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ÉTICA E CIDADANIA Me. Clara Versiani dos Anjos GUIA DA DISCIPLINA 2021 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Objetivo: Promover o conhecimento, a reflexão e o debate sobre a ética e a cidadania; favorecer a formação de pensamento crítico por parte dos futuros profissionais acerca da realidade social e das organizações; enfatizar a ética como ciência que oferece parâmetros para avaliação das escolhas e ações; desenvolver o conhecimento da cidadania como conceito e prática da modernidade, resultado de um processo histórico, político e social. Introdução: A disciplina relaciona dois diferentes conceitos, Ética e Cidadania. Colocando-os lado a lado refletimos uma noção hoje em dia amplamente divulgada de que a Cidadania, para ser exercida de fato, não pode prescindir da Ética. No entanto, esta relação nem sempre existiu da maneira como a entendemos hoje, o que significa dizer que ela foi historicamente construída. Demonstrar como ela surgiu e suas implicações será um dos objetivos de nossas aulas. Ética é uma palavra de origem grega, derivada de ethos que significa “costumes”. Em latim corresponde à palavra moris que quer dizer “moral”. No entanto, ao longo do tempo, a Ética passou a significar “ciência da moral”. Mas este é um dos significados que podemos atribuir à palavra. Um outro sentido é o da “Ética como ciência”. A moralidade é algo presente em todas as ações humanas, entendidas aqui como ações concretas e resultantes de “escolhas conscientes”. A Ética enquanto ciência examina estas ações que podem ser, a partir deste exame, condenadas ou aprovadas dependendo dos parâmetros que utilizamos. Estes parâmetros variam ao longo do tempo, ou seja, uma ação que poderia ser considerada moral e ética numa determinada época, altamente recomendável, não necessariamente o é em outra. Por exemplo, no Brasil escravocrata era muito pouco recomendável que pessoas de um certo nível econômico e social se dedicassem a trabalhos braçais. Estes deveriam ser realizados apenas pelos escravos ou pelos brancos pobres. As senhoras das classes mais abastadas passavam a maior parte do seu tempo sentadas, rodeadas de mucamas que executavam todo o serviço. Quando se deslocavam para alguma aparição pública, faziam-no carregadas em liteiras pelos escravos. O sociólogo Gilberto Freyre relata em 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância sua obra “Casa Grande e Senzala” que não raro essas mulheres acabavam perdendo a mobilidade em razão do atrofiamento dos músculos. À época este comportamento era o esperado e por isto aprovado, muito diferente do que consideraríamos hoje. A Ética como “ciência da moral” surgiu na antiguidade grega. Os gregos foram os primeiros a buscar o entendimento e avaliação racionais das ações humanas. Isto não quer dizer que outras civilizações mais antigas não tivessem os seus próprios conceitos de certo/errado, moral/imoral, justo/injusto. Todas as sociedades humanas conheceram e conhecem tais sentidos embora os parâmetros possam variar de uma para outra. A diferença é que os gregos pretenderam criar uma “ciência” para compreensão de tais parâmetros, enquanto outras civilizações os estabeleceram a partir de um conjunto de crenças e práticas baseadas nas tradições e religiões sem nenhuma preocupação de produzir conhecimento racional. A Cidadania com o sentido que atribuímos a ela, um conjunto de direitos e deveres que diz respeito a todos os indivíduos, surgiu na modernidade como resultado das revoluções burguesas do ocidente nos séculos XVII e XVIII. A antiguidade grega e romana conheceu sua própria noção de “cidadão”, mas que é diferente da que temos hoje altamente influenciada pelos princípios liberais de igualdade e liberdade. Ao longo do nosso curso trabalharemos a construção e evolução dos dois conceitos, a relação entre eles e suas implicações para a nossa vida pessoal e profissional. Estendendo tais conceitos para o âmbito profissional, nas últimas décadas do século XX, tornou-se mais presente no contexto das organizações as práticas inicialmente chamadas de Responsabilidade Social Empresarial que, mais tarde, assumiram o nome de Responsabilidade Socioambiental nas Organizações. Tais práticas devem ser compreendidas como resultado do desenvolvimento da Ética Empresarial e também do conceito de Sustentabilidade. Em nossa disciplina também trataremos destes temas pretendo promover uma percepção mais profunda do ambiente organizacional. Este guia está organizado, portanto em torno de três grandes eixos, um sobre Ética, outro sobre Cidadania e o terceiro sobre Responsabilidade Socioambiental nas Organizações, desenvolvidos em nove aulas-texto, seis videoaulas e três webs aulas. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Além da bibliografia básica e complementar apresentadas para o curso, você encontrará ao final das aulas indicações de sites para estudo, vídeos e filmes referentes aos temas das aulas e de obras sobre o assunto que constam da Biblioteca Virtual da UNISANTA e outras indicações de leitura. Durante o nosso curso você contará com o apoio do seu (sua) professor (a) -tutor (a), que estará a postos para esclarecimento de qualquer dúvida ou orientação que você precise. Para o seu melhor aproveitamento, lembramos que a participação no ambiente virtual de aprendizagem, a realização das atividades, o estudo das aulas texto e das videoaulas são muito importantes. Dando-lhe as boas-vindas e desejando-lhe sucesso, damos início ao nosso curso. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. ÉTICA: AUTONOMIA MORAL DOS SUJEITOS E “REVOLUÇÕES MORAIS” Como colocado a Ética é a ciência que examina a ação concreta e livre dos sujeitos. Isto quer dizer em primeiro lugar que a avaliação ética não incide sobre o pensamento ou sentimento caso este não se expresse concretamente. Diferente das religiões que estabelecem mandamentos aos quais os fiéis devem obedecer mesmo em pensamento, a Ética julga apenas o que existe ou se manifesta na realidade concreta das coisas. Em segundo lugar implica que a avaliação se dá para escolhas e ações que são tomadas “livremente”, ou seja, conscientemente. Isto não quer dizer que tudo o que é realizado pelos sujeitos após uma avaliação individual consciente seja lícito, moral ou justo. Ou seja, é falsa a ideia de que “cada um é cada um e porque fulano/fulana acha que é bom, certo e melhor para ele/ela” é necessariamente ético. A autonomia moral dos sujeitos significa ainda o reconhecimento de que todos somos racionais e livres para realizarmos nossas próprias escolhas, podendo aceitar cumprir ou não lei; definir o que achamos justo ou não. Esta liberdade implica em assumir as consequências de nossa escolha e também em perceber uma outra diferença importante, nem tudo que é ético é lei, nem tudo que é lei é ético. Por exemplo, durante a Segunda Grande Guerra, Anne Frank, adolescente de origem judia, autora do famoso “Diário”, junto com sua família viveu escondida durante dois anos na Amsterdam ocupada pelos nazistas. Antes de serem descobertos, a família viveu no esconderijo graças ao apoio de funcionários do escritório do pai de Anne que, conscientemente, desobedeceram a leis que consideravam injustas. A ocupação nazista implicava a obrigação de delação de “todos os inimigos do Reich” o que, como se sabe, dizia respeito aos judeus e outras minorias. Ao desobedecerem a leis que consideravam injustas e moralmente reprováveis, e agindo em torno de outros valores que julgavam mais importantes como a lealdade, a 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância solidariedade e a amizade,os funcionários do pai de Anne Frank desobedeceram a lei, mas agiram como sujeitos autônomos dentro dos padrões morais que levam em consideração o outro, a diversidade e a tolerância. Sujeito moral é aquele que age autonomamente, que não é só um súdito, alguém que só obedece sem refletir. É aquele que segue leis e normas caso as considere efetivamente justas. Isto significa dizer que todo aquele que age sem refletir é imoral ainda que o resultado de sua ação esteja de acordo com normas, lei e/ou princípios morais aceitos pelo conjunto da sociedade. O sujeito moral, submete cada escolha a uma avaliação. Como coloca Aristóteles, filósofo grego da antiguidade, “As questões relativas à conduta e às dúvidas sobre o que seja bom para nós não têm regras fixas, não mais que as questões de saúde (...) Os próprios agentes devem considerar a cada caso o que é apropriado na ocasião tal como acontece na prática da medicina ou na arte da navegação.” (ARISTOTELES apud SANDEL, 2012, p. 246.) Mas como julgar, quais critérios usar? Os critérios surgem com a nossa “prática” e o pertencimento a uma “opinião pública julgadora”. Implicam também em preparo, educação, que não é só a formal, e tolerância porque a modernidade possibilitou o surgimento de “várias formas de moralidade”. As mudanças nos comportamentos morais são, como ensina Appiah (2012), resultado das chamadas “Revoluções Morais”. Estas grandes transformações implicam uma redefinição de valores como, por exemplo, o movimento que fez com que a escravidão moderna, implantada pelos colonizadores europeus nas áreas dominadas nos séculos XVI e XVII, deixasse de ser considerada legítima. A escravização de populações nativas da América e de negros africanos foi durante muito tempo legítima. No caso das populações nativas, sua escravização ocorreu no primeiro século de domínio europeu no continente. Condenada pela Igreja, foi legalmente proibida. Mas outras formas de trabalho compulsório e intenso