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ISSN 1806-8340 No 53 Fevereiro/2013 Revista pa ra a for ma ção de pro fes so res de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental Arte, escrita e sentimento Avisa la Ed 53.indd 1 24/01/13 22:35 Ashoka apoia es ta ini cia ti va Impresso com tinta biodegradável PARA TROCAR Diretoria Presidente Lino de Macedo Tesoureira Denise Argolo Estill Secretária Nancy Coutinho Conselheiros Gilberto Palma Helda Abumansur Helena Maria Ferrari Maria Cristina Meirelles Maria Helena V. da Rocha Monique Deheinzelin Coordenadora Executiva Silvia Pereira de Carvalho Coordenadora Adjunta Cisele Ortiz Coordenação de Projetos Ana Benedita Guedes Brentano Beatriz Bontempi Gouveia Clélia Cortez Débora Rana Denise Nalini Márcia Cristina da Silva Maria Priscila Bacelar Monteiro Maria Virginia Gastaldi Silvana Augusto Equipe de Formadoras Ana Carolina Carvalho Ana Lucia Bresciane Cinthia Manzano Clélia Cortez Damaris Maranhão Edi Fonseca Eliana Sisla Elza Corsi de Oliveira Emilian Cunha Heloisa Pacheco Luzia Auxiliadora Carelli Maria do Carmo da Silva Rodrigues Maria Paula Twiaschor Maria Teresa Venceslau de Carvalho Renata Frauendorf Mariana Americano Camilla Schiavo Valquiria Pereira Gerência Administrativa Andrea Viana Assistentes Administrativas Ana Lucia Rodrigues dos Santos Juliana Macedo dos Santos Van Núbia Mesquita Monrroé Instituto Avisa Lá O Instituto Avisa Lá é uma associação da sociedade civil, sem fins lucrativos, com finalidade pública, que atua na área de educação. É herdeira do currículo, conheci- mento e experiência desenvolvidos pelo Crecheplan desde 1986. A atuação que teve início com trabalhos voltados exclusivamente para a educa- ção infantil foi ampliada para atingir as séries iniciais do Ensino Fundamental. O foco principal é a contribuição para a formação continuada de profissionais da educação. Missão Institucional Melhorar a qualidade da educação pública por meio do desenvolvimento profis- sional e pessoal de educadores e do fortalecimento do potencial educativo das es- colas e centros educacionais. Rua Apinajés, 2032 – Sumaré 01258-000 São Paulo SP Telefax: (11) 3032-5411 3812-4389 Visite nosso site para conhecer as revistas já publicadas: Site: www.avi sa la.org.br E-mail: ins ti tu to@avi sa la.org.br Avisa lá Revista pa ra for ma ção de pro fes so res de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Uma pu bli ca ção tri mes tral do Instituto Avisa Lá – Formação Continuada de Educadores Ano XIII • No 53 • fevereiro de 2013 ISSN 1806-8340 Reservados os di rei tos de pu bli ca ção ao Instituto Avisa Lá. As ins ti tui ções as si nan tes es tão au to ri za das a ti rar có pias in ter nas pa ra seus pro fes so res. Qualquer ou tro uso ne ces si ta au to ri za ção ex pres sa da di re ção do Instituto Avisa Lá. Conselho editorial Aparecida Bento Heloysa Dantas Isabel Galvão Lino de Macedo Marta Gil Monique Deheinzelin Rosa Iavelberg Telma Weisz Editora Geral Silvia Pereira de Carvalho Editora Assistente Maria Teresa V. de Carvalho Revisão de Texto Airton Dantas de Araújo Colaboradoras (nesta edição) Alessandra Assis Ariane Moreira Beatrice Alemagna Camila Chiara Denise Nalini Elza Corsi Lívia Pinheiro Marcia Cristina da Silva Maria da Betania Galas Mariana Americano Atendimento ao Assinante/ Assinatura e números anteriores Joselita Reis josy@avisala.org.br Projeto Gráfico e Diagramação Azul Publicidade Impressão Ogra Indústria Gráfica Tiragem 2.000 exemplares 2 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 CA PA : A R TE B A SE A D A N O B O R D A D O D E M A R IA A LE SS A N D R A C . P R A D O T E M A E M D E S TA Q U E R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R P R O J E TO I N S T I T U C I O N A L 4 14 22 É possível brincar em escola de Ensino Fundamental? Ortografia, sim! A cidade em pon t Avisa la Ed 53.indd 2 24/01/13 22:35 AO LEI TOR Seções EDITORIAL . . . . . . . . . . 3 PARABÓLICAS . . . . . . 48 FI NAL MEN TES . . . . . . 50 O bordado na capa desta revista foi feito por uma aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA), tecido sobre uma fotografia de um dos recantos de São Paulo. Evoca algo bucólico e afetivo sobre esta cidade tida como fria e desumana. É um trabalho escolar que, segundo a professora responsável, ajudou a “puxar conversa, indagações, remexeu os fios da memória, encantando os olhos e afetando uma comunidade maior...”. Sem dúvida, todos aqueles que o analisam são tocados por ele. Quando uma atividade escolar tem esse alcance, fica evidente a contribuição para a apren- dizagem e autoestima dos participantes. Sentido e sig- nificado são bases importantes para a Pedagogia. Desse grupo com muita memória vamos para o trabalho com aqueles que estão inaugurando sua atu- ação no mundo. Os conteúdos são derivados das Artes Visuais e da capacidade das crianças interagirem e se expressarem. Um artista contemporâneo e suas insta- lações encantam os pequenos. Mas é importante dizer que, tanto para os adultos do projeto quanto para as crianças, a sensibilidade do professor, a boa escolha dos objetos culturais e a intervenção didática qualifica- da foram fundamentais para a realização dos trabalhos. Falando em intervenção profissional competente e eficiente, o grupo de coordenadores pedagógicos e de professores de um curso a distância aprimora e com- partilha conhecimentos sobre ortografia. Seguramente seus alunos puderam aprender mais e melhor. Em Educação Infantil, há um consenso sobre a im- portância do brincar bastante divulgado em várias edi- ções dessa revista. No Ensino Fundamental, por sua vez, os posicionamentos de especialistas divergem. Neste nível de ensino, famílias e profissionais da área consideram que escola é para estudar. Deve ter mesa, carteira, livro didático, caderno, exercícios, lápis, borra- cha e até mesmo computador. Mas brincar, não. Entretanto, como os alunos ainda são crianças, eles precisam brincar, jogar e podem aprender muita coisa com essas ações. Vale a pena ver como é possível im- plantar um espaço para o convívio alegre e saudável nos pátios escolares. Um ótimo 2013 para todos nós! Sílvia Pereira de carvalho 3 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 S U S TA N Ç A T E M A E M D E S TA Q U E 31 40 n tos de bordado a Sibéria é aqui Tão longe, tão perto... A criança e a Arte: busca e encontro Avisa la Ed 53.indd 3 24/01/13 22:35 SÃO MUITAS ATIVIDADES E POUCO TEMPO: LAVAGEM DE MÃOS, DISTRIBUIÇÃO DA MERENDA, JOGOS E BRIN- CADEIRAS. ALÉM DISSO, ALGUNS ESPAÇOS SÃO INA- DEQUADOS E FALTAM MATERIAIS E BRINQUEDOS P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L Essas foram algumas observações com as quais diretores, professores de Educação Física e agentes escolares de 8 escolas estaduais de Ensino Fundamental de Mauá (SP) se depararam ao serem convidados a integrar o 1o grupo do Projeto Institucional Pátio Além do Lanche3. Ninguém tem dúvida de que criança gosta e precisa brincar e que, para isso, é bom ter espaço, variedade de brinquedos e jogos acessíveis, com desafios adequados à faixa etária. Mas por que será que ao ingressar no Ensino Fundamental a escola acaba separando a criança do aluno? A criança fica na porta da escola onde só é permitido entrar o aluno em sua representação mais clássica: um ser para estudar, aprender conteúdos, fazer li- ção, respeitar os mais velhos, ser cidadão, entre outras tantas responsabilidades. Brincar, brinquedo, brincadeira remetem à ale- gria, mas a construção disso na escola de período regular requer trabalho, planejamento, constitui- ção de equipe, observação de espaço, análise de recursos financeiros, entre outros aspectos que 4 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 ELZA CORSI1 E MARCIA CRISTINA DA SILVA2 É possível brincar em e Ensino F 1Formadora do Instituto Avisa Lá. 2 Coordenadora de projeto do Instituto Avisa Lá e formadora da Comunidade Educativa Cedac, em São Paulo (SP). 3 Este projeto é resultado da parceria entre as escolas e suas equipes, a Diretoria Regional de Mauá, o Grupo Ultragaz e o Instituto Avisa Lá realizada em 2011, visando à realização, manutenção e monitoramento da implantação de atividades recreativas na hora do lanche. Avisa la Ed 53.indd 4 24/01/13 22:36 P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L 5 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 m escola de o Fundamental? dizem respeito diretamente ao trabalho do diretor e de seus auxiliares. Para brincar na escola é pre- ciso que os adultos acreditem na brincadeira co- mo um direito da criança e trabalhem coletiva- mente para poder colocar uma instituição inteira a favor da empreitada. Nesta escola se brinca? Para iniciar o projeto, identificamos que seria mais interessante para sua viabilização que envol- vêssemos a direção, os agentes de organização es- colar e os professores de Educação Física, pois esses profissionais são os que estão mais diretamente li- gados ao horário do recreio ou, no caso dos profes- sores de Educação Física, na introdução de jogos corporais, entre outros. Essa equipe realizou um diagnóstico com vistas a ampliar o olhar dos profis- sionais sobre os espaços destinados ao brincar, as- sim como as relações estabelecidas entre alunos e alunos, alunos e adultos, alunos e o brincar, como também analisar quais brinquedos e brincadeiras eram mais frequentes. Os instrumentos utilizados foram o registro fotográfico, a filmagem e um ques- tionário sobre os espaços do brincar4. 