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2) Poder Constituinte 2017

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PODER CONSTITUINTE
TEORIA DO PODER CONSTITUINTE
1. Origem, natureza e legitimidade.
Assim como é possível falar de uma Constituição histórica, cuja existência antecedeu à compreensão teórica do fenômeno constitucional, também o poder constituinte, como intuitivo, está presente desde as primeiras organizações políticas. Onde quer que exista um grupo social e poder político efetivo, haverá uma força ou energia inicial que funda esse poder, dando-lhe forma e substância, normas e instituições. 
Os processos de criação da Constituição sempre ocorreram na história, como forma de expressão mais ou menos difusa de normas fundamentais de uma comunidade ou de sua organização concreta.
Recorrente tem sido a leitura de que a doutrina do poder constituinte está intimamente associada com a necessidade de conciliação entre o poder político e liberdade, que se resolve apenas com a ideia ou mito da República: os comandados participam do poder que os dirige, criando-o e mantendo-o [footnoteRef:1]. [1: SINGER, André. O Contra-Império Ataca: Sistema Imperial Adapta-se ao Modelo Político dos EUA, Hegemônico a partir de 1991. Folha de São Paulo. p. 11, 24/09/2000.] 
Mas o isolamento prático e teórico desses processos de criação jurídica do produto criado só vai surgir com o movimento de formalização constitucional. A teoria do poder constituinte, envolvendo especulações acerca de sua natureza, titularidade e limites, remonta, portanto, ao advento do constitucionalismo moderno, em um ambiente dominado pelas aspirações de racionalidade do iluminismo, do jusnaturalismo e do contratualismo. 
Apenas nesse instante, em que a consciência jurídica destaca a Constituição como centro normativo-formal de fundação da comunidade jurídica, é que se impõe a necessidade de se problematizar o seu processo formativo.
Num primeiro momento, será a prática que despertará a separação entre os atos de constituição e os atos constituídos, embora ainda faltasse uma base teórica mais firme. Assim, no Agreement of the People de Crommwell, com a afirmação da existência de um pacto do povo que se colocava acima do Parlamento; e, de forma mais exposta, nas Cartas Constitucionais das colônias inglesas na América do Norte.
A Constituição de Massachussetts de 1780 é emblemática a esse respeito.
As Assembleias dos colonos enviaram seus representantes à Convenção do Estado para elaboração de um projeto de Constituição que foi submetido, de volta, àquelas assembleias para sua aprovação. Esse procedimento foi seguido por New Hampshire e pela própria Constituição Federal. A experiência norte-americana influenciou a distinção entre o poder constituinte e os poderes constituídos, desenvolvida pelos revolucionários franceses, especialmente pelo abade Emmanuel SIÉYÈS [footnoteRef:2]. [2: SIEYÈS, Emmanuel Joseph; BASTOS, Aurélio Wander. A constituinte burguesa: qu´est-ce que le Tiers État?. 4. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2001. 80p. (Clássicos do direito).] 
De acordo com SIEYÈS, a Nação tinha um poder constituinte distinto dos poderes constituídos, cujo exercício haveria de ser feito por seus representantes comissionados para elaboração das leis fundamentais. Essa distinção vinculava ao poder constituinte o ato de soberania, de legislador absoluto (legibus solutus), ao tempo em que preservava essa soberania, una, indivisível e inalienável contra a usurpação pelos poderes constituídos que haveriam de ser divididos e limitados.
Desde então se fala em poder constituinte como aquele poder de originariamente elaborar uma Constituição [footnoteRef:3]. [3: Cf. em Jorge Reinaldo Vanossi, Teoria Constitucional, Buenos Aires: Depalma, 1976, 2v., uma variedade de concepções de poder constituinte: racional-ideal (clássica, de Siéyès), fundacional-revolucionária de Hauriou), existencial-decisionista (de Carl Schimitt), materialista (do marxismo), dialética-plenária (de Heller), p. 5 e seguintes.] 
Essa teoria constituinte, denominada hoje de clássica, tinha a necessidade imperiosa de se contrapor à teoria do direito divino dos reis, o que lhe imprimiu uma feição radical e absoluta como revelam suas notas características de um poder originário, por dar origem à Constituição; extraordinário, por se operar apenas para esse fim; soberano, por ser expressão da vontade soberana do povo [footnoteRef:4]; ilimitado e incondicionado, por não estar vinculado a formas ou procedimentos jurídicos, estando sempre "em estado de natureza" [footnoteRef:5]; unitário e indivisível, por reunir todos os outros poderes; e democrático, por apresentar como titular o povo (teoria da soberania popular) ou a nação (teoria da soberania nacional) [footnoteRef:6]. [4: Para Carl Schmitt, era a própria vontade política: Teoría de la Constitutión. 1ª reimpresión, trad. Francisco Ayala, Madri: Alianza Editorial, 1992, p. 93.] [5: SCHMITT. Teoria de la Constitución, p. 97. Para os jusnaturalistas, melhor seria falar em
poder autônomo, por ser ilimitado pelo direito positivo, mas sujeitar-se ao direito natural: FERREIRA FILHO. Manuel. Curso de Direito Constitucional, p. 23.] [6: OTTO. Derecho Constitucional, p. 53. Para alguns, a noção de soberania nacional que surge para fundamentar os Estados Nacionais europeus é substituída, nos Estados Unidos, pela ideia de poder constituinte: SINGER. O Contra-império Ataca, p. 11.] 
Mas o alcance desse poder despertara amplo debate. 
CARL SCHMITT falava em adoção da concreta decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política, pressupondo uma prévia organização política [footnoteRef:7]. [7: SCHMITT. Teoría de la Constitución, p. 93-94.] 
Na mesma linha, ANTONIO ARMOTH afirmava que o poder constituinte não criava, mas apenas ordenava os poderes constituídos, de sorte que não fundava o Estado, apenas definia-lhe a forma e a estrutura [footnoteRef:8]. [8: ARMOTH. Essenza e Funzioni della Costituente, p. 164. Apud FERREIRA FILHO. Manuel. Curso de Direito Constitucional, p. 28.] 
A identidade de Estado e Direito, por seu turno, fomentara as ideias de que a Constituição fundava ou criava o próprio Estado. A formação do Estado Federal parece ser a hipótese mais convincente dessa última compreensão. 
A prática constitucional, contudo, tanto pôde revelar casos de (1) fundação do Estado anteriormente à adoção de uma Constituição escrita, como pôde dar conta da (2) existência de uma Constituição escrita, antes da existência de um Estado soberano.
A primeira hipótese é comprovada nos processos de mudança de regime político, em que se preserva a unidade do Estado e do povo, podendo ser promovidas, no entanto, alterações estruturais significativas corno na inversão radical do sistema de dominação, ou mera acomodação das estruturas existentes, com a modificação do grupo hegemônico ou reequilíbrio de forças entre vários segmentos sociais ou entre grupos dominantes e grupos dominados.
É indiscutível a permanência existencial e orgânica do Estado, sobretudo no segundo caso, embora os juspositivistas se esforcem para afirmar que essa continuidade seria apenas histórica ou política, mas nunca jurídica.
Um exemplo da primeira hipótese é a Constituição do Japão, de 1946. O governo militar aliado, no Japão, impôs um texto constitucional que introduziu, naquele País, o sistema de democracia parlamentarista com a consequente redução dos poderes do imperador. 
Um exemplo da segunda hipótese pode ser verificado nas Constituições de Estados que haviam sido possessões inglesas e que, segundo o "Estatuto de Westminster", foram ditadas pelo Parlamento Britânico: como a do Canadá em 1867, a da Austrália em 1901 e a da África do Sul em 1909.
Com a teoria do poder constituinte pretendia-se fechar o debate sobre o fundamento de validade da Constituição: ela seria válida incondicionalmente porque procedente de quem tinha o poder de instituí-la de forma absoluta. 
E sendo esse alguém o povo ou a nação, ficaria também solucionada para a Dogmática Constitucional o princípio da legitimidade democrática que se clamava nos tempos revolucionários. 
No entanto, a teoria,em si, já revelava seus pontos nebulosos e se tornou insustentável em face da prática constitucional dos séculos XIX e XX. 
O processo constituinte, por um lado, revelou que não era de forma alguma absoluto ou incondicionado, mas antes atendia a uma certa ordem de valores e, enfim, possuía também as suas regras, sobretudo pelas normas que disciplinavam a convocação de eleições ou de referendo, bem assim do procedimento de elaboração constitucional. Muitos autores tentaram superar esse obstáculo, no entanto, introduzindo a diferença entre o poder constituinte material, de “autoconformação do Estado segundo certa ideia de Direito” e poder constituinte formal, de formulação jurídica dessas ideias [footnoteRef:9], mas a originalidade constituinte não poderia ser incontrastável ou sem limites, impondo-se para a chancela de sua legitimidade o atendimento de um certo rito mais ou menos previsível (legitimidade pelo procedimento) e a um conteúdo mínimo de normas (legitimidade pelo resultado). [9: MIRANDA. Jorge. Manual de Direito Constitucional, II, p. 71 et seq., p. 74.] 
A contradição, decorrente da diferença entre poder constituinte e constituído, ainda tinha mais a dizer. 
Por que a Constituição valia? 
Sem discutir a fundo os problemas da validade última, em suas múltiplas vertentes, podia-se apenas dizer que ela valia por ser o produto da vontade popular exteriorizada no processo de fundação constitucional. 
O paradoxo vai estar na afirmação de que essa vontade se autolimitava para ser exercida, desde então, segundo as normas que ela mesma produzira.
Ora, um poder soberano não se pode autolimitar. 
