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"O que se cala": A prática da psicologia e a violência contra a mulher no contexto da pandemia do Covid-19

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“O QUE SE CALA”: A PRÁTICA DA PSICOLOGIA E A VIOLÊNCIA CONTRA 
A MULHER NO CONTEXTO DA PANDEMIA DO COVID-19 
 
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ 
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE 
- CCS CURSO DE PSICOLOGIA 
DISCIPLINA: PRÁTICA 
INTEGRATIVA I PROFESSORA: 
MÁRCIA CASTRO 
ALUNAS: Victória Diniz dos 
Santos; Maryane Ellen Medeiros 
Silva; Maria Clara da Silva 
Almeida; Laís Vidal Pessoa Araujo 
Fontes 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
O seguinte relatório de estágio básico apresenta a proposta de trabalho que será 
desenvolvido na disciplina Prática Integrativa I (P-1), do curso de Psicologia da 
Universidade de Fortaleza (UNIFOR), cujo principal objetivo é compreender a atuação 
do profissional da psicologia social diante da violência contra a mulher em tempos de 
pandemia da Covid-19 por meio da Psicologia Social (PS). Procuramos como objetivo 
geral analisar os aspectos da Psicologia Social (PS) em nosso meio, tal como compreender 
a atuação desses profissionais no auxílio para mulheres vítimas de violência durante a 
pandemia do Covid-19. Trazemos também como objetivos específicos buscar estudar o 
percurso profissional do psicólogo social, a fim de conhecer suas motivações e os passos 
de sua carreira que o levaram a estar atuando nesta área hoje. 
 A motivação para a realização deste artigo encontra-se no fato de que todas nós, 
alunas responsáveis pelo desenvolvimento do trabalho, somos mulheres, estando assim 
inseridas no grupo que sofre com tal opressão. Percebemos devido ao isolamento 
necessário, um agravamento das agressões contra as mulheres, tanto nos noticiários 
quanto em nossa própria convivência familiar. Sendo a pesquisa de extrema importância 
para a conscientização e apoio às vítimas. 
Durante a confecção do trabalho eram realizados às sextas-feiras no horário de 
19:00 uma supervisão como orientadora a professora Márcia Maria, em conjunto com a 
monitora Luanna, que oferecia também grupos de estudos dirigido (GED 's). 
O primeiro grupo de estudos foi feito dia 21/04/2021 às 19:00 voltado para as 
regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), já segundo foi feito dia 
12/05/2021 mostrando os tipos de pesquisas, entrevistas e os cuidados éticos. Os GED 's 
foram de extrema importância para a melhor compreensão e desenvolvimento do 
trabalho. 
Para a realização do seguinte relatório elaboramos uma pesquisa qualitativa, que 
segundo John W. Creswell utiliza-se de coletas de dados com perguntas abertas, análises 
de textos ou imagens e de interpretação pessoal dos resultados das averiguações, todas 
essas constituem subsídios aos procedimentos qualitativos. Esse método agrega um valor 
subjetivo na formação deste trabalho, pois o pesquisador é envolvido em um processo de 
descoberta e de exploração do sentir daquele espaço, de acordo com as informações 
passadas e analisadas pelo entrevistado (CRESWELL, 2007). 
Um dos métodos de investigação utilizado foi a pesquisa bibliográfica, que se 
deu por meio de artigos e livros, tanto físicos como virtuais, em que todo conteúdo 
retirado foi analisado e referenciado com cautela, para assim relacionar, através de 
citações diretas e indiretas, ao tema escolhido de forma coesa em conceitos avaliados por 
pesquisadores experientes. 
Em todas as etapas, o grupo se reunia para discutir e entrar em consenso quanto 
à divisão de tarefas para que todas estivessem envolvidas na produção do relatório, 
prezou-se por um ambiente de comunicação, organizando e compartilhando artigos, para 
que não houvesse desfalque no entendimento do tema. Cada uma produzia o que lhe ficou 
responsável, para, em diálogo, unir todas as partes de maneira coerente e adequada com 
o que nos foi orientado. 
Como aponta Jorge Duarte (2005) a entrevista semiaberta consiste em um roteiro 
com perguntas específicas sobre a temática, estas devem ser abertas, o entrevistador deve 
explorar ao máximo cada questão feita ao entrevistado valorizando seu conhecimento 
sobre o assunto, então, a partir do roteiro-base oferecido pela orientadora, a equipe 
adaptou e pontuou tópicos importantes e necessários para a compreensão da trajetória 
acadêmica e pessoal dos psicólogos entrevistados e a sua prática psicológica em combate 
à violência contra as mulheres, com enfoque na atuação durante a pandemia da Covid-19, 
entre cidades diferentes, sendo estes Fortaleza e Curitiba, a fim de realizar um pequeno 
comparativo entre os mesmos. Os entrevistados não tiveram seus nomes mencionados no 
relatório, foram avisados e consentiram a gravação, conscientes da sua liberdade em 
manusear o tempo e respostas nas entrevistas. 
Este relatório expõe a problemática da violência contra as mulheres e busca 
entender como a atuação psicológica contribui para combate-la no contexto pandêmico 
da Covid-19, trazendo enfoque na prática da psicologia social, que estuda o ser humano 
e o seu vínculo fundamental com a sociedade. Esta interage com o indivíduo atual, que 
não é enxergado como um simples produto, mas como agente que atua na sociedade e a 
modifica. Seus estudos também visam compreender as relações em diversas sociedades, 
levando em consideração suas diferentes demandas e buscando soluções diferentes que 
alcance todos os povos em suas singularidades (LANE, 1981). 
Com o objetivo de explorar a temática de forma mais aprofundada, incluímos 
aspectos de outras abordagens, sendo estas a psicanálise e a gestalt terapia. 
A psicanálise identifica que as explicações dos fenômenos mentais humanos 
estão no estudo do inconsciente, este possui conteúdos desconhecidos que regem os 
comportamentos e podem ser compreendidos através da psicoterapia que possibilita o 
autoconhecimento (HERRMANN, 1984). Acerca da gestalt terapia, suas intervenções 
visam a experiência do sujeito no presente, ou seja, ter consciência daquilo que significa 
a existência individual sem a óptica do passado e a possível do futuro, mas com a vivência 
plena do presente (JULIANO, 2004) 
 
 RESULTADOS E DISCUSSÕES 
 
A psicologia social trata de vários aspectos relacionados ao indivíduo e a 
sociedade, analisa suas problemáticas e traz formas de enfrentamento para estas. A 
violência contra a mulher é algo presente em nosso meio desde muito tempo, e na 
pandemia do novo Covid-19, podemos ver a ascensão dessa ferida social que nos 
atravessa. As vítimas, agora presas em casa com seus agressores por conta da quarentena, 
veem-se em situações de risco muito maiores, não tendo sequer acesso a denúncia e 
sofrendo, por vezes, mais agressões de todos as formas. 
Safiotti (2004) nos traz o conceito de violência da seguinte maneira: 
Trata-se da violência como ruptura de qualquer forma de 
integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, 
integridade sexual, integridade moral. (p.17) 
 
Está previsto na Lei Maria da Penha (nº 11.340, art 226) alguns tipos de violência 
que permeiam esse contexto, são elas: violência física, violência psicológica, violência 
sexual, violência patrimonial e violência moral. Portanto, em qualquer caso desses citados 
acima, a vítima poderá realizar a denúncia e ser assistida por uma rede de apoio que 
provém do Estado. Nesta rede, então, entra a psicologia social, que atua no 
acompanhamento dessas mulheres. 
Neste ponto do trabalho iremos analisar e realizar comparativos entre as falas 
das entrevistadas, tanto no contexto do que se entende de violência, como na atuação de 
cada uma nesta frente. Se faz interessante notar que, apesar de termos como base a 
psicologia social, conseguimos trazer visões de abordagens diferentes da psicologia sob 
essa temática, áreas estas que se comprometem e buscam formas de enfrentamento para 
mudar a vítima desse local, almejando que a mesma se torne protagonista de sua história 
e não viva mais sob a ótica do medo. 
 
2.2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA ÓTICA PSICOLÓGICA 
A contextualização da violência contra a mulher, na visão das entrevistadas, foium ponto muito importante para o desenvolvimento do trabalho vigente e para a 
compreensão de como deve-se atuar nesta frente. É um assunto um tanto delicado, e por 
vezes, de difícil disseminação, tendo em vista o preconceito do senso comum e o 
machismo presente em nossa sociedade. Para que os psicólogos possam atuar juntamente 
a essas vítimas, as mesmas precisam entender que sofreram violência e este é um processo 
complexo, tendo em vista a falta de conhecimento de muitas mulheres referente aos tipos 
de violências previstos em lei. Sobre esse ponto, a psicóloga social relata a seguinte 
situação, que é muito comum no Centro de Referência da Mulher, onde a mesma atua: 
(...) muitas delas não entendem que estão na situação de violência, elas só vão 
porque apanharam, depois da violência física, elas não entendem as outras 
formas de violência, por falta de conhecimento mesmo do que seria a Lei Maria 
da Penha, ou por acreditar na relação, porque já deu muitas chances. Então 
depois que elas apanham é que a maioria vai, então a gente explica o que é a 
lei, quais são os direitos dela, explica que a violência não é só quando elas 
apanham, é quando xinga, quando ela se sente maltratada, humilhada, a gente 
explica todo esse processo. 
Para a psicanálise - especificamente para Lacan - abordagem que também 
tivemos acesso e conhecemos a visão e o modo de atuação no combate à violência contra 
a mulher, a violência é inata ao sujeito, nascemos com ela, como pontuado pela 
Psicanalista que entrevistamos “Como diz Lacan: “a agressividade é o começo de tudo”, 
é uma ilusão achar que nós somos bonzinhos como disse Freud, não é do amor que 
começa a transferência, é da agressividade. O amor é cultural, é aprendido, mas nós já 
nascemos com a agressividade, é pulsional, a criança morde e grita”. 
 
