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755 Capítulo 48 CUIDADOS PALIATIVOS Leticia Meda Vendrusculo-Fangel Marcos Santos Suelen Medeiros e Silva Alexandre da Fonseca Colão Ricardo de Alencar Vilela Juciléia Rezende Souza Isabella Barros Rabelo Gontijo Carolina de Souza Custódio Clarissa Hoffman Irala Cristina Lemos Barbosa Furia Keyla de Paula Barbosa Liana Barbaresco Gomide Matheus Liana Zaynette Torres Junqueira Rafaela Paes Marques Yara Helena De Carvalho Paiva Ribeiro Augusto José Honório de Almeida Cláudia Arminda Corrêa Dayane Franco Valadão 757 Capítulo 48.1 CUIDADOS PALIATIVOS: CONCEITOS, FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS Leticia Meda Vendrusculo-Fangel Historicamente, os Cuidados Paliativos (CP) se confundem com o termo Hospice, do final do século XIX, que refere-se aos abrigos e hospedarias cedidas, prioritariamente, pela Igreja Católica e mantidas pela caridade de religiosos cristãos, que prestavam cui- dados para suprir as necessidades básicas de indivíduos doentes e excluídos socialmente.1 Etimologicamente, o termo “paliativo” deriva do latim palliun, que significa manto, pro- teção.2 Em 1940, Cicely Saunders, enfermeira, assistente social e médica, trabalhou em um Hospice de Londres que tinha como foco cuidar de pessoas com doenças crônicas ou em fim de vida que viviam um sofrimento intenso juntamente com suas famílias. Com base nessa ideia de cuidado, Cicely Saunders fundou, em 1967, o St. Cristhopher’s Hospice, que visava prestar assistência aos pacientes desde o controle dos sintomas até o alívio da dor e do sofrimento psicológico.2,3 O movimento do Hospice Moderno foi, mais tarde, denominado Cuidados Paliativos.3 Em 1842, houve o primeiro registro do uso da palavra Hospice relacionando-o ao cuidado oferecido aos pacientes terminais, em Lyon-França, e a ideia passou a se difundir por toda a Europa. Em seu livro, Cuidados da enfermidade maligna terminal, Cicely Saunders apresenta a filosofia do cuidado aos pacientes terminais, voltada à multifatorialidade dos sintomas, e a necessidade dos cuidados nas diferentes dimensões do sujeito.4 O controle da dor é o pilar primordial do cuidado no Hospice moderno, sendo este influenciado pelas experiências e história de vida do sujeito. Cicely Saunders definiu o Cuidado Paliativo com bases no conceito de Dor Total, que individualiza a percepção da dor em sua multidimensionalidade, ou seja, como a dor física se modifica sob a influência dos aspectos emocionais, sociais e espirituais, vivenciadas por um único sujeito.5 A dor emocional se relaciona às modificações psíquicas, que englobam mudanças de humor, lutos antecipatórios, perda do controle da sua própria vida e medo.5 A dor social refere-se à sensação de isolamento, dificuldades de comunicação, perda de papéis sociais e perdas financeiras.5 E a dor espiritual é descrita como a “dor da alma”, pela perda do sentido e significado da vida, perda da esperança e sensações de culpa.5 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS758 Na década de 1990, a OMS apresentou pela primeira vez uma definição de Cuida- dos Paliativos e os princípios para uniformizar as ações de cuidados aos pacientes com doenças “incuráveis”. Essa definição foi revista em 2002 e atualizada em 2017. Cuidado Paliativo é uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes, adultos ou crianças e das famílias que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a continuidade da vida.6 Desse modo, o Cuidado Paliativo previne e alivia o sofrimento, por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas, sejam eles físicos, psicossociais ou espirituais.6 O Cuidado Paliativo usa a abordagem que apoia os pacientes e seus cuidadores, excluindo a ideia de que não há nada a ser feito por um paciente que tem uma doença crônica ou que se encaminha à terminalidade da vida. Isso inclui uma equipe multipro- fissional que atende às necessidades práticas e fornece aconselhamento ao paciente e seus familiares em todo o processo, incluindo o luto. O objetivo é oferecer um sistema de apoio para ajudar pacientes a viver o mais ativamente possível e com qualidade até a morte.6 Por se tratar de uma abordagem de cuidado, não há etapas a serem cumpridas. O Cuidado Paliativo se baseia em princípios, definidos pela OMS,6 