foram impostas aos chamados índios. No caso da escravidão dos negros esta permaneceu aceitável, recomendável, esperada e praticada como atividade econômica altamente lucrativa para 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância os comerciantes e senhores de escravos até meados do século XVIII, quando então transformações sociais, políticas e ideológicas foram mudando as “mentalidades”. O comportamento moral como mostra Appiah, remete à relação entre honra e identidade. Esta última corresponde à nossa profunda necessidade de reconhecimento, ou seja, que os outros correspondam apropriadamente ao que somos e ao que fazemos (2012, p. 13.) Já a honra na mesma linha de argumentação corresponde ao conceito de Eudaimonia encontrado em Aristóteles e que pode ser entendido como “viver bem”. Honra envolve o respeito dos outros e o próprio. Para vivermos melhor precisamos então da honra e da identidade social para tratarmos os outros e sermos tratados como devemos. No entanto a honra não depende só da visão ou consideração dos outros, depende da maneira como nós mesmos nos vemos. A vergonha, que é o contrário da honra, por exemplo, é alguma coisa que podemos experimentar mesmo sozinhos. Ou seja, se fazemos alguma coisa que nos pareça de fato condenável como mentir para um amigo, para um familiar, podemos nos envergonhar desta ação mesmo que ninguém saiba que mentimos. Sendo assim quando efetivamente estamos preocupados com a nossa honra, a tendência é que ajamos de modo a corresponder àquilo que a sociedade como um todo considera “honrado”. Se, de modo geral, a sociedade considera como um valor o respeito ao patrimônio e bens públicos que envolvem recursos financeiros do Estado, tão mais honrado será alguém que se comporta de modo a preservá-los e desonrado quem se comporta de outro modo. Estes valores e expectativas da sociedade com relação ao comportamento daqueles que fazem parte dela são construídos historicamente. Voltando ao exemplo inicial deste tópico. Houve um tempo que a escravidão era considerada uma prática válida e possuir escravos angariava respeito dos demais. Não havia nenhuma desonra em ter propriedade sobre outros. No entanto, uma série de processos fez com que mudássemos a nossa visão sobre o que é a “vida boa” e sobre a honra, o que nos leva ao sentido de Ética como um modelo de felicidade ou como “estética da existência”. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. ÉTICA NA ANTIGUIDADE: ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA E CAMINHO PARA A FELICIDADE Um outro significado para Ética é o de “estética da existência”, de um modelo para basearmos nossa vida no mundo, de um “caminho de aperfeiçoamento” pessoal ou político. Este é o significado que encontramos no filósofo francês Michel Foucault e referenciado pelo professor José Américo Peçanha em entrevista para a série “Ética”, produzida e exibida pela TV Cultura1. Para os gregos antigos a “estética da existência” ou “estilização da vida” implicaria na adoção de um modelo ordenado, equilibrado, belo, inspirado no equilíbrio, na harmonia e na beleza observada no cosmos. Um modelo para orientar nosso aperfeiçoamento, nossa busca pela excelência, pelo equilíbrio “, por um bem”. Mas o que seria “o bem”? Este também é um conceito que vai variar de um filósofo para outro, de uma época para outra e que remete à ideia de felicidade. A noção de “bem”, do que é belo, do que é justo, do que nos torna melhores do que nos torna felizes porque “nos realiza” pode ter um sentido estritamente pessoal ou estendido à vida pública, exclusivamente material e/ou espiritual. É considerando este significado da Ética como um modelo para alcançar a felicidade que poderemos compreender melhor as diferenças entre a Ética antiga, neste caso, da antiguidade grega, e a surgida na modernidade, ou seja, a partir do século XVIII. Os gregos, como já ressaltado, foram os primeiros preocupados com a construção de um conhecimento, ou melhor, de uma ciência da moral. A “motivação” grega para a construção de tal conhecimento pode ser encontrada no que eles consideravam como uma das nossas principais angústias, o fato de nós nos sabermos “mortais”. Os seres humanos são os únicos seres vivos que têm consciência de que não existirão para sempre. Esta seria a fonte de todos os nossos medos e aflições. Diminuir tal angústia, pelo menos em parte, implicaria em buscar formas de que fôssemos lembrados mesmo quando já não existíssemos. A felicidade para os gregos estaria nisso, 1 D isponíve l em ht tps : / /www.youtube.com/watch?v=qTiqU580z1I . Acesso em: 06/ 10/19 about:blank 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância no alcance dessa “imortalidade”. Portanto, tudo o que dissesse respeito a isto era considerado justo, belo, bom, moral, ético. Mas como a “felicidade” descrita nestes termos poderia ser usufruída por nós? Como poderíamos avaliar se estamos de fato nos “imortalizando” diminuindo nossa angústia essencial? Buscando na vida presente a “excelência”, o aprimoramento pessoal, orientando-nos pelo “soberano bem” compreendido como aquele que diz respeito ao que é “comum”. Temos então que a felicidade para os gregos antigos seria a busca consciente da felicidade na vida presente, dependendo de um esforço próprio de aprimoramento, o que implicaria em nos livrarmos do “fatalismo”, ou seja, de que estaríamos “destinados” a isto ou aquilo. O nosso único “destino” seria o da “vida boa e feliz”. Para tanto deveríamos viver de acordo com as virtudes. “Virtudes” muitas vezes são definidas como qualidades que alguém tem. Esta é uma definição limitada e que conduz a equívocos. Virtude não é alguma coisa com a qual se nasça, ou que alguém porte “naturalmente”. É bem verdade que numa visão aristocráticade mundo os “nobres” são aqueles que possuem “virtudes naturais”, ou seja, que surgem no mundo já “virtuosos”. No entanto, mesmo na antiguidade grega em que este sentido também existiu, foi deixado de lado e suplantado por uma outra noção, a de que virtudes são adquiridas e desenvolvidas através de um esforço próprio. De acordo com este raciocínio, todos nós teríamos a possibilidade de nos tornarmos virtuosos se assim de fato o quiséssemos. A busca individual pela excelência, este esforço dos sujeitos morais porque autônomos, remete a um outro princípio importante na compreensão do sentido da Ética na antiguidade grega e que ainda permanece em perspectivas mais contemporâneas, o de que todos nós trazemos, naturalmente, as condições para o desenvolvimento das virtudes, assim como do seu oposto, os vícios. Na visão grega antiga a natureza humana é essencialmente “titânica” o que remete ao mito dos “titãs”. Seres terríveis, filhos da união de Gaia, a terra, com Urano, o céu que, por ciúmes do “pai”, foram encerrados de volta no ventre da “mãe”. Esta representação tanto servia para explicação de desastres naturais como terremotos, por exemplo, que 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância seriam resultado da fúria de um dos titãs aprisionados, e também para explicar a “paixões” tais como a ira, a inveja, o ciúme, o medo, a ganância, os desejos intensos que carregamos dentro de nós. Mas se as paixões podem desencadear “vícios”, por outro lado elas também podem suportar “virtudes”. A nossa “inveja”, por exemplo, se controlada, pode nos levar a progredir. Da mesma forma o nosso amor intenso à uma causa pode fazer com que desenvolvamos a coragem. Deste modo, o homem virtuoso ou bom, dentro da concepção grega antiga de Felicidade e de Ética, seria aquele que num esforço pessoal se conduziria avaliando em todas as circunstâncias “o quanto de paixão seus atos comportam”. Esta avaliação, na perspectiva de um dos filósofos gregos, Aristóteles, corresponde à “Ética do Télos”, ou do propósito e da adequação. O autor Michael Sandel, referenciado ao final na Bibliografia usada para elaboração deste Guia, ensina que para compreensão da Ética e da Política em Aristóteles devemos raciocinar de forma “teleológica”. Tal raciocínio parte do télos, palavra grega para “propósito”. Raciocinar deste modo é então avaliar as concepções de justiça a partir do seu propósito. Em seu livro, “Justiça – o que é fazer a coisa certa”, Sandel cita um exemplo (2012, p. 237-238). Ao colocar a questão “quem tem o direito de ser admitido em uma universidade?”, que pode ser posta na avaliação das políticas de ação afirmativa ou de “cotas”. Ao fazermos esta pergunta, Perguntamo-nos (pelo menos implicitamente): Qual o propósito, ou o télos, de uma universidade? (...), o télos não é o óbvio, mas contestável. Alguns dizem que as universidades existem para promover a excelência acadêmica, e que a promessa acadêmica deveria ser o único critério de admissão. Outros dizem que elas também existem para atender a determinados propósitos cívicos e que a capacidade de ser um líder em uma sociedade diversificada, por exemplo, deveria fazer parte dos critérios de admissão. Definir o télos de uma universidade parece essencial para que se determinem os critérios de admissão adequados. (...). Intimamente relacionada à discussão sobre o propósito de uma universidade há uma questão de mérito moral: que virtudes ou excelências as universidades efetivamente valorizam e recompensam? Aqueles que acham que as universidades existem para celebrar e recompensar apenas a excelência acadêmica provavelmente rejeitarão a ação afirmativa; por outro lado, os que 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância acreditam que as universidades também existem para promover determinados ideais cívicos talvez abracem essa ideia. E em que medida