Para esta abordagem, devemos encarar nossas frustrações, entendê-las e então 
modificá-las, assim também nos casos de violência contra a mulher, a vítima deve mover-
se desse lugar. Segundo a psicanalista entrevistada, a psicanálise vem para combater o 
conformismo, sentimento esse que muitas vítimas de violência se apropriam, por medo e 
também por outras questões. Em sua fala temos o seguinte apontamento: 
A psicanálise está sempre presente, porque a psicanálise é a chata que vem 
confrontar o discurso do capitalismo, porque o discurso do capitalismo e do 
neoliberalismo diz que nós podemos tudo, que você tem direito de exercer 
todos os seus gozos, de comprar tudo que lhe convém, fazer tudo que você 
deseja, você é um consumidor (...). A psicanálise vem e diz: “não, nada disso, 
nós somos castrados, o que nos aguarda bem ali na frente é a morte, todos 
vamos morrer e tem um limite para tudo, nós não podemos realizar todos os 
nossos desejos, porque o outro também tem direito a realizar os desejos 
dele”(...). A psicanálise é conclamada a falar isso, porque ela confronta o 
sujeito com essa realidade. 
 
É sabido que muitas mulheres permanecem nesse ciclo por muitos motivos, a 
violência se dá de várias formas e a permanência dessas vítimas também se dá por várias 
questões. Como nos apontou a gestalt terapeuta entrevistada, a dependência financeira 
pode ser um fator, os filhos também podem, a passagem cultural da normalização dessa 
violência pela família das vítimas e o ciclo da violência, que tem fases, e cada uma delas 
é muito cruel para quem sofre. Portanto, cada caso é um caso, e é preciso não julgar e não 
disseminar palavras injustas sobre essas mulheres. A gestalt terapeuta que entrevistamos 
nos explica o ciclo da violência em sua seguinte fala: 
Outro ponto importante para se falar é o ciclo da violência. Ele não é abusivo, 
ele não é violento 24 horas por dia, 7 dias da semana (...). Então tem todo esse 
ciclo: ele uma hora está lá todo: “eu me arrependi, perdi a cabeça, me perdoa, 
você é a mulher da minha vida, nunca mais vou fazer isso”. Ele vem com flores, 
vem com chocolate, vem com um abraço, fala que vai mudar (...).. É nesse 
momento que muitas vezes a mulher acaba lembrando de todos os momentos 
bons, das coisas que eles já passaram que foram boas, que foram gostosas, dos 
momentos em que ele está carinhoso e ela acaba acreditando, ela acaba dando 
mais uma chance, e isso dura pouco. 
 
São muitas camadas que essa temática nos traz, portanto, é necessário extremo 
cuidado e preparo para atuar na violência contra a mulher. A compreensão, o acolhimento 
e o não julgamento são pontos iniciais, por assim dizer, para construir essa rede de apoio 
a essas mulheres que sofrem nesses contextos. 
 
2.3 COMPARANDO AS ABORDAGENS NA ATUAÇÃO 
Algo que notamos ser comum nas três abordagens pesquisadas é a variedade de 
formas de atuação, pelo simples fato de que cada caso é diferente do outro. Quando se 
trata de uma mulher sem o real conhecimento dos tipos de violência, ou que sequer sabe 
que está sendo vítima de uma, o trabalho inicia-se com a psicoeducação. Sobre isso, a 
gestalt terapeuta entrevistada discorre: 
A estratégia vai depender da forma como essa mulher está e do grau de 
consciência que ela já tem sobre isso. Se uma mulher chega sem ter consciência 
nenhuma, sem reconhecer que aquilo é uma violência, que é um 
relacionamento abusivo, uma violência psicológica, sexual, física. (...) eu acho 
que a violência física é mais fácil de ser percebida, mas ajudar essa mulher a 
reconhecer que é uma violência psicológica, que é uma violência sexual, uma 
violência patrimonial, violência moral, falando os tipos de violência que estão 
previstas na lei Maria da Penha. Então quando a mulher chega com zero 
consciência em relação a tudo isso, é um trabalho de muita psicoeducação para 
mostrar para essa mulher todas essas violências sem que isso vire uma aula. 
 
 Um fator muito importante que interfere nesse trabalho é o preconceito 
enraizado na sociedade, que insiste em julgar essas mulheres, causando receio e até 
mesmo vergonha de executar uma denúncia contra os abusadores. Esse julgamento, que 
é encontrado no cotidiano, também é relatado pela gestalt terapeuta nas audiências, 
causando grande desconforto nas vítimas, que por vezes chegam a desistir de denúncias 
por sentir-se julgadas pelos profissionais que deveriam acolhê-la e ajudá-la a sair de tal 
situação. 
 
 Um fator destacado pela psicóloga social neste período de pandemia 
é a maior dificuldade de alcançar novas vítimas e manter contato com as recorrentes. O 
isolamento trouxe diversos prejuízos para o bem-estar dessas mulheres, que por estarem 
limitadas em casa, muitas vezes não têm a oportunidade de seguir com a psicoterapia. 
Algo de extrema importância, que pode ser interpretado erroneamente, é a diminuição das 
denúncias de violência doméstica. Como a entrevistada ressalta, isso não significa que a 
violência diminuiu, mas que as mulheres sequer chegam a prestar queixa. Isso acaba 
mascarando esse problema tão importante, corroborando para o maior sucateamento da 
rede de atendimento. 
 
Para a psicanalista entrevistada, os encontros online não interferem de forma 
alguma na escuta realizada, até citando a continuidade dessa forma de atendimento após 
a quarentena. Como ela utiliza da associação livre, não identifica perdas nas informações 
recebidas, mas nota o desgaste emocional e por vezes a impossibilidade da realização do 
atendimento quando a vítima reside com seu agressor. Sem liberdade de fala, vê-se a 
mulher controlando suas palavras e omitindo fatores importantes, o que causa uma grande 
perda para o tratamento da mesma. 
 
 Dessa forma, pode-se notar que cada abordagem utiliza uma forma 
diferente de tratamento dessas vítimas, mas todas trazem em comum a grande necessidade 
da empatia com essas mulheres, além da falta de julgamento. Relacionamentos abusivos 
consomem as mulheres e as deixam com diversas sequelas, como a baixa autoestimacitada previamente, e tratar dessas questões também se enquadra na atuação do 
profissional de psicologia social, mesmo após o rompimento do relacionamento. É 
necessário devolver a confiança da mulher, ajudá-la a tornar-se independente e ver o seu 
valor como ser humano, cultivando novas ideias e atitudes para a sua valorização e 
discernimento em futuros relacionamentos 
 
 
 
 
 2.4 RESULTADOS 
 
Após completarmos as entrevistas, analisarmos os dados coletados e termos 
buscado embasamentos teóricos para sustentar nossas afirmações, podemos relatar que o 
resultado esperado muitas vezes não é o obtido. Diversas mulheres interrompem seus 
tratamentos, perdoam os parceiros ou acabam entrando em outro relacionamento abusivo, 
fatores que se agravaram com a pandemia do Covid-19. A psicóloga social ressaltou a 
grande importância de manter-se um contato após a sessão de denúncia, de forma a dar 
suporte para as vítimas. É um esforço contínuo, que requer paciência e dedicação dos 
profissionais. 
 
Todavia, apesar dos casos de reincidência, os resultados positivos são 
expressivos e muito gratificantes. Sobre a continuação do acompanhamento, a psicóloga 
social fala: 
A ideia é que a gente consiga o máximo possível atingir positivamente, e são 
pessoas que são a vida inteira acompanhadas, são referenciadas em vários 
equipamentos, e a gente acompanha por anos. 
 
Quando perguntadas sobre a forma de enfrentamento a longo prazo mais 
eficiente para tal violência, a resposta foi unânime: estudo e aprendizado. Faz-se 
necessário a quebra da máquina patriarcal machista que controla a sociedade, tirando as 
mulheres das posições de submissão e ressaltando o valor das mesmas. Somente com o 
estudo podemos criar uma sociedade futuramente consciente e engajada nas necessidades 
indispensáveis de todas as cidadãs, trazendo vida digna para as mesmas. A violência nasce 
com o ser humano, mas também pode morrer com ele, e já sabemos qual a melhor arma 
para atingir tal objetivo. 
 
 
 
 
CONCLUSÃO 
 
Esta pesquisa gerou diversos esclarecimentos sobre a atuação da psicologia 
social e de outras abordagens no combate referente a violência contra a mulher. Foi de 
extrema riqueza poder transitar nesses diferentes espaços da psicologia com as entrevistas 
realizadas, entendemos que o social está em tudo e que cada área da psicologia pode e 
deve contribuir para o mesmo - e também para as situações de vulnerabilidade. 
 
Adentrar nessa questão nos fez repensar muitos aspectos, pois tivemos acesso a 
várias demonstrações do que é violência e como tratá-la, no âmbito da mulher vítima 
deste mal, dessa forma, podemos vislumbrar e se ater a novas ideias, levando-as 
diretamente para o nosso senso crítico. Enquanto mulheres, devemos fazer essa frente 
ampla de defender as nossas e compreender cada vez mais como se dá tais situações. 
Enquanto estudantes de psicologia, entendemos que cabe aos profissionais realizar esse 
acompanhamento, que necessita de uma rede de apoio, de acolhimento, de um olhar 
sensível e uma escuta sem julgamentos. 
 
O presente trabalho nos tocou de diversas maneiras. Ouvir os relatos durante as 
entrevistas e nos sensibilizar com os mesmos, pois essa situação se faz presente em nosso 
contexto, com familiares, ou até mesmo conosco. Garantir e saber que essas mulheres 
periféricas - que não possuem acesso fácil a muitas coisas - tem acesso ao Centro de 
Referência da Mulher, a projetos de escuta qualificada, é de extrema importância para 
nós, poder ver o quanto a psicologia está do nosso lado é gratificante. 
 
Conclui-se, então, que a psicologia social, ou a própria psicologia em si, tem 
muito o que oferecer para as mulheres vítimas de violência que estão desamparadas. É de 
extrema importância que esse assunto seja difundido e cada vez mais pesquisado dentro 
desta área, pois uma escuta sensível pode, muitas vezes, salvar vidas. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
CRESWELL, John W.. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, 
quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. 126 p. Disponível em: 
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/696271/mod_resource/content/1/Creswell.pdf. 
Acesso em: 15 abr. 2021. 
 
DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. Métodos e Técnicas de 
Pesquisa em Comunicação, São Paulo, v. 1, p. 62-83, 2005 
 
HERRMANN, Fábio. O que é Psicanálise. São Paulo: Abril 
Cultural/Brasiliense, 1984. Disponível em: 
http://files.ccaturmad.webnode.com.br/200000014-5972359b69/psicanalise.pdf. Acesso 
em: 21 maio 2021 
 
 JULIANO, Jean Clark. Gestalt-Terapia: revisitando as nossas histórias. IGT 
na Rede ISSN 1807-2526, v. 1, n. 1, 2021. Disponível em: 
http://igt.psc.br/ojs3/index.php/IGTnaRede/article/view/21. Acesso em: 21 Maio 2021. 
 
LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 
1981. 89 p. 
 
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. 1ºed. São Paulo: 
Fundação Perseu Abramo, 2004, 17p. 
 
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/696271/mod_resource/content/1/Creswell.pdf
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Apêndice 1: Roteiro da entrevista semiaberta 
 
Tópicos: 
1. Trajetória acadêmica e profissional da Psicóloga(o). 
2. Motivação pessoal que a levou para tal área da psicologia. 
3. Informações mais gerais sobre as áreas de atuação da psicologia social 
entre outras abordagens que foram entrevistas: objetivos gerais; campos e contextos 
possíveis de atuação; temáticas que pode abordar; problemáticas frequentes 
 4. Impacto que a atuação do psicólogo tem sobre a problemática da violência contra a 
mulher e a opinião pessoal do mesmo referente ao próprio trabalho 
 5. Prática Profissional mais específica da (o) entrevistada (o): 
a) Público-alvo assistido: perfil e características frequentes 
b) Características das demandas que chegam ao profissional: sintomas, sinais, 
problemáticas, queixas, problemáticas 
c) Estratégias que são utilizadas para realizar a intervenção 
d) Descrição dos resultados e a relação entre os que se esperavam e os que 
foram atingidos. 
e) Desafios enfrentados pelo profissional e as possibilidades de enfrentamento 
para tais 
f) Futuro provável na área de atuação 
6. Recomendações para as (os) futuras (os) profissionais que queiram atuar nesta 
área 
 
 Apêndice 2: Transcrição da entrevista com a Psicóloga Social 
 
 
1. Trajetória acadêmica e profissional da psicóloga 
 
Antes de ser psicóloga eu era professora, sou pedagoga, e aí trabalhava com educação 
especial, trabalhava com autismo. E aí nesse período comecei a me interessar pela 
psicologia e me apaixonei pela psicologia, tinha muitas reuniões com psicólogos desses 
alunos fora da escola, inclusive né, e resolvi sair da educação e ir para a psicologia. E aí 
fiz outra faculdade, me formei em psicologia e fui trabalhar em escola né como 
psicóloga. Porém eu fui para os SEJA’s, não sei se vocês conhecem, o Centro de 
Educação de Jovens e Adultos é um equipamento do Governo do Estado, ele veio para 
substituir as EJA’s, que é a Educação de Jovens e Adultos, supletivos, enfim. E aí nesse 
período de SEJA eu comecei a trabalhar com um projeto da Secretaria de Justiça, que 
eram com pessoas que cumprem penas alternativas para redução de final de semana, 
redução de pena, uma série de coisas algumas pessoas que já estavam que já tinham 
cumprido em regime fechado e que agora estava em regime semi-aberto e eu comecei a 
fazer o acompanhamento psicológico dessas pessoas dentro da escola e trabalhava com 
outro lado né, trabalhava com os agressores. Passei acho que dois, três meses em um 
projeto dentro do IPPS que é um presídio, complexo penitenciário, não sei se vocês 
conhecem. O IPPS é o Instituto Paulo Sarasate, que fica em outro município, Itaitinga. 
E aí enveredei de vez por esse lado ne,da psicologia social, de trabalhar com as pessoas 
que cumpriam pena, com as pessoas que tinham alguma demanda com a justiça. E há 3 
anos atrás eu recebi um convite, que na época a coordenadora de políticas públicas para 
as mulheres do município, é psicóloga inclusive, e a gente se conheceu em uma dessas 
palestras, eventos, e ela me convidou para entrar como psicóloga dentro do centro de 
referência da mulher né, antes não era dentro da Casa da Mulher Brasileira, a Casa da 
Mulher Brasileira ainda não existia, existia o projeto, eu não sei se vocês conhecem o 
projeto da casa, mas é um projeto da nossa ex-presidente Dilma né, e aí o intuito desse 
projeto era reunir todos os equipamentos que desce mais celeridade os processos da 
mulher. Então na época não tinha casa ainda e nós atuavamos no Benfica junto com o 
CERAN que é o Centro Estadual, o centro de referência do Estado. Então nós 
atendiamos no município e o CERAN atende o restante dos municípios, o restante do 
Estado do Ceará inteiro. E aí foi quando a casa da mulher foi tirada do papel, e nós 
fizemos a mudança, conseguimos colocar o centro de referência dentro da casa com 
muita luta, muita reunião, as meninas da coordenadoria de mulheres do município era 
muito engajada na época, a nossa coordenadora de política do município também. E aí a 
gente conseguiu ficar dentro da casa, fizemos um arranjo dentro do projeto da casa da 
mulher brasileira, porque no projeto inicial não existe o centro de referência, existe o 
setor psicossocial, então a gente conseguiu se encaixar aí, na verdade a gente é centro de 
referência municipal, mas estamos como psicossocial, estamos atendendo no 
psicossocial da casa. E foi aí que eu saí da atuação na escola nos CEJA’s com os 
agressores, e passei a atender só as vítimas de violência, só as mulheres, e estou há uns 
três anos lá. 
 
 
2. Motivação pessoal que a levou para tal área da psicologia 
 
Pois é, assim, eu sempre gostei muito de trabalhar com público, eu sempre gostei muito 
da área social, eu sempre participei de projetos sociais, e de manifestações. Eu sou do 
sindicato, então eu sempre gostei desse movimento, então eu nunca consegui me 
visualizar dentro da clínica fazendo essa história toda. E aí, foi basicamente isso que eu 
disse a você, eu já estava na área social mais com os apenados, o pessoal que cumpre 
pena, e aí foi um convite que surgiu, nunca tinha trabalhado nesta temática nessa área, 
somente com mulheres, e aí eu topei, topei esse desafio, e eu acho que é um lugar de 
direito nosso, de estar à frente desses movimentos e de lutar por nós, e fazer valer a 
política, desenvolver a política pública de mulheres e o que me motivou foi basicamente 
isso assim, foi esse desafio e foi essa novidade, eu já trabalhava com outro lado que 
eram os agressores, apesar de que não era só “Maria da Penha”, tinha todos os outros 
tipos de contravenção e de crime, enfim, e aí foi desafiador, eu recebi o convite e topei. 
 
 
3. Informações mais gerais sobre as áreas de atuação da psicologia social 
entre outras abordagens que foram entrevistas: objetivos gerais; campos e 
contextos possíveis de atuação; temáticas que pode abordar; problemáticas 
frequentes 
 
Eu acredito que vocês vão ter essa disciplina, claro e óbvio, e vocês vão ver uma autora 
chamada Silvia Lane, eu acredito que vocês vão estudá-la, ela é uma autora que é 
referência quando a gente fala de Psicologia social. Pois enfim, ainda bem que vocês já 
conhecem a Silvia Lane né, então assim, a psicologia social é atuação em campo né, é a 
gente entender o contexto, o que motiva as pessoas a estarem da forma que estão, a 
entender toda essa influência externa que a Silvia Lane traz muito bem de todas esse 
nosso movimento com o meio externo, o porquê de estarmos nesses lugares, nesses 
contextos né, o psicólogo social ele vai a campo, geralmente o psicólogo social trabalha 
com a rede de assistência, geralmente a gente vê os psicólogos sociais atuando em 
prefeituras, em estados, em secretarias, porque é o espaço que tem disponibilizado e que 
disponibilizam para eles. E é isso, é a gente ir a campo, é entender o contexto dessas 
pessoas, quando um psicólogo social está no CRAIS por exemplo, que é um centro de 
referência da Assistência Social, ele faz as visitas das famílias, ele vai nas casas, ele 
entende o porquê que aquela família está em situação de vulnerabilidade né, ele entende 
toda a dinâmica daquela comunidade, ele é uma ponte de acesso entre a comunidade, 
entre povo, entre as famílias e o governo né, e a maquinaria pública de fazer valer as 
políticas né, e de estar nesses espaços. É basicamente isso a Psicologia social, ela 
sempre faz esse link entre o indivíduo, todo esse processo individual e mental e o 
processo social. Como esse meio externo, como esse meio social interfere na vida desse 
sujeito, e aí a gente na atuação por exemplo, dentro do centro de referência é justamente 
isso, por exemplo, como eu trabalho no centro de referência da mulher, então quando a 
gente recebe uma mulher vítima de violência (só recebemos mulheres vítimas de 
violência) então quando essa mulher chega a gente entende todo o contexto dela, a gente 
entende o porquê que ela tá nesse ciclo né, a gente entende toda a situação de 
vulnerabilidade dela, a gente entende a rede familiar, a rede de amigos, a rede de 
emprego que ela tem, a gente consegue visualizar como é que eu posso dizer... a gente 
faz um trabalho em rede, visualizar não, a gente faz todo o um trabalho em rede de 
como a gente poderia ajudar essa mulher em outras demandas, porque quando ela chega 
com a demanda de violência, não é só demanda de violência né, é a demanda de 
vulnerabilidade, é a demanda de laços familiares muitas vezes fragilizado, é a demanda 
do desemprego, tá entendendo? Então assim, a gente dá conta de todo esse processo 
dela, a gente vê como é que a gente pode ajudá-la a sair desse contexto de violência 
doméstica e familiar, não é só prender o agressor, isso não funciona! A gente tem que 
fazer um trabalho com ela também né, como é que faz esse trabalho? É oferecendo 
cursos, bolsa de estudo, enfim, é uma série de coisas que a gente tem dentro da Casa da 
Mulher Brasileira que também tem além disso a rede também de assistência, de 
enfrentamento da violência fora de casa. A gente consegue dar um suporte bacana né, 
para que ela retome a vida dela, enfim. Basicamente é isso. 
 