listados a seguir: � Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis Com a finalidade de desmitificar que os CP são oferecidos “quando não se tem mais o que fazer” ao paciente, este princípio tem bases no conceito de Dor Total de Cicely Saunders, que considera sinais e sintomas físicos, emocionais, sociais e espirituais que o paciente e a sua família apresentam. Quando possível, o alívio destes sinais e sintomas devem ser promovidos. Para tanto, a equipe multiprofissional precisa conhecer todos os tratamentos farmacológicos e não farmacológicos que favoreçam esse alívio. � Afirmar a vida e considerar a morte um processo natural da vida É necessário compreender que a morte é uma etapa da vida que acontece como um processo natural. Este é um princípio importante a ser abordado com a família e com o sujeito para que compreendam a morte como um evento natural e esperado na evolução natural de uma doença que ameaça a continuidade da vida, reforçando que esse processo pode ser vivido com qualidade. � Não abreviar ou prorrogar a morte Enfatiza-se que os CP não realizam eutanásia e não se relacionam a procedimentos fúteis que promovem a manutenção da vida sem se preocupar com os sofrimentos e o curso natural da doença. Os cuidados oferecidos visam manter a dignidade humana no decorrer do processo de adoecimento, terminalidade e luto. � Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente Desde o momento do diagnóstico, o paciente e família vivem perdas contínuas, como a perda de autonomia, capacidade física e perdas materiais, que provocam sofrimento emocional e espiritual intensos, interferindo na frequência de manifestação dos sintomas e maior dificuldade de controle. Os CP integram os aspectos psicológicos e espirituais como parte do processo de saúde do sujeito e que necessita de intervenção. Vale ressaltar Capítulo 48.1 • CUIDADOS PALIATIVOS: CONCEITOS, FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS 759 a diferença entre espiritualidade e religiosidade. Espiritualidade está relacionada com a espontaneidade nas crenças, no amor, na inspiração, profundidade de cunho pessoal, que pode ou não estar conectada à crença religiosa. � Oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível até o momento da sua morte Este é um princípio extremamente importante à Terapia Ocupacional, pois remete à necessidade de manutenção da autonomia e independência até o momento da morte, sempre respeitando as adversidades impostas pela doença. O conceito de qualidade de vida é individual e, sob essa ótica, é dever da equipe multiprofissional facilitar a resolução de problemas que interferem no bem-estar do paciente. � Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e o luto Como previsto na definição dos Cuidados Paliativos, a família faz parte da unidade de cuidado. O paciente faz parte de um núcleo familiar e social que “adoece” e sofre jun- tamente com ele. Deste modo, o sofrimento vivenciado nesse núcleo precisa ser tratado e cuidado, assim como o sujeito adoecido. � Oferecer abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no luto Por se tratar de um olhar integral ao sujeito e à família, os CP precisam de equipe multiprofissional qualificada para que as ações de cuidado se tornem efetivas. Dificil- mente um único profissional seria capaz de abordar todas as questões físicas, emocionais, sociais e espirituais do paciente e família. � Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença Com uma abordagem holística e integral que considere o paciente como um ser além do aspecto biológicoe que respeite sua autonomia e necessidades, pode-se melhorar as experiências dele durante o curso da doença. � Iniciar o mais precocemente possível os CP, juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, como quimioterapia e radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações clíni- cas estressantes O cuidado deve ser iniciado desde o momento do diagnóstico e concomitantemente ao tratamento modificador do curso natural da doença pois, desde seu princípio, o sujeito e familiares apresentam sofrimentos físicos, emocionais, sociais e espirituais que devem ser avaliados e tratados por equipe qualificada. Além disso, com o tratamento conjunto o paciente se beneficia no alívio de sintomas e melhora sua qualidade