4 Questionário adaptado a partir do artigo “Questionário sobre espaços de Lazer”, publicado na Nova Escola Gestão Escolar, Edição 009, Agosto/Setembro 2010. Escola Clodoaldo Portugal Caribê FO TO : A C ER VO D A E SC O LA C LO D O A LD O P O R TU G A L CA R IB Ê Avisa la Ed 53.indd 5 24/01/13 22:36 6 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L Trecho da análise do diagnóstico em três escolas: Muita correria no pátio; pequenos acidentes; muitos alunos indisciplinados que eram encami- nhados à sala da direção; crianças ociosas du- rante o recreio; grande agitação na volta para a sala de aula. (Escola Francisca Lopes) O espaço disponível é o pátio coberto que tem as mesas para o momento da refeição. Há cordas e alguns alunos trazem figurinhas para brincar pelo chão. E muitos correm, ca- em, brigam e pedem aos adultos que punam uns aos outros. Será preciso pensar bem no que é possível fazer num espaço pequeno, com tantos alunos e quase sem materiais. (Escola Odila Bento) Podemos observar que os momentos do in- tervalo na escola estavam voltados para cor- rer, tomar a merenda, entre muitas brigas, ma chu cados e confusões também se faziam presentes. Os agentes escolares apenas ob- servavam os alunos que permaneciam sem muitas alternativas de atividades durante o intervalo. Assim, dentre os desafios observa- dos, destacamos a ociosidade das crianças que culminava nas brigas, provocações, ma- chucados desencadeados por choques devi- do à correria desenfreada de alguns alunos e a falta de um lazer direcionado e orientado. (Escola Antonio Prado) Lidos, tabulados e analisados os questionários, observados os filmes e as fotografias, a equipe esta- va mobilizada para pensar, implantar e implementar o projeto. Uma equipe para o projeto A definição da equipe participante da formação e a indicação dos responsáveis pela implantação do projeto nas escolas foram feitas com a técnica responsável pelo acompanhamento do projeto por parte da Diretoria Regional de Ensino de Mauá, Ednéia Aparecida Balista. Participaram o agente de organização escolar, o professor de Educação Fí si- ca, professores como voluntários (já que estão em horário de descanso) e, em algumas escolas, os próprios alunos passaram também a organizar o espaço e as brincadeiras em esquema de rodízio. Esses alunos receberam coletes coloridos e foram batizados de monitores do recreio. É importante destacar que a inclusão dos agentes escolares na formação e na gestão do projeto nas escolas foi uma grande conquista, parceria importante para o sucesso do projeto nas escolas, porque viabilizou seu desenvolvimento e ampliou o referencial do papel profissional deste funcionário que, paulatina- mente, passou a se reconhecer também como um educador de sua escola. A apresentação da proposta do projeto é uma etapa muito importante, pois permite à equipe que o coordena na escola compartilhar com todos os funcionários os propósitos, a importância da parce- ria e a construção do plano de ação com o grupo para iniciar o projeto na escola. Sem esse planeja- mento inicial – para antecipar os cuidados, as ações necessárias, os imprevistos –, pode ser muito frus- trante empreender um trabalho novo, a equipe po- de se sentir incompetente e abandonar a ideia, co- mo vimos acontecer em outras propostas. Um exemplo de atividade que o gestor pode desenvolver nessa reunião é a “Roda de Memórias” na qual, após a leitura de um pequeno texto so- bre memórias de brincadeiras, cada um compar- tilha informações sobre os brinquedos da própria infância. Essa atividade faz com que o grupo se Pátio da Escola Romeu da Silva antes da execução do projeto FO TO : A C ER VO D A E SC O LA R O M EU D A S IL VA Avisa la Ed 53.indd 6 24/01/13 22:36 7 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L aproxime da temática de forma delicada e, ao mesmo tempo, promove boas reflexões, como uma pergunta formulada durante a sistematização de uma das rodas: Por que será que nas nossas memórias pouco aparece o brincar na escola? CASA DE BAMBU, TELHADO DE COQUEIRO Tinha mais três irmãs e dois irmãos e moráva- mos numa rua de terra batida. Nossas brinca- deiras preferidas eram as canções de roda e as brincadeiras de pique. Além das brincadeiras na rua, brincávamos de casinha. Construíamos no quintal uma casinha com estrutura de bambu. Usávamos papelão e folhas de coqueiro para cobrir a casinha e nos proteger do sol. Às vezes, levava horas para construí-la, e acabávamos derrubando no final do dia para começar tudo de novo no dia seguinte. Rose Valverde nasceu em Três Rios (RJ), em 1960, é artista plástica e professora de artes. TRAPÉZIO NO PÉ DE LIMÃO Eu tinha uns nove anos, morava em Lins, inte- rior de São Paulo, e obrigava meu irmão mais novo, com 5 anos, e uma prima, de 4 anos, a assistirem minhas apresentações no trapézio. O short branco, com elástico nas pernas e na cintura, que era usado nas aulas de educação física da escola, servia de roupa de artista de circo. Eu trepava em um pé de limão e fazia meu número de trapezista. Conseguia ficar presa ao galho da árvore, de ponta-cabeça, segura apenas pelas pernas. Ao final da apre- sentação, meu irmão e minha prima tinham de me aplaudir. Neuza Maria Cintra nasceu em Lins (SP), em 1939, aposentada. Por onde começar? No diagnóstico inicial, as escolas perceberam que as crianças traziam alguns jogos de casa. Figurinhas para jogar bafo, e o UNO (antigo Mau Mau) era a febre do momento. Fora esses dois jo- gos, nas escolas não havia jogos de tabuleiro, bara- lhos, que seriam bem desafiadores para a faixa etá- ria, nem materiais para brincadeiras corporais. Escola Clodoaldo Portugal Caribê FO TO : A C ER VO D A E SC O LA C LO D O A LD O P O R TU G A L CA R IB Ê Avisa la Ed 53.indd 7 24/01/13 22:36 8 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L1a etapa: seleção de jogos de mesa Foi entregue a cada escola um kit de jogos de tabuleiro para que analisassem, aprendessem a jo- gar e avaliassem com as equipes quais gostariam de apresentar aos alunos. Os jogos selecionados varia- ram dos clássicos dama e trilha a escadas e serpen- tes, acompanhados de suas respectivas histórias. Os professores pareciam crianças jogando na reunião, conquistamos o grupo aí. Uma diretora durante a reunião de formação. 2a etapa: reprodução ou aquisição de novos jogos As escolas participantes da formação receberam alguns exemplares de jogos. Como o número de exemplares era insuficiente para disparar a ação na escola, um desafio já estava colocado para todos: Como conseguir mais jogos? Um diretor havia comentado que a caixa de pa- pelão na qual a merenda é acondicionada trazia impresso jogos de tabuleiro, e que ele utilizava esses jogos na escola. Seu depoimento levou o grupo a procurar na própria escola jogos que não estavam sendo utilizados. Uma primeira sugestão que saiu da reunião com o grupo foi fazermos uma busca pelos ar- mários da escola, pois suspeitávamos que tivés- semos brinquedos guardados. E não é que achamos alguns jogos, que nunca haviam sido abertos, para complementar o projeto? Trecho do relatório da escola Clotilde Doratioto. Outra saída foi a reprodução de tabuleiros pos- sibilitada por meio de oficinas. A equipe da Escola Clodoaldo Portugal Caribê, desde o início do proje- to, havia definido com a equipe que este seria o projeto institucional prioritário do ano de 2011 e que as verbas advindas de programas federais, es- taduais e festas com a comunidade seriam aplicadas na compra de materiais para enriquecer ainda mais o projeto. A primeira ação nesse sentido foi realizar a reprodução de 15 tabuleiros. 3a etapa: os jogos de tabuleiro já no pátio Cada escola decidiu como apresentar e distribuir os jogos durante o recreio de acordo com seus re- cursos e possibilidades. Além dos jogos, algumas escolas abriram a biblioteca e a sala de informática para que o computador fosse usado de maneira re- creativa nesse horário. Uma ação aparentemente tão simples resultou em novo ânimo e disposição de todos os envolvidos. Os jogos ficam à disposição das crianças para que elas escolham o que querem jogar. Elas se Escola Clodoaldo Portugal Caribê FO TO : A C ER VO D A E SC O LA C LO D O A LD O P O R TU G A L CA R IB Ê Avisa la Ed 53.indd 8 24/01/13 22:36 9 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L organizam por afinidade para jogar os jogos de tabuleiros. (Escola Ariovaldo Puppo Amorim, maio de 2011.) As conquistas observadas com a introdução dos jogos de mesa foram a atenuação da correria do intervalo e a melhor organização do tempo por parte de alguns alunos mais agitados. A outra observação é tão significa- tiva para nós, pois trata sobre o ato de brin- car: o convívio, a aprendizagem das regras, saber esperar a vez, saber perder, saber ga- nhar, são atitudes que aparecem muito nes- ses jogos e, por incrível que pareça, não fo- ram observadas nesse período brigas ou confusões, e numa panorâmica geral, os alu- nos apresentam-se bem mais calmos. (Escola Walt Disney, maio de 2012.) No primeiro momento, iniciamos com apenas 14 jogos: 7 tabuleiros de dama, 2 de trilhas, 2 de xadrez e 3 caixas de dominós. Após três dias, avaliamos que precisaríamos adquirir mais jogos e mesas. Atualmente contamos com 13 tabuleiros de damas, 4 de xadrez, 5 caixas de dominós, 3 de trilhas e 3 pega-varetas. (Escola Walt Disney, junho de 2012.) Reorganização dos espaços Outra etapa do projeto foi a adaptação dos es- paços escolares para comportar a criação de cantos de atividades a fim de organizar e facilitar o acesso dos alunos aos brinquedos e às brincadeiras, como também para que tudo pudesse ser guardado no final do