Os doutrinadores do século XIX revelaram esse paradoxo em relação ao princípio monárquico. 
Se o Rei tinha um poder absoluto, a Constituição ditada pelo Rei, auto limitando-se, não poderia nele se fundar, pois o negava. 
"Se afirmamos que a Constituição vale em virtude do poder absoluto do Monarca, estamos reconhecendo tal poder e, portanto, que o Monarca não está sujeito à Constituição", escrevera IGNACIO DE OTTO [footnoteRef:10]. [10: OTTO. Ignácio de. Derecho Constitucional, Sistema de Fuentes, 2ª ed., 6ª reimpressão, Barcelona: Ariel, 1998, p. 54.] 
Mas para afirmar que a Constituição vinculava o Monarca, não havia outra forma que afirmar a derrogação da norma básica que atribuía ao Rei o poder absoluto, que, por conseguinte, já não mais servia como norma fundante da Constituição.
Não será difícil concluir, portanto, que a teoria do poder constituinte não fundamenta a natureza jurídica da Constituição. 
Não há, sob esse olhar, um poder prévio ao Direito, a menos que tenhamos de assumir que tal poder é fático e sem compromissos jurídicos. 
Para os revolucionários esse era um ponto incontroverso e a vontade fundacional do povo ou da nação, manifesta no poder constituinte, um dogma.
Era mais uma ficção moderna, pois, para que fosse democrático, haveria de atender às regras de iguais direitos e da liberdade dos participantes, o que demandaria necessariamente um quadro institucional que só o direito asseguraria [footnoteRef:11]. [11: Contra Schmitt, para quem "a vontade do povo de dar-se uma Constituição pode somente demonstrar-se mediante o fato e não mediante a observação de um procedimento nonnativamente regulado ( ... ). A vontade constituinte do povo é imediata. É anterior e superior a todo procedimento de legislação constitucional". Teoría de la Constitución, p. 100-101.] 
O paradoxo moderno do poder constituinte democrático dá margem à multiplicação de teorias explicativas da natureza desse poder, ora como fato [footnoteRef:12], às vezes reduzido a uma vontade política [footnoteRef:13], ora como direito e, portanto, sendo uma emanação do direito natural [footnoteRef:14] ou encontrando amparo, por exemplo, nas exigências do bem comum [footnoteRef:15], um governo justo e honesto, numa intencionalidade jurídico-valorativa [footnoteRef:16]ou no reconhecimento internacional da autodeterminação dos povos [footnoteRef:17]. [12: KELSEN. Teoria Geral do Direito e do Estado, p. 121 et seq.; CARRÉ DE MALBERG. Teoria General dei Estado, p. 1161; ROSS. Sobre el Derecho y la Justicia, p. 79: "puro fato sociopsicológico"; embora se referindo ao direito natural não é estranha a interpretação de que também para Siéyes o poder constituinte seria de natureza política.] [13: SCHMITT. Teoria de la Constitución, p. 93-94.] [14: FERREIRA FILHO. Curso de Direito Constitucional, p. 20.] [15: MESSINEO. Antonio. Fonte del Potere Constituente, In: Constituzione e Constituente. Roma: Ediziones Icas, 1946, p. 200.] [16: HELLER. Hermann. Teoria del Estado, p. 268, 298.] [17: Lembra-se aqui o artigo 1.° do Pacto Internacional de Direitos Civis e Político e do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que expressam o mesmo conteúdo: "Todos os povos têm o direito de livre determinação. Em virtude desse direito, estabelecem livremente sua condição políticas e provêm assim também o seus desenvolvimento econômico, social e cultural."] 
Os Modernos não imaginavam um poder constituinte que não fosse revolucionário.
A imagem do Estado ou de sua legitimidade estava associada a uma sociedade estamental e de privilégios, que só seria alterada por processos violentos, por rupturas e por descontinuidade que produzissem modificações não apenas na realidade, na modificação do regime ou de seus titulares, mas sobretudo no imaginário ou no mundo simbólico da população que se projetava na instauração de um novo Estado, na promulgação de uma Constituição. 
A Constituição era assim, para os vencidos, a bandeira da violência e da usurpação dos títulos de legitimidade; enquanto para os vencedores era o fim da tirania ou despotismo, o selo de uma nova era. 
No entanto, a força simbólica de um texto escrito como uma espécie de contrato ou fundamento social logo foi apropriada pela restauração, com o triunfo das dinastias sobre Napoleão, transformando-se em fonte de restabelecimento do poder daqueles que haviam sido anteriormente derrotados.
A questão pode parecer mais simples, contudo, se for adotada a ótica do observador. Terá havido uma modificação instantânea do padrão de legalidade, dando lugar ao padrão de efetividade. E essa efetividade pode decorrer tanto da força pura de quem dita uma Constituição e impõe o seu cumprimento quanto pela reparação do divórcio entre a realidade e a norma ou entre a Constituição e a consciência jurídica, fazendo desabar a antiga ordem [footnoteRef:18]. [18: Daí Carl Schmitt definir poder constituinte como a vontade política cuja força (potestas) ou a autoridade (auctoritas, "prestígio social", "ampliador da fundação", "símbolo da continuidade,,) seja capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política": Teoria de la ConstÍtución, p. 93-94.] 
Os Modernos não imaginavam um poder constituinte que não fosse revolucionário.
A imagem do Estado ou de sua legitimidade estava associada a uma sociedade estamental e de privilégios, que só seria alterada por processos violentos, por rupturas e por descontinuidade que produzissem modificações não apenas na realidade, na modificação do regime ou de seus titulares, mas sobretudo no imaginário ou no mundo simbólico da população que se projetava na instauração de um novo Estado, na promulgação de uma Constituição. 
A Constituição era assim, para os vencidos, a bandeira da violência e da usurpação dos títulos de legitimidade; enquanto para os vencedores era o fim da tirania ou despotismo, o selo de uma nova era. No entanto, a força simbólica de um texto escrito como uma espécie de contrato ou fundamento social logo foi apropriada pela restauração, com o triunfo das dinastias sobre Napoleão, transformando-se em fonte de restabelecimento do poder daqueles que haviam sido anteriormente derrotados [footnoteRef:19]. [19: O princípio monárquico em sua forma plena - isto é, o rei como titular da soberania e do poder constituinte - voltou a prevalecer na Europa em mais de um momento, mesmo depois da Revolução Francesa]A necessidade de se promulgar a Constituição passou a ser moeda corrente desde então, mas cada vez mais foi perdendo a sua identificação com a guilhotina ou com outros métodos violentos de tomada de poder, deslizando-se para formas negociadas de transição. 
A França, por exemplo, estava imersa em uma grande crise no final dos anos cinquenta do século passado. A seguir a tradição, desabaria um movimento revolucionário que culminaria provavelmente em um novo texto constitucional. Mas o tempo havia ensinado seus truques e a lei já então parecia muito mais eficaz e aceitável que o derramamento de sangue. CHARLES DE GAULLE, Presidente do Conselho de Ministros, conseguiu convencer a Assembleia Nacional e o Conselho da República da necessidade de os franceses terem uma nova Constituição, obtendo a aprovação da Lei Constitucional de 3 de junho de 1958 que modificava o processo de revisão previsto pela Constituição de 1946 e deferia ao Governo poderes para elaboração de um Projeto de Constituição. Contando com a ajuda de uma comissão consultiva formada por membros do Parlamento e do Conselho de Estado, o projeto foi elaborado e, a seguir, submetido a referendo popular, convertendo-se na Constituição de 4 de outubro de 1958.
Sob o olhar moderno, certamente, nem constituinte seria esse poder, considerada a forma de sua manifestação e a obediência a certos passos, no mínimo, procedimentais. Sob o olhar retrospectivo de nosso tempo, as mudanças constitucionais, mesmo aquelas mais profundas, podem e devem prescindir de sangue e de vidas.
O processo mais recente de transição do Brasil é um exemplo dessa diferença de perspectiva [footnoteRef:20]. [20: De acordo com o sentido do texto, a transição pressupõe a mudança material e forma da Constituição, diferente, assim, do sentido apresentado por Jorge Miranda, que a define como mudança da Constituição material, permanecendo a instrumental e, eventualmente, a formal: Manual de Direito Constitucional, TI, p. 139; ou Gomes Canotilho, identificando- a com o conceito de mutação constitucional: revisão informal da Constituição sem alteração do texto: Direito Constitucional, p. 237.] 
No caso do Brasil, a Constituição de 1988 foi elaborada e promulgada de acordo com a Emenda Constitucional nº 26, de 1985.
Uma primeira questão surge em saber se houve continuidade constitucional ou se irrompeu uma nova ordem jurídica. Em outras palavras, se as alterações foram produto de um poder constituinte originário ou de um poder reformador ou revisor. A distinção não tem natureza puramente acadêmica, nem revela filigrana jurídica. Certo que, nesse terreno, tem lá sua importância. A julgar-se pela continuidade, aparece a questão clara da inconstitucionalidade da emenda que reforma as normas da reforma. Diferentemente será se considerarmos que houve novação constitucional, pois os vícios passados são superados pela afirmação de uma nova ordem. Mas nem por isso todas as respostas são satisfatórias. 
GERALDO ATALIBA denunciou o erro dos que viam continuidade jurídica entre a Constituição brasileira de 1988 e a anterior, pela ponte da EC n. 26/1985: 
Não é difícil mostrar que só um fato político inegável dá plena legitimidade à Constituinte: o voto popular. Do mesmo modo, só uma circunstância fará que o produto seja uma verdadeira Constituição: sua eficácia. ( ... ) Uma Constituinte pode ser convocada por decreto executivo, por lei, por emenda constitucional, por proclamação ou pregação revolucionária etc. Enfim, por qualquer ato de qualquer órgão ou pessoa. (...), onde houver processo de ruptura jurídica, quebra da ordem jurídica existente.” [footnoteRef:21] [21: ATALIBA. Fonte de Legitimidade da Constituinte, Revista de Informação Legislativa, nº 98, abril/junho 1998, p. 99-101.] 