isto se relaciona com a Ética? A “ideia de Justiça” tal como apresentada por Sandel pode ser também compreendida como aquilo que entendemos num sentido genérico como ético ou a “coisa certa”. Sendo assim, a avaliação aristotélica da justiça, ou moralidade das ações, o quanto estas seriam éticas ou não, depende de raciocínio teleológico. Falta esclarecer o termo Política e como ele se insere na compreensão da perspectiva da Ética aristotélica. Em primeiro lugar, Política no pensamento grego antigo e sobretudo em Aristóteles é definida como uma arte ou ciência. Política seria a “arte ou ciência da convivência na pólis”. Pólis é o termo grego para cidade. Vimos que uma das principais inquietações dos pensadores gregos era buscar e oferecer respostas que pudessem diminuir nossa angústia essencial, a percepção da mortalidade. A pólis é o espaço público, o lugar de realização das ações que expressam nossa excelência. Só assim, uma vez que tais ações sejam testemunhadas pelos demais, é que poderemos ser lembrados mesmo quando não existirmos mais. A pólis é, portanto, dentro desta perspectiva, o espaço para a nossa “plena realização”, o lugar para sermos felizes. Sandel chama a atenção para o fato de que, em Aristóteles, “o propósito da política não é criar uma estrutura de direitos neutra em relação às finalidades. É formar bons cidadãos e cultivar o bom caráter.” (2012, p. 240.) Citando Aristóteles diretamente, temos: Qualquer pólis que mereça ser assim chamada deve dedicar-se ao propósito de promover a bondade. Caso contrário, uma associação política reduzir-se-á a uma mera aliança (...) Caso contrário, também, a lei será transformada em um mero pacto (...) uma garantia dos direitos dos homens contra seus semelhantes” – em vez de ser, como deveria, uma regra da vida para tornar seus membros bons e justos. (ARISTOTELES apud SANDEL, 2012, p. 240.) Em Aristóteles e em outros autores da antiguidade, encontramos uma forte ênfase nas virtudes cívicas, ou seja, aquelas que desenvolvemos tendo em vista a “boa vida nas 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância cidades”. Este é um dos aspectos que podemos destacar das diferenças existentes entre a ideia de felicidade, de justiça, de ética e moralidade dos pensadores antigos e o que encontramos na modernidade., tema do nosso próximo tópico. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. ÉTICA NA MODERNIDADE 3.1. Princípios em Adam Smith Como colocado no início, chamamos aqui “modernidade” o período histórico que teve início no Ocidente a partir do século XVIII. No entanto, há alguns autores, fundadores do pensamento dito moderno, como Nicolau Maquiavel, pensador florentino, de um período anterior (séculos XV e XVI). Mais importante do que estabelecer tal recorte histórico é enfatizar a distinção entre antiguidade e modernidade. Uma das características que nos parece essencial do pensamento dos autores ditos modernos é que estes não alimentavam muitas ilusões sobre a natureza humana. Como bem sintetizou o economista e escritor Eduardo Giannetti da Fonseca em sua obra “Vícios privados, benefícios públicos?”, enquanto os antigos pensavam a realidade como “deveria ser”, os modernos buscaram refletir sobre o mundo tal como ele é. Uma outra diferença marca a modernidade, o individualismo. Enquanto na antiguidade grega, tal como vimos, a possibilidade da “vida feliz” estava na nossa experiência cívica, embora a modernidade não deixe de valorizar o espaço público, ela coloca, principalmente entre os autores do século XVIII em diante, a importância da realização individual para os sujeitos. A modernidade, em contraponto com o passado medieval e sociedades de ordens do Antigo Regime, pôs como causa o “direito de o indivíduo existir como tal”, o que significa o direito à nossa existência de acordo com asnossa caraterísticas, anseios e crenças. É possível então perceber que a ideia de Felicidade dos modernos é diferente da dos antigos. A Felicidade para os primeiros dependerá de a possibilidade do indivíduo garantir a sua existência de acordo com aquilo que deseja e anseia. A Felicidade passa a ser “medida” pela nossa eficiência em garantir esta realização. Um “indicador” de tal sucesso será a riqueza material, alcançada pela tenacidade, esforço, pela entrega a certas noções de dever e obediência a processos, normas, horários, regras que assegurem o melhor desempenho para a maior recompensa. Tanto mais “virtuoso” será o mais “eficiente”, ou seja, aquele que melhor obedece às orientações para o caminho do “sucesso” 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Tais normas e regras não necessariamente foram estabelecidas por nós, a natureza delas é “suprassensível”, ou seja, surgiram independente da nossa vontade ou opinião. No entanto, o princípio moderno de que todos os homens são livres e iguais determina a nossa “liberdade” em aceitar cumprir tais obrigações ou não. Por outro lado, ainda que para o conjunto dos pensadores modernos o indivíduo importe mais do que a comunidade, veremos que há diferenças entre eles no que tange à avaliação moral das escolhas e ações humanas. Adam Smith foi um filósofo da moral do século XVIII. Muito embora também seja referenciado como um “economista”, sendo uma das suas obras mais conhecidas, “A História da Riqueza das Nações”, clássico que traz princípios importantes para compreensão da economia capitalista, é em outra obra “Teoria dos Sentimentos Morais”, também essencial para compreensão do pensamento de Smith, que iremos encontrar elementos para uma melhor compreensão do que é Ética na modernidade. Em Smith o egoísmo surge como parte de nossa condição e essencial para a nossa sobrevivência. É porque naturalmente nós queremos mais a nós mesmos do que aos outros que conseguimos sobreviver. Para melhor compreender o que isto significa, tomemos um exemplo prático. Uma pessoa que tenha um familiar, alguém próximo muito doente sob seus cuidados. O que muitas vezes ocorre é que o cuidador tão envolvido que está com o outro esquece-se de si mesmo. Não raro o cuidador adoece, ou mesmo perece, e aquele ou aquela que recebeu os cuidados sobrevive. Isto mostra o quanto o “egoísmo” pode ser importante para nossa sobrevivência. Mas Smith enxergava ainda no nosso “egoísmo natural” uma fonte de virtudes. O fato de nos querermos mais que aos outros faz com que desejemos que os demais nos amem e/ou admirem na medida em que consideramos que devemos ser amados/admirados. Para tanto, é preciso mostrar aos outros que eles teriam razões de sobra para isso. De modo geral, portanto, nos esforçaríamos o tempo todo em mostrar as nossas melhores qualidades, evitando expor nossos defeitos e vícios, o que, ao final, possibilitaria mais harmonia e civilidade na vida em sociedade. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Outra resultante do nosso egoísmo e também da nossa vaidade é a ambição. A princípio poderíamos considerá-la como um vício ou defeito, no entanto, de acordo com a perspectiva de Smith e outros, é ela que nos move no sentido de alcançarmos mais fortuna, projeção, sucesso, impulsionando o progresso e a “riqueza das nações”. Voltando à maneira como gostamos de parecer aos olhos dos outros. O nosso esforço em mostrar o melhor de nós só ocorre à medida que tememos o juízo dos outros. Smith coloca a seguinte questão: “Quem continuaria agindo da maneira como age se tivesse certeza absoluta da impunidade, ou de que não seria julgado pelos outros?” Isto quer dizer que, se deixados à sua própria vontade, sem nenhum “juízo externo”, os homens agiriam no sentido de apenas e tão somente atender aos seus desejos, impossibilitando a vida em sociedade. Seria o cenário descrito por Thomas Hobbes, pensador inglês dos séculos XVI e XVII, da “guerra de todos contra todos”. Neste ponto Smith mostra a necessidade da existência de regras morais impessoais, formais e/ou informais para controle de nossa parcialidade. Por exemplo, não existe nenhuma lei que determine que devemos dar precedência na entrada de um elevador aos idosos, ou às mulheres, ou àqueles que estão com as mãos ocupadas. No entanto, há um código informal que considera adequado, moral, “ético”, que assim seja. De modo geral obedecemos a esta norma e aqueles de nós que não o fazem são taxados de “mal-educados”. Se não temêssemos este julgamento externo seria que ainda assim seguiríamos tal orientação? Mas Smith, dentro da tradição iluminista que toma o individualismo como causa, aponta para o fato de que tais regras, formais ou não, devem existir, mas não a ponto de tolher ou impedir o exercício da individualidade. Quer dizer, nenhuma regra deve impossibilitar o meu direito de existir com as minhas liberdades e direitos. Um exemplo, a minha liberdade de ir e vir deve ser preservada tanto quanto a liberdade do outro. Parar em fila dupla impedindo a passagem de outros carros é tomar dos demais, ainda que “por um minutinho”, um de seus direitos como indivíduos. Neste sentido, o grande desafio da moral e da ética na modernidade estaria neste equilíbrio entre a ética cívica, aquela que diz respeito ao espaço e vida em comum, e a 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância ética pessoal, o conjunto de normas que “eu” individualmente considero que devo seguir. Mais um exemplo para melhor esclarecer este desafio. Individualmente todos acreditamos que temos o direito de apreciarmos o estilo musical que quisermos. No entanto, ouvir música muito alto impede que os outros escutem a que gostariam, ou mesmo que deixem de usufruir o seu direito ao silêncio. Como se pode ver, boa parte dos conflitos nas