período. Algumas escolas alteraram a disposição das me- sas do lanche, o que ajudou muito; outras definiram os lugares das brincadeiras com placas; e houve as que precisaram otimizar o uso das mesas do refeitó- rio. Por conta disso, sobraram algumas mesas, que foram utilizadas em jogos de tabuleiro. Em duas escolas, palcos antes subutilizados transformaram-se em cantos de leitura e de artes. A quadra foi dividida em duas. Em uma delas há jogos, como Queimada; na outra, brinca-se de Goleiro Maluco. Objetos como suportes para guardar man- gueiras são utilizados para colocar cordas e há contêineres com identificação dos brinquedos para os cantos de boliches, petecas, carrinhos, bonecas, pet shop, entre outros. Algumas escolas reorganizaram as turmas que saem para o lanche de forma que alguns corredores das salas de aula também foram utilizados para brincadeiras como competição de carrinhos; corridas com cor- da, com um pé só; e outras. A equipe da Escola José Romeu da Silva fez o croqui do pátio, distribuído à equipe toda, e juntos desenharam várias possibilidades de ocupação do espaço pelos cantos de brincadeiras. Depois de um mês de projeto implantado, o grupo avaliou que se- ria melhor para a organização do espaço a criação de um pequeno muro que separasse os dois am- bientes. Atualmente a escola já ocupa os pátios in- terno e externo para as brincadeiras. Outras brincadeiras e cantos A cada mês, nos encontros de formação que realizamos, novos jogos foram entregues a fim de estimular o processo. Nas escolas, as equipes mul- tiplicadoras davam continuidade ao projeto com as etapas de apresentação desses jogos aos adultos da escola, disponibilizando-os nas salas para que todos os alunos aprendessem. Durante esse pro- cesso, algumas escolas perceberam a necessidade de que outros brinquedos e brincadeiras também Equipe da Escola Francisca Lopes Nigri e os jogos Tatu brasilis e Escadas e serpentes FO TO : A C ER VO D A E SC O LA F R A N C IS CA L O P ES N IG R I Avisa la Ed 53.indd 9 24/01/13 22:36 10 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L pudessem fazer parte do horário do lanche, como pular corda, alguns jogos com bola, baralhos infan- tis, entre outros. Essa foi uma iniciativa muito im- portante, mesmo porque já estava prevista nas eta- pas de formação a discussão sobre a necessidade de uma diversificação de brincadeiras e brinque- dos. Isso, a partir da observação e da prática dos educadores das escolas, ganhou legitimidade no grupo de formação. E assim, paulatinamente, com os cantos de jo- gos de tabuleiros constituídos em todas as escolas, novas brincadeiras foram sendo introduzidas, desco- bertas e redescobertas: pingue-pongue, boliche, quebra-cabeça com 500 peças, fantoches, canto das artes, jogos de memória, peteca, frisby, canto da leitura, bonecas e bonecos, queimada, bola ao ces- to, uso da sala de informática, entre outros. Também foi proposta na formação uma oficina de construção de brinquedos a partir de sucatas. Os gestores e agentes participaram da oficina, poste- riormente realizada com os seus professores e alu- nos; algumas escolas, nessa etapa, incluíram tam- bém os pais. A parceria continuou ao longo do ano, oferecen- do novos brinquedos e realizando todo o processo de conhecer, multiplicar junto aos profissionais das escolas, tornar conhecido pelos alunos em sala de aula, para, só depois disso, serem introduzidos no horário do lanche. Avaliação Avaliar é uma etapa importante de qualquer projeto institucional, e é interessante que a ava- liação seja sistêmica e compartilhada com todos os participantes. Algumas escolas realizaram duas avaliações com suas equipes ao longo de um ano de projeto. Isso permitiu às equipes analisarem os principais impactos relativos ao comporta- mentodos alunos, as aprendizagens, as brinca- deiras mais populares e as que precisavam ser mais incentivadas pelos adultos, aquelas que haviam esgotado o interesse, o que precisaria ser adquirido e as mudanças que deveriam ser feitas nos espaços. Outras escolas realizaram avaliações por escrito com alunos: Antes o recreio era todo barulhento e sujo, pois os alunos derrubavam a caixinha de suco ou jogavam uns nos outros. Não tinha quase brin- cadeiras. Hoje o recreio está bem melhor, tem várias brincadeiras, uma delas é a Bola ao Cesto. Tem também jogos, informáticas e muitos outros. O recreio está mais organizado. Eu gos- to muito do recreio hoje. Aluna Monique Eduarda – 5o ano E – 26/6/2012 – Escola Estadual José Romeu da Silva. Crianças e agentes escolares interagindo na Escola Carlos Drummond de Andrade FO TO : A C ER VO D A E SC O LA C A R LO S D R U M M O N D D E A N D R A D E Avisa la Ed 53.indd 10 24/01/13 22:36 1111 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 Antes era chato e perigoso o recreio porque as pessoas corriam e machucavam outras pes- soas. Agora o recreio é mais legal porque as oficinas são muito divertidas. A que eu mais gosto é a da Queimada. Aluno Carlos Alexandre Luciano – 4o ano B – Escola Clodoaldo Portugal Caribê. O relatório de avaliação da escola Dra. Es pe- rança Saavedra, apresentado no seminário interno do projeto5, ilustra bem alguns resultados da avalia- ção feita pela equipe de profissionais: O projeto Pátio Além do Lanche entrou em nos- sa escola para fazer a transformação que tanto precisávamos. Ele foi muito bem aceito pelos alunos e pela equipe escolar. Com apenas pou- cos meses de implementação, já percebemos ótimos resultados, como: organização do espaço para brincadeiras, promovendo uma melhor convivência entre os alunos; várias opções de atividades no horário do lanche, gerando liberdade de escolha e incen- tivando a autonomia dos alunos; alunos que desafiam, brincam e interagem, tornando o ambiente agradável e de fácil mediação; materiais mais conservados, pois os alu- nos voluntários participam da responsabi- lidade de cuidá-los e guardá-los nos luga- res determinados; alunos mais calmos e alegres, facilitando a re- tomada da aula após o intervalo; Estamos muito satisfeitos com os avanços e en- gajamento de todos para tornar o nosso pátio ainda mais dinâmico e educativo. Considerações finais Os ganhos relativos ao desenvolvimento desse projeto podem ser observados nas crianças que brincam e interagem com mais autonomia, conhe- cem e seguem regras para se divertir jogando, como também na reorganização dos espaços externos escolares em favor da aprendizagem dos alunos quando brincam. Consideramos ainda como re- sultado a definição de prioridades por parte das equipes gestoras relativas à aquisição de novos ma- teriais, e até mesmo fazer com que alguns profissio- nais, como os agentes escolares, possam se sentir orgulhosos por estarem contribuindo com as apren- dizagens dos alunos. Esses dois anos de acompanhamento e de reali- zação da formação desses diretores, professores de Educação Física e agentes escolares nos fizeram acreditar ainda mais nas equipes gestoras que de- senvolvem um projeto institucional com planejamen- to sério e compartilhado. Tivemos também a certeza de que é possível ampliar o número de parceiros a partir da apresentação de resultados, revelando, portanto, que não se deve depender apenas da dis- ponibilidade dos professores. É preciso apostar no 5 Realizado em dezembro de 2012, contou com a presença de todos os parceiros; participantes e novas escolas convidadas tiveram a oportunidade de conhecer mais sobre a prática dessas escolas. P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L Crachás para as oficinas da Escola Romeu da Silva Avisa la Ed 53.indd 11 24/01/13 22:36 12 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L conhecimento e interesse de outros profissionais das escolas, bem como manter e monitorar o projeto ao longo desse período. Podemos dizer que nas escolas estaduais de Ensino Fundamental I de Mauá, em São Paulo, participantes do Projeto Pátio Além do Lanche, o brincar é valorizado porque todos têm prazer em dizer tudo o que um aluno, que continua sendo criança, aprende quando pula corda, dá a vez no jogo de trilha, quando perde um gol, quando quei- ma um colega na partida de Queimada, quando seu time de futebol de botão ganha o campeona- to ou quando coloca a última pecinha do quebra- -cabeça com 500 peças! Segue modelo de um planejamento do proje- to, um dos instrumentos de gestão fundamental para o andamento de um projeto institucional6 . 