Ora, posta assim a questão, não haveria diferença em relação a uma Constituição derivada de uma revolução. Quando um poder constituinte adota uma nova Constituição, seria, em princípio, logicamente possível para os tribunais antigos declará-la inconstitucional. No entanto, se os tribunais, tanto quanto os outros órgãos de governo, estiverem atuando sob a nova Constituição.
Essa lógica se esfumaça, pois será, então, inconcebível, a menos que se admita a autodestruição, que pudessem considerar sem validade o próprio instrumento que os criou.
2. Poder constituinte e poderes constituídos.
As noções de poder constituinte, soberania e legitimidade política iniciam sua longa e acidentada convivência desde o advento do constitucionalismo moderno.
A primeira Constituição escrita do mundo moderno foi a americana, elaborada pela Convenção da Filadélfia, de 1787. 
Fora precedida por diversas constituições estaduais das antigas colônias inglesas na América do Norte. E, antes delas, por inúmeras declarações de direitos.
Não houve, nos Estados Unidos, um debate prévio mais sofisticado acerca do tema do poder constituinte e suas implicações. A Constituição surgiu como um fato histórico, obra de estadistas e legisladores, não de filósofos. 
É certo que, a posteriori, já durante o processo de ratificação, produziu-se um conjunto de escritos explicativos do documento aprovado, que viriam a tornar-se - reunidos em um volume – um clássico da ciência política (Federalist papers).
A Constituição francesa de 1791 foi contemporânea da Constituição americana, mais por coincidência histórica do que por afinidades nas suas causas e consequências. 
Nos Estados Unidos, a Constituição foi o momento de conclusão de um processo revolucionário - ou, mais propriamente, da emancipação da colônia em relação à metrópole. 
Na França, ao revés, o processo constituinte deflagrou o movimento revolucionário, que teve como marco inicial a convocação dos Estados-Gerais e sua conversão em assembleia nacional constituinte. 
Foi nesse ambiente que SIEYÈS desenvolveu e divulgou a formulação teórica que o tornaria célebre, em opúsculo clássico, intitulado Qu' est-ce que le Tiers État?, escrito no curso do processo revolucionário francês.
EMMANUEL JOSEPH SIEYÈS apresentou as reivindicações do Terceiro Estado (a rigor, da burguesia) em face dos estamentos privilegiados, sobretudo a aristocracia. Após identificar o terceiro estado com a nação, formulou ele a distinção essencial entre poder constituinte e poder constituído. 
O poder constituinte, incondicionado e permanente, seria a vontade da nação, só encontrando limites no direito natural. 
O poder constituído, por sua vez, receberia sua existência e suas competências do primeiro, sendo por ele juridicamente limitado. 
O livro intitulado – Que é o terceiro estado? - tem uma estrutura interessante: desenvolve-se em três perguntas: (1) que tem sido o terceiro estado? (nada); (2) que é o terceiro estado? (tudo) e (3) que pretende ser o terceiro estado? (alguma coisa)
Neste livro encontra-se a origem da teoria do Poder Constituinte.
Em linhas gerais, este é o pensamento de és: (1) todo Estado tem uma Constituição; (2) Esta Constituição é obra de um Poder, o Poder Constituinte; (3) O Poder Constituinte é anterior à Constituição; (4) O titular do Poder Constituinte é a Nação; (5) Nação não é um conjunto de homens. Nação é a permanência de uma comunidade (é a expressão dos interesses permanentes de uma comunidade). Não é o interesse que os homens possam ter num determinado momento histórico; (6) O Poder Constituinte é permanente e não desaparece com a realização de sua obra; (7) A Nação não fica submetida à Constituição que estabeleceu. A Nação pode mudar a Constituição quando lhe aprouver. A origem do governo, portanto, é a Nação; (8) O Poder Constituinte da Nação não está limitado pelo Direito Positivo, mas apenas pelo Direito Natural.
Estavam assentadas as bases políticas da supremacia constitucional.
Para dar viabilidade prática à teoria e legitimar a Assembleia Nacional como poder constituinte, SIEYÈS afastou-se da doutrina rousseauniana da vontade geral e da necessidade de participação direta de cada indivíduo, substituindo-a pelo conceito de representação política.
A soberania popular rousseauniana foisubstituída pela ideia de "soberania nacional”.
Essas, portanto, as origens históricas modernas do poder constituinte e de sua teoria. 
Em pouco mais de duzentos anos de existência, o conceito conservou seu núcleo essencial, mas sofreu variações significativas de conteúdo.
Trata-se do poder de elaborar e impor a vigência de uma Constituição. 
Situa-se ele na confluência entre o Direito e a Política, e sua legitimidade repousa na soberania popular. 
Modernamente, a reaproximação entre o Direito e a Ética, assim como a centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, inspiram a percepção da existência de limites ao poder constituinte, a despeito das dificuldades teóricas que o tema suscita e das complexidades de sua efetivação.
3. Processos constituintes e modelos constitucionais.
Desde o surgimento do Estado liberal, na segunda metade do século XVIII, o mundo viveu algumas ondas de constitucionalização, com a elaboração de circunstâncias históricas. 
Estes seriam os sete ciclos ou momentos de especial significação:
(PRIMEIRO) - entre 1780 e 1791, inúmeros Estados situados no continente americano, inclusive os Estados Unidos da América, assim como a Polônia e a França elaboraram constituições escritas;
(SEGUNDO) - em 1848, um conjunto de revoluções ocorridas na Europa produziu constituições em mais de cinquenta países, levando em conta, para esse fim, os inúmeros pequenos Estados que viriam a constituir a Itália e a Alemanha;
(TERCEIRO) após a Primeira Guerra Mundial, foram criados ou recriados Estados como a Polônia e a Tchecoslováquia, e na Alemanha entrou em vigor a Constituição de Weimar;
(QUARTO) após a Segunda Guerra Mundial, as nações derrotadas adotaram novas Constituições, sob tutela mais ou menos estrita dos aliados;
(QUINTO) com o fim dos impérios coloniais, uma nova onda se formou. Começou com Índia e Paquistão, na década de 40, e chegou ao seu ápice ao longo da década de 60, envolvendo países como Costa do Marfim, Gana e Nigéria;
(SEXTO) com o fim das ditaduras no sul da Europa, nos anos 70, Portugal, Espanha e Grécia ganharam novas constituições democráticas;
(SÉTIMO) e, por último, com o fim das ditaduras latino-americanas, na década de 80, e com a derrocada do comunismo na Europa oriental e central, na virada para a década de 90, inúmeros países adotaram novas constituições.
Do exame dos eventos históricos referidos, é possível determinar e sistematizar os cenários políticos em que mais comumente se dá a manifestação do poder constituinte, com a elaboração de novas constituições. 
São eles: 
a) uma revolução;
b) a criação de um novo Estado (normalmente pela emancipação de uma colônia ou pela libertação de algum tipo de dominação); 
c) a derrota na guerra;
d) uma transição política pacífica. 
O poder constituinte se diz fundacional ou pós-fundacional, conforme resulte na formação originária de um Estado ou apenas na reordenação de um Estado preexistente. 
Contemporaneamente, o mundo assiste ao processo de criação de uma Constituição pela via do tratado internacional, como se passa na União Europeia. Trata-se, todavia, de fenômeno ainda inacabado e que enfrenta momentos de incerteza.
A revolução está na origem do constitucionalismo moderno. A experiência inglesa, embora tenha tido a marca da "Revolução Gloriosa", não se ajusta bem às categorias aqui exploradas, haja vista a natureza histórica e evolutiva de sua Constituição, que não teve um marco zero consubstanciado em uma carta escrita.
A Constituição americana, por sua vez, elaborada mais de dez anos após a Declaração de Independência, ajusta-se mais adequadamente ao segundo cenário - criação de um novo Estado, após a libertação do jugo colonial. 
Desse modo, das três experiências precursoras do constitucionalismo liberal, revolucionário mesmo foi o ambiente em que elaborada e aprovada a Constituição francesa de 1791. 
Na experiência constitucional recente, também teve origem revolucionária, embora menos dramática, a Constituição portuguesa de 1976.
Para fins de sistematização, enquadram-se nesse cenário as constituições elaboradas após golpes de Estado, marca indelével do constitucionalismo latino-americano do século XX.
A criação de um novo Estado, normalmente pela emancipação em relação a um poder externo dominante, também constitui cenário típico. 
A partir da era dos descobrimentos, potências europeias se expandiram por diferentes partes do mundo, formando colônias inglesas, francesas, holandesas, espanholas e portuguesas. O processo de emancipação desses Estados coloniais levou a uma intensa produção constitucional, tendo por marco inicial os Estados Unidos, ainda no século XVIII. 
Ao longo do primeiro quarto do século XIX, a maior parte das colônias espanholas na América Latina se tornou independente, aprovando constituições. 
O Brasil libertou-se de Portugal em 1822, adotando sua primeira Constituição em 1824. 
Colonizados em um momento posterior, os países da Ásia e da África tornaram-se independentes após a Segunda Guerra Mundial e ao longo da segunda metade do século XX, iniciando-se com Índia e Paquistão, em 1947, e encerrando-se com Angola e Moçambique após a Revolução portuguesa de 1974. 
