguais; eles variam em forma, tamanho, expressão gênica e conexões. Os neurônios também diferem uns dos outros em suas propriedades elé- tricas. Exemplos dos diferentes comportamentos dos neurô- nios são mostrados na Figura A. O córtex cerebral apresenta dois tipos principais de neurônios, conforme definidos morfologicamente: células estreladas sem espinhos dendríticos e células piramidais com espinhos. Uma célula estrelada geralmente responde a uma corrente despolarizante constante injetada em seu corpo celular disparando potenciais de ação a uma frequên- cia relativamente constante durante o estímulo (parte a). A maior parte das células piramidais, no entanto, não pode sustentar uma taxa de disparo constante. Em vez disso, elas disparam rapidamente no início do estímulo e, a seguir, diminuem a taxa de disparo, mesmo que o estímulo per- maneça forte (parte b). Essa diminuição da frequência com o tempo é chamada de adaptação, uma propriedade muito comum entre as células excitáveis. Outro padrão de disparo é a “rajada” ou “trem”, uma sequência rápida de potenciais de ação seguidos por uma breve pausa. Algumas células, incluindo um tipo particular de grandes neurônios piramidais no córtex, respondem a um estímulo constante com rajadas repetidas e rítmicas (parte c) A variabilidade dos padrões de disparo não é única no córtex cerebral. Estudos de mui- tas áreas do encéfalo sugerem que os neurônios têm uma grande variedade tanto de comportamentos elétricos como de morfologias. Qual a explicação para os diversos comportamentos dos diferentes tipos de neurônios? Em última análise, a fisiologia de cada neurônio é determinada pelas propriedades e pelo número de canais iônicos em suas membranas. Há muitos outros tipos de canais iônicos além dos poucos descritos neste capítulo, e cada um deles tem propriedades distintas. Por exemplo, alguns canais de potássio são ativados sempre muito lentamente. Um neurônio com alta densidade desses canais de potássio mostrará adaptação, porque, durante um estímulo prolongado, mais e mais desses canais de potás- sio ativados lentamente irão se abrir e as correntes de saída que eles progressivamente gerarão tenderão a hiperpolarizar a membrana. Quando você perceber que um único neurô- nio pode expressar mais de uma dúzia de tipos de canais iônicos, a fonte desses diversos comportamentos de disparo tornar-se-á clara. São as complexas interações entre os múl- tiplos canais iônicos que criam a eclética assinatura elétrica de cada classe de neurônios. D E E S P E C I A L I N T E R E S S E QUADRO 4.6 (c) 50 ms (b) 50 ms (a) 25 ms Vm Corrente despolarizante é injetada Figura A O comportamento diverso dos neurônios. (Fonte: adaptada de Agmon e Connors, 1992.) CAPÍTULO 4 O Potencial de Ação 107 CONSIDERAÇÕES FINAIS Retornemos brevemente ao exemplo do Capítulo 3, do ato de se pisar em uma tachinha. A lesão na pele causada
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