grandes cidades se dá exatamente por este “desequilíbrio” que frequentemente ocorre entre estes sistemas morais, o individual e o comum. Tanto este conflito será maior quanto mais adverso for o ambiente externo. Num ambiente de escassez de recursos, numa epidemia de fome, por exemplo, ou em sociedades que sofrem com a guerra e a violência, o que se vê? Saques, assassinatos, famílias que se dividem, vizinhos que se atacam. A adversidade dá lugar ao caos, à já mencionada “guerra de todos contra todos”, em que cada um quer fazer valer a sua própria vontade. Mas mesmo em situações nem tão extremadas, em sociedades muito competitivas ou marcadas por um sentimento disseminado de “injustiça” e de desigualdade, ou de falta de oportunidades, podemos chegar a tal desequilíbrio. De novo entra em cena o “egoísmo” que pode nos impedir de chegar a extremos. O nosso “enorme e desmedido amor” por nós mesmos, de acordo com o Adam Smith, dá origem a uma nobre virtude, a solidariedade. Quando vemos alguém que consideramos semelhante a nós numa situação de sofrimento, o nosso “egoísmo” faz com que, nem que seja por alguns segundos, coloquemo-nos no lugar desse nosso semelhante. E ainda que por um breve momento, pensamos, “Se fosse eu estaria sofrendo muito agora, nem sei se suportaria”. Neste instante e por esta razão nos solidarizamos. No entanto, esta é uma empatia que estabelecemos com os que consideramos “semelhantes”. Com os que percebemos “diferentes” pela razão que for não conseguimos estabelecer tal laço. Por isso, radicalismos, situações que favoreçam a disseminação de preconceitos, a consideração dos outros como “dessemelhantes”, estranhos a nós, impedem a solidariedade e dão lugar ao desprezo e à insensibilidade com o sofrimento alheio. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Importante aqui ressaltar que os fatores que permitem o surgimentode tais situações, dessa cisão, separação entre “nós e eles”, podem ser não só sentimentos nacionalistas ou teorias de superioridade racial. Estes se alimentam de outros fatores como as desigualdades sociais, políticas e econômicas. Portanto, em sociedades rigidamente estratificadas, ou de forte desigualdade como a nossa, o “desprezo pelo outro” por considerá-lo diferente, ou “menos cidadão”, com menos direito de existir como indivíduo, pode florescer. Para concluir, a modernidade inaugurada no século XVIII coloca-nos então, a considerarmos a perspectiva de Smith, um enorme desafio, a busca do equilíbrio entre o que penso como “melhor, justo, certo para mim”, e o “melhor, justo, certo” para que todos possamos continuar buscando a felicidade. O “ético” em Smith será tudo o que colabora para a busca de tal equilíbrio, e condenável tudo o que o impede. 3.2. O utilitarismo em Bentham e Stuart Mill. O utilitarismo, perspectiva ética e filosófica que tem Jeremy Bentham, filósofo inglês também do século XVIII, como um de seus fundadores, pode ser apresentado resumidamente como o modelo que remete à felicidade calculada em termos do maior benefício para o maior número. Esta simplificação muitas vezes leva à interpretação equivocada de que a perspectiva utilitária serviria exclusivamente ao interesse próprio o que retiraria dela a “moralidade”, ou seja, seria uma “perspectiva do vale-tudo” ou de que o “importante é tirar vantagem, sempre”. No entanto, é preciso detalhar melhor o que quer dizer esta avaliação calculada do “caminho para a felicidade”. Os pressupostos utilitaristas tal como extraídos de Sandel (2012) são: 1- Moral consiste em pesar custos e benefícios e uma avaliação ampla das consequências; 2- O mais elevado objetivo da moral é maximizar a felicidade (utilidade das coisas está em quanto de prazer e felicidade elas produzem); 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3- Utilidade pensada em termos de benefícios para o maior número o que pode levar a conflitos com os direitos dos indivíduos. Para compreender melhor tais pressupostos e suas implicações, vejamos o que apresenta Sandel sobre o pensamento de Bentham: Todos gostamos do prazer e não gostamos da dor. A filosofia utilitarista reconhece esse fato e faz dele a base da vida moral e política. Maximizar a “utilidade” é um princípio não apenas para o cidadão comum, mas também para os legisladores. Ao determinar as leis ou diretrizes a serem seguidas, um governo deve fazer o possível para maximizar a felicidade da comunidade em geral. O que, afinal, é uma comunidade? Segundo Bentham, é um “corpo fictício”, formado pela soma dos indivíduos que abrange. Cidadãos e legisladores devem, assim, fazer a si mesmos a seguinte pergunta: Se somarmos todos os benefícios dessa diretriz e subtrairmos todos os custos, ela produzirá mais felicidade do que uma decisão alternativa? (SANDEL, 2012, p. 48.) Como se pode ver, não é uma “ética do vale-tudo”, muito embora, como outras perspectivas para avaliação moral das nossas escolhas e ações comporte algumas falhas. No caso do utilitarismo estas diriam respeito, principalmente, ao desrespeito aos “direitos individuais”. O princípio do “maior benefício para o maior número” acabaria, no limite, impondo uma “ditadura da maioria”. Para continuar com Sandel, “a lógica utilitarista, se aplicada de forma consistente, poderia sancionar a violação do que consideramos as normas fundamentais da decência e do respeito no trato humano.” (2012, p, 51.) Para ilustrar isso, examinemos o exemplo destacado pelo mencionado autor: (...). Consideremos uma situação na qual uma bomba-relógio está por explodir. Imagine-se no comando de um escritório local da CIA. Você prende um terrorista suspeito e acredita que ele tenha informações sobre o dispositivo preparado para explodir em Manhattan dentro de algumas horas. Na verdade, você tem razões para suspeitar que ele próprio tenha montado a bomba. O tempo vai passando e ele se recusa a informar onde a bomba foi colocada. Seria certo torturá-lo até que ele diga onde está a bomba e como fazer para desativá-la? O argumento a favor da tortura nesse caso começa com um cálculo utilitarista. A tortura inflige dor ao suspeito, reduzindo muito sua felicidade e utilidade. Mas milhares de inocentes morrerão se a bomba explodir. Assim, você pode argumentar, nos termos do utilitarismo, que é moralmente justificável infligir dor intensa a uma pessoa se isso evitar morte e sofrimento. (SANDEL, 2012, pp 52- 53.) Embora seja possível encontrar quem defenda a tortura, de modo geral, e como um princípio fundamental, a sociedade global a rejeita. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A revisão crítica da perspectiva inaugurada por Bentham, no sentido de aproximá- la de outros princípios que ganharam força ao longo do século XIX, mais inclusivos surgidos em razão das desigualdades extremas observadas no desenvolvimento da sociedade industrial e urbana na Europa, influenciou o pensamento do também utilitarista Stuart Mill. O pai de Stuart, James Mill, era amigo, colega e discípulo de Bentham. Stuart, educado na tradição utilitarista pelo próprio pai em casa, tornou-se um revisor crítico de parte dos pressupostos utilitaristas. Seu objetivo foi conciliar os princípios utilitaristas e os direitos e liberdades individuais. A preocupação com estes revela-se de forma sincera na obra de Stuart Mill. Foi um defensor de mais direitos para os trabalhadores, defendeu direitos e igualdade para as mulheres, foi um intransigente porta voz da liberdade de imprensa. Na sua revisão o princípio do cálculo de quanto de benefícios as escolhas e ações trazem permanece. Mas deve-se considerar que alguns prazeres são “mais elevados que outros” e isto deve ser levado em conta. Além disso, a utilidade deve ser pensada a longo prazo. A título de ilustração tomemos o seguinte exemplo, uma unidade fabril, se instalada numa determinada região, a curto prazo, trará empregos e gerará riqueza. Mas vamos supor que sua atividade a médio e longo prazos produza danos irreversíveis para o meio ambiente a ponto de ameaçar a vida das pessoas no entorno. Se fizermos este cálculo veremos então que o quanto de riqueza que a unidade gerar no curto prazo não compensará os efeitos negativos no longo prazo. Além disso, considerando que para as pessoas, de modo geral, a preservação da vida tem mais importância que a geração de riqueza, esta última seria um “prazer menor” comparado com o gerado pela primeira. Nesta perspectiva, a “utilidade” das escolhas e ações a longo prazo e o “maior benefício” que elas proporcionam é a instância final para considerá-las éticas. (SANDEL, 2012, p. 64.) Neste ponto é importante ressaltar que para Mill a avaliação das consequências só pode ser feita por sujeitos livres de fato. Daí a insistência dele na defesa das liberdades, 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância incluindo a de pensamento e expressão. Ou seja, também para Mill só os sujeitos morais, aqueles que refletem sobre escolhas e ações, é que são capazes de avaliar as suas consequências. Mas para que os sujeitos desenvolvam sua capacidade de julgar necessitam de um ambiente que favoreça a liberdade e estimule-os a pensar: As faculdades humanas de percepção, julgamento, sentimento, discriminativos, atividade mental e até mesmo a preferência moral só são exercitadas quando se faz uma escolha. Aquele que só faz alguma coisa porque é o costume não faz escolha alguma. Ele não é capaz de discernir nem de desejar o que é melhor. As capacidades mentais e morais, assim como as musculares, só se aperfeiçoam se forem estimuladas (...). Quem abdica de tomar as próprias decisões não necessita de outrafaculdade, apenas da capacidade de imitar, como os macacos. Aquele que decide por si emprega todas as suas faculdades. (MILL apud SANDEL, 2012, p. 66.) Além de Smith e dos utilitaristas há muitos outros pensadores modernos nos quais encontraremos reflexões sobre a Ética e moral. Mas não nos será possível tratar de todos eles, e também fugiria aos objetivos de nosso curso. No entanto, para encerrar esta introdução à questão da Ética na modernidade, trataremos no próximo tópico de mais uma perspectiva. 