Na última década do século passado, inúmeros novos países se formaram, com a desintegração da Iugoslávia e da União Soviética.
Ao longo do século XX, a derrota na guerra foi fator de reconstitucionalização de diversos países. 
Ao fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha adotara a Constituição de Weimar, de 1919. 
A derrota na Segunda Guerra Mundial levou à elaboração de novas constituições nos três grandes derrotados: Alemanha, Japão e Itália. Na Alemanha, as potências aliadas vitoriosas impuseram a adoção de uma Constituição que satisfizesse condições mínimas relativas à forma federal de governo e à preservação dos direitos e liberdades individuais
Em maio de 1949 foi promulgada a Lei Fundamental de Bonn. 
No Japão, houve interferência direta das forças de ocupação, especialmente dos Estados Unidos, induzindo à adoção de um modelo democrático, com a proteção de direitos individuais e a limitação dos poderes do imperador.
A Constituição do Japão entrou em vigor em maio de 1947. Na Itália, Mussolini havia sido deposto em 1943, tendo o governo firmado a paz com os aliados e declarado guerra à Alemanha. Após um plebiscito que decidiu pela implantação da República, a Constituição italiana entrou em vigor em janeiro de 1948.
 O cenário de transição política pacifica dominou a elaboração constitucional no último quarto do século XX. 
A experiência da Espanha, após a morte de Franco, em 1975, é considerada o exemplo paradigmático de transição de um Estado autoritário para uma democracia constitucional. 
A Constituição espanhola em vigor é de dezembro de 1978. 
Na América Latina, o Brasil foi o modelo de transição bem-sucedida, numa travessia pacífica entre o ocaso do regime militar e a Constituição de 5 de outubro de 1988. 
Igualmente pacífica foi a transição política e a reconstitucionalização de inúmeros países da Europa oriental após o fim do comunismo, incluindo países como Polônia, Hungria, Romênia e Bulgária, que promulgaram novas constituições ou reformaram substancialmente as já existentes.
Na África do Sul. a transição do regime de apartheid para uma democracia multipartidária teve início em 1990 e culminou com a Constituição que entrou em vigor em fevereiro de 1997.
4. Titularidade do poder constituinte.
O poder constituinte, como qualquer poder efetivo, envolve a manifestação de vontade de quem o exerce e o consentimento ou a sujeição de quem a ele se submete. 
Dificilmente será possível falar na vigência de uma Constituição onde haja desobediência ampla e generalizada. 
Na sua essência, portanto, o poder constituinte consiste na capacidade de elaborar uma Constituição e de determinar sua observância [footnoteRef:22]. [22: O caráter de decisão política com força impositiva é enfatizado por Carl Schmitt, Teoría de la Constitución, 2001, p. 93: "Poder constituinte é a vontade política cuja força ouautoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política, determinando assim a existência da unidade política como um todo. ( ... ) Uma Constituição não se apoia em uma norma cuja justiça seja fundamento de sua validade. Se apoia em uma decisão política ... ". Veja-se, todavia, já em Herman Heller, Teoría dei Estado, 1987, cuja edição é de 1934, referência à necessidade de aceitação e justificação desse poder: "A questão da legitimidade de uma Constituição não pode, naturalmente, contestar-se referindo-se a seu nascimento segundo quaisquer preceitos jurídicos positivos, válidos com anterioridade. Mas, por outro lado, uma Constituição precisa, para ser Constituição, é dizer, algo mais do que uma relação fática e instável de dominação, para valer como uma ordenação conforme ao direito, de uma justificação segundo princípios éticos de direito".] 
Nessa acepção, consiste ele em uma situação de fato.
Todo exercício de autoridade, no entanto, precisa ser justificado, necessita de um fundamento que o legitime. 
Historicamente, essa justificação foi buscada em fatores diversos: a força bruta, o poder divino, o poder dos monarcas, a nação, o povo.
Portanto, o debate acerca da titularidade do poder constituinte, na teoria constitucional, não tem por objeto a descrição da força material que o exerce, mas sua valoração ética. 
Trata-se de uma discussão acerca da legitimidade do poder, que significa, em última análise, definir em quem repousa a soberania. 
Ao contrário dos atos infraconstitucionais e infralegais, que se sujeitam a um controle de validade em face da Constituição e das leis, a atuação do poder constituinte não é limitada pela ordem jurídica preexistente. 
Diante disso, só é possível aferir se ele é legítimo ou não. vale dizer, se corresponde aos valores civilizatórios e às aspirações de justiça, segurança e bem -estar da coletividade política.
Força bruta. Em um estágio mais primitivo da história da humanidade, o poder se legitimava na força bruta. A capacidade de um indivíduo sobrepujar fisicamente os demais conferia-lhe ascendência sobre o grupo. A supremacia física dava-lhe, igualmente, capacidade de melhor proteger a coletividade contra as ameaças externas, fossem as da natureza, as dos animais ou as de outros grupos humanos. O processo civilizatório consiste em um esforço de transformação da força em Direito, da dominação em autoridade. Essa conversão da força bruta em poder legítimo se dá, sobretudo, pela definição e observância dos valores supremos do grupo e pelos mecanismos de obtenção do consentimento e da adesão dos destinatários do poder. Nada obstante, a força e o poder, nem sempre acompanhados da justiça, são parceiros inseparáveis em todas as sociedades políticas.
O caráter divino: O caráter divino do poder foi outro fundamento histórico de sua justificação. Pelos séculos afora, a titularidade do poder máximo, do poder constituinte, recaía diretamente sobre Deus. Essa a concepção que prevaleceu ao longo da Idade Média, sob o domínio da Igreja Católica e da filosofia aristotélico-tomista. O cristianismo, na sua expressão religiosa, filosófica e política, foi por muitos séculos a principal força material existente, e é impossível exagerar sua influência sobre a evolução histórica, a cultura e as instituições que se formaram nos últimos dois mil anos. Sobretudo após a conversão de Constantino no século IV, dá-se curso à progressiva integração entre Igreja e Estado, até que ambos se tornassem inseparáveis. Somente com os primeiros sinais da modernidade e o desenvolvimento do racionalismo filosófico tem início o processo de secularização do poder.
O poder monárquico: A afirmação da soberania do monarca, titular do poder supremo, deu-se progressivamente na fase final da Idade Média, também com fundamento divino. O príncipe, rei ou monarca exercia o poder por escolha e concessão de Deus. Como consequência, era dependente do reconhecimento da Igreja e da bênção do Papa. Nesse ambiente, começa a se delinear, paulatinamente, o conceito de soberania, que viria a ser o lastro do absolutismo monárquico. Nele se contém a ideia de supremacia interna do soberano sobre os senhores feudais e outros poderes menores, bem como de sua independência em relação a poderes externos, especialmente a Igreja Católica. Com o passar do tempo, o conflito entre esses dois poderes se tornaria inevitável: de um lado, o poder material (temporal, secular) do monarca; e, de outro, o poder espiritual (mas com pretensão a muito mais) do Papa. Essa disputa marcou o último ciclo da Idade Média e só terminou com a consolidação do Estado moderno e a afirmação do poder temporal. O princípio monárquico em sua forma plena - isto é, o rei como titular da soberania e do poder constituinte - voltou a prevalecer na Europa em mais de um momento, mesmo depois da Revolução Francesa. Após a queda de Napoleão, teve lugar a Restauração na França (1815-1830); e, entre 1814 e 1815, o Congresso de Viena reuniu as principais casas reais europeias - inclusive o Czar da Rússia, o Imperador da Áustria e o Rei da Prússia -, procurando restabelecer a velha ordem e as prerrogativas das dinastias, mesmo as que haviam sido depostas. Nova reafirmação do princípio veio por ocasião das contrarrevoluções que se seguiram aos movimentos populares - alguns liberais, outros nacionalistas - que sacudiram a Europa em 1848 e 1849. Em Portugal, o título de legitimação do poder constituinte alternou-se em sucessivas rupturas com a ordem vigente, referidas pela doutrina como descontinuidades materiais. Todavia, o sentimento liberal que havia sido despertado pelas Revoluções Francesa e Americana iria prevalecer e dominar o final do século XIX.
Soberania nacional: A ideia de soberania nacional, pela qual o poder constituinte tem como titular a nação foi sustentada por SIEYÈS e teve acolhida ampla na doutrina francesa.Com tal teoria, subtraía-se o poder constituinte tanto do monarca como dos poderes constituídos. Ao combinar poder constituinte com sistema representativo, SIEYÈS admitiu que a Constituição fosse elaborada não diretamente pelo povo (que via como uma entidade puramente numérica), mas por uma assembleia constituinte, órgão cujos representantes eram eleitos e que expressava a vontade da nação. Sendo soberana a assembleia, a Constituição por ela elaborada não precisava ser submetida à ratificação popular. Essa foi a fórmula que prevaleceu em relação à Constituição de 1791, mas que foi posteriormente superada (as Constituições francesas de 1946 e 1958 foram levadas à ratificação popular). No Brasil, as Constituições de 1824 e 1891 invocam a soberania nacional.