 4. Impacto que a atuação do psicólogo tem sobre a problemática da violência 
contra a mulher e a opinião pessoal do mesmo referente ao próprio trabalho 
 Olha, eu espero que o impacto seja o mais positivo possível, assim, a gente fica muito 
amarrado dentro da rede de assistência, infelizmente. Por que? Porque a gente conta 
com toda a dinâmica da política pública, então quando a gente tem uma secretaria, por 
exemplo, a nossa secretaria é a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento 
Social, quando a gente recebe a verba para a secretária, ela tem que dar conta de todos 
os eixos, então ela não tem só o eixo de violência doméstica e familiar, ela tem outras 
coordenadorias, têm a coordenadoria LGBT, a coordenadoria de Direitos Humanos, 
enfim, tem uma série de outras coordenadorias. A verba que chega para coordenadoria 
de política para as mulheres do município é mínima, então assim, a gente não tem um 
carro disponível, porque nós teríamos que estar fazendo visitas, uma série de coisas que 
a gente não consegue. Então assim, a gente tem uma série de restrições financeiras 
mesmo, da própria política não disponibilizar, não é nem da própria política, é do 
contexto todo do governo não disponibilizar essa verba para a gente, o que acaba 
dificultando o nosso trabalho, porém o que acontece, todas as mulheres que chegam na 
Casa da Mulher Brasileira são atendidas pelo centro de referência, como eu disse para 
vocês, nós estamos dentro do setor psicossocial dacasa, que foi um arranjo que a gente 
fez. A Casa da Mulher Brasileira é composta por alguns equipamentos, eu não sei se 
vocês conhecem o projeto, mas a delegacia da mulher, que antes era no Centro, agora é 
lá dentro, não existe mais outra delegacia em outro local, tá dentro da Casa da Mulher, 
nós temos o núcleo pró-mulher da Defensoria Pública, que é um núcleo voltado só para 
as mulheres vítimas de violência, a gente descentralizada da Defensoria geral e leva 
para dentro da Casa e atende só as vítimas de violência, e aí nesse núcleo da Defensoria 
ela fazem o divórcio, guarda, pensão alimentícia, partilha de bens e tudo que é voltado 
para esses aspectos jurídicos a Defensoria Pública resolve, que a gente chama de 
Nudem. Aí nós temos o Ministério Público, também lá dentro, voltado só para essas 
questões de vítimas de violência, temos o Juizado da Mulher, que é responsável por 
deferir ou indeferir todas as medidas protetivas, os defensores estão lá dentro e os... 
como é que eu digo, esqueci o nome... os oficiais de justiça também, estão todos dentro 
da Casa da Mulher Brasileira, eles são responsáveis por notificar, enfim, a delegacia da 
mulher e um setor de autonomia econômica que é vinculado a Secretaria de Trabalho, a 
STDS, Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, uma coisa desse tipo. Então 
assim, a nossa atuação fica nesse enfoque em, por exemplo, quando a mulher chega 
dentro da casa, que ela quer fazer uma denúncia, ou que ela quer tirar dúvidas, enfim, 
seja lá qual seja qual for a demanda dela, a gente recebe neste primeiro momento, nós 
somos porta de entrada na casa, então a gente recebe. O que é que a psicóloga faz? 
Recebe essas mulheres, acolhe, a gente fica despida de qualquer julgamento, isso é uma 
premissa para quem quer ser psicólogo, não julga, não julga jamais, a gente deixa as 
nossas ideias, deixa as nossas concepções lá fora, às vezes a gente tem essa tendência de 
fazer um julgamento, as mulheres sofrem muito por isso, “ah tá com cara que por que 
apanhou, apanhou porque quis”, “ah é uma sem vergonha olha aí, carregou ele aí não sei 
quantos anos sofrendo” e não é assim, ninguém apanha porque quer, ninguém tá em 
situação de vulnerabilidade, em situação de violência doméstica porque quer. Então o 
que o psicólogo faz dentro do centro de referência lá na Casa da Mulher? A hora que 
chega a vítima a gente acolhe, recebe, dá um copo d'água, as mulheres chegam lá 
chorando muito, ela chega extremamente fragilizadas, extremamente ansiosas, com 
medo de fazer a denúncia, com medo de retaliação, oferece um café, sente, nós temos 
salinhas individuais, todos os atendimentos são sigilosos, são individuais, recebemos 
mulheres de todo jeito, mulher machucada, mulher baleada, tudo que é jeito que vocês 
imaginarem chega para gente. Então a gente faz esse acolhimento, entende a demanda, o 
que ela quer, o quê que ela busca, porque ela está daquela forma, muitas delas não 
entendem que estão na situação de violência, elas só vão porque apanharam depois da 
violência física, elas não entendem as outras formas de violência, por falta de 
conhecimento mesmo do que seria a Lei Maria da Penha, ou por acreditar na relação 
porque já deu muitas chances. Então depois que elas apanham é que a maioria vai, então 
a gente explica o que é a lei, quais são os direitos dela, explica que a violência não é só 
quando elas apanham, é quando xinga, quando ela se sente maltratada, humilhada, 
enfim, a gente explica todo esse processo dá a ela todas as opções e diz “olha você tem 
a delegacia que você pode denunciar, que você pode fazer isso, você pode pedir 
medidas, nós temos o juizado que pode deferir essa medida protetiva” explique o que é 
a medida “nós temos a Defensoria Pública, você tem filhos? Você quer se divorciar? 
Você tem bens? Você quer pedir uma pensão? ” Entendeu? Então a gente acessa toda a 
rede, depois desse primeiro atendimento a gente acessa toda a rede da Casa, a Casa é um 
é um grande complexo, porém todos os equipamentos são individuais, são 
independentes, entendeu? Não é individual, é independente, a gente trabalha em 
conjunto. E para além desses equipamentos da Casa, depois que a gente faz esse acesso 
“ah eu quero fazer a denúncia”, “Pois vamos” a gente vai até a delegacia com ela, 
explica a situação, ela faz o B.O, “ah eu quero ir para a defensoria depois”, “vamos para 
defensoria”. Então assim, tem mulheres que passam o dia inteiro dentro da Casa 
resolvendo tudo que tem que resolver, acessando todos os órgãos, depois disso vamos 
ver a demanda dessa mulher social, vamos ver a demanda dela fora da casa, ela tem o 
bolsa família? Ela participa de algum programa de governo de transferência de renda? 
“Ah, não participa? Então vamos incluir, será que a gente consegue fazer o cadastro no 
Cras? Vamos ver”, “Ah mas os meus filhos também sofrem a violência” ,“Então vamos 
ver aqui com Conselho Tutelar, vamos garantir os direitos dessas crianças, aciona 
conselho”, “ai mas a minha filha sofreu abuso”, “vamos acionar o Deseca”, “ai mas o 
estupro...”, “a rede Aquarela” né que trabalha com isso, então assim, é uma rede imensa, 
que é justamente esse trabalho da psicologia social, a gente acessa todos esses 
equipamentos, acessa esse meio externo para que ela consiga minimamente sanar esse 
problema dela, sair dessa relação, arranjar um emprego... “ai eu quero fazer um curso, 
eu não tenho emprego.”, “pois vamos lá, vamos no setor da autonomia econômica te 
apresentar os cursos” a gente tem muitas mulheres que fizeram cursos e agora estão 
trabalhando, que se divorciaram, que deu certo na Defensoria, que deu certo, entendeu? 
Então assim, acredito que o impacto seja mais positivo possível, porque mesmo que ela 
não consiga resolver as questões dela dentro da casa e na rede fora, além da rede de 
assistência tem toda rede de saúde também, a rede de saúde mental, a gente trabalha 
com os Caps o tempo inteiro, os postos de saúde o tempo inteiro, quem trabalha na área 
social e trabalha principalmente na prefeitura nós temos reuniões, não são mensais antes 
eram mensais agora não, a gente faz toda essas reuniões de rede com os equipamentos 
para poder participar... então a gente tá sempre se reunindo, o pessoal do Caps, Cras, 
Creas, Conselho Tutelar, Rede Aquarela, abrigos, a gente trabalha com os abrigos 
também, nós temos uma casa abrigo inclusive, então a gente trabalha com todo esse 
pessoal justamente para isso, para fazer esse trabalhão em rede, tirar essa mulher desse 
contexto da melhor forma, da forma mais rápida e mais prática, e eu acredito que o 
impacto seja esse, seja positivo, porque a gente mexe com todas as instâncias da vida e 
as que chegam lá que não é uma demanda nossa, porque chega muito caso também, que 
a gente diz “olha infelizmente não é uma demanda nossa, porém vá no órgão tal, que lá 
a senhora vai conseguir” então assim, não sendo uma demanda nossa, a gente direciona 
ela para o equipamento que vai atender a demanda. 
 