1a etapa para o 2o semestre de 2012 1a etapa da avaliação Avaliação dos resultados do 1o semestre do projeto e pesquisa de sugestões de brincadeiras junto aos alunos Semana de 21 a 26/6 Todos os professores da escola Questionário com perguntas dirigidas Análise dos resultados da avaliação (reunião de HTPC) Avaliação do projeto e coleta de sugestões dos professores Análise do resultado dos questionários dos alunos Dia 27/6 Todos os professores e agentes envolvidos Resultado dos questionários dos alunos Gráfico de sugestões 2a etapa para o 2o semestre de 2012 Reunião APM Definir como adquirir novos brinquedos (angariar fundos ou utilizar a verba adquirida na festa/2012) Decidir quais brinquedos poderão ser comprados, de acordo com os sugeridos pelos alunos Dia 28/7 15h às 17h Gestora: Ivone Professora Roseli – Educação Física Resultado das avaliações Gráficos de sugestões Reunião com agentes Analisar ata do Conselho de Escola com as possibilidades de compra de material Definir as oficinas para o próximo semestre Dia 13/7 9h às 11h Gestora: Ivone Professora Roseli – Educação Física Análise dos gráficos de sugestões Leitura da ata de reunião do Conselho de Escola 6 Esse planejamento foi construído pela equipe da Escola Clodoaldo Portugal Caribê. Manutenção do Projeto Pátio Além do Lanche6 Escola Clodoaldo Portugal Caribê FO TO : A C ER VO D A E SC O LA C LO D O A LD O P O R TU G A L CA R IB Ê Continua na página 13 » Avisa la Ed 53.indd 12 24/01/13 22:36 13 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 Projeto Pátio Além do Lanche Executor: Instituto Avisa Lá Parceiros: Diretoria Regional de Educação de Mauá e Grupo Ultragaz Escolas participantes em 2011 e 2012: EE Ariovaldo Puppo Amorim, EE Clodoaldo Portugal Caribê, EE Walt Disney, EE Fortunato, EE Cecília Pântano, EE Francisca Lopes, EE Antonio Prado, EE Carlos Drumond de Andrade, Escola Profa Odila Bento Mirarchi; EE José Romeu da Silva Coordenação pedagógica: Márcia Cristina da Silva Formadora: Elza Corsi E-mails: marcia_cs@uol.com.br, elzacorsi@uol.com.br F I C H A T É C N I C A P A R A S A B E R M A I S Espaços lúdicos ao ar livre na educação infantil de Izabel Porto Filgueiras. Dissertação de mestrado: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 1998. Livro Lazer e recreação: repertório de atividades por fases da vida, de Nélson Carvalho Marcelino (org). Campinas: Papirus, 2011. V. 1. Site: Mapa do brincar: mapadobrincar.folha.com.br 3a etapa para o 2o semestre de 2012 Reunião com todos os funcionários da escola Planejamento das atividades desenvolvidas no 2o semestre de 2012 Utilização de espaço Compra de material Dia 13/7 14h às 17h Gestora: Ivone Professora Roseli – Educação Física Gráficos de sugestões Ata de reunião do Conselho de Escola Reunião de replanejamento Ciência aos professores sobre as novas oficinas Elaborar as regras de funcionamento. Dia 31/7 Gestores Professoras: Roselie Daniele Documento com a resolução dos envolvidos e APM sobre as novas oficinas Reunião de avaliação Planejar a reunião de avaliação com alunos e funcionários Novembro Direção, agentes e professora de Educação Física Analisar as matrizes de avaliação de 2012 e de 2011 e definir uma nova para o final de 2012, assim como o público que responderá Elaborar pauta de reunião OBS.: A escola manterá alguns cantos que foram sucesso no 1o semestre, como informática, jogos de tabuleiros com atividades e jogos diferenciados. P R O J E T O I N S T I T U C I O N A L Nas etapas seguintes, manteve-se essa mesma organização para outros cantos, como Canto da Arte, Jogo de basquete, Nintendo Wii, Pebolim, Bolichão, Boca do Palhaço, Pingue-Pongue. Escola Clodoaldo Portugal Caribê FO TO : A C ER VO D A E SC O LA C LO D O A LD O P O R TU G A L CA R IB Ê « Continuação da página 12 Avisa la Ed 53.indd 13 24/01/13 22:36 OS DILEMAS DE ENSINAR OU NÃO ORTOGRAFIA NA ESCOLA PODEM SER RESOLVIDOS POR MEIO DE PARCERIAS PRODUTIVAS ENTRE COORDENADO- RES PEDAGÓGICOS 14 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 ALESSANDRA ASSIS, ARIANE MOREIRA E CAMILA CHIARA1 T E M A E M D E S T A Q U E Não se corrige mais, o aluno constrói sozi-nho”. É o que se ouve com frequência nas escolas. Mas será que é isso mesmo? O tema proposto para a formação no curso a distância Ortografia, sim!2 foi apresentado com uma provocação: Afinal, deve-se corrigir ou não as escritas das crianças? A partir de que idade? Como fazer is- so? Durante muito tempo deixada de lado nos currículos, a ortografia é mostrada hoje como um conhecimento específico que exige do profes- sor planejamento de sequências didáticas pon- tuais para ensinar os desafios que a escrita convencional propõe às crianças. Essas são algu- mas questões discutidas nesse curso. Provocados, todos os participantes encararam o desafio. Os diferentes encaminhamentos didáticos pro- postos pela consultora do curso online3 possibili- taram compreender que a ortografia é um objeto de estudo. E como tal deve ser tratada e pensada estrategicamente. No ambiente virtual, nos espa- “ 1 Alessandra Assis é professora do ensino fundamental em São Paulo. Ariane Moreira é bióloga e pedagoga, atualmente trabalha com turmas de 3o ano na rede particular em São José dos Campos. Camila Chiara é pedagoga, pós-graduada em Alfabetização, atualmente com turmas de 3o e 4o anos na rede particular e 1o ano na rede pública de ensino. 2 Curso destinado a coordenadores pedagógicos realizado pelo Instituto Avisa Lá em abril, junho e julho de 2012. 3 Maria Paula Twiaschor, formadora do Instituto Avisa Lá e da Comunidade Educativa CEDAC. Ortografia, Avisa la Ed 53.indd 14 24/01/13 22:36 T E M A E M D E S T A Q U E 15 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 ços dos fóruns, pudemos expor nossos saberes, ampliados, ressignificados ou modificados com os procedimentos de estudos práticos e teóricos com base nos textos de Artur Gomes de Morais4. É ele quem afirma: A escola, em geral, cobra do aluno a correção do que escreve. Mas cria poucas oportunida- des para refletir com ele acerca das dificulda- des ortográficas da nossa língua. Cremos que é preciso superar este desvio: em vez de se preocupar basicamente em avaliar, verificando o conhecimento ortográfico dos alunos, a es- cola precisa investir mais em ensinar, de fato, a ortografia. Procurou-se desmistificar a prática de exercícios estéreis, como a cópia de palavras repetidas sem reflexão, como único meio de assegurar que os alu- nos dominem as regras ortográficas. Por meio de textos teóricos5 sobre o estudo da ortografia, da análise de sequências didáticas e de discussão sobre encaminhamentos dados pelas formadoras em cada atividade, foi possível compreender a função do en- sino da ortografia na escola. As discussões e trocas entre as participantes corroboraram a necessidade de fazer diferente. Outros recursos, como vídeos sobre atividades de alunos, foram apresentados. O debate a partir da análise desses encaminhamentos nos possibi- litou repensar nossa própria prática e levou a mu- dança de concepção em relação ao trabalho de sala de aula. Conhecer o tipo de erro para ensinar melhor O estudo sobre as questões por que ensinar ou não ortografia?, como ensinar?, quando? foi muito importante para a compreensão da natureza dos erros ortográficos. Antes, muitas de nós pensáva- mos que o erro era erro. Achávamos que bastava corrigir os textos dos alunos ou pedir para escrever várias vezes a palavra incorreta com a grafia corre- ta para assegurar a extinção do erro. Isto, na ver- dade, não acontecia. Hoje, graças às pesquisas nessa área, temos a certeza de que o ensino de ortografia não está restrito ao campo da memória, necessária em algumas situações, mas o importan- te é oferecer dicas para que os alunos reflitam e, por conta disso, errem menos. Segundo Artur Gomes de Morais, existem dois tipos de dificuldade ortográfica. Uma delas é decor- rente da apreensão de normas ortográficas irregu- lares. Nesse caso, não há uma regra clara para a grafia de uma palavra; portanto, o aluno precisa memorizar a forma correta. O outro caso se refere à grafia de palavras sub- metidas a normas ortográficas regulares. Nesse ca- so, é possível o aluno prever a forma correta de grafá-las sem nunca tê-las visto, pois há um princípio gerador, uma regra específica. 4 Professor da Universidade Federal de Pernambuco que se dedica ao estudo da ortografi a e é autor de obras sobre a didática da ortografi a. 5 A maioria dos textos foi retirada do Programa de Professores Alfabetizadores – MEC 2001. Planejar em grupo Eu já havia feito o levantamento dos erros mais frequentes dos meus alunos, mas realizei outro exercício similar com a turma do curso, em um de nossos fóruns. Foi uma experiência bastante rele- vante, pois todos tiveram a oportunidade de colo- car suas dúvidas para o grupo e juntos analisamos quais eram realmente mais urgentes de ser traba- lhadas. Foi importante confrontar a opinião do grupo com as minhas observações, tendo assim a oportunidade de rever e reorganizar meu planeja- mento. Desta forma, ficou mais fácil traçar estraté- gias a partir da natureza dos erros cometidos pelos alunos e observados por mim. (Camila Chiara) Avisa la Ed 53.indd 15 24/01/13 22:36 T E M A E M D E S T A Q U E 16 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 Palavra correta Erro comum Norma ortográfica Assado Troca do “ss” por “ç” Irregular Assim Açim Regular Baixo “x” após ditongo Regular Balde Troca do “l” por “u” Regular Boazinha Boa zinha (hipersegmentação) Não caracteriza erro Cachorro Trocar do “ch” por “x” Regular Cantar Omissão do “r” final Regular Carroça Karossa Regular Carruagem Caroagem Regular Cartas “s” em final de palavras Regular (tonicidade) Cartaz “z” em final de palavras Regular (tonicidade) Casa Troca do “s” por “z” Regular Cebola Troca do “c” por “s” Irregular Cesta / sexta Troca do “c” por “s” ou “x” Irregular Chapéu “l” no lugar de “u” Regular De manhã Dimaia (hipossegmentação) Regular Dezena Troca de “s” por “z” Irregular Enchente Troca de “ch” por “x” Irregular Enxada “x” após a sílaba “en” Regular Estava Tava (omissão de sílaba) Regular Experiência Troca de “x” por “s” Irregular Feijão Veijão (troca de “v” e “f”) Irregular Fevereiro Vevereiro Irregular Fevereiro Feverero Irregular Floresta Voresta Regular Foram Forão (“am” por “ão”) Regular Hoje Omissão do “h” inicial/Troca do “j” por “g” Irregular Hoje Omissão do “h” Irregular Irmão Imau Regular Leão Leam Regular Leite Leiti Regular Lenhador Leiado Regular Mexer “x” após a sílaba “me” Regular Mordeu Troca do “u” por “o”Regular Obedecer O be de cer (hipersegmentação) Não caracteriza erro Óleo Oliu Regular Parede Troca do “e” final por “i” Regular Pombinha Ponbinha (“n” antes de “b”) Regular Prendeu Predeo Regular Príncipe Pisipe Regular Professora Professoura (supercorreção) Regular Quatrocentos Quatro centos (hipersegmentação) Irregular Sapato Ssapato (“ss” no começo da palavra) Irregular Terreno Tereno (um “r” só) Irregular Tigela Troca do “g” por “j” Irregular Com base nesse estudo, em uma das unidades do curso, tivemos como desafio pesquisar os principais erros de nossos alunos. Ao final, organizamos um quadro-síntese dos erros ortográficos: Avisa la Ed 53.indd 16 24/01/13 22:37 T E M A E M D E S T A Q U E Erro como indicador para o ensino Quando se compreende o que é o erro do aluno, pode-se inverter a lógica do ensino, ou seja, em vez de tomar os erros dos alunos como indicativo para dar notas, passa-se a enxergá-los como indicadores do que precisa ser ensinado, tornando-o objeto de estudo para todos os envolvidos. Outra consideração se faz necessária neste mo- mento: se existem tipos de dificuldades diferentes, as estratégias de ensino precisam acompanhar este pensamento, devem ser sistemáticas, estimulando a compreensão de dificuldades específicas. Artur Gomes de Morais sugere, no caso de difi- culdade em grafar palavras com regras regulares, estratégias que levem os alunos à reflexão acerca de cada regra (princípio gerador). São sugestões o di- tado interativo, a releitura com focalização e a re- escrita com transgressão ou correção. Todas in- centivam a discussão entre os alunos, o que possibi- lita a exposição da dúvida e a decisão coletiva sobre como escrever ou corrigir determinada palavra. No caso das dificuldades decorrentes da grafia de palavras não regidas por normas regulares, a primeira medida consiste em selecionar as de uso frequente e que devem ser memorizadas, a segunda é o uso do dicionário, fonte constante de informa- ções ortográficas. Considerando esses conhecimentos, é possível compreender que a produção ou reescrita dos alu- nos, no aspecto notacional do texto, passa a ter outro caráter, isto é, o de observação, de pistas pre- ciosas para diagnosticar o que os alunos sabem so- bre a convenção da escrita e o quê ainda precisam saber. Portanto, são eles que norteiam as decisões que precisamos tomar acerca do que ensinar ou não. Após elaborar uma sondagem dos conhecimen- tos do grupo e fazer o levantamento das necessida- des da turma, diferentes situações de ensino devem ser propostas. Sabendo do pressuposto de que a ortografia é uma dificuldade permanente para todos que fazem uso da escrita, a organização do ensino pode come- çar, por exemplo, pelas dificuldades que tenham regras (ortografia regular). Em uma das tarefas, tivemos de nos organizar mesmo a distância, em grupos distintos de traba- lho, focando um encaminhamento didático espe- cífico para o ensino de ortografia – foi desafiador e ao mesmo tempo compensador. Aos poucos, o grupo foi tecendo sua visão a respeito dos enca- minhamentos didáticos da ortografia e, ao final, construímos e escrevemos, em subgrupos, sobre três modalidades básicas: 1) Ditado interativo; 2) Releitura com focalização; 3) Reescrita com trans- gressão ou correção. Compartilhamos a seguir as produções dos subgrupos A, B e C, respectiva- mente, com a colaboração de todos os colegas e da formadora: 17 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 Avisa la Ed 53.indd 17 24/01/13 22:37 1. Ditado interativo Esta situação didática tem o propósito de ensi- nar ortografia com o apoio de textos conhecidos pelo grupo, pois assim o foco será somente na orto- grafia e não na “produção” do texto em si. Nesta situação, as palavras desconhecidas deixam de ter a função de verificação de conhecimento, como no ditado tradicional, hoje considerado pouco eficiente. 1o momento – Selecionar um texto conhecido pe- lo grupo, com palavras importantes a serem anali- sadas quanto ao seu registro, pré-selecionadas pelo professor. 2o momento – Esclarecer o objetivo do ditado in- terativo para os alunos e quais os procedimentos adotados pelo professor, fazendo pausas e questio- nando a escrita de determinadas palavras. Em se- guida, ele ouvirá as justificativas apresentadas, in- tervindo sempre que necessário. Importante: caso surjam outros questionamen- tos que fujam à focalização planejada, combinar com o grupo se discutirão no momento em que eles surgirem ou se darão atenção à questão apresenta- da em outra oportunidade. Quando o professor combina com o grupo que somente suas pausas serão válidas naquela aula, ele amplia a possibilida- de de reflexão sobre determinada regra ou irregula- ridade. Já na outra possibilidade a autonomia é mais desenvolvida. 3o momento – Propor aos alunos que pensem sobre as várias formas de grafar o mesmo som e apresentem as diversas possibilidades para escrevê-lo. 4o momento – As pausas são oportunidades que o professor oferece aos alunos para que possam focalizar e discutir as questões ortográficas pré- -selecionadas pelo docente ou levantadas durante a atividade. Assim, interrupções como: “Há alguma palavra que acham mais difícil?” ou “Uma turma que não sabe escrever tal palavra, como poderia se enganar? Por quê?”. Ou ainda: “Uma pessoa que sabe escrever, como colocaria? Temos como saber por que só se pode escrever esta palavra desta forma? Qual parte da palavra pode fazer com que a pessoa erre? Por quê?” 5o momento – Essa atividade pode ser o início de uma sequência didática, de modo a despertar a curiosidade do aluno sobre a regra ou irregularida- de que será estudada ou até após algumas desco- bertas, sistematizando uma discussão. 2. Releitura com focalização A proposta é feita coletivamente e consiste na releitura de um texto já conhecido. Ao longo da leitura, fazem-se algumas interrupções sobre deter- minadas palavras, lançando questões sobre a or- tografia. Nessa proposta, é importante considerar as seguintes orientações: T E M A E M D E S T A Q U E 6 O diálogo entre o ensino e a aprendizagem, de Telma Weisz. São Paulo: Ática, 2000. Resolver problemas para aprender O aluno aprende quando é levado a vi- venciar algum problema, e a partir daí pode refletir sobre dúvidas que seguramente apa- recerão. Como Telma Weisz diz: As crianças precisam de problemas para resolver6. Con- cordo com ela, pois só assim ocorrerá apren- dizado. Percebi que esta estratégia de ditado garante isso, e não mais como os ditados de antigamente que não levavam à reflexão. (Silvana Moraes Souza Silva, aluna do curso online, professora há 12 anos.) 18 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 Avisa la Ed 53.indd 18 24/01/13 22:37 19 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 T E M A E M D E S T A Q U E incentivar as crianças a focalizar a atenção na gra- fia das palavras; lançar questões que estimulem os alunos a elabo- rar – mentalmente ou no papel – transgressões e a debatê-las, expressando os conhecimentos que têm sobre regras ou irregularidades; selecionar um problema ortográfico no qual a maioria dos alunos não esteja dando conta, para desencadear uma reflexão sistemática (no caso da professora, ela escolheu da reflexão o empre- go do “r” quando ele aparece depois de consoan- tes em palavras como “honra” e “desrespeito”); selecionar, entre as três modalidades básicas apon- tadas por Artur Gomes de Morais, aquela conside- rada mais adequada ao contexto específico. Em seu texto, o autor cita o caso da professora que optou por não iniciar um trabalho com ditado interativo, mas com a releitura da fábula A raposa e a cegonha, de Esopo. O texto escolhido havia sido comentadoe reescrito na semana anterior, continha muitas palavras que proporcionavam a discussão sobre o emprego do “r” ou “rr”: palavras como cigar- ra, formiga, inverno, verão, durante, trabalho, trigo, respondeu etc. Na releitura, os alunos não têm de investir tempo no registro do texto, pois o trabalho é centrado na discussão quase que exclusivamen- te nas palavras que o professor queira focalizar com a turma. Após a verbalização dos conhecimentos dos alu- nos, eles foram registrados em forma de regras nos cadernos e em um quadro na sala de aula. Realizaram atividades específicas em que clas- sificavam e formavam palavras reais e criavam ou- tras com “r” e “rr”. A discussão é constante. 3. Reescrita com transgressão ou correção A reescrita com transgressão ou correção tem como objetivo desencadear a reflexão ortográfica tendo textos como suporte. Nessa estratégia, é pro- posto que os alunos transgridam a norma ortográfi- ca no momento da reescrita. Ao escrever errado “de propósito”, surge a real possibilidade de discutir com os alunos os erros e acertos que produzem ou descobrem. É importante destacar que num trabalho com textos voltado para a análise linguística, este deve ser tomado inicialmente como unidade de sentido, a fim de se preservar sua genuína intencionalidade: emocionar, divertir, instruir, provocar etc. Isto permi- te aos alunos conhecerem o texto na íntegra. Ape- nas a partir desse primeiro contato, ele pode ser tomado como elemento de reflexão ortográfica. Encaminhamento da atividade Texto-suporte: tirinhas do Chico Bento selecio- nadas pelo professor. 1a etapa – Verificar se as crianças conhecem Chico Bento, personagem de Maurício de Sousa, bem como as características que o constituem: a simpli- cidade do menino que vive no campo, os amigos da roça, seu falar marcadamente regional etc. Caso não o conheçam, é imprescindível promover esse encontro para que possam se familiarizar com o personagem. 