Soberania popular: A teoria da soberania popular, isto é, de que o poder constituinte é titularizado pelo povo, tornou-se historicamente vitoriosa. Foi esse o fundamento invocado desde a primeira hora pelo constitucionalismo americano. Com efeito, a tarefa de elaborar o texto constitucional foi outorgada a uma convenção, mas o produto do seu trabalho foi a seguir submetido à ratificação popular. O princípio da soberania popular é a locução inicial do preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos – “We the people” -, estando inscrito, igualmente, no preâmbulo da Constituição alemã, de 1949, e na francesa, de 1958, em meio a inúmeras outras. Na Constituição brasileira de 1988, além da referência expressa na abertura do preâmbulo - "Nós, representantes do povo brasileiro" -, o princípio é reiterado como norma positiva no parágrafo único do art. 12, onde se enuncia: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A teoria democrática se fixou na concepção de que a soberania é do povo. A Constituição, como regra, é elaborada por um órgão cujos membros são eleitos especificamente para esse fim. Em alguns países, a assembleia age diretamente em nome do povo e a Constituição será o produto de sua deliberação, como é a tradição brasileira. Em outros, após aprovado o textopela assembleia ou convenção, deve ele ser submetido à ratificação popular, modelo iniciado com a Constituição americana. Uma vez concluída sua obra, o poder constituinte retoma ao seu estado de latência, cedendo lugar à norma por ele criada. A Constituição passa a ser a lei suprema e os poderes do Estado passam a ser poder constituído. Por esse mecanismo, a soberania popular se converte em supremacia da Constituição.
5. Natureza jurídica do poder constituinte.
Qual é a natureza jurídica do Poder Constituinte?
Ele é um poder de fato, isto é, uma força que se impõe como tal, ou um poder de direito, ou seja, um poder que deriva de regra jurídica anterior ao Estado que funda?
Essa questão é o próprio problema do fundamento do Direito. 
Duas teorias explicam a natureza do Poder Constituinte:
Positivismo - Para os que entendem que o Direito só é Direito quando positivo (no sentido de direito posto pelo Estado), a resposta a resposta é que o Poder Constituinte é um poder de fato, no sentido de que se funda em si próprio, não se baseando em regra jurídica anterior. De fato, o Direito Positivo se subordina à Constituição, de modo que o fundamento desta é o fundamento do próprio Direito Positivo.
Jusnaturalismo - Para os que sustentam a existência de um Direito Natural anterior ao próprio Direito Positivo, este poder é condicionado àquela normatividade anterior. Assim, por existir um Direito anterior ao Direito Positivo, o grupo humano (titular do Poder Constituinte) já tem uma ideia de como organizar-se, o que passa a ser o fio condutor da regração escrita. Se alguém é, automaticamente, titulariza direitos que não podem ser negados pelo Estado (direito à vida, à liberdade, etc...). Para quem defende a existência de um Direito Natural anterior ao Direito Positivo, portanto, o Poder Constituinte é um poder de direito, fundado num poder natural de organizar a vida social que disporia o homem livre. A teoria original do poder constituinte foi desenvolvida por SIEYÈS dentro da moldura histórica e filosófica do jusnaturalismo. O poder constituinte da nação - consistente na capacidade de instituir, a qualquer tempo, uma nova ordem - encontra-se fora e acima do poder constituído, vale dizer, do sistema jurídico positivo, das instituições de poder existentes. Qualificava-se, assim, como inalienável, permanente e incondicionado, não se subordinando ao Direito preexistente. Seu fundamento de legitimidade e, consequentemente, seu limite de atuação, situava-se em um Direito superior, o direito natural, no qual se colheu justificação para a superação do Velho Regime e a afirmação das liberdades e direitos burgueses. Nessa perspectiva, o poder constituinte é um poder de direito, fundado não no ordenamento vigente, mas no direito natural, que existe antes da nação.
A essa visão contrapõe-se o positivismo jurídico, que, ao contrário do jusnaturalismo, não reconhece a possibilidade de um Direito preexistente ao Estado.
Como o poder constituinte cria - ou refunda - o Estado, sendo anterior a ele, trata-se de um poder de fato, uma força política, situada fora do Direito (metajurídica, portanto) e insuscetível de integrar o seu objeto. 
Nesse particular, tanto o normativismo kelseniano, com a tese da norma fundamental pressuposta, como o decisionismo de Carl Schmitt, pelo qual a Constituição é uma vontade política com força para se impor, conduzem ao mesmo resultado: o de que o poder constituinte é um fato pré-jurídico, externo ao Direito.
O normativismo kelseniano.
HANS KELSEN procurou explicar o fato a partir de uma teoria original, que é a do escalonamento ou hierarquias das normas jurídicas. Para esta teoria, o fundamento da Constituição (que é uma norma jurídica suprema), seria uma “norma hipotética fundamental”:
“Fundamental” porque estaria acima da Constituição, servindo-lhe de fundamento; “Hipotética” porque tal norma constituiria apenas uma hipótese, para explicar, logicamente, o fundamento da Constituição. 
Essa “norma fundamental hipotética” (que para KELSEN é a Constituição em sentido lógico-jurídico) poderia exprimir-se mais ou menos nestes termos: “Procede como mandar o órgão encarregado de elaborar a primeira Constituição.”
É bem visível, aqui, a influência de KANT, com o seu “imperativo categórico”, destituído de conteúdo.
A teoria kelseniana, no entanto, nada explica, porque dá por suposto o fundamento da Constituição.
Se indagarmos à teoria de KELSEN, por exemplo, quando uma Constituição é legítima, e quando não o é, ela nada poderá dizer, porque não cogita deste problema, que considera metajurídico. O próprio KELSEN sabe reconhecer os limites pressuposição da norma hipotética fundamental, ressaltando que embora seja possível pensar as ordens jurídicas sem pressupor a norma fundamental, como relações entre indivíduos que comandam e indivíduos que obedecem ou não obedecem, lembra que isto é, sociológica e não juridicamente, dado que a norma fundamental, como norma pensada ao fundamentar a validade do Direito positivo, é apenas a condição lógico-transcendental desta interpretação normativa, ela não exerce qualquer função ético-política, mas tão só uma função teorético-gnoseológica. 
Dizer que a norma hipotética fundamental é pressuposta não significa atribuir a ela qualquer fundamento transcendental, mas apenas que não é uma norma posta no direito por uma autoridade jurídica, mas uma norma que o sentido subjetivo dos fatos geradores de normas postas de conformidade com a Constituição é interpretado como o seu sentido objetivo, ou seja, obrigatório, como premissa maior de um silogismo é logicamente indispensável para a fundamentação da validade objetiva das normas, sendo uma norma apenas pensada e como tal não é uma norma cujo conteúdo seja imediatamente evidente.
A Constituição é uma norma, KELSEN abdica de qualquer possibilidade de compreender a Constituição como documento originário do pacto social como poderiam pensar os jusnaturalistas ou apenas uma folha de papel como diria Lassalle, pois pressuporia a consideração de elementos estranhos ao direito nestas afirmativas.
A Constituição é a norma fundamental que atribui validade a um sistema de direito positivo, e a norma hipotética fundamental é o fundamento de validade desta.
O decisionismo de CARL SCHMITT.
Para Carl Schmitt “só é possível um conceito de Constituição, quando se distingue Constituição e lei constitucional”.
E em seu entender, “para a teoria constitucional essa distinção entre Constituição e lei constitucional é o começo de toda a discussão ulterior”.
Para esse autor, a Constituição não produz a unidade política, mas, ao contrário, ela só existe porque antes dela já existia essa unidade.
As “leis constitucionais” valem, diz Schmitt, porque se baseiam em decisões políticas fundamentais (Constituição).
Para esse autor, a essência da Constituição não está contida numa lei, ou norma, mas no fundo ou por detrás de toda normatividade está uma decisão política do titular do poder político.
A gênese da Constituição, para Schmitt, apresentaria o seguinte desencadeamento lógico:
Unidade política vontade política de existir decisão concreta de conjunto sobre o modo e a forma de existir (Constituição).
A propósito dessa teoria, cumpre anotar que são inaceitáveis a ideias de Schmitt no tocante à legitimidade das Constituições e do poder da qual ela emana.
Para ele, tudo que é, tem sua justificativa no próprio fato de existir, na sua própria existência, e as Constituições se legitimam pelo simples fato de serem decisões de unidade política, de representarem a vontade da Nação:
“Toda unidade política existente tem seu valor e sua razão de existência, não na justiça ou conveniência de suas normas, mas em sua própria existência. O que existe como magnitude política é juridicamente considerado digno de existir. Por isso, seu direito a sustentar-se e a subtrair é o suposto de toda a discussão ulterior”. [footnoteRef:23] [23: SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución. Apresentação de Francisco Ayala. Epílogo de Manuel Garcia-Pelayo.Versão espanhola de Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1982, pp. 25/26.] 
Ou ainda:
“As Constituições (decisões políticas fundamentais) não valem, portanto, pela sua justiça normativa, ou pela sua cerrada sistemática. Elas não se dão a si mesmas, mas são dadas por uma simples unidade política concreta. A Constituição vale em razão da vontade politica existencial daquele que a dá. Toda espécie de normação jurídica, inclusive constitucional, pressupõe a existência dessa vontade.” [footnoteRef:24] [24: SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución. Apresentação de Francisco Ayala. Epílogo de Manuel Garcia-Pelayo. Versão espanhola de Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1982, pp. 25/26.] 
Essas ideias são inaceitáveis porque não é apenas a vontade política, o querer político da Nação que justifica e torna legítima a Constituição.
Esta é apenas a legitimidade formal, uma legitimidade quanto à origem, mas existe outro aspecto da legitimidade, o aspecto material, ou de conteúdo, tão ou mais importante do que o primeiro.
Se uma Constituição, por exemplo, desconhece os direitos fundamentais da pessoa humana, de que lhe valerá ser expressão da vontade política da Nação?
É fora de dúvida que o poder constituinte é um fato político, uma força material e social, que não está subordinado ao Direito positivo preexistente.
Não se trata, porém, de um poder ilimitado ou incondicionado. Pelo contrário, seu exercício e sua obra são pautados tanto pela realidade fática como pelo Direito, âmbito no qual a dogmática pós-positivista situa os valores civilizatórios, os direitos humanos e a justiça. 