3.3. “A coisa certa a fazer” em Kant Kant foi um filósofo do século XVIII, prussiano, da região que hoje integra a Alemanha. Para examinarmos e compreendermos a perspectiva ética neste pensador começaremos explicando, um a um, três de seus pressupostos: 1- Somos seres racionais e, portanto, merecedores de dignidade e respeito O que se pode depreender deste primeiro é que todos nós, uma vez que somos racionais, merecemos respeito e devemos ser tratados com dignidade. Este pressuposto fundamenta o “imperativo categórico” da dignidade humana no qual se baseiam os direitos humanos universais. Se todos devemos ser tratados tal como determina o princípio elencado, tortura, maus tratos, desprezo, iniquidades não são admissíveis, em nenhuma situação e para ninguém. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2- A moralidade não pode se basear em interesses, vontades, desejos e preferências (agir com base em desejos é “obedecer” a eles, ser escravizado por eles). Se somos racionais, portanto capazes de pensar e avaliar, tanto mais moral será nossa ação quanto mais racional ela for porquê de acordo com a nossa verdadeira “natureza”. Agir de outra forma, seguindo um desejo, uma vontade, é contrariar este princípio. A minha escolha e a ação decorrente dela só serão morais se de acordo com a razão 3- Moralidade é agir de acordo com a liberdade de se impor as suas próprias leis (agir com autonomia e não com heteronomia). Este pressuposto é uma consequência do segundo. Também para Kant o “sujeito moral” é o que age de acordo com sua livre e própria determinação, ou seja, o que age com “autonomia”. Quem age de outro modo, tendo em vista ordens ou vontades externas, ou mesmo para atender seus desejos de recompensa, vaidade, prazer, age com heteronomia ainda que faça a coisa certa. Vejamos o seguinte exemplo. Uma criança de cinco anos que ainda não conhece as operações matemáticas básicas vai à padaria com uma nota de R$20,00. Faz uma compra de R$6,00. Vamos supor que o (a) proprietário (a) do estabelecimento esteja no caixa. Ele (a) poderia dar o troco errado que a criança não notaria. No entanto não o faz porque teme que alguém veja, ou que os pais da criança percebam ameaçando sua reputação. O (a) proprietário (a) ao dar o troco certo faz o que deveria ser feito, mas pela motivação “errada”, ou seja, o resultado é certo, mas a ação, avaliada do ponto de vista da motivação, não é moral. Isto pode ser aplicado ainda a outras situações como a da Responsabilidade Social em empresas. Muitas vezes estas são questionadas, considera-se que as que agem de forma socialmente responsável só o fazem para proteger sua reputação. Se esta for de fato a motivação, também de acordo com a perspectiva de Kant, tais ações podem ser classificadas como boas, mas não como morais porque são “heterônomas”, não estão de acordo com a vontade “autônoma” dos indivíduos, no caso os dirigentes das organizações, mas porque servem ao seu desejo de preservar a imagem ou a marca. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Na avaliação de nossas ações devemos, de acordo com Kant, orientar-nos pelo imperativo categórico. Em termos práticos isto significa o seguinte, devemos “universalizar” as nossas ações para ver quanto elas estão de acordo com os nossos desejos ou de acordo com os nossos princípios. Um exemplo, temos um compromisso previamente agendado. Mas conscientemente e por vontade própria escolhemos que vamos nos atrasar porque, naquele dia, não estamos muito dispostos. Para julgar se esta é uma “boa ação” no sentido kantiano devemos proceder à seguinte avaliação: ao me atrasar hoje, por um motivo fútil, apenas para atender a minha própria disposição, eu sinalizo para o mundo e para mim mesmo (a) que acho correto que as pessoas se atrasem para seus compromissos porque não estão muito dispostas. Se considerarmos que esta é uma razão justa, aplicável a todos e não só a nós, então a tomaremos como moral. Mas se entendermos que universalmente ela não seria aceitável, tampouco o será para nós. Para terminar de ilustrar que a moral em Kant é “fazer a coisa certa, porque é o certo a fazer”, tomemos um trecho do professor Renato Janine Ribeiro em palestra proferida no Congresso de Educação para a Cidadania, organizado pelo Serviço Social do Comércio de São Paulo. Kant tem uma idea mojito boa, (…), que é a sanguine: quando eu ajo, eu devo agir de modo tal, que a minha ação constitua uma máxima universal. Vamos tentar ver um pouco o que isto quer dizer. Isto quer dizer que se eu passo no sinal vermelho estou fazendo que essa minha ação constitua uma máxima universal, ou seja, eu estou declarando para toda Humanidade que é bom, que é correto e até recomendável passar no sinal vermelho. Se eu mato uma outra pessoa, eu estou proclamando que é recomendável matar outras pessoas, idem furtar, roubar, etc. Não há ação então que eu possa caracterizar como sendo apenas minha, como sendo meu privilégio. Toda ação que eu pratico, por ela eu autorizo outras pessoas a praticarem iguais, é óbvio que, dito os exemplos que eu elenquei, já decorre que é impossível convivência desse jeito. Se nós agirmos assim, então se eu passar no sinal vermelho, autorizando todos outros a passarem no sinal vermelho, vou acabar sendo batido. Encerramos aqui este pequeno panorama da Ética na modernidade. No próximo item trataremos de um outro aspecto da sua compreensão a partir da análise da relação com a Política. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. ÉTICA E POLÍTICA Norberto Bobbio, pensador e teórico italiano, afirma em sua obra “Elogio à Serenidade”, que as teorias que se dedicaram ao estudo da relação entre Ética e Política podem ser divididas em dois grandes grupos: as teorias monísticas, que consideram que Ética e Política fazem parte de um mesmo sistema moral; e as dualísticas que as julgam como integrantes de sistemas morais distintos. Mas dentro destes dois grupos, nos quais encontramos teóricos diversos, há outras divisões. As teorias monísticas se dividem em monismo rígido e o flexível, as dualísticas em dualismo aparente e o real. Mas antes de proceder à explicação de tais teorias e relações, é preciso esclarecer o uso dos termos “Ética” e “Política” em Bobbio. Na obra mencionada, Ética surge algumas vezes significando “moral”, sendo que esta, ao longo do livro, pode ser a moral individual e a pública. Política aparece em alguns pontos como dizendo respeito à arte ou “ciência da convivência”, ou como o que tem lugar na vida pública. “Monismo rígido” corresponde ao que encontramos em certos autores como Kant e Hobbes. Para tais autores a Ética é uma só, a que rege a vida privada, rege também a vida pública. Isto quer dizer que aquilo que consideramos como certo, moral, lícito, justo, tanto vale para a vida cotidiana e para a pública, seja como cidadãos, ou no espaço da casa, ou como governantes. Este é o ponto em comum entre os dois autores citados, mas, por outro lado, “monistas rígidos” podem divergir sobre um aspecto fundamental. Para Kant, por exemplo, como vimos o princípio que orienta minha ação, qualquer que ela seja, é o mesmo que considero que deve orientar a de todos os outros. Então seconsidero que mentir é errado, assim considerarei para qualquer um e em qualquer situação. Por exemplo, vamos supor que você seja um (a) dirigente do Banco Central do Brasil. Você sabe que nos próximos dias deverá ser decretada intervenção na instituição financeira X. Numa coletiva de imprensa alguém lança a pergunta: “Senhor (a) dirigente, é verdade que o Banco Central intervirá na instituição X?” Se você se orientar pelo monismo rígido de Kant dirá a verdade ainda que isto implique em consequências terríveis como por uma corrida dos correntistas daquela instituição para sacar o dinheiro, gerando inúmeros problemas. Este é um exemplo que implica consequências terríveis. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Mas podemos citar um outro com consequências mais positivas. Se eu considero que matar é errado, orientando-me pela perspectiva de Kant, considerarei que assim o é tanto na vida pessoal, quanto na vida e espaço públicos. Desta forma, supondo que eu seja um governante e me oriente deste modo, não determinarei nem autorizarei a morte de ninguém, o que costuma ser considerado como bastante positivo. Já o monismo rígido em Hobbes e outros pode ser bem diferente. Neste caso o que vale é o que determina o Estado. Então se a lei ou aquele que representa o Estado considera que é lícito matar pessoas que atentem contra a propriedade privada, também na dimensão individual e cotidiana assim será. No entanto, se o Estado considerar que pessoas que atentam contra a propriedade privada devem ser condenadas à morte, mas que a execução da pena cabe exclusivamente aos agentes do Estado, então na dimensão pessoal consideraremos que a pena de morte deve ser aplicada nestes casos, mas que nós, cidadãos comuns, não podemos de forma alguma executá-la. De acordo com esta perspectiva, o cidadão só tem autonomia para fazer suas próprias escolhas de acordo com os seus próprios princípios sobre aquilo que o Estado cala. O monismo flexível também implica o princípio de que há um único sistema moral e ele será o mesmo para a vida comum e para a pública. Mas, em algumas situações muito especiais podemos “flexibilizar” os princípios. Por exemplo, neste sistema podemos ter o princípio de que “matar é errado” em qualquer situação. No entanto, o monismo flexível considera que, em algumas situações, como a de uma ameaça externa contra o Estado, é possível flexibilizar neste princípio. Uma outra situação para ilustrar melhor a questão. A tortura é nos dias de hoje, de modo geral, uma atitude condenável tanto aos olhos dos indivíduos quanto também dos sistemas que regem os Estados. Mas, de acordo com o monismo flexível, em certas situações e em nome de um “bem maior”, como por exemplo proteger as pessoas de uma ameaça terrorista, considera-se que por uma “razão de Estado”, a tortura para extrair informações com vistas a proteger os cidadãos possa ser praticada. Uma “lei especial” derroga uma “lei mais geral”. De acordo com Bobbio, esta “derrogação” é a base para as Éticas profissionais. Tais códigos ou sistemas de normas por vezes dispõem condutas mais rigorosas ou mais flexíveis, especiais para os que exercem uma determinada atividade. Um exemplo é a 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância “mentira caridosa do médico”. Os códigos profissionais determinam que os sujeitos sempre exerçam sua prática de acordo com os mais altos princípios de honestidade. No entanto, vamos supor que um médico tenha um paciente em estado terminal. O profissional sabe que o doente vai morrer, que não há chance alguma. Sofrendo, agonizando, o paciente pergunta: “Doutor, eu vou morrer?” O médico sempre poderá dizer honestamente que sim. Mas se ele optar por responder de modo a oferecer alguma esperança ou alívio para o paciente, dizendo algo como: “Enquanto a vida há esperança.” Tal atitude não será condenável, posto que agiu com o intuito de minimizar o sofrimento do seu paciente o que é mais importante e nobre do que dizer a absoluta verdade neste caso. Vejamos agora as implicações do “dualismo aparente”. Nesta linha estão os autores e pensadores que consideram que há dois sistemas morais, um que diz respeito à ética pública, e outro que se refere à vida privada. No entanto, como o próprio nome desta vertente indica, estes sistemas são aparentemente “independentes”. Entre eles haveria uma ordem hierárquica. Isto significa dizer que, para alguns dos autores que defendem tal teoria, o “moral” no sentido do que se refere à vida comum seria superior ao “político”, ou seja, ao sistema que governa a vida pública. Mas há também aqueles autores que consideram o contrário, ou seja, o “político” seria superior ao “moral”. Observemos um exemplo de como isto se processa na prática de acordo com Hegel, filosofo alemão dos séculos XVIII – XIX. Para esse pensador o sistema político seria superior ao moral. Isto é, os valores que governam a vida cotidiana seriam “inferiores” aos da vida pública. A nossa vivência comum, privada nos educa de alguma forma, mas a educação verdadeira, o sentido superior de moral e o desenvolvimento pleno do nosso “espírito” só se dá a parir da vivência como cidadãos que compartilham os valores mais amplos. Deste modo, considerando que a moral privada julga errado matar alguém, se, num determinado momento, nós, quando chamados a pegar em armas pelo poder que nos governa contra um inimigo comum, aquela interdição, “não matar”, cede para atender a “missão histórica que o Estado exige”. Neste ponto você deve estar se perguntando em que isto seria diferente do “monismo flexível”. A diferença está em que o dualismo aparente considera que existem dois sistemas, embora um seja mais importante que o outro. O monismo flexível não reconhece duas éticas, só uma. Mas leva em conta o fato de que no exercício de 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância determinadas funções, exigências maiores, ou de outro lado, normas mais flexíveis podem ter lugar. Mas só naquele momento, para aquela situação muito específica. Por fim vejamos o dualismo real que, na perspectiva de Norberto Bobbio parece ser o que melhor descreve a natureza da relação entre Ética e Política. O dualismo real, ou seja, a teoria que considera que há dois sistemas distintos, um que diz respeito à vida cotidiana e privada dos homens, ou dos cidadãos comuns, e outro que orienta os que governam, tem suas origens no pensamento de Nicolau Maquiavel. Este pensador, como já mencionado, florentino dos séculos XV e XVI, viveu numa das “cidades-república” da região que hoje compõe a Itália, é considerado um dos fundadores do pensamento político moderno. Maquiavel parte de uma constatação, os homens são egoístas, maus e toda sociedade caminha para a desordem. A história, principalmente a vivida por Maquiavel na sua Florença natal, mostra que há um ciclo permanente de ordem e caos. Portanto, a grande inquietação de Maquiavel e de outros pensadores um pouco antes dele, já que o florentino filia-se à tradição do pensamento humanista italiano anterior, era exatamente como romper tal ciclo. Maquiavel sofreu na própria pele as agruras da instabilidade política. Diplomata, quando de uma das mudanças drásticas no comando da cidade, perdeu seu posto, posses e honras. Foi preso, torturado e exilado. No ostracismo pretendeu se aproximar dos novos governantes, mais especificamente de Lorenzo de Médici a quem dedicou sua obra mais conhecida, “O Príncipe”. A despeito de seus esforços terminou a vida no ostracismo, muito embora tenha escrito obras consideradas fundamentais para o entendimento do pensamento moderno. Alguns dos principais aspectos do pensamento de Maquiavel a respeito da relação Ética e Política são os seguintes: a) A natureza davida privada é uma, a da vida política é outra. Enquanto cada um de nós está preocupado com a própria segurança e dos que nos são mais caros, o governante deve ocupar-se da “cidade”. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância b) Considerando-se o objetivo final da vida política, a garantia da ordem para todos, as ações políticas terão uma natureza diferente das ações comuns e privadas. Portanto o conjunto de virtudes que orientam tais ações também será diferente do que pensamos como sendo “virtuoso” na vida cotidiana. Alguns exemplos práticos. Cabe ao governante a defesa da cidade. Se ela for atacada ele deverá rechaçar o ataque e revidá-lo. Isto implica em organizar forças, liderar exércitos, dar ordens para matar. Algumas destas ações seria recomendável na nossa vida privada ou para o homem comum? Ainda que pensemos que “temos o direito de defender nossa família e a nós mesmos”, devemos organizar forças, liderar grupos e sair por aí caçando e matando quem julgamos que ameaça a nossa segurança em particular? Uma outra situação. É consenso que mentir é errado e que devemos falar sempre a verdade. Voltemos a um exemplo já dado, o que se refere à posição de um (a) dirigente do Banco Central quando inquirido (a) sobre a possibilidade de intervenção numa instituição financeira que ele (a) sabe que ocorrerá. Se falar a verdade certamente provocará uma corrida aos bancos, não só ao que sofrerá a intervenção, pois a desconfiança pode comprometer a sensação de segurança que os investidores todos precisam. Portanto, a “virtude” da franqueza, da honestidade, de nunca faltar com a verdade que é adequada e aprovada para o homem comum, não o seria para aqueles que ocupam uma posição no comando de uma instituição que é parte da “ordem”. Um outro pensador que se soma a Maquiavel na defesa da perspectiva de que existem “duas Éticas” é Weber. Para este autor, no entanto, embora considere a existência de dois sistemas, ele não aponta a exclusividade de um deles de servir à política ou à vida privada. Max Weber, pensador alemão dos séculos XIX e XX, identificou no agir humano quatro tipos de ação: 1- A ação racional com relação a um valor (princípio); 2- A ação racional com relação a um fim (objetivo); 3- A ação orientada pelos afetos (instintos); 4- A ação orientada pela tradição. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Note que as duas últimas não são consideradas racionais. Se considerarmos que as ações éticas são próprias dos “sujeitos morais” que agem com autonomia e, portanto, de acordo com a razão, veremos que só poderão ser consideradas “éticas” de acordo com Weber as duas primeiras. À orientação por princípios ou valores, dá-se o nome de Ética da Convicção e seria considerada por muitos como mais própria do cidadão comum. Os sujeitos quando agem deste modo, independente das consequências de suas ações, não abrem mão de seus princípios. Se eu tenho por princípio, estabelecido por mim racionalmente, ou seja, de acordo com a minha própria reflexão, não mentir em nenhuma situação, e ajo sempre orientado (a) deste modo, isto significa que mesmo em situações nas quais as consequências de falar a verdade podem ser complicadas, independente delas agirei conforme este valor estabelecido. Vamos supor que um amigo tenha se envolvido num acidente que testemunhei e a responsabilidade seja de fato dele. Este amigo pede que eu minta em juízo em seu favor porque pode ser punido. Se eu tenho por princípio não mentir, orientado por esta minha convicção, independente das consequências que isto possa ter para ele, direi a verdade. Já à orientação por objetivo ou fim dá-se o nome de “Ética da Responsabilidade”. Nesse caso o sujeito age racionalmente tendo em vista o objetivo final de suas ações e avaliando as consequências de seus atos, quanto eles poderiam colaborar ou comprometer o alcance do resultado. Esta avaliação pode implicar a “flexibilização” de um princípio. Agir deste modo está associado ao espaço público, ou seja, seria uma “ética mais própria dos governantes”. Por exemplo, voltemos ao valor de sempre falar a verdade que parece de modo geral um bom princípio. Na situação hipotética já dada do (a) dirigente do Banco Central, o sujeito pode considerar que, naquele caso, o melhor será orientar-se por um “fim”, qual seja, o de preservação da confiança de investidores e correntistas já que falar a verdade, naquela situação, colocará toda a ordem financeira e social em risco. Mas isto se aplicaria também ao exemplo do amigo que pode ser condenado pelo meu testemunho? Ou seja, seria ético neste caso mentir? Se mentir em favor do amigo significa, no limite, como consequência final, colaborar para a impunidade geral, o que você faria? 