2a etapa – Distribuir cópia de uma tira do Chico Bento e pedir que os alunos a leiam, comparti- lhando as impressões que tiveram com a situação ali narrada, como: Avisa la Ed 53.indd 19 24/01/13 22:37 T E M A E M D E S T A Q U E 20 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 As pessoas que moram na roça têm o jeito de falar diferente porque é do jeito deles. Faz parte da cultura deles. Mas mesmo assim, sendo diferente, temos que respeitar. A fala do Chico Bento tem trocas de algumas letras. Ao invés dele falar a palavra “dormir”, com o “r” no final, ele fala “dormi”, ele não usa o “r” na final. Ele usa o “r” antes da hora certa. O pai dele também! E ainda usa o “u” ao in- vés do “o” na hora que fala “pru que, fio?” 3a etapa – Pedir que as crianças identifiquem o que há de “não convencional” na escrita da histó- ria. Professor, registre na lousa as observações feitas para que possam ser desencadeadoras de discussões de caráter mais geral, como a questão dos diferentes falares regionais. Aqui, os alunos levantaram outros modos do Chico Bento falar comparando com o jeito de falar de quem mora na cidade, como a forma marcante do “r”, mais “arrastado”; que usamos “i” no final em lugar do “e” (ex.: leite, atende etc.). Também comen- taram bastante o “uai, sô”, tipicamente mineiro, mas que ocorre no meio caipira também. É interessante observar que, mesmo com as instruções, algumas crianças não se desprenderam da fala do persona- gem; ora usa a fala, ora usa na forma de escritor, corrigindo-as. 4a etapa – Propor que os alunos reescrevam a história contada nos quadrinhos, sem usar o diálo- go. Professor, note que a história, agora, será es- crita por eles e não mais contada pelo persona- gem. Surge, então, uma nova condição de escrita, na qual os “erros ou formas não convencionais” não mais se justificam, pois há um narrador. Variação de encaminhamento Texto-suporte: tirinha do Chico Bento. Solicitar que os alunos reescrevam os diálogos da história, com mais expressões não convencionais. Durante a atividade, cabe questionar as transgres- sões feitas, pois estas revelam como “pensam” a ortografia – com suas regularidades e irregularida- des – e são indicadores preciosos para o desenvol- vimento de novas estratégias que permitem tratar a ortografia como um objeto de conhecimento que se internaliza por meio da reflexão e ação. É importante levar em conta que a fala do Chi- co Bento não é errada; apenas caracteriza os fa- lares regionais e o respeito que se deve ter por eles. O registro escrito, quando tem a intenção de se inscrever segundo as regras da linguagem es- crita, precisa sempre ser revisado e primar pelo convencional, mas a fala tem suas características próprias, e especificamente neste quadrinho o au- tor enaltece isso. O que muda na prática? Os resultados são realmente significativos. Em nossas salas de aula, a consulta ao dicionário tor- nou-se prática frequente e familiar, bem como ao Penso da mesma maneira, acredito na pro- posta de transgressão, mas arrumei uma “bri- ga” boa aqui com minhas colegas da escola, pois algumas concordam e outras não, por acharem que as crianças memorizam a pala- vra escrita incorretamente. Farei esta ativi- dade para dar um feedback a vocês! (Ariane Moreira, integrante do curso online.) Avisa la Ed 53.indd 20 24/01/13 22:37 A cidade em pontos de bordado 22 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 MARIA DA BETANIA GALAS1 MEMÓRIA E ARTE APOIAM A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM TURMAS DE EDUCAÇÃO DE JO- VENS E ADULTOS2 À noite, em vez de aproveitar para descan- sar, cochilando no trem de volta para ca- sa, Maria Ferreira se concentrava no bordado. Ponto por ponto, entre uma e outra es- tação, observava o vaivém dos passageiros, en- quanto os desenhos feitos de linha avançavam, dando visibilidade a novas figuras. É no trem mesmo que eu aproveito para estu- dar, para fazer os deveres de casa. Não tenho outro tempo. Não tenho vergonha de falar isso. Uma das perspectivas interessantes dessa his- tória é que o bordado feito por Maria, no trem, era parte de um projeto da aula de artes do curso que frequenta, à noite, no Colégio Santa Cruz, em São Paulo. Diferente de outras tarefas que costuma fa- zer no trajeto de casa para o trabalho, do trabalho para a escola e da escola para casa, o bordado provocou conversas, puxou indagações, remexeu nos fios da memória, encantou os olhos de mais R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R 1 Professora de Artes Visuais do Ensino Médio no curso de Educação de Jovens e Adultos – EJA, do Colégio Santa Cruz, em São Paulo (SP). É também professora, orientadora de Artes do Ensino Fundamental II e Ensino Médio e coordenadora da disciplina Projeto na Escola Viva, em São Paulo (SP). 2 Curso de Educação de Jovens e Adultos oferecido pelo Colégio Santa Cruz, em São Paulo (SP). FO TO : M A R IA D A B ET A N IA G A LA S Produção de Maria Nazareth Matos Avisa la Ed 53.indd 22 24/01/13 22:37 23 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 gente, afetando uma comunidade maior que o gru- po imediatamente envolvido na atividade. Este texto apresenta as ações planejadas, as trajetórias ressignificadas e os questionamentos mobilizados durante o processo em que o grupo da fase 2 do Ensino Médio de EJA esteve envolvido no projeto São Paulo em pontos de bordado3. Sobre os atores da história A heterogeneidade é um dos matizes mais fortes nos perfis dos grupos de EJA. Temos em uma mesma classe diferenças de idade de até quarenta anos ou mais, diversos níveis de leitura, múltiplos interesses culturais e formações religio- sas distintas. Entretanto, heterogeneidade e se- melhança possuem peso igual neste contexto. Como em sua maioria os alunos são migrantes ou filhos de migrantes,oriundos principalmente de cidades do interior do Nordeste, eles carre- gam os traços das tradições, da fala e de histó- rias que marcam as populações dessa região. Todos viveram, em maior ou menor intensidade, o drama de não ter podido seguir os estudos no tempo regular. Na semelhança, também estão vinculados por serem representantes do apartheid social que a excludente sociedade brasileira promove para a maioria desprestigiada política, econômi- ca e culturalmente4. Porém, as características que dão singularidade ao grupo que participou do projeto São Paulo em pontos de bordado são a presença de lideranças bastante mobilizadoras no sentido de dinamizar as ações coletivas, a fre- quência constante da maioria da classe e, conse- quentemente, um índice de desistência muito próximo a zero. Fatores positivos que os ajuda- ram a construir histórias de sucesso, no âmbito das experiências com a arte. 3 O projeto São Paulo em pontos de bordado foi desenvolvido pela disciplina Artes, no primeiro semestre de 2012, na classe da fase 2 do Ensino Médio. 4 De acordo com Orlando Joia, diretor de EJA do Colégio Santa Cruz, “o público atendido é constituído em sua grande maioria por migran- tes, dos quais um grande contingente vem dos estados da região Nordeste (só da Bahia são cerca de 45%). Uma grande maioria dos alunos são empregados domésticos ou trabalhadores em condomínios, havendo ainda uma certa quantidade de trabalhadores informais, em funções de baixa qualifi cação” (Entrevista concedida à autora em 13/10/2011). FO TO S: M A R IA D A B ET A N IA G A LA S Acima, produção de Francisco F. de Lima, 53 anos, caldeireiro R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R Avisa la Ed 53.indd 23 24/01/13 22:37 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 24 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R Arte, identidade e memória Algumas reflexões levaram às escolhas curricu- lares aqui apresentadas, entre elas a de Tomaz Tadeu Silva5, que diz: O conteúdo do currículo é uma construção so- cial. Como toda construção social, o currículo não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder que fizeram e fazem com que tenhamos esta definição determinada de currículo e não outra, que fizeram e fazem com que o currículo inclua um tipo determinado de conhecimento e não outro. No caso dos alunos de EJA, a escolha de con- teúdos e processos implica o entendimento de que os estudantes, aos quais se destinam as escolhas, são avaliados negativamente pela sociedade, e lu- tam pela incorporação de seus valores culturais à sociedade mais ampla. O foco principal, tendo em vista esse quadro de tensões, são as conexões en- tre identidade cultural, identidade social, currículo, significação e poder. Quem já ministrou aulas para grupos de EJA sabe que as atividades que buscam o protagonis- mo do aluno por meio de narrativas pessoais, em que a memória do aluno é solicitada, costumam ser muito bem acolhidas pelo grupo. O prazer e a competência com que são elaboradas estas narra- tivas não deixam dúvidas quanto à necessidade de afirmação de uma identidade e de um lugar social pelo aluno. Do universo de 141,5 milhões de pessoas no país de 15 anos ou mais de idade, cerca de 10,9 milhões pessoas (7,7%) frequentam ou frequentaram anteriormente algum curso de Educação de Jovens e Adultos – EJA. [...] O principal motivo para o abandono do curso para a maioria dos entrevistados foi a incompatibilidade do horá- rio das aulas com o horário de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%), seguido pela falta de interesse em fazer o curso (15,6%). Outros motivos que levaram à desistência dos estudos foram a incompatibilidade do ho- rário das aulas com o dos afazeres domésticos (13,6%), a dificuldade de acompanhar o curso (13,6%), a inexis- tência de curso próximo à residência (5,5%), a inexistência de curso próximo ao local de trabalho (1,1%), falta de vaga (0,7%) e outro motivo (22,0%). [...] Com relação ao rendimento, o maior percentual de pessoas que frequentavam EJA, na época da pesquisa, foi daquelas que estavam na faixa de até ¼ do salário mínimo (3,0%) e as que não tem rendimento (2,6%). A maioria dos que cursavam EJA era formada por pessoas que se declaravam pardas (47,2%), seguidas por bran- cas (41,2%), pretas (10,5%) e de outra cor ou raça (1,1%)”. Dados coletados pelo IBGE, em 2007. Fonte: IBGE. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1375&id_pagina=1 Sobre a realidade de EJA 5 Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currí- culo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. FO TO : M A R IA D A B ET A N IA G A LA S Rosecler F. dos Santos R ev is ta a vi sa lá no 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 24 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R Arte, identidade e memória Algumas reflexões levaram às escolhas curricu- lares aqui apresentadas, entre elas a de Tomaz Tadeu Silva5, que diz: O conteúdo do currículo é uma construção so- cial. Como toda construção social, o currículo não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder que fizeram e fazem com que tenhamos esta definição determinada de currículo e não outra, que fizeram e fazem com que o currículo inclua um tipo determinado de conhecimento e não outro. No caso dos alunos de EJA, a escolha de con- teúdos e processos implica o entendimento de que os estudantes, aos quais se destinam as escolhas, são avaliados negativamente pela sociedade, e lu- tam pela incorporação de seus valores culturais à sociedade mais ampla. O foco principal, tendo em vista esse quadro de tensões, são as conexões en- tre identidade cultural, identidade social, currículo, significação e poder. Quem já ministrou aulas para grupos de EJA sabe que as atividades que buscam o protagonis- mo do aluno por meio de narrativas pessoais, em que a memória do aluno é solicitada, costumam ser muito bem acolhidas pelo grupo. O prazer e a competência com que são elaboradas estas narra- tivas não deixam dúvidas quanto à necessidade de afirmação de uma identidade e de um lugar social pelo aluno. Do universo de 141,5 milhões de pessoas no país de 15 anos ou mais de idade, cerca de 10,9 milhões pessoas (7,7%) frequentam ou frequentaram anteriormente algum curso de Educação de Jovens e Adultos – EJA. [...] O principal motivo para o abandono do curso para a maioria dos entrevistados foi a incompatibilidade do horá- rio das aulas com o horário de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%), seguido pela falta de interesse em fazer o curso (15,6%). Outros motivos que levaram à desistência dos estudos foram a incompatibilidade do ho- rário das aulas com o dos afazeres domésticos (13,6%), a dificuldade de acompanhar o curso (13,6%), a inexis- tência de curso próximo à residência (5,5%), a inexistência de curso próximo ao local de trabalho (1,1%), falta de vaga (0,7%) e outro motivo (22,0%). [...] Com relação ao rendimento, o maior percentual de pessoas que frequentavam EJA, na época da pesquisa, foi daquelas que estavam na faixa de até ¼ do salário mínimo (3,0%) e as que não tem rendimento (2,6%). A maioria dos que cursavam EJA era formada por pessoas que se declaravam pardas (47,2%), seguidas por bran- cas (41,2%), pretas (10,5%) e de outra cor ou raça (1,1%)”. Dados coletados pelo IBGE, em 2007. Fonte: IBGE. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1375&id_pagina=1 Sobre a realidade de EJASobre a realidade de EJA 5 Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currí- culo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. FO TO : M A R IA D A B ET A N IA G A LA S FO TO :M A R IA D A B ET A N IA G A LA S Rosecler F. dos Santos Avisa la Ed 53.indd 24 24/01/13 22:37 25 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 25R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R Ocorre que, se por um lado, a evocação de uma identidade pelos relatos de memória traz o confor- to do pertencimento a um grupo social e cultural, imprimindo sentido e significação à própria vida, por outro, o lugar que a sociedade impõe a este mesmo grupo social é o lugar do exotismo, da in- ferioridade intelectual, do não civilizado. Para o migrante pobre, as origens, perceptíveis nas mar- cas físicas, econômicas e culturais, tornam-se um impedimento, um muro erguido pelo preconceito baseado na diferença. Uma evidência do que foi dito antes está na própria dinâmica social da arte. Aplaude-se a arte popular, mas os artistas e artesãos, com raríssimas exceções, não são destaque nos acervos e exposi- ções de galerias e museus. Definir as escolhas curriculares Embora envolva análises bastante complexas, certamente deveriam entrar em jogo, nos proces- sos de escolha, as questões relacionadas à memó- ria, a identidade e a diferença, de modo que as motivações econômicas, culturais e institucionais que estão na base das relações de assimetria e desigualdade social possam ser avaliadas, pensa- das e redefinidas. Portanto, partir do saber e da realidade do alu- no, valorizando sua vivência para gerar aprendiza- gens, parece ser um caminho claro, mas nem por isso mais fácil. Pelo compartilhamento desse saber o aluno deveria adquirir trânsito em outros seg- mentos mais favorecidos da sociedade. A sua iden- tidade cultural não pode ser fixada como marca imutável, mas como uma possibilidade de troca, de mudança, de reposicionamento social. Neste sentido, não basta partir do conheci- mento do aluno, mas garantir sua legitimidade. Dar voz ao aluno significa mais do que ouvir a sua opinião. As vozes precisam ser autorizadas pelo reconhecimento de que também as formas de conhecer por trás dessas vozes são válidas. E mais, o fortalecimento dessas vozes só é pos- sível no contexto de uma educação transcultural que possibilita refletir a partir de diversos pon- tos de vista. Um currículo transcultural A arte é uma forma de abordagem do mundo, uma forma de leitura e indagação, de conhecimen- to e de expressão. Dessa forma, o currículo deve ser escolhido pe- la sua capacidade de convidar à investigação, à interpretação e à provocação de julgamentos pela diversificação de ideias. Por meio da experiência com a arte o aluno poderá unir suas narrativas pessoais a outros relatos culturais mais abrangen- tes, compreendendo que o conhecimento se cons- trói numa rede social bem mais complexa do que a que vivemos com nossos pares. Por isso, se nos museus, arte e artistas são di- vididos e hierarquizados por critérios de distinção e de dominação cultural, nas aulas de arte Da Vinci FO TO S: M A R IA D A B ET A N IA G A LA S Acima, produção de Jéssica da Silva. À direita, o segurança Pedro Xavier R ev is ta a vi sa lá no 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 2525 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R Ocorre que, se por um lado, a evocação de uma identidade pelos relatos de memória traz o confor- to do pertencimento a um grupo social e cultural, imprimindo sentido e significação à própria vida, por outro, o lugar que a sociedade impõe a este mesmo grupo social é o lugar do exotismo, da in- ferioridade intelectual, do não civilizado. Para o migrante pobre, as origens, perceptíveis nas mar- cas físicas, econômicas e culturais, tornam-se um impedimento, um muro erguido pelo preconceito baseado na diferença. Uma evidência do que foi dito antes está na própria dinâmica social da arte. Aplaude-se a arte popular, mas os artistas e artesãos, com raríssimas exceções, não são destaque nos acervos e exposi- ções de galerias e museus. Definir as escolhas curriculares Embora envolva análises bastante complexas, certamente deveriam entrar em jogo, nos proces- sos de escolha, as questões relacionadas à memó- ria, a identidade e a diferença, de modo que as motivações econômicas, culturais e institucionais que estão na base das relações de assimetria e desigualdade social possam ser avaliadas, pensa- das e redefinidas. Portanto, partir do saber e da realidade do alu- no, valorizando sua vivência para gerar aprendiza- gens, parece ser um caminho claro, mas nem por isso mais fácil. Pelo compartilhamento desse saber o aluno deveria adquirir trânsito em outros seg- mentos mais favorecidos da sociedade. A sua iden- tidade cultural não pode ser fixada como marca imutável, mas como uma possibilidade de troca, de mudança, de reposicionamento social. Neste sentido, não basta partir do conheci- mento do aluno, mas garantir sua legitimidade. Dar voz ao aluno significa mais do que ouvir a sua opinião. As vozes precisam ser autorizadas pelo reconhecimento de que também as formas de conhecer por trás dessas vozes são válidas. E mais, o fortalecimento dessas vozes só é pos- sível no contexto de uma educação transcultural que possibilita refletir a partir de diversos pon- tos de vista. Um currículo transcultural A arte é uma forma de abordagem do mundo, uma forma de leitura e indagação, de conhecimen- to e de expressão. Dessa forma, o currículo deve ser escolhido pe- la sua capacidade de convidar à investigação, à interpretação e à provocação de julgamentos pela diversificação de ideias. Por meio da experiência com a arte o aluno poderá unir suas narrativas pessoais a outros relatos culturais mais abrangen- tes, compreendendo que o conhecimento se cons- trói numa rede social bem mais complexa do que a que vivemos com nossos pares. Por isso, se nos museus, arte e artistas são di- vididos e hierarquizados por