Contemporaneamente, é a observância de critérios básicos de justiça que diferencia o direito do “não direito”.
GOMES CANOTILHO (in Estado de direito, 1999, p. 12) propõe estudar o conceito de “estado de direito” pela sua antítese: o estado de “não direito”.
“Estado de não direito” será aquele em que o poder político se proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de liberdade ante o poder protegida pelo direito.
O Estado de não-direito é um estado que:
Primeiro: decreta leis arbitrárias, cruéis e desumanas, deixando sem qualquer defesa jurídica eficaz o indivíduo, os cidadãos, o povo e as minorias. Um exemplo: uma lei que permite experiências científicas impostas exclusivamente a indivíduos de outras raças, outras nacionalidades, outras religiões.
Segundo: é um estado que se identifica com a “razão do Estado”, imposta e iluminada por “chefes”. É um estado que identifica o direito com o “bem do povo”, com a “utilidade pública”. O direito passa a ser o que o chefe, o partido político, a falange decretam como politicamente correto. “Razões de estado”, “amizade do povo”, “bem da nação”, “imperativos da revolução”, “interesses superiores do Estado” são razões que justificaram genocídios, campos de concentração, tortura e para dar cobertura a privilégios de classes dirigentes (vide o caso Brasileiro CF/1937, AI-5, da Alemanha nazista e a prisão de terroristas na Baía de Guantanamo).
Terceiro: é um estado pautado por radical injustiça e desigualdade na aplicação do direito. Neste estado há dois pesos e duas medidas na aplicação das normas jurídicas. Um ato idêntico é sancionado criminalmente com penas desumanas se praticado por adversários políticos, mas merece o encobrimento quando seja cometido por um correligionário ou por elementos das polícias secretas contra o “outro”, seja ele um adversário político, um idealista defensor dos direitos humanos ou um lutador pela democracia.
A força bruta não se legitima apenas pela circunstância de se travestir da forma constitucional. Deve-se enfatizar, ademais, que a separação radical entre fato (ser) e norma (dever-ser), entre faticidade e normatividade, já não encontra abrigo confortável na teoria jurídica contemporânea. O Direito passa a ser visto como o produto final de uma interação entre ambos.
6. Limites do poder constituinte.
Condicionamentos pré-constituintes.
Os condicionamentos jurídicos estarão presentes desde o primeiro momento, envolvendo aspectos como o ato convoca tório, o processo de escolha dos integrantes da assembleia ou convenção e, por vezes, até mesmo o procedimento de deliberação a ser adotado.
Não é possível falar em soberania popular ou em democracia sem Direito, sem normas que disciplinem a participação de todos, em regime de liberdade e igualdade.
O equacionamento adequado de tais questões teve lugar nos diferentes cenários de elaboração constitucional, seja na França, seja nos Estados Unidos, na Alemanha, em Portugal ou na África do Sul.
No Brasil, a convocação da assembleia constituinte que elaborou a Constituição de 1988 se deu por via de emenda constitucional à Carta de 1967-1969. 
Com efeito, a Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985, previu como seriam escolhidos os constituintes, quem instalaria a assembleia constituinte e em que data, chegando a dispor, até mesmo, acerca da forma e do quórum de deliberação a ser adotado.
Com efeito, além de ditar as regras de instalação da assembleia constituinte, não é incomum que o poder que a convocou procure influenciar os próprios trabalhos de elaboração constitucional, pela imposição de formas e, por vezes, até de conteúdos. 
Na Itália, por exemplo, previu-se por decreto legislativo que, contemporaneamente à eleição para a assembleia constituinte, o povo seria chamado a decidir, mediante referendum, sobre a forma institucional do Estado (República ou Monarquia). Em consequência da deliberação popular, a forma de governo tornou-se republicana antes mesmo da elaboração da nova Constituição.
Como se verifica, a decisão nessa matéria foi retirada da constituinte e atribuída diretamente ao povo.
No Brasil, a Assembleia Constituinte que aprovou a Constituição de 1891 já encontrou a República proclamada e a Federação instituída pelo Governo provisório.
Após a Revolução de 30, o Governo Provisório dela originário editou decreto estabelecendo que a nova Constituição - que só viria a ser promulgada em 1934 - teria de manter a República e a Federação, sendo-lhe vedado, ademais, restringir direitos dos Municípios e dos cidadãos.
Após a destituição de Getúlio Vargas, a Lei Constitucional n. 15, de 26 de novembro de 1945, impôs uma restrição aos poderes "ilimitados" outorgados ao Congresso Nacional para elaborar a nova Constituição: não poderia ele contestar a legitimidade da eleição presidencial que se realizaria em 2 de dezembro de 1945.
Condicionamentos pós-constituintes.
O mais decisivo condicionamento pós-constituinte advém da necessidade de ratificação do texto aprovado pela assembleia ou convenção, circunstância que, por si só, já impõe aos delegados a preocupação de maior sintonia com o colégio eleitoral que será encarregado da deliberação final. 
O fato de a ratificação se dar, por exemplo, pelos Estados membros da Federação ou pelo conjunto da população, pode ter impacto importante nas decisões a serem tomadas pelos constituintes.
Como já assinalado, esse modelo de referendo popular da Constituição não foi abrigado na teoria do poder constituinte de SIEYÈS. 
Nela, a nação, entidade abstrata, manifestava sua vontade através de representantes, reunidos em assembleia, cabendo a esta a palavra final. Nos Estados Unidos, ao contrário, desde as experiências constitucionais estaduais, sempre foi tradição o exercício da soberania popular por via direta, submetendo-se à ratificação popular o projeto aprovado em convenção pelos representantes indicados.
Se a teoria democrática do poder constituinte se assenta na sua legitimidade, não há como imaginá-lo como um poder ilimitado. 
O poder constituinte estará sempre condicionado pelos valores sociais e políticos que levaram à sua deflagração e pela ideia de Direito que traz em si.
Não se trata de um poder exercido em um vácuo histórico, nem existe norma constitucional autônoma em relação à realidade.
O poder constituinte, portanto, é também um poder de Direito. 
Ele está fora e acima do Direito posto preexistente, mas é limitado pelacosmovisão da sociedade - suas concepções sobre ética, dignidade humana, justiça, igualdade, liberdade - e pelas instituições jurídicas necessárias à sua positivação. 
Fora daí pode haver dominação e outorga, mas não constitucionalismo democrático.
Uma última limitação que a doutrina passou a reconhecer de maneira praticamente unânime nos últimos tempos decorre dos princípios do direito internacional e, especialmente, dos direitos humanos. [footnoteRef:25] [25: SOUSA. Leomar Barros Amorim de. Os direitos humanos como limitações ao Poder Constituinte. Revista de Informação Legislativa, v. 28, n. 110, p. 69-86, abr./jun. 1991] 
Após a Segunda Guerra Mundial, notadamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, passou-se a reconhecer aqueles direitos como um patamar mínimo a ser observado por todos os Estados na organização do poder e nas suas relações com seus cidadãos.
A face virtuosa da globalização é a difusão desses valores comuns, o desenvolvimento de uma ética universal. 
Uma das questões cruciais do Direito, na atualidade, é equacionar, de maneira equilibrada, a tensão entre o universalismo - isto é, o reconhecimento de que há um conjunto mínimo de direitos universais, que devem proteger as pessoas contra a violência e a opressão - e o multiculturalismo, que procura resguardar a diversidade dos povos e impedir a hegemonia das culturas que se tornaram mais poderosas em determinada quadra histórica.
7. Atributos do poder constituinte.
Trata-se de um poder peculiar, pois suas intervenções são breves, mas normalmente procuradas em ocasiões decisivas de um povo.
São estes os atributos do poder constituinte:
Inicial ou anterior: Trata-se de um poder anterior a qualquer outro, expressão primeira da soberania nacional. É a primeira oportunidade de manifestação da soberania. Sob o ponto de vista da criação de normas jurídicas, o Poder Constituinte é um poder originário. É o ponto de começo do Direito Positivo. Por isso mesmo, o poder constituinte originário não pertence à ordem jurídica positiva, não está regido por ela. Daí decorre a sua segunda característica: ele é ilimitado.
Ilimitado – se o poder constituinte originário não se inclui em nenhuma ordem jurídica, não será objeto de nenhuma ordem jurídica. O Direito anterior não o alcança nem limita a sua atividade. Vale ressaltar, no entanto, que os adeptos do Direito Natural tendem a afirmar que o poder constituinte originário está limitado por ele, conforme se viu em SIEYÈS, no quinto capítulo do livro “Que é o Terceiro Estado” (A Constituição burguesa: qué este-ce que le Tiers État, Rio de Janeiro: Líber Juris, 1986, pág. 117). O caráter ilimitado, porém, deve ser entendido em termos. Diz respeito à liberdade do poder constituinte originário em relação às imposições da ordem jurídica que exista anteriormente. Mas haverá limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte originário. Se o poder constituinte originário é expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem referência a valores éticos (morais), religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam suas ações. Afinal, só é permitido falar em poder constituinte originário se o grupo que diz representá-lo colher a anuência do povo, ou seja, ver ratificada a sua invocada representação popular. Do contrário, estará apenas havendo uma insurreição. Quem tenta romper a ordem constitucional para instaurar outra e não obtém adesão do povo não exerce o poder constituinte originário, mas age como criminoso. Pode-se falar, ainda, em limitação intrínseca ao poder constituinte originário sob outro ângulo. Não há espaço para decisões caprichosas ou totalitárias do poder constituinte originário, já que e ele existe para ordenar juridicamente o poder do Estado. 