 
 
 
 5. Prática Profissional mais específica da (o) entrevistada (o): 
a) Público-alvo assistido: perfil e características frequentes 
Olha, a violência é um fenômeno social que perpassa tudo e todos, como diz nosso 
Foucault maravilhoso, é uma ferramenta de poder, de legitimar a ordem e o poder, 
enfim, com isso a gente perpassa todos os níveis, todas as classes sociais, não têm essa, 
a violência está aí para todos, infelizmente, porém, a gente vê, recebe mais mulheres de 
baixa renda e de pouca escolaridade do que mulheres que tem uma condição financeira 
melhor e que tem um nível de escolaridade maior, certo? A gente recebe mais esse 
público baixa renda, "Rafa, por que que esse povo vai mais do que as outras mulheres, é 
porque as outras não sofrem tanta violência? ” A violência doméstica tá aí para todos e 
não tem isso, o que acontece é que existe a vergonha, existe muito a questão do status, 
donome, então geralmente, uma mulher que tem mais condição financeira ela vai pagar 
um advogado, ela não vai se expor lá dentro da casa, ela vai pagar um advogado, se ela 
for fazer uma denúncia ela vai no horário que não tem muita gente, entendeu? Então 
tem toda uma questão social aí também envolvida, de valores, de papéis sociais mesmo, 
de dizer “olha eu não vou ficar me expondo porque eu sou advogada”, “eu não vou ficar 
me expondo porque eu sou médica”, então tem uma série de fatores sociais que também 
impedem essa mulher que tem mais condição de ir, mas elas vão sim, mas a demanda 
delas dentro da casa é bem menor, e assim o índice de ida dessas mulheres é bem 
menor, a gente recebe a grande maioria é baixa renda, é usuária de crack, que tem um 
cadastro único, que tem o bolsa família, aquela história toda, muitas fazem uso do 
equipamento do Caps, que é pouca escolaridade. Deixa eu ver outra característica... 
também são geralmente mulheres pardas, elas se definem como pardas, também a gente 
tem muitas mulheres que se definem como negras, pouquíssimas mulheres que se 
definem como branca, mas eu acho que enfim, é um fator também que talvez não seja 
tão relevante porque a nossa sociedade né, principalmente aqui em Fortaleza, é 
predominantemente parda, enfim, então a gente recebe poucas. Recebemos bastante 
mulheres católicas, muitas, menos que as evangélicas, a igreja evangélica é muito mais 
concentrada, é muito mais fechada, então as mulheres evangélicas que a gente recebe 
elas já vão porque elas estão quebrando todos os tabus e não aguentam mais, e aí o 
pastor disse que elas não podem se divorciar, então é uma série de coisas, a gente tem 
muita dificuldade de acessar as mulheres evangélicas, as mulheres que de fato seguem a 
religião, que são bem fervorosas né… é basicamente isso. 
 
b) Características das demandas que chegam ao profissional: sintomas, sinais, 
problemáticas, queixas, problemáticas 
Elas chegam super ansiosas, algumas tomando medicamento, algumas já passaram pelo 
psiquiatra, porque elas vem desse processo de violência então elas de fato adoecem 
mesmo, com síndrome do pânico muitas vezes, paralisadas, a gente recebe mulheres 
quando são casos mais graves, casos de estupros, por exemplo, tentativa de feminicídio, 
recebemos elas em estado catatônico, elas não conseguem conversar, elas não 
conseguem expor, elas não conseguem falar, quando a gente fala da demanda elas 
acabam revivendo todo esse processo da violência principalmente na questão do 
estupro. Então é muito delicada a abordagem com essas mulheres, às vezes a gente 
passa de 2, 3 dias para conseguir acessar essa vítima, ela tem que retornar várias vezes 
para a delegacia enquanto está todo o processo dela rolando, de reconhecimento do 
suspeito, enfim, to falando de caso de estupro, então é muito delicado. A grande maioria 
das mulheres que chegam lá, elas chegam desorganizadas mentalmente, não é que elas 
cheguem delirando ou algo desse tipo, não é isso, elas chegam desorganizadas por causa 
do tamanho sofrimento mental, então assim, elas têm dificuldade de lembrar a hora, elas 
têm dificuldade de lembrar datas, têm dificuldade de lembrar com detalhes como 
ocorreu a violência, elas não conseguem lembrar nome dos familiares, telefones de 
pessoas que a gente pode ligar, perguntar, conversar e chamar, tem muitos casos que a 
gente contate a família, liga para a família, pega essa rede familiar, essa rede apoio mais 
próxima, se não for familiar é um amigo, liga, conversa, chama, muitas delas só 
conseguem falar quando tem alguém perto, um familiar, um amigo, então a grande 
maioria chega bem desorganizada, até para elas fazerem um boletim de ocorrência é 
difícil porque a polícia não entende o que elas querem, então a gente tem que primeiro 
sentar e dizer “olha vamos conversar, pega aqui um copo d'água, vamos ver o que foi 
que houve, que aconteceu, lembra do dia, lembra da hora…” então assim, a gente tenta 
reorganizar essas ideias, esses fatos, tentar botar numa ordem cronológica para fazer 
sentido, para a gente poder dar entrada no processo, na denúncia, abertura de inquérito. 
Então a grande maioria chega dessa forma, muito nervosas, muito fragilizada 
emocionalmente, autoestima muito fragilizada, se sentem temerosas, incapazes de fazer 
a denúncia, acham que não podem, que não conseguem, que vão passar por retaliação, 
então é isso, elas chegam mesmo bem afetadas. 
 
c) Estratégias que são utilizadas para realizar a intervenção 
 Depende, o primeiro passo é acolher e entender, eu acho que essa temática toda, essa 
problemática da violência da mulher ela é tão nossa, porque nós somos mulheres, então 
assim, eu posso sair na rua aqui hoje e sofrer uma violência, posso ser vítima de um 
estupro, Deus o livre, pode ser uma pessoa pode chegar e passar a mão na minha bunda, 
tá entendendo? Então assim, somos nós, então assim, é um diferencial do centro de 
referência e da casa, só trabalhamos mulheres, se você chegar na DDM hoje, que é a 
delegacia de defesa da mulher, se você chegar lá hoje em dia, todas as atendentes e 
todas as delegadas são mulheres, todas as meninas da Casa, das recepcionistas são 
mulheres dentro do nosso centro a gente só tem mulher, então a gente toma todo esse 
cuidado porque a mulher já vem toda violentada né, aí você vai para um equipamento 
onde, teoricamente, você tem que ser acolhido e você é recebido por um homem, então 
assim, o primeiro cuidado é esse, e se colocar no papel de acolhedora mesmo, de 
mulher, de dizer “olha, estamos aqui com você, esse não é um problema só seu, isso é 
um problema nosso, a violência é um problema coletivo, hoje você está aqui como 
vítima, amanhã pode ser eu. Então assim, sente aqui, tome um copo d'água, se acalme, 
e vamos conversar, você pode passar o dia inteiro aqui, o tempo que você quiser, aqui a 
gente tem sala, tem uma salinha reservada, onde ela senta, tem um ar condicionado, 
entendeu? A ideia é essa, é abraçar, abraçar essa mulher para que ela entenda que ela 
não está sozinha, é conversar, é tentar entender, “mas eu não tô lembrando a data”, “eu 
não tô lembrada”, “não tem problema, não tá lembrando, não tem problema nenhum, 
vamos ficar aqui um pouquinho, se quiser dar uma voltinha por ali, a gente senta 
novamente daqui a pouco, aí vamos conversar” conversa sobre outros aspectos né, e vai 
muito também do fim, a gente vai pegando prática. Então assim, tem mulheres que 
quando a gente olha, quando eu bato o olho eu digo “essa daqui eu vou ser mais direta, 
porque ela tem uma necessidade de fala muito grande, ela é muito logorreica, ela repete 
muito, então eu vou logo ser direta com ela, fazer logo as perguntas pontuais, porque 
senão ela vai se perder no discurso dela, e dentro dessas perguntas pontuais eu faço as 
anotações e depois eu devolvo para ela” a gente faz muito isso, eu pelo menos faço 
bastante isso, ela fala fala fala fala e aí eu anoto tudo, faço aqui aquele arranjo e digo 
“olha, o que a senhora tá querendo me dizer é que assim, assim, assim”, aí ela “ah é 
dessa forma, não tinha percebido, mas é assim”. Então depende muito, a gente não pode 
fantasiar também muita coisa né, lá é se vira nos trinta, a gente tem que ser prático, a 
demanda é muito grande, então a gente não pode ficar inventando a pólvora também 
não. E assim, é tentar ao máximo estar em pé de igualdade, porque é um problema 
nosso, não é um problema dela, é um problema nosso, somos nós, nós somos vítimas, a 
gente apanha por ser mulher, a gente é xingada por ser mulher, a gente está no meio da 
rua e corre o risco de sofrer um assédio só porque a gente tá com vestido curto, só 
porque a gente tá mostrando a perna, “o que diabo é isso? ”, tá entendendo? Então 
assim, outra coisa, eu não me arrumo muito para ir, porque senão eu não acesso, assim, 
não adianta maquiagem, salto alto, lá não adianta, porque senão você entra num patamaracima que você não consegue acessar essas mulheres, a maioria das mulheres são 
mulheres de baixa renda, elas chegam lá, a gente distribui Bolsa Família, elas não tem 
nem o dinheiro para merendar, nem para almoçar, a gente recebe criança que estão 
chorando de fome porque estão a não sei quantos dias sem comer, então assim, é o povo 
mesmo, é a comunidade mesmo e a gente vai, bota um sapatinho mesmo, nada de muita 
coisa para enfeitar, porque a gente tem que parecer gente né, gente como a gente. Então 
a ideia é essa, a ideia é se tiver frescura também não adianta ir trabalhar na área social, 
principalmente nesses casos, porque você faz atendimento até dentro do banheiro, faz 
embaixo de um pé de árvore, faz na parada de ônibus, vai para a comunidade, faz de 
baixo de não sei o que, é casa que não tem nem piso, não tem nem parede direito. Então 
assim, é ir preparado para tudo. 
 
d) Descrição dos resultados e a relação entre os que se esperavam e os que 
foram atingidos. 
Olha a gente tem mais resultados positivos do que negativos, a gente tem algumas 
mulheres que retomam a relação por “n” fatores, é porque acreditam que agora vai dar 
certo, porque tem filhos pequenos, porque dependem financeiramente, porque o 
companheiro foi lá e pediu desculpas e ela gosta do companheiro, enfim, uma série de 
fatores, então a gente tem muitas mulheres que retomam, mas a grande maioria não. 
Então assim, depois desse primeiro atendimento, a gente não dispensa a mulher não, a 
gente não encerra ali, a gente continua os acompanhamentos com ela, a gente tem 
assistidas que são acompanhadas desde 2008, desde de lá do comecinho que a gente tá 
sempre retomando, ligando “dona Maria e aí, como é que tá a vida? Ah deu certo não? 
E aquele assunto lá na Defensoria, resolveu? Pois venha aqui na casa para a gente 
conversar, venha para a gente tomar um café”, então a gente tá sempre acompanhando 
essas mulheres, tem umas que terminam o relacionamento de fato, se envolvem com 
outro e o outro também é abusivo, então assim, é uma série de coisas, mas o impacto ele 
é mais positivo do que negativo, a gente tá sempre fazendo esses acompanhamentos. O 
trabalho em rede, meninas, que depois eu acho que vocês vão ter essa disciplina, é um 
trabalho todo integrado, é todo ligado, quando a gente aciona o Cras, a gente manda um 
relatório para o Cras para entender o que é a demanda dessa mulher, depois o Cras 
manda o relatório para gente para entendermos o que foi que o Cras já fez com ela, a 
gente manda para o Caps, o Caps devolve para a gente, o Conselho Tutelar devolve, 
então a gente tá toda hora se comunicando com esses equipamentos “Ah Conselho 
Tutelar e aí, deu certo? E aí a guarda dos meninos? E aí não sei o quê? “E aí Creas? Foi 
fazer a visita lá no município tal? Foi não sei para onde? ” Tá entendendo? Então assim, 
a ideia é que a gente consiga o máximo possível atingir positivamente, e são pessoas 
que são a vida inteira acompanhadas, são referenciadas em vários equipamentos, e a 
gente acompanha por anos. 
 