critérios de distinção e de dominação cultural, nas aulas de arte Da Vinci FO TO S: M A R IA D A B ET A N IA G A LA S FO TO S M A R IA D A B ET A N IA G A LA S ma, produção de Acima, produção de Jéssica da Silva. À direita, o À direita o segurança Pedro Xavier Avisa la Ed 53.indd 25 24/01/13 22:38 26 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R FO TO S D O S B O R D A D O S: M A R IA D A B ET A N IA G A LA S FO TO S H IS TÓ R IC A S R ET IR A D A S D O L IV R O U M A V IS Ã O P A N O R Â M IC A D A C ID A D E N O F IN A L D O S ÉC U LO X X , D E J U CA M A R TI N S. S Ã O P A U LO , C A P IT A L. FO TO G R A FI A S D E JU CA M A R TI N S, A P R ES EN TA Ç Ã O D E IN Á C IO D E LO YO LA B R A N D Ã O . S Ã O P A U LO : I N ST IT U TO M O R EI R A S A LL ES , 1 9 9 8 . Produção de Ana Leonice Brito Avisa la Ed 53.indd 26 24/01/13 22:38 27 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R Acima, Museu da Casa Brasileira (Acervo Instituto Moreira Salles). à esquerda, intervenção com linhas e cores mesma imagem, feita por Maria Alessandra C. Prado Bonde para a Vila Mariana (Acervo Instituto Moreira Salles) Acima, o Solar da Marquesa, no centro da cidade de São Paulo (Acervo Instituto Moreira Salles). Abaixo, a mesma cena pelas cores de Andreza Almada Avisa la Ed 53.indd 27 24/01/13 22:38 28 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R (1452-1519), Picasso (1881-1973), Aleijadinho (1738-1814), Adriana Varejão (1964-), Nhô Ca- boclo (1910-1976) e J. Borges (1935-) devem di- vidir o mesmo espaço. As histórias orais do sertão, as narrativas dos passageiros dos ônibus de São Paulo, as pichações dos muros e as crônicas dos jornais são bons interlocutores para criação. A li- nha feita a lápis na tela digital, a linha escavada na matriz de gravura para o folheto de cordel, a linha que constróitecidos e tapetes em comunida- des piauienses, e a linha que engendra os borda- dos feitos pela família Dumont, em Minas Gerais, nos ensinam a ver, pensar e fazer o desenho, a descobrir a cor na composição, a perceber os con- trastes de luz e sombra, a ocupar significativa- mente o espaço, a dominar a forma, a desvendar a linguagem visual. São Paulo em pontos de bordado Da preocupação em oferecer um currículo trans- cultural, capaz de unir as possibilidades culturais que uma metrópole como São Paulo propicia com os saberes dos alunos, nasceu o projeto São Paulo em pontos de bordado. Algumas vezes, durante o curto espaço de um semestre, estudantes e professores compartilham algum tipo de acontecimento em que a sala de au- la muda de lugar e os modos de aprender e ensinar – dadas as situações imprevistas – se transfor- mam, abrindo oportunidades de apreensão que antes não existiam. Um desses acontecimentos foi uma caminhada noturna pelas ruas do centro histórico da cidade de São Paulo. Por três horas, as construções do tem- po do Império surgiram de trás das cortinas do passado por meio das histórias de seus persona- gens, lugares e maneiras de viver, atiçando ques- tões e provocando vontades de ver, de sentir e de dizer mais. Na volta, os alunos mostraram-se bastante en- tusiasmados com o que viram e ouviram. A maioria não conhecia o centro antigo e ficaram maravilha- dos com as muitas camadas ou cidades que se es- condem na metrópole moderna e frenética. Era como se tivessem descoberto os outros corações que batiam no corpo da cidade. Saber captar um assunto que, inesperadamen- te, mostra-se capaz de sensibilizar o pensamento individual e a experiência do grupo, é uma das ha- bilidades que um professor de arte não pode dei- xar de desenvolver. FO TO S: M A R IA D A B ET A N IA G A LA S Maria do Socorro (acima) e suas produções (à esquerda) 28 R ev is ta a vi sa lá no 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R (1452-1519), Picasso (1881-1973), Aleijadinho (1738-1814), Adriana Varejão (1964-), Nhô Ca- boclo (1910-1976) e J. Borges (1935-) devem di- vidir o mesmo espaço. As histórias orais do sertão, as narrativas dos passageiros dos ônibus de São Paulo, as pichações dos muros e as crônicas dos jornais são bons interlocutores para criação. A li- nha feita a lápis na tela digital, a linha escavada na matriz de gravura para o folheto de cordel, a linha que constrói tecidos e tapetes em comunida- des piauienses, e a linha que engendra os borda- dos feitos pela família Dumont, em Minas Gerais, nos ensinam a ver, pensar e fazer o desenho, a descobrir a cor na composição, a perceber os con- trastes de luz e sombra, a ocupar significativa- mente o espaço, a dominar a forma, a desvendar a linguagem visual. São Paulo em pontos de bordado Da preocupação em oferecer um currículo trans- cultural, capaz de unir as possibilidades culturais que uma metrópole como São Paulo propicia com os saberes dos alunos, nasceu o projeto São Paulo em pontos de bordado. Algumas vezes, durante o curto espaço de um semestre, estudantes e professores compartilham algum tipo de acontecimento em que a sala de au- la muda de lugar e os modos de aprender e ensinar – dadas as situações imprevistas – se transfor- mam, abrindo oportunidades de apreensão que antes não existiam. Um desses acontecimentos foi uma caminhada noturna pelas ruas do centro histórico da cidade de São Paulo. Por três horas, as construções do tem- po do Império surgiram de trás das cortinas do passado por meio das histórias de seus persona- gens, lugares e maneiras de viver, atiçando ques- tões e provocando vontades de ver, de sentir e de dizer mais. Na volta, os alunos mostraram-se bastante en- tusiasmados com o que viram e ouviram. A maioria não conhecia o centro antigo e ficaram maravilha- dos com as muitas camadas ou cidades que se es- condem na metrópole moderna e frenética. Era como se tivessem descoberto os outros corações que batiam no corpo da cidade. Saber captar um assunto que, inesperadamen- te, mostra-se capaz de sensibilizar o pensamento individual e a experiência do grupo, é uma das ha- bilidades que um professor de arte não pode dei- xar de desenvolver. FO TO S: M A R IA D A B ET A N IA G A LA S ( )aria do Socorro (acima) MaM suas produções (à esquerda)e se Avisa la Ed 53.indd 28 24/01/13 22:38 29 R ev is ta a vi sa lá n o 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R A partir daí a vontade que se instalou no grupo deu lugar ao olhar receptivo e criterioso. Passamos então a visitar outras camadas escondidas de São Paulo, com o auxílio dos registros fotográficos reali- zados por grandes artistas da câmera, de Gaensly a Cristiano Mascaro. Muitos livros sobre São Paulo foram folheados para que se pudesse encontrar uma fotografia que, de algum modo, produzisse no aluno- -leitor de imagem movimentos de identificação. Cada aluno escolheu uma foto de São Paulo que dissesse algo sobre ele. Escolhidas e defendidas as escolhas. A ideia de intervir na cidade, como uma mágica que pudesse trazer de volta certa poética perdida, foi a régua e o compasso que faltavam para que se delineasse um projeto em que as intervenções seriam feitas nas próprias fotografias. A intervenção teria de ser algo que, saído do universo do aluno, pudesse marcar a metrópole paulistana recém-descoberta na caminhada notur- na e nos livros de fotografia. Foi o trabalho mais delicioso que já fiz. Quanto mais eu fazia, mais eu tinha vontade. A escolha da foto foi assim: Desde a fase 5, quando a professora Maggi, de História, me disse onde São Paulo começa- va, que eu comecei a me interessar por São Paulo antigo. Quando comecei a olhar os livros de fotografia, escolhi a Igreja. Saber que São Paulo começou ali... O bordado, eu fazia não sei quantas vezes e desmanchava. Daí, as cores que eu mais gostei de bordar foi com o azul e o vermelho. A minha irmã viu e adorou. A minha patroa viu no site da escola e disse que eu sou uma artista. Ana Rita, 51, doméstica Foi uma experiência muito boa, única. No começo, eu achava que não tinha capaci- dade de fazer. Depois de pronto, foi uma satisfação fora de série. É que antes tudo passava despercebido. Agora consigo ver mais. A mente abriu em relação à arte. Leonice de Souza Brito, massagista O bordado, que tantas vezes era visto nas mãos das avós e observado com admiração nas colchas e toalhas vendidas nas feiras do interior e nos camelôs de São Paulo, foi a linguagem escolhida para intervir na fotografia. 29 R ev is ta a vi sa lá no 5 3 fe ve re ir o de 2 01 3 R E F L E X Õ E S D O F O R M A D O R A partir daí a vontade que se instalou no grupo deu lugar ao olhar receptivo e criterioso. Passamos então a visitar outras camadas escondidas de São Paulo, com o auxílio dos registros fotográficos reali- zados por grandes artistas da câmera, de Gaensly a Cristiano Mascaro. Muitos livros sobre São Paulo foram folheados para que se pudesse encontrar uma fotografia que, de algum modo, produzisse no aluno- -leitor de imagem movimentos de identificação. Cada aluno escolheu uma foto de São Paulo que dissesse algo sobre ele. Escolhidas e defendidas as escolhas. A ideia de intervir na cidade, como uma mágica que pudesse trazer de volta certa poética perdida, foi a régua e o compasso que faltavam para que se delineasse um projeto em que as intervenções seriam feitas nas próprias fotografias. A intervenção teria de ser algo que, saído do universo do aluno, pudesse marcar a metrópole paulistana recém-descoberta na caminhada notur- na e nos livros de fotografia. Foi o trabalho mais delicioso que já fiz. Quanto mais eu fazia, mais eu tinha vontade. A escolha da foto foi assim:
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