Incondicionado – o poder constituinte originário não pode ser regido nas suas formas de expressão pelo Direito preexistente, daí ser incondicionado. Ele não sofre limitação formal pela prefixação de fórmulas para sua manifestação e seu procedimento. Daí, por que a primeira providência de uma Assembleia Constituinte é fixar a forma de sua manifestação: o seu regimento interno.
8. Questões práticas relacionadas ao poder constituinte originário. Sucessão de normas no tempo.
A compreensão das características essenciais do poder constituinte originário não é mero exercício acadêmico.
Entender as consequências de ser a Constituição obra desse poder supremo da ordem jurídica lança luz sobre algumas ponderações de ordem prática, relacionadas principalmente com a sucessão de normas no tempo.
Analisaremos apenas alguns aspectos concernentes à entrada em vigor de uma nova Constituição.
Vigência da Constituição nova.
As constituições normalmente contêm cláusula especial que determina o momento em que seu texto começará a vigorar. 
Não havendo tal previsão expressa, entende-se que a vigência é imediata, a partir da sua promulgação.
É possível também que a constituição contenha cláusula especial que difira a entrada em vigor de todo o seu texto, criando a chamada vacatio constitutionis, que corresponde ao período que vai da publicação do ato de sua promulgação até a efetiva entrada em vigor de seus dispositivos.
Nesse período, embora já promulgada, a nova constituição não regula nada, continuando a reger a ordem jurídica a Carta que já existia. 
A nossa atual Constituição não adotou a vacatio constitutionis, tampouco trouxe cláusula específica de vigência de seu texto.
No entanto, considerando que vários de seus dispositivos, especialmente das Disposições Transitórias, estabelecem prazos a serem contados a partir de sua promulgação, podemos concluir que com esta é que ela entrou em vigor, salvo nos casos expressamente ressalvados em seu texto, quando é estipulada uma outra data, como ocorreu com o novo sistema tributário nacional que, por força do art. 34 do ADCT, somente entrou em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição.
Eficácia da nova Constituição.
A Constituição, conforme já estudamos, é obra do poder constituinte originário, que tem como características principais o fato de ser inicial, ilimitado e incondicionado.
Significa dizer, em poucas palavras, que não está sujeito à obediência de nenhuma regra jurídica anterior, tampouco a respeitar o chamado direito adquirido. 
Nada impede, pois, que haja retroação do texto constitucional, regulando situações pretéritas, ainda que atingindo direito adquirido. 
Mas, sendo omisso o texto constitucional, qual será a sua eficácia? 
A jurisprudência do STF é pacífica a respeito.
Segundo o Tribunal, a Constituição se aplica de imediato, alcançando, sem limitações, os efeitos futuros de fatos passados (RE 117.870/RS). 
Essa eficácia recebe a denominação de “retroatividade mínima” (RE 168.618/PR). 
Nada impede, porém, haja retroação do texto constitucional, mas nesse caso deverá haver previsão expressa. 
Portanto, frise-se: o texto constitucional poderá retroagir, mas para isso é necessário que o legislador constituinte o determine expressamente; não havendo previsão expressa nesse sentido, o texto constitucional alcançará apenas os efeitos futuros de fatos passados.
Exemplo:
“Impenhorabilidade da pequena propriedade rural de exploração familiar (Constituição, art. 5º, XXVI): aplicação imediata. A norma que torna impenhorável determinado bem desconstitui a penhora anteriormente efetivada, sem ofensa de ato jurídico perfeito ou de direito adquirido do credor: precedentes sobre hipótese similar. A falta de lei anterior ou posterior necessária à aplicabilidade de regra constitucional – sobretudo quando criadora de direito ou garantia fundamental –, pode ser suprida por analogia: donde, a validade da utilização, para viabilizar a aplicação do art. 5º, XXVI, CF, do conceito de 'propriedade familiar' do Estatuto da Terra.” (RE 136.753, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25/04/97).
A nova Constituição e a Constituição velha.
A superveniência de uma nova Constituição desaloja por completo a Constituição anterior.Isso se dá em virtude de seu caráter inicial e originário, ou seja, a Constituição é fonte geradora de toda ordem jurídica que dela extrai o seu fundamento de validade.
Em sendo assim, é inconcebível que ela possa conviver com normas da Constituição anterior.
Em termos práticos, a nova Constituição revoga a anterior.
Assim, as normas constitucionais anteriores perdem a sua eficácia com a entrada em vigor da nova Constituição.
Desconstitucionalização.
Exceção à regra da revogação total ou ab-rogação da Constituição velha é a desconstitucionalização.
Vimos que todo o direito anterior à Constituição e que seja com ela incompatível restará automaticamente revogado com a sua promulgação. Mas pode ocorrer a seguinte situação: uma norma da Constituição anterior ser compatível com a nova Constituição mas não receber desta qualquer tratamento em seu texto.
Nessa hipótese, surge a indagação: Qual a situação das normas constitucionais não incompatíveis e cuja matéria não tenha sido objeto de nova regulamentação constitucional?
Perderiam elas sua vigência ou permaneceriam em vigor?
A questão não é pacífica.
Parte da doutrina afirma que essas normas permanecem em vigor, não na sua qualidade de normas constitucionais, mas como leis de caráter ordinário, em decorrência do fenômeno da desconstitucionalização.
Segundo esse entendimento, os dispositivos da Constituição precedente, que não conflitarem com a atual, não continuarão sendo constitucionais, mas ficarão vigendo, de acordo com o princípio da continuidade das normas compatíveis, como meras leis ordinárias.
Defendem essa posição, dentre outros, MARIA HELENA DINIZ e MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO.
A desconstitucionalização consiste, pois, na recepção pelo novo texto constitucional, como leis ordinárias, dos antigos preceitos constitucionais que não foram objeto da nova Carta, mas não conflitem com esta. Para aqueles que aceitam essa tese, tais preceitos continuam em vigor, porém não mais na veste de norma constitucional, mas como leis ordinárias.
No entanto, a tese da desconstitucionalização é combatida por autores de renome, que opinam pela revogação total dos preceitos da constituição precedente não reproduzidas pelo novo texto constitucional. 
O Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, outrora favorável à tese da desconstitucionalização, atualmente diz ter dúvidas de sua validade e conveniência, argumentando que “se uma constituição nova é elaborada pelo poder constituinte que não reproduz determinadas normas não essencialmente constitucionais (administrativas, civis etc.) insertas na constituição apenas para lhes dar maior estabilidade, significa isso que a nova ordem constitucional as quis desqualificar, não apenas como normas constitucionais, mas também como normas jurídicas vigentes. Isso quer dizer que ficam igualmente revogadas, tal como a constituição que as acolhia”. [footnoteRef:26] [26: in Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3ª Edição, pág. 222.] 
Para CELSO RIBEIRO BASTOS “a superveniência de uma nova Constituição desaloja por completo a anterior... Não são apenas prescrições isoladas ou avulsas da Constituição anterior que perdem vigência, mas sim o seu conjunto, independentemente de estarem ou não conformes com a nova Lei Maior... Se o poder constituinte teve êxito em substituir a ordem constitucional anterior, é porque colocou em seu lugar uma nova ordem constitucional. Nada da Constituição anterior sobrevive. Há uma autêntica revogação total, daí porque se tornar completamente descabido o indagar-se de forma isolada acerca da compatibilidade ou não de qualquer norma constitucional anterior, quer com a correspondente norma constitucional nova, quer com a nova Constituição no seu conjunto. Basta a sua inserção na Constituição revogada, para que ela co-partilhe necessariamente do seu destino, qual seja: a perda irremediável da eficácia”. [footnoteRef:27] [27: in Curso de Direito Constitucional, 20ª Edição, pág. 75/6.
] 
A orientação dominante na atualidade é a segunda, que refuta a tese da desconstitucionalização.
Direito infraconstitucional anterior compatível com a nova Constituição (recepção).
Com a entrada em vigor da nova constituição, esta adota as leis já existentes, com ela compatíveis, dando-lhes validade. O direito infraconstitucional compatível é recepcionado pela nova ordem constitucional, e assim evita-se o trabalho quase impossível de elaborar toda uma nova legislação de um dia para outro. A nova constituição atribui validade (dá vigor) a tais normas, que passam a ter seu fundamento no novo texto constitucional. É o fenômeno conhecido como recepção da lei anterior, fundado no princípio da continuidade da ordem jurídica precedente.
Importante ressaltar que para a aferição da compatibilidade do direito ordinário anterior com o novo texto constitucional importa tão-somente o aspecto material (conteúdo) da norma, sendo irrelevantes os pressupostos de índole formal (regras processuais ou formais do tempo da sua elaboração). 
Sendo o conteúdo da norma anterior compatível com os princípios materiais da nova Constituição, será ela recepcionada, nada importando os aspectos formais (espécie legislativa, rito de elaboração etc.). 
Tanto é assim que entre nós ainda permanecem vigentes diversos decretos-leis editados sob o regime anterior (embora a atual Constituição não admita tal espécie legislativa).