e) Desafios enfrentados pelo profissional e as possibilidades de 
enfrentamento para tais 
Olha, a gente enfrenta tantas dificuldades, eu vou falar das dificuldades viu, porque olha 
eu vou dizer uma coisa, vou ser muito sincera, escovo da rede pública, minha filha, 
sofre um bocado, porque o salário é desse tamanho (pequeno). Não tô querendo já jogar 
um balde de água fria em vocês não, mas o salário é pequeno, psicólogo social tem que 
ser por amor, é igual o povo fala de professor né, que é por amor, pois é a mesma coisa. 
E quais são as dificuldades estruturais que a gente enfrenta... é dificuldade mesmo de 
verba, de verba pública, tem equipamento que não tem telefone, tem equipamento que 
não tem a mínima estrutura para funcionar e tá funcionando dentro de uma salinha 
emprestada de um prédio de um outro equipamento, entendeu? Então a gente encontra 
muita barreira nessas comunicações “Ah eu preciso de um carro para levar a vítima não 
sei para onde”, “ah eu preciso de um acompanhamento da vítima no posto de saúde mas 
não tem vaga”, “não tem isso, não tem aquilo”, entendeu? Então assim, os desafios são 
esses, é a gente conseguir fazer a boa política dentro deste desgoverno que a gente tá, 
conseguir fazer valer a política pública para as mulheres, a gente conseguir desenvolver 
essa maquinaria toda dentro dos mínimos recursos que a gente tem, é estruturais 
mesmo. Mas a gente tem sorte de ter uma galera muito massa nessa rede de 
enfrentamento, nessa rede de assistência que é todo mundo muito solícito, eu pego o 
WhatsApp de todo mundo em todo canto que eu vou, porque aí eu já vou direto no 
“dono dos porcos” como o povo diz, eu vou para o Caps “ah tem que encaminhar para o 
Caps, vamos levar” e vai chegar lá e não vai ter vaga, aí eu pego meu celular “pera aí 
que eu vou ligar para o telefone do Coordenador”, então assim a gente tem que ficar 
fazendo essas manobras, liga, manda e-mail, liga para própria pessoa, para o WhatsApp 
pessoal, final de semana, não tem isso, e assim a gente vai construindo essas relações. 
Mas o maior desafio mesmo, que a gente se depara, é com essas questões de estrutura da 
política mesmo, da falta de verbas, dos equipamentos sucateados, a gente está vendo 
todo o desmonte da política de assistência e da saúde mental com o governo do 
Bolsonaro, infelizmente, então o que já era precário agora piorou, piorou e muito, a 
gente vê vários equipamentos do Caps sem psiquiatra, então assim, como é que pode 
um equipamento que foi criado né, que foi criado com toda política de luta 
antimanicomial, a gente vê todo um retrocesso. Então assim, hoje em dia, o maior 
desafio que o centro de referência encontra, que eu, enquanto psicóloga, encontro é isso, 
é acessar esses equipamentos por causa da dificuldade mesmo, da política, do próprio 
governo. 
 
f) Futuro provável na área de atuação 
Olha, para a área de atuação de política para as mulheres eu gostaria muito que não 
tivesse mais nem a Lei Maria da Penha, é porque a gente sabe que a lei foi criada por 
causa de uma demanda trágica de mulheres que estavam morrendo por serem mulheres, 
de mulheres sofrendo um atentado por serem mulheres, então assim, eu acho que, aqui 
vai uma crítica, eu acho que os homens deveriam se apropriar mais da Lei, se apropriar 
também dos espaços femininos, a gente vê muito esse movimento feminista e a gente 
sabe que em determinado momento “o oprimido tem muitas chances de virar opressor” 
assim dizia Paulo Freire, então assim, a gente vê mulheres que são tão opressoras 
quanto os homens, principalmente quando a gente fala desse movimento feminista 
extremo e radical. Então assim, eu acho que nós deveríamos dar mais voz aos homens, 
no sentido deles se conscientizarem, da gente entender a demanda desse povo também, 
porque a gente sabe que essa questão do machismo é muito estrutural, é cultural, é 
social, os nossos meninos são educados desde o começo, desde a infância à não 
demonstrar seus sentimentos, a engolir o choro, “ah você já se apaixonou por uma 
meninazinha?”, “vixe, barriga branca, tem que ter várias namoradas”, então assim, é 
toda uma construção social e cultural em volta desses meninos que também gera toda 
essa problemática que a gente tem agora, é de homens grosseiros daquela cultura do 
“cabra macho”, que não pode chorar, e nem isso, nem aquilo, então também são pessoas 
massacradas. Tem um aspecto interessante, muitos homens não sabem que são 
agressores, eles não se reconhecem nesse lugar, justamente por isso, porque eles acham 
que é o normal, a mulher é um objeto deles “é minha né, então tem que fazer da forma 
que eu quero, não quero nenhum outro homem cobiçando”, é um animal bem 
territorialista, é um é um animal mesmo, nós somos animais, eu acho que a nossa 
profissão ela seria mais bem aproveitada, pelo menos dentro desse aspecto da violênciadoméstica, se nós psicólogos da rede de assistência, psicólogos sociais, também 
tivéssemos acesso aos homens, que a gente pudesse fazer uma palestra onde os homens 
vão conversar com a gente, a gente explicar o porquê que aquele comportamento é uma 
violência, porque da Lei Maria da Penha, esses projetos não existem, infelizmente, 
daqui acolá um Defensor Público faz um grupo, a UFC tem um projeto super bacana em 
parceria com a gente, que a gente não colocou em prática ainda, começamos a colocar 
mas aí acabou por causa da pandemia, que a Defensoria Pública mandava esses 
agressores para a clínica da UFC, e aí lá dentro eles conversavam, faziam grupo... então 
sim, eu acho que dentro da política para as mulheres a psicologia poderia acessar esse 
outro eixo também, porque não adianta a gente só atender as mulheres, fazer todo o 
trabalho que a gente faz e a gente não cuidar dos homens. Tá todo mundo adoecido, 
para a mulher ela chegar no ponto que ela chegou de adoecimento, de dor física e 
mental, o homem também está completamente adoecido, não adianta a gente tratar essa 
mulher e devolver ela para um contexto adoecido, não adianta, então assim, é chamar 
esses homens também para o debate, parar com essa história de dizer “não é o seu lugar 
de fala”, ah tá certo não é o lugar de fala, o meu lugar de fala é só meu, e o seu é só seu, 
o da Victória é só dela, tá entendendo? Mas a gente pode conversar, a gente pode entrar 
em acordo, a gente pode educar, educar os meninos, educar na escola, dentro de casa, 
enfim. Então assim, meu sonho era que nem existisse a lei, porque a lei só foi criada por 
causa de uma circunstância trágica, mas que bom seria que não tivesse, que bom seria 
que nós não morrêssemos por sermos mulheres, infelizmente existe, e a impressão que 
eu tenho é que a gente nada e morre na água, é como se a gente enxugasse gelo, porque 
a gente trata das mulheres, mas os homens continuam e a sociedade continua machista, 
a gente vê todo o retrocesso do governo e a gente vê um presidente legitimando todo 
esse movimento. Então assim, é como se toda a política pública de mulheres pensada 
fosse por água abaixo, porque não dá fim, não tem fim, não sei como que não tem fim. 
Então acho que o primeiro passo seria esse assim, da gente conseguir também acessar os 
homens, eu tô falando do serviço dentro da política de violência doméstica, a psicologia 
tem uma infinitude de possibilidades da gente trabalhar, mas nessa política eu acho que 
é isso que falta, é a gente também conseguir acessar, é abrir um parêntesezinho e incluir 
essa galera, sabe? Eu acho que a gente conseguiria fazer um trabalho muito maior, 
muito melhor e acessar muito mais do que só com as mulheres. 
 
 
 
 
6. Recomendações para as(os) futuras(os) profissionais que queiram atuar 
nesta área 
Olha, eu acho que empatia, gostar do que faz, amor pela profissão, pelo que faz, se 
despir, isso é muito importante, se despir de todo e qualquer julgamento, de todo e 
qualquer juízo de valor, não cabe a nós nunca jamais julgar, não cabe a nós dizer, 
apontar o dedo e dizer que aquela mulher tá naquela situação por isso e aquilo, cada 
pessoa tem o seu processo, cada mulher que chega ali na Casa da Mulher Brasileira, ou 
em qualquer outro local, tem o seu processo, ela vai quebrando todos os tabus, quando a 
gente fala do agressor, a gente não fala de qualquer pessoa, a gente fala do marido dela, 
a gente fala do pai dos filhos, a gente fala do avô, a gente fala do amigo próximo, a 
maioria das agressões se dão mesmo dentro de casa, com marido e mulher, a relação é 
essa, a realidade é essa. Então a gente tem que ter muita sensibilidade, a gente tem que 
ter muito cuidado quando a gente vai tocar na ferida do outro, não cabe a gente julgar de 
forma alguma, é acolher, é gostar do que faz, se for para a área social então, tem que 
gostar muito, tem que estar preparado para entrar em comunidade, tem que estar 
preparado para receber mulher que não toma banho a não sei quantos dias, a 
entendendo? Tem que estar preparado para receber gente que não come, que não tem 
um meio de transporte, então assim, é se despir mesmo de qualquer título, de qualquer 
coisa e dizer: “olha, eu tô aqui em pé de igualdade, eu sou gente como você, vamos lá, 
‘umbora’, ‘umbora’ ver como é que a gente resolve”, eu acho que é basicamente isso. 
 