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Weber conclui a respeito das “duas Éticas” que o homem verdadeiramente sábio e/ou grande político não age de acordo só com uma ou só com a outra. Segundo ele, como parte da conclusão de sua obra “Ética e Política, duas vocações”, os que se orientam exclusivamente pelas convicções são os “fanáticos”, e os orientados exclusivamente pelos fins são os cínicos”. Mas se assim for, como saber qual a melhor forma de agir? Caberá a cada um avaliar o quanto a flexibilização de um princípio pode afastá-lo ou não de sua identidade, ou de uma causa à qual esteja ligado. Da mesma forma julgar se o fim que pretendemos é legítimo e quanto nossas ações de fato colaboram para que ele seja alcançado ou se elas o colocam em risco. Para concluirmos este tópico, imaginemos o seguinte: Quando alguém adultera o balanço da empresa para evitar que ela perca mercado, poderíamos considerar que o fim último, assegurar o valor da empresa é um objetivo legítimo. No entanto, mentir sobre sua situação financeira, maquiá-la, pode, se a operação for descoberta, comprometer para sempre sua imagem, portanto, uma ação que, no limite, ameaça o fim. Analisando a mesma situação de acordo com a orientação da ética da convicção. A preservação da situação momentânea da empresa justifica que eu me afaste de modo irreparável de um princípio fundamental do exercício da atividade, qual seja, a honestidade? Para concluirmos com Norberto Bobbio, a Ética política É a ética de quem exerce a atividade política, mas a atividade política na concepção de quem argumenta partindo da consideração da ética profissional não é o poder em si, mas o poder como condição para o alcance de um fim que é o bem comum, ou o interesse coletivo ou geral. (…) bom governo é aquele de quem persegue o bem comum, mau governo é o de quem persegue o próprio bem. (2002, p. 80.) 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. ÉTICA EMPRESARIAL Já há algum tempo, não pouco, constituiu-se consenso em torno da necessidade de as empresas serem “éticas”. Como visto anteriormente isto requer que elas sejam mais do que “obedientes à lei”, porque atuar de acordo com a legislação nem sempre garante moralidade e ética a uma ação. Para retomarmos esta noção, lembremos que “nem tudo que é ético é lei, nem tudo que é lei é ético.” A Ética corresponde a normas formais ou informais e que dizem respeito aos valores, princípios, a uma certa ideia de felicidade, de justiça aderidos e compartilhados por indivíduos e sociedades. As leis muitas vezes remetem a tais princípios e ideias, mas não necessariamente. Há leis que podem determinar direitos que reproduzam ou levem a injustiças. Por exemplo, uma legislação que seja tolerante ou flexível quanto ao uso da mão de obra infantil ou no que se refere ao estabelecimento dos limites para as jornadas de trabalho, pode levar a situações de exploração do trabalho de crianças, ouà submissão de trabalhadores à intensa exploração. Existem ainda outras razões que fizeram com que, nos últimos anos, aumentasse a cobrança a respeito da Ética nas organizações e muitas delas empenharam esforço e tempo afim de corresponder a tais expectativas. Não que esta nunca tenha sido uma preocupação na maioria das organizações. Afina, l a preocupação com o “agir ético” como vimos até aqui é uma constante nas sociedades. O que muda é o que ele significa. Sob este aspecto, algumas coisas mudaram no âmbito das organizações nas últimas décadas do século XX e na primeira deste. Com uma atuação mais global, num mundo em que as informações são cada vez mais compartilhadas em tempo real, a ocorrência de um escândalo numa empresa, ou o seu envolvimento em algum episódio que provoque desgaste à imagem tem sempre uma rápida e grande repercussão, produzindo abalos não só na confiança ou percepção que consumidores têm de suas marcas, mas, principalmente, abalando a confiança de mercados e investidores. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância E por que a reputação de uma empresa é tão importante para investidores e mercados? Porque escândalos, muitas vezes, implicam em punições que podem produzir multas e prejuízos. E isto, sem dúvida, interfere diretamente na confiança de investidores. No entanto, a despeito de grandes e em alguns casos, terríveis consequências, os escândalos nas empresas persistem. Por que isto ocorre? Temos algumas respostas colhidas em diferentes autores. Para uma determinada linha a persistência dos escândalos diz respeito ao fato de que as empresas enxergam e praticam a ética empresarial como um instrumento para garantir a confiança de mercados e investidores, além de satisfazer governos. Portanto não a enxergam como um objetivo final. Isto é, a Ética seria no âmbito das organizações um instrumento para garantir mais lucro ou evitar prejuízos, mas não por ser a “coisa certa a fazer”, ou para gerar o “maior benefício para o maior número”. Alguns autores, como Meira no artigo “A ética empresarial em movimento: as (de) limitações de campo. “, disponível na web2, chamam a atenção para o fato de que esta visão que predomina no ambiente empresarial se deve à crença na “perfectibilidade do sistema”, ou seja, de que o Mercado funciona perfeitamente, e de que sobre seus agentes e práticas não caberia um julgamento moral. Isto significa dizer que entre a maioria dos responsáveis pelas organizações e agentes econômicos, existe um consenso em torno da objetividade prevalecente nas suas ações. Todas seriam determinadas pela razão fria e objetiva e, por isto, não sujeita a avaliações morais. Mas nem todos compartilham de tal consenso. Autores como Solomon, Giannetti, Sen e outros, entendem que não nos movemos exclusivamente por critérios objetivos e que, ainda que consideremos o auto-interesse como principal motivação, este não o é sempre e todo o tempo o único. Um exemplo, destacado na obra “Vícios privados, benefícios públicos?” De Eduardo Giannetti, está no depoimento de Akio Morita ex- presidente da Sony. 2Disponíve l em: h t tp : / /u f rgs .academia.edu/Fab ioMei ra /Papers /565116 /A_et ica_empresar i a l_em_mov imento_as_de_l im i taco es_do_campo. Acesso em: 06 /10/19. about:blank about:blank 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Não existe um ingrediente secreto ou fórmula oculta responsável pelo sucesso das melhores empresas japonesas. Nenhuma teoria ou plano ou política de governo fará de um negócio um sucesso. Isso só pode ser feito pelas pessoas. A mais importante missão para um administrador japonês é criar um relacionamento saudável com seus funcionários, um sentimento de família dentro da corporação, um sentimento de que funcionários e administradores compartilham do mesmo destino. […]. Se você deseja uma eficiência e produtividade elevadas, uma relação próxima e cordial com seus funcionários […] é necessária. Algumas vezes é mais importante gerar um senso de afinidade do que qualquer outra coisa, e algumas vezes você precisa tomar decisões que são tecnicamente irracionais. Você pode ser totalmente racional com uma máquina. Mas, se você trabalha com gente, algumas vezes a lógica tem que dar lugar à compreensão. […] Na Sony nós aprendemos que o problema com um funcionário que está acostumado a trabalhar só pelo dinheiro é que ele com frequência se esquece de que se espera que ele trabalhe para o grupo; essa atitude auto-centrada de trabalhar só para si próprio e sua família, excluindo seus co-trabalhadores e a empresa, não é saudável. (MORITA apud GIANNETTI, 1993, p. 162-163.) A este depoimento devemos acrescentar um outro relato, este de Vabo Jr, sobre a empresa Amazon em artigo para o site Endeavor: A cultura organizacional da Amazon é a chave quando se pretende comparar o sucesso dela com outras empresas. Desde o processo de contratação, procura-se deixar muito claro que as pessoas e a cultura são prioridade, quais são as regras do jogo e como as coisas são feitas. Mesmo que a pessoa seja muito talentosa, não fica se não for “culture fit”. Fica clara a diferença entre os missionários e os mercenários. Os missionários são aqueles que entendem o propósito da companhia, acreditam no projeto e se comprometem. Já os mercenários são aqueles apenas interessados no objetivo financeiro de curto prazo. Na Amazon, paixão continua sendo a força-motriz. Uma prática que possuem é frequentemente oferecer dinheiro a funcionários para deixarem a companhia. Desta forma, ficam apenas os “believers”.3 O que os trechos destacados demonstram é que a subjetividade importa. No entanto, em muitas organizações tem prevalecido uma visão assentada em princípios neoliberais, como os que se pode extrair da citação de Milton Friedman, economista norte-americano, ganhador do prêmio Nobel em