Publicada uma nova Constituição, as questões a serem resolvidas em relação ao direito ordinário anterior (o chamado direito pré-constitucional) são as seguintes:
a) A principal questão: O conteúdo (matéria tratada) da norma “Y” é compatível com os preceitos e princípios da nova Constituição? Sendo compatível, tal norma será automaticamente (não há necessidade de disposição expressa a respeito) recepcionada pela nova ordem constitucional. É irrelevante se tal norma é uma lei, uma lei complementar, um decreto-lei, um decreto do Executivo etc.
b) A denominação, numeração etc. de tal norma mudarão com a nova Constituição? A resposta é negativa, tal norma permanecerá como originalmente editada, se “lei tal”, permanecerá “lei tal”, se “Decreto-lei nº X”, permanecerá “Decreto-lei n.º X” etc.
c) Qual será o novo status, a nova força de tal norma sob a égide da nova Constituição? Essa pergunta será respondida, implicitamente, pelo novo texto constitucional: se a nova Constituição exigir para o trato da matéria lei complementar, tal norma ganhará então, a partir de sua recepção, status de lei complementar, só podendo ser alterada e/ou revogada por norma de mesma ou superior hierarquia; se a nova Constituição disciplinar que tal matéria pode ser tratada por lei ordinária, essa será a força normativa de tal norma anterior, independentemente de sua espécie legislativa sob a égide da Constituição anterior (poderia ser lei complementar, decreto do Executivo, decreto-lei etc.).
A recepção pode ser implícita ou expressa, portanto.
Direito infraconstitucional anterior incompatível com a nova Constituição (revogação ou inconstitucionalidade superveniente?).
As normas preexistentes conflitantes ficam imediatamente revogadas na data da promulgação da nova Constituição, nem mesmo sendo necessárias quaisquer cláusulas expressas a esse respeito.
A cessação da eficácia das normas anteriores incompatíveis com a Constituição é matéria pacífica, pouco importando a natureza desses preceitos, sejam outras normas constitucionais, sejam leis ordinárias, regulamentos ou meros atos administrativos. 
Kelsen costuma dizer que as normas infraconstitucionais recebem da nova Constituição um novo suporte de validade, expresso ou tácito.
A tal fenômeno dá-se o nome de princípio da recepção ou princípio da continuidade da ordem jurídica que nada mais é do que um processo abreviado de criação de normas jurídicas, através do qual a nova Constituição adota (recebe) as leis já existentes, com ela compatíveis, dando-lhes validade, e assim evita o trabalho (quase impossível) de elaboração de uma nova ordem jurídica de um dia para o outro.
A matéria provocou aceso debate no STF, terminandovitoriosa a tese da revogação, tradicional no Direito Brasileiro.
O relator do “leading case” após 1988 (ADI 02-DF), Ministro PAULO BROSSARD, invocou a doutrina tradicional, segundo a qual se a inconstitucionalidade da lei importa a sua nulidade absoluta, importa a sua invalidez desde sempre. Mas, raciocinou, se a lei foi corretamente editada quando da Constituição anterior, ela não pode ser considerada nula desde sempre, tão-só porque a Constituição nova é com ela incompatível. A lei apenas deixa de operar com o advento da nova Constituição (revogação, portanto).
No polo vencido, merece destaque a posição do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, de que haveria inconstitucionalidade superveniente, já que o critério cronológico de solução de conflito de normas no tempo somente faz sentido para resolver problemas em que se defrontam normas postas num mesmo plano hierárquico. Se há disparidade de grau hierárquico, o problema seria de invalidade, embora a partir de momento posterior à edição da norma, quando surgiu a nova Constituição.
Prevaleceu a tese da revogação.
Repristinação.
Ainda sobre a questão dos efeitos das normas constitucionais, outras indagações podem ser feitas:
Poderia a nova Constituição revalidar as normas revogadas pela Constituição antiga por ela revogada? 
Está proibida, ou não, a repristinação no direito brasileiro?
Em regra, a norma que perdeu sua eficácia sob a égide de uma Constituição não virá a readquiri-la com o novo texto constitucional em homenagem ao princípio da segurança jurídica (STF, AgRg 235.800, Rel. Min. MOREIRA ALVES).
Essa possibilidade de restauração automática de eficácia, conhecida como repristinação tácita, não é aceita entre nós, por colocar em risco a ordem jurídica, causando sérias dificuldades à aplicação do direito.
Todavia, não há proibição para que a Constituição a estabeleça, desde que o faça por meio de disposição expressa (repristinação expressa).
Portanto, se a Lei “Y” perdeu sua eficácia sob a égide da Constituição anterior, isto é, não estava vigendo por ocasião da elaboração da nova Carta, a promulgação do novo texto Constitucional não tem o condão de restaurar-lhe, automaticamente, a vigência. 
MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS
1. Introdução.
O otimismo legalista dos revolucionários modernos inspirara a ideia de uma Constituição como a super-lei imutável de toda comunidade política que desejasse garantir, a si e às gerações futuras, o estatuto das liberdades. No entanto, a imutabilidade não poderia implicar a sua petrificação, reconhecendo-se ao povo ou à nação o direito de não apenas adotar uma Constituição, mas também de mantê-la e aperfeiçoá-la conforme a sua conveniência e necessidade.
ROUSSEAU escrevera que seria “contrário à natureza do corpo político imporem-se leis que não pudesse revogar; não sendo nem contra a natureza nem contra a razão que não possa revogar esses leis senão com a mesma solenidade com a que as estabeleceu”. [footnoteRef:28] [28: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considération sur le Gouvernment de Pologne et sur Réformation Projetée em Avril 1772, p. 278.] 
Os revolucionários franceses inseriram no art. 1º, § 1º, do Título VII da Constituição francesa de 1791 que “a Assembleia Nacional declara que a nação tem o direito imprescritível de mudar a sua Constituição”, o que somente poderia ser feito por um processo extremamente solene e complicado (art. 2º).
A Constituição estadunidense (1787) consagrou essa doutrina no artigo V, ao dispor que:
“O Congresso poderá propor emendas a essa Constituição, sempre que as duas terças partes de ambas as câmaras as julguem necessárias; ou, a pedido das legislaturas das duas terças partes dos estados, convocará uma convenção para propor emendas, as quais, em quaisquer dos dois casos, serão válidas para todos os fins e propósitos, como parte desta Constituição, quando as ratifiquem as legislaturas das três quartas partes de todos os estados, ou por convenções celebradas nas três quartas partes dos mesmos, pois o Congresso poderá propor um ou outro modo de ratificação.” [footnoteRef:29] [29: HAMILTON, The Federalist Papers n. 85, p. 525.] 
As Constituições nasceram, portanto, com a vocação de permanência.
Idealmente, nelas têm abrigo as matérias que, por sua relevância e transcendência, devem ser preservadas da política ordinária.
No entanto, as Constituições não são eternas nem podem ter a pretensão de ser imutáveis. Assim sendo, as Constituições preveem mecanismos institucionais para sua própria alteração e adaptação à novas realidades.
A modificação da Constituição pode ocorrer de duas maneiras:
- por via formal, com alteração do texto.
- por via informal, sem alteração do texto.
A via formal se manifesta através da reforma constitucional.
A via informal se manifesta através da mutação constitucional e está ligada à plasticidade de que são dotadas inúmeras Constituições.
Na Europa, a doutrina tradicional originária da teoria constitucional francesa, só admitia modificações na Constituição por via da reforma do seu texto.
Coube à teoria constitucional alemã, o desenvolvimento e a comprovação da tese da ocorrência de alterações na Constituição, sem qualquer mudança do texto formal.
Essa admissão precisou superar a separação metodológica rígida entre o “mundo do Direito” e a realidade fática, imposta pelo positivismo. O impacto da passagem do tempo e das transformações históricas, políticas e sociais levou ao reconhecimento dessa específica categoria teórica que é mutação constitucional.
2. Poder constituinte difuso (mutação constitucional).
O tema da mutação constitucional tem o seu ambiente natural na fronteira em que o Direito interage com a realidade. 
Já ficou para trás, na teoria jurídica, a visão do positivismo normativista que apartava o Direito do mundo fático, assim como o dissociava, igualmente, da filosofia, da ética e de considerações em torno da ide ia de justiça. 
A tensão entre normatividade e facticidade, assim como a incorporação dos valores à hermenêutica jurídica, produziram modificações profundas no modo como o Direito é pensado e praticado e redefiniram o papel da interpretação jurídica e do intérprete, especialmente em matéria constitucional.
A mutação constitucional se realiza por via da interpretação feita por órgãos estatais ou por meio dos costumes e práticas políticas socialmente aceitas.
Sua legitimidade deve ser buscada no ponto de equilíbrio entre dois conceitos essenciais à teoria constitucional, mas que guardam tensão entre si: a rigidez da Constituição e a plasticidade de suas normas.
A rigidez procura preservar a estabilidade da ordem constitucional e a segurança jurídica, ao passo que a plasticidade procura adaptá-la aos novos tempos e às novas demandas, sem que seja indispensável recorrer, a cada alteração da realidade, aos processos formais e dificultosos de reforma constitucional.
A conclusão a que se chega é a de que além do poder constituinte originário (de fazer a Constituição) e do poder de reformador (de reformar o texto) existe uma terceira modalidade de poder constituinte: o que se exerce em caráter permanente, por mecanismos informais, não expressamente previstos na Constituição, mas indubitavelmente por ela admitidos, como são a interpretação de suas normas e o desenvolvimento de costumes constitucionais.
Essa terceira via já foi denominada de poder constituinte difuso, cuja titularidade remanesce no povo, mas que acaba sendo exercido por via representativa pelos órgãos do poder constituído, em sintonia com as demandas e sentimentos sociais, assim como em casos de necessidade de afirmação de certos direitos fundamentais.
A mutação constitucional tem limites, e se ultrapassá-los estará violando o poder constituinte e, em última análise, a soberania popular.
As mutações que contrariem a Constituição podem certamente ocorrer, gerando mutações inconstitucionais. 
Em um cenário de normalidade institucional, deverão ser rejeitadas pelos Poderes competentes e pela sociedade. Se assim não ocorrer, cria-se uma situação anômala, em que o fato se sobrepõe ao

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