Apêndice 3: Transcrição da entrevista com a Psicanalista 
1. Trajetória acadêmica e profissional da Psicóloga(o). 
Eu sempre quis fazer psicologia, sempre foi minha primeira opção, porque desde 
pequenininha que eu queria estudar psicologia. É mentira isso, a verdade é que eu tinha 
dúvida se eu queria medicina ou psicologia, porque eu sempre gostei muito de estudar, 
eu sou assim, eu gosto de tudo, sabe?! Meu problema é esse, eu gosto de tudo, e eu era 
muito curiosa, tirava notas muito boas. Naquele tempo era para fazer medicina ou 
engenharia civil, depois que foi mudando para medicina e direito. Eu não sabia bem o 
que era psicologia, mas eu gostava disso, eu gostava de conversar com as pessoas, eu 
gostava de entender o que se passava com elas, eu gostava de sofrer, eu gostava de ler 
romances. Eu era uma adolescente insuportável, porque eu me achava, eu lia o segundo 
sexo de Simone de Beauvoir, eu era muito metida. Eu li “A Mulher de 30 Anos” do 
Camilo Castelo Branco, por isso eu resolvi ler tudo sobre adultério. Li Ana Karenina, 
Dom Casmurro, Emma Bovary, “O Crime do Padre Amaro”, “Os Maias”, “O Primo 
Basílio”, os clássicos sobre adultério, era sempre assim, eu escolhia uma temática e 
queria ler tudo, eu gostava disso, de entender a alma humana e os conflitos psíquicos. 
Dostoievski, eu adorava Machado de Assis, na adolescência eu era muito assim, eu lia 
“Por Quem os Sinos Dobram”, “O Sol Também Se Levanta”, eram leituras assim, 
coisas bem pesadas. Por isso eu queria fazer psicologia, por causa do cinema, eu 
adorava cinema e gostava de política, todas as coisas ligadas às atividades humanas, 
mas eu também gostava muito de matemática, de física, de química, só não gostava 
muito de biologia, por isso que eu pensava “meu Deus como é que eu vou 
fazer medicina se eu não gosto de biologia?”, então eu decidi que não ia fazer 
medicina, eu não gostava disso, eu gostava mesmo de literatura. Eu fiz vestibular pra 
federal e lá o que era importante eram os créditos, a pontuação forte era para história, 
geografia, OSPB, no meu tempo tinha organização social e política brasileira, literatura, 
português, gramática e redação, esses eram os pontos fortes. Eu gostava dessas coisas, 
eu fiz psicologia, eu adorava psicologia, mas eu sempre gostei de psicanálise e desde o 
começo eu queria psicanálise. Quando eu terminei de cursar psicologia, eu fiz uma 
especialização, que era educação especial e distúrbio de aprendizagem, depois eu fiz um 
mestrado na Unifor e fiz o doutorado também na Unifor, em seguida eu fiz 
especialização em filosofia e é isso. Eu sempre me dediquei a clínica, sempre estudei 
psicanálise e eu nunca pensei em ser professora, eu sempre pensei em clinicar. Eu 
sempre participei de instituições psicanalíticas, a minha primeira instituição chamava 
“Édipo” e era “estudos interdisciplinares de psicanálise”, em seguida eu participei do 
“suposto”, posteriormente eu fui pra “inversão freudiana” e agora eu tô solteira, eu pedi 
divórcio da “inversão freudiana” e depois a “inversão freudiana” acabou e agora eu vou 
ver qual é a minha próxima instituição, porque é importante um psicanalista estar filiado 
a uma instituição. Eu estou fazendo um curso agora na PUC de São Paulo sobre 
intervenções psicanalíticas em situações de crise, tem tudo a ver com a psicologia 
social, que é intervenções psicanalíticas em grupos, atendimentos com pessoas em 
situação de rua, com Jorge Bros, Emily Ester. Antes eu estudava e ensinava nas 
instituições dos seminários clínicos, entãoresolvi fazer o doutorado, quando eu vim 
fazer o doutorado na Unifor tinham disciplinas de estágio docente. Eu comecei a dar 
aula e me apaixonei, adorei dar aula. Quando surgiu uma vaga, eu fiz o concurso e 
fiquei na Unifor e eu adoro dar aula. 
 
2. Motivação pessoal que a levou para tal área da psicologia 
 
Esse é um projeto da pós graduação e eu fiquei motivada porque eu adoro pesquisa, 
assim como a professora Márcia, a gente tem sempre disciplinas de prática de pesquisa 
e TCC, eu gosto muito de pesquisa, como as pesquisas de campo e eu sempre participo 
de laboratório de pesquisa. Eu participo de um laboratório aqui na Unifor que chama 
laepcus e é um laboratório de pesquisa em psicanálise, essa pesquisa com o tema tema 
“violência de gênero no isolamento da pandemia de covid-19” é filiada a esse 
laboratório e tem uma proposta de intervenção em urgência subjetiva com mulheres em 
situação de vulnerabilidade e risco. Me interessou exatamente por causa dessa 
expansão da psicanálise para o social, para atender pessoas em risco e vulnerabilidade e 
por causa da metodologia também, que é a escuta psicanalítica, meu grande interesse é a 
clínica. Mas como Freud dizia “não existe diferença entre psicologia individual e 
psicologia social”. Quando o indivíduo vem falar com você, ele traz todo o contexto 
social, como é que você vai escutar esse sujeito se você não entende do contexto social? 
Você tem que estar de olhos bem abertos e com a escuta atenta, muito me interessa a 
violência de gênero. Eu tenho um grupo de estudos, chamado: “Políticas e 
Sexualidades”, que estuda as questões de gênero. É um tema muito caro para a 
psicanálise, porque a psicanálise era muito careta em relação a isso e agora está se 
abrindo às questões de binaridade, questões de gênero, dos transgêneros, são questões 
novas e que a psicanálise tem que avançar e tem que inovar. A gente precisa entender 
isso, o conceito de normatividade, o que é normal para uma época e o que não é, tudo 
isso faz parte e todos esses temas me interessam, por isso que me interessou e também 
por causa da questão da urgência subjetiva. Em psicanálise não existe plantão 
psicológico, a gente chama de urgência subjetiva, que são atendimentos rápidos que a 
gente faz de quatro a seis atendimentos, não é psicoterapia breve, porque esse 
atendimento que fazemos é de urgência, em poucos atendimentos você tem que criar 
um vínculo transferencial, para que você possa restaurar algo que do pulsional foi 
rompido por causa da violência que a pessoa sofreu. Então isso me interessa muito. 
Minha motivação é aprender, eu adoro aprender. A meu ver o lema da universidade 
devia ser mudado, ao invés de ser ensinando e aprendendo, deveria ser aprendendo e 
ensinando, porque a gente primeiro aprende, o tempo inteiro a gente tá aprendendo. Até 
a coordenadora do PPG, do mestrado e doutorado. Ela tava me dizendo que nunca 
esqueceu de um dia ela me perguntou porque que eu tinha virado professora, e eu disse 
porque eu gosto de aprender. O projeto tem uma ligação com o núcleo de defensoria 
pública voltado para as mulheres e com a casa da mulher brasileira, no centro de 
referência de atendimento às mulheres que sofrem violência. Esses dois dispositivos 
encaminham as mulheres que vão fazer B.O de violência doméstica para a escuta 
psicológica. Então essa escuta é feita de modo online ou por telefone, a gente faz de 
quatro a seis atendimentos, depois levamos o relato para as reuniões da pesquisa, 
debatemos os casos e a partir daí construímos narrativas sobre esses casos e realizamos 
artigos em cima disso. 
3. Informações mais gerais sobre as áreas de atuação da psicologia social entre 
outras abordagens que foram entrevistas: objetivos gerais; campos e contextos 
possíveis de atuação; temáticas que pode abordar; problemáticas frequentes 
A psicanálise, como Freud já dizia, no artigo dele de 1919 “Perspectivas da Terapia 
Analítica” ou pode ser “Caminhos da Terapia Analítica”, dependendo da tradução, ele 
dizia que a psicanálise um dia ia estar nos serviços públicos, que iria ser financiada pelo 
estado para as pessoas que mais necessitam dela, aquelas que mais sofriam, porque 
viviam em situações de vulnerabilidade, ele não usava esse termo nessa época, 
vulnerabilidade. Freud já previa isso, que ia haver uma clínica social e hoje a gente tem 
isso, a psicanálise está nos Caps, está nos Creas, está nos hospitais, está aqui no NAMI, 
no SPA, a psicanálise está nos meios de divulgação. Na pandemia só deu para 
psicanalistas, eram filósofos como Karnal, psicanalistas como Dunker, Maria Rita, 
Maria Homem, Contardo Calligaris, Alfredo Simonetti, Juçara Mapurunga e Sabrina 
Serra Matos, pois nós nós temos uma parceria, estamos sempre fazendo lives, fizemos 
várias atividades na pandemia e esses psicanalistas estão sendo solicitados para falar do 
social. Joel birman, que é um grande psicanalista e médico de saúde coletiva, Benilton 
Bezerra Júnior, outro grande psicanalista, e que também trabalha nessa área da medicina 
e psiquiatria social foram confirmados para fazer live, para explicar o trauma da 
pandemia, afinal ninguém sabia o que era isso, como que ia nos afetar essa história do 
isolamento, de distanciamento social que causa muitos distúrbios, principalmente a 
depressão, que já é o maior transtorno mental em termos quantitativos ditos pela OMS. 
A psicanálise está sempre presente, porque a psicanálise é a chata que vem confrontar o 
discurso do capitalismo, porque o discurso do capitalismo e do neoliberalismo diz que 
nós podemos tudo, que você tem direito de exercer todos os seus gozos, de comprar 
tudo que lhe convém, fazer tudo que você deseja, você é um consumidor. É tanto que 
tem o SAC (serviço de atendimento ao consumidor), para você reclamar de tudo, você 
não pode ser desgostado, ninguém pode ser frustrado, todo mundo tem que fazer tudo 
que quer. Onde é que nós vamos parar desse jeito? A psicanálise vem e diz: “não, nada 
disso, nós somos castrados, o que nos aguarda bem ali na frente é a morte, todos vamos 
morrer e tem um limite pra tudo, nós não podemos realizar todos os nossos desejos, 
porque o outro também tem direito a realizar os desejos dele”. É como sinal de trânsito, 
se você não respeita, se você não para, o outro não passa e vocês vão colidir, e vai ser 
uma catástrofe, a violência vem daí. A psicanálise é conclamada a falar isso, porque ela 
confronta o sujeito com essa realidade. Ela vem dizer para os negativistas que o 
coronavírus mata. Freud tinha uns textos ditos sociais: “Totem e Tabu”, de 1913, “O 
Futuro de Uma Ilusão”, “O Mal Estar na Cultura”, “Moisés e o Monoteísmo”, mais 
ainda em 1908, “ Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna”, que é 
o primeiro texto dito social, onde ele começa a falar do social, infligindo o mal-estar na 
cultura e vai culminar com grande livro dele de 1930 o “Mal Estar na Cultura”, onde ele 
vai falar que nós nunca poderemos ser plenamente felizes, por três grandes motivos, o 
social faz com que a gente sempre esteja em conflito. Ele diz sobre a decadência do 
nosso próprio corpo, nosso corpo entra em declínio, nós envelhecemos, nós vamos 
adoecendo, nós sofremos, como agora com o coronavírus. As influências do meio 
externo, da natureza, temos intempéries da natureza, como por exemplo, os maremotos, 
tsunamis, os aviões que caem, as nuvens nimbos derrubam aviões. Eu digo isso, porque 
tem os tecnocratas, que dizem que o avião é o meio mais seguro, mas cai. Também 
nossas relações com os outros são exatamente advindas do social, então o social causa o 
sofrimento psíquico, porque nós temos que nos relacionar com os outros. A psicanálise 
sempre esteve ligada ao social. Como Freud diz em “A Psicologia das 
Massas” e “Análise do Eu” de 1921. Ele começa a dizer que não existe psicologia 
individual separado da psicologia das massas, porque nós formamos o nossoeu, a nossa 
identidade, exatamente quando nos relacionamos com outro, porque nós somos 
totalmente desnaturalizados. Nós somos totalmente separados da natureza, porque nós 
somos seres de linguagem, é a linguagem que nos forma, é o discurso que nos torna 
humanos e o discurso vem do social, então nós não formamos o nosso eu, se não 
estivermos no social. Como diria Aristóteles:”o homem é um animal social” e é mesmo, 
não existe psicanálise fora do social, mesmo que você pense que a psicanálise só 
aconteça no consultório, entre quatro paredes, mas entre aquelas quatro paredes existe 
um mundo. Onde um psicanalista for, ele pode levar psicanálise, nas praças, nos 
presídios, nos hospitais, nas instituições de trabalho, nos Caps, em todos os lugares. 
Como diria Lacan: “o que se espera de uma psicanálise é a formação de um analista”, 
então desde que você passe pela formação do analista, você leva a psicanálise para onde 
você for, aqui na sala de aula, você transmite psicanálise. E o que é formação? É a sua 
análise pessoal, é você fazer supervisão com um analista mais experiente, quando 
estiver no atendimento clínico, e estudo teórico permanentemente para a vida inteira. 
 