Ciências Econômicas: Poucas tendências poderiam minar de forma tão completa as próprias fundações de nossa sociedade livre do que a aceitação, por parte dos executivos, de uma outra responsabilidade social que não seja a de ganhar o máximo possível de dinheiro para seus acionistas. (FRIEDMAN apud NASH, 2003, p. 54.) Friedman e outros representam o grupo que coloca a questão do lucro como sendo a única responsabilidade das organizações. Deste modo, elas não estariam erradas em considerar a Ética como um instrumento e não como um fim. 3 6 l i ções que aprend i na sede g loba l da Amazon. Endeavor , 19 /11/14 . D isponíve l em: h t tps : / /exame.ab r i l . com.b r / pme/6 - l i coes -que-ap rend i -na-sede -g loba l -da -amazon / . Acesso em: 06/10/19 about:blank 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância No entanto, a medida em que cresce o consenso da sociedade global em torno da sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, todas as medidas que precisam ser tomadas para que sejam alcançados como a preservação ambiental, redução da pobreza, transparência das informações fornecidas pelas organizações para garantir a confiança de mercados e consumidores, mais intolerantes pessoas e governos têm se mostrado com práticas empresariais antiéticas. Para ilustrar como isto tem se dado, em 21 de setembro de 2015 as ações da empresa Volkswagen despencaram 20% no que foi considerada a “sua maior queda diária”, em razão da empresa ter sido acusada nos EUA de usar um software nos carros a diesel e nos modelos Audi que produzia dados falsos sobre a emissão de poluentes, burlando, deste modo, a fiscalização, tendo que arcar com multas bilionárias.4 Acrescentamos a este exemplo o da Petrobras que, em abril de 2015, calculou em R$ 6,194 bilhões as perdas por corrupção e reduziu o valor de seus ativos em R$ 44,3 bilhões. Esta situação, somada à queda internacional dos preçosdo petróleo, fez com que a empresa nos nove primeiros meses do ano de 2015, tivesse uma queda no lucro líquido de 58% em relação a 2014. Para terminar este tópico, citemos um outro prêmio Nobel de economia, o indiano Amartya Sen, sobre o quanto as liberdades que interessam ao desenvolvimento não são só as de mercado, enfatizando deste modo que as reflexões morais devem incidir também sobre as questões econômicas afim de promover não só o lucro dos acionistas, mas a prosperidade de todos. As liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas também os meios principais. Além de reconhecer, fundamentalmente, a importância avaliatória da liberdade, precisamos reconhecer a notável relação empírica que vincula, umas às outras, liberdades diferentes. Liberdades políticas (na forma de liberdade de expressão e eleições livres) ajudam a promover a segurança econômica. Oportunidades sociais (na forma de serviços de educação e saúde) facilitam a participação econômica. Facilidades econômicas (na forma de oportunidades de participação no comércio e na produção) podem ajudar a gerar a abundância individual, além de recursos públicos para os serviços sociais. Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras. (SEN, 2010, pp- 25-26) 4 A es te respe i t o e sobre prá t icas ant i é t i cas d e out ras empres as e i nves t ido res há uma sé r ie , “D i r t y Money” , de 2017, d i sponíve l para os ass inantes de um serv iço de s t reaming. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Encerramos este tópico concluindo que a Ética tem hoje nas organizações empresariais, seja pela razão que for, uma centralidade muito maior do que há décadas atrás. Por isso, torna-se muito importante refletir sobre ela no contexto das empresas e das ações dos profissionais que nelas atuam. Além disso, aproveitando a citação de Sen, também as liberdades colaboram para o desenvolvimento de sociedades, mercados e organizações. Tais liberdades estão na essência da Cidadania, nosso próximo assunto. 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. CIDADANIA A noção de cidadania existiu mesmo em civilizações muito anteriores, como é o caso das civilizações ditas clássicas, a grega e a romana. No entanto, do ponto de vista dos nossos estudos, o que nos interessa é a noção moderna de cidadania, ou seja, a que vem se desenvolvendo desde o século XVIII. Tal noção remete, portanto, à modernidade ocidental da qual já tratamos em tópicos anteriores. No entanto, é importante aqui relembrar e acrescentar alguns pontos: 1- A modernidade corresponde ao processo de ruptura com a antiga sociedade de ordens que teve lugar no Ocidente, representada não só pela sociedade feudal, como também pela rígida estratificação, manutenção de privilégios e forte limitação das liberdades características do absolutismo. 2- A ruptura foi sendo construída a partir de importantes movimentos como o Iluminismo, movimento intelectual do século XVIII de caráter humanista, racional e progressista. Este movimento deu origem a novas ideologias que reproduziram suas características essenciais. 3- Dentre os princípios do Iluminismo, enfatizados por ideologias como o Liberalismo, está a valorização do indivíduo entendido como portador de direitos e liberdades fundamentais. 4- A modernidade rompe então com a ideia de “súdito” e a substitui pelo “cidadão”. Diferentemente do primeiro, o segundo é livre e, ainda que submetido a um Estado e governo, sua obediência se fundamenta no consentimento e não na obrigação. 5- O consentimento se expressa na obediência e respeito à autoridade em troca da proteção e segurança que o Estado e os governos que se revezam na sua gestão devem aos indivíduos. 6- Estabelecem-se, portanto, compromissos mútuos. Ao Estado cabe garantir e proteger os direitos e liberdades individuais, os cidadãos em troca obedecem. O não compromisso de um dos lados pode implicar na “quebra do contrato” e aí então estariam ambos sujeitos às consequências de tal ruptura. Mas quais seriam exatamente os direitos e liberdades que o cidadão tem? A noção moderna de Cidadania envolve direitos de três diferentes grupos, os civis ou individuais, 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância os políticos e os sociais. Tais direitos não surgiram todos de uma vez. Como ensina Norberto Bobbio em sua obra “A Era dos Direitos”, eles surgiram determinados por condições e circunstâncias históricas ao longo do tempo. O primeiro grupo de direitos que corresponde às liberdades fundamentais como a de expressão, pensamento, religião, propriedade, vida, segurança, de ir e vir, surgiram no processo de afirmação do indivíduo diante do Estado. Como vimos em tópicos anteriores, esse é um princípio próprio da modernidade, ou seja, de que o indivíduo tem o direito de existir de acordo com suas próprias vontades e características. Portanto, os direitos civis ou individuais correspondem ao que garante a afirmação e preservação do sujeito, de sua liberdade, de sua privacidade, diante deste poder, que costuma ser muito maior que o de cada um de nós, o do Estado. Numa argumentação típica dos filósofos modernos da tradição iluminista, embora todos saibamos da necessidade da existência do Estado e da nossa submissão a ele para que a vida em sociedade seja possível, isto não pode significar a perda da individualidade, ou seja, o direito de existir e viver de acordo com os próprios valores e vontades. O segundo grupo, o dos direitos políticos, historicamente surgiu junto com os individuais. Mas eles mantêm uma outra relação com os fundamentos deste processo de construção da cidadania. Os direitos como votar, ser votado, participar da vida cívica, garantem o nosso controle sobre o Estado e suas ações. Eles também ajudam a garantir a nossa autonomia à medida que, para usar uma expressão conhecida, nos “empoderam”. Os direitos sociais correspondem a uma outra geração. Eles surgiram como consequência do exercício de direitos individuais e políticos permitindo que grupos inicialmente destituídos de força e representatividade, as minorias, fossem pouco a pouco buscando sua afirmação e exigindo mais atenção para o tratamento das desigualdades aprofundadas durante o desenvolvimento das sociedades industriais. No entanto, como mostra Bobbio, se os direitos individuais garantem a nossa liberdade, os direitos sociais as limitam já que reforçam o poder do Estado e a 53 Ética e Cidadania Universidade Santa Cecília - Educação a Distância possibilidade de sua intervenção na sociedade. Por exemplo, a educação é um direito social que por isso deve ser garantido pelo Estado. Para tanto, o Estado deve não só garantir escola para todos, mas exigir que toda a sociedade, o que inclui cada um em particular, fiscalize, exija o seu cumprimento e obedeça à obrigação de que todos em idade escolar frequentem instituições de ensino. Vamos supor que alguém em razão dos seus próprios princípios e valores não queira que seus filhos frequentem a escola? Neste caso o indivíduo pode ser processado e até mesmo perder a guarda dos filhos por impedi- los de exercerem o direito de frequentar a escola. É importante ainda ressaltar o seguinte, se os direitos que compõem a cidadania surgiram ao longo do tempo como resultado de processos históricos, isto significa dizer que novos direitos ainda podem surgir à medida que a história da humanidade continua. Por exemplo, ressaltada por Dallari (2009, p. 203), há uma terceira geração de direitos que ele situa a partir da década de 70 do século XX como o que corresponde ao direito a um meio ambiente limpo e saudável. Este direito como outros, o do consumidor, o direito ao desenvolvimento,
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