 4. Impacto que a atuação do psicólogo tem sobre a problemática da violência 
contra a mulher e a opinião pessoal do mesmo referente ao próprio trabalho 
Eu acho que foi maravilhoso o caso clínico que eu atendi lá, em quatro sessões ver o 
giro que ela deu. Ela começa se culpabilizando, porque ela achava que tinha dado 
motivo para o companheiro ter sido agressivo com ela. A partir do momento que ela 
fala, que ela é escutada, que ela reflete e que a gente faz intervenções, ela começa a 
mudar de posição. Ela muda de posição e enxerga que ela é um sujeito e que ele é um 
agressor, que tinha violado ela em vários aspectos. Então ela passa a se culpar porque 
ela demorou tanto tempo naquela situação e porque que ela se deixou ficar naquela 
situação. Ela passa da culpa para o cuidado de si, a pensar nela como sujeito, como 
cidadã. Então ela disse: “eu não quero mais ser um número em uma estatística de 
feminicídio”. É muito legal, em outros temas eu poderia dizer que é uma 
conscientização da posição dela de pessoa, não só de mulher, mas de pessoa no mundo, 
e que ela tem sim direitos e que ela tem que romper esse ciclo, cuidar de si. Depois 
disso ela pensou em continuar a terapia, encontrar um trabalho e vida que segue. A 
psicanálise vai fazer isso, tirar o sujeito do lugar de vítima, a psicanálise não põe essas 
mulheres em lugar de vítima, mas lugares de sujeito, para que elas dêem uma virada na 
vida e principalmente refletir o porquê que elas ficam nesse lugar de repetição. É um 
lugar de pulsão de morte, fica nesse lugar de repetição, então refletir sobre isso faz com 
que elas queiram romper com isso e não se deixar mais ser objeto na mão desses 
agressores. A gente pode contribuir com isso, não dizendo o que deve fazer, mas 
fazendo com que essas mulheres reflitam sobre a própria posição de vítima que ocupam 
e queiram sair dessa posição a posição, para ir pra posição de sujeito atuante. 
 5. Prática Profissional mais específica da(o) entrevistada(o): 
a) Público-alvo assistido: perfil e características frequentes 
Qualquer mulher que vá fazer um boletim de ocorrência, que sofreu agressão, violência 
de gênero, que é aquela violência que é perpetrada porque você é uma mulher. Sendo 
assim, qualquer mulher que vai fazer o b.o, mulheres cis ou transgênero, desde que 
tenha a conotação da violência de gênero. 
b) Características das demandas que chegam ao profissional: sintomas, sinais, 
problemáticas, queixas, problemáticas 
Agressão por parte dos companheiros e principalmente agora no isolamento, pois ficam 
em casa, geralmente esses companheiros estão desempregados, então são elas que dão 
conta da casa e de tudo, e que são agredidas. Por exemplo, teve uma pessoa que eu 
atendi, além dela ter um trabalho e estar sustentando a casa, ele ficou com ciúme dela, 
foi no trabalho e fez um escândalo, dizendo que ela está tendo um caso com chefe, dessa 
forma ela perde o trabalho, então ele bate nela, ela vai fazer o b.o. e é encaminhada para 
atendimento. 
 
e) Desafios enfrentados pelo profissional e as possibilidades de enfrentamento 
para tais 
Não, é maravilhoso a gente faz o atendimento por WhatsApp ou por telefone e nenhuma 
resistência. Elas adoram falar, é muito tempo de silêncio, geralmente quem sofre 
violência doméstica vive em um silêncio muito grande, quando tem esse dispositivo de 
fala elas adoram, falam mesmo. Tem umas que tem medo, porque às vezes ele ainda tá 
dentro de casa, o agressor. Umas que perdoam, que mesmo fazendo b.o perdoa e voltam 
a morar juntos, pode acontecer dificuldades nesse gênero. Mas quem faz o b.o, que 
entrou com a medida protetiva e realmente tá separado, adora esse momento para poder 
falar, para poder se organizar, para ser escutada na sua dimensão humana, na sua 
dimensão de mulher, elas adoram. 
f) Futuro provável na área de atuação 
A psicanálise cada vez mais vai se expandir para situações de vulnerabilidade, de risco, 
para situações de grupo, online, agora nesse momento da pandemia. É uma grande 
surpresa, a gente nunca imaginou como daria certo, mas a psicanálise tem tudo para dar 
certo no dispositivo online, porque o nosso dispositivo é a associação livre, isso pode 
ser feito, a gente não precisa de outros recursos é só falar. As pessoas dizem que tem 
que ter a presença, é fundamental, porque tem que ter corpo, tem que ter pulsão. A voz é 
pulsional, a imagem é pulsional, então dá para sustentar assim com atendimento online. 
Mesmo quando passar a pandemia vai continuar o atendimento online. 
 
6. Recomendações para as(os) futuras(os) profissionais que queiram atuar nesta 
área 
Eu estou me lembrando agora de uma frase, só esqueci quem disse “se queres a paz, 
prepare-se para a guerra”. Você tem que se preparar. Como diz Lacan: “a agressividade 
é o começo de tudo”, é uma ilusão achar que nós somos bonzinhos como disse Freud e 
não é do amor que começa a transferência, é da agressividade. O amor é cultural, é 
aprendido, mas nós já nascemos com a agressividade, é pulsional, a criança morde e 
grita. Você tem que ter um desejo muito grande de querer escutar, de querer 
transformar, mas não no sentido da bondade. Como diz Lacan: “desconfie daquele que é 
altruísta, porque o bem para você pode não ser o bem para o outro”. É preciso aprender 
a aceitar e a respeitar a diversidade, e saber que existe um mal radical dentro da gente, 
como dizia Freud, que é a pulsão de morte e que temos que lutar contra ela, estas são as 
armas de combate. Tem um filme muito bom que se chama “Seven” e ele termina 
dizendo isso: que o mundo não é bom, mas que a gente pode fazer algo por ele. A gente 
tem que ler muito, tem que estudar muito do social, psicologia social, sociologia, 
antropologia. Não é para você pegar compêndios de antropologia para estudar, você 
pega um romance e tem antropologia, por exemplo, torto arado. É um livro de Itamar 
Vieira Júnior, que ganhou o prêmio Jabuti, o maior prêmio de literatura do nosso país, o 
melhor livro de melhor romance do ano. É belíssimo, o livro é no ponto de vista de duas 
irmãs que sofrem violência estrutural, a violência estrutural como diz Silvio Almeida: 
“é a violência da cultura, do racismo estrutural”, e esse livro trata disso, de racismo 
estrutural, de violência de gênero e de violência de outros tipos sobre a formação do 
Brasil. Tem outro filme que eu acho sensacional, chamado “A Época da Inocência” do 
Martin Scorsese, é um diretor que faz filmes violentíssimos, neste ele traz Nova York 
do século 19, exatamente na época de Freud com as histéricas. É um filme sensacional, 
parece delicado, porque ele fala do século 19, daquelas mulheres bem vestidas, dos 
jantares em Nova York, mas é de

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