de vida. Baseado nesse princípio, Ferris et al.7 propuseram um gráfico para aplicabilidade dos CP de acordo com o tempo de diagnóstico oncológico. DIRETRIZES ONCOLÓGICAS760 Figura 48.1. Referência da atuação dos CP ao longo do tempo de evolução natural da doença. Modificado de Ferris et al.7 Observa-se que o CP deve iniciar juntamente com o tratamento modificador da doença e que, com o tempo e sua evolução, a proporção entre o tratamento modificador da doença e CP vão se invertendo, sendo que o CP permanece até o processo de luto da família.8 Para a Organização Pan-Americana de Saúde,9 são marcos essenciais aos Cuidados Paliativos, além dos propostos pela OMS:10 a necessidade da abordagem integral, o olhar à unidade de cuidado composta por paciente e família, e a comunicação gradual e verda- deira entre a equipe, o paciente e a família. Sendo assim, para oferecer CP com qualida- de, é necessário a somatória do controle eficaz de sintomas, da comunicação efetiva, do apoio psicossocial e espiritual e do trabalho em equipe, incluindo o paciente e família nas tomadas de decisões e no planejamento terapêutico. Para o acompanhamento, avaliação de sintomas físicos e avaliação prognóstica do paciente existe uma série de instrumentos padronizados, traduzidos para o português, que podem ser utilizados. O planejamento terapêutico efetivo e de qualidade pode ser definido por meio do plano EMMA (sigla em inglês) que corresponde à Evolução (avalia- ção de qualidade), Explicação, Manejo, Monitorização e Atenção aos detalhes.11 A ava- liação deve conter os aspectos pessoais do paciente e família, tais como preferências de cuidado e dificuldades, a cronologia da evolução da doença, os tratamentos realizados, incluindo tratamentos não padronizados e alternativos, a avaliação dos sinais, sintomas e necessidades atuais, o exame físico, a evolução, o prognóstico e as expectativas do pa- ciente.11 A Karnofsky Performance Scale (KPS) avalia a capacidade funcional dos pacientes e verifica a evolução da doença por meio de perda funcional. Existe também o instrumen- to de Avaliação de Sintomas de Edmonton, que lista sintomas e possibilita a classificação da intensidade em escala visual numérica de 0 a 10, sendo 0 sem sintomas e 10 o pior quadro possível. Na abordagem dos Cuidados Paliativos, não se pode negar o processo de morrer e a morte propriamente dita. Até o advento da medicina moderna, a morte era vista, pela sociedade ocidental, como um processo natural que acontecia próximo de familiares e de pessoas importantes. Com o advento da tecnologia médica, a morte passou a ser um “pro- Tra ta m en to Tempo Tratamento modificador do curso natural da doença Terminalidade Cuidados paliativos Doença 6m Morte Cuidados de final de vida Luto Capítulo 48.1 • CUIDADOS PALIATIVOS: CONCEITOS, FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS 761 blema”, que precisa ser tratado e escondido. Atualmente, vemos poucos casos de pessoas que morrem próximas a pessoas queridas e em locais de sua escolha. A morte acontece, muitas vezes, em hospitais e sem acolhimento da equipe e da família. Desta forma, a com- preensão da morte como um processo natural pela família, equipe e sujeito é um aspecto a ser acompanhado nos Cuidados Paliativos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda existe um estigma social impregnado de que encaminhar o paciente aos cui- dados paliativos é prepará-lo para morrer, e essa ideia deve ser desconstruída pela equipe multiprofissional. A atuação em Cuidados Paliativos não se restringe aos últimos momen- tos de vida, mas intervém sob todo o processo de enfrentamento de uma doença poten- cialmente fatal, oferecendo ao paciente a possibilidade de tomar suas próprias decisões relacionadas ao que deseja no final da vida.12 Partindo-se desse fundamento, é possível encarar o paciente como indivíduo que tem autonomia para decidir o que deseja. Uma boa comunicação, realizada de forma clara, gradativa e verdadeira, é capaz de diminuir a ansiedade e as incertezas do paciente e de seu núcleo familiar. Os princípios nos quais se baseiam os cuidados paliativos demonstram o quanto essa modalidade de cuidado pode oferecer qualidade de vida durante o enfrentamento de pacientes e de seus familiares. O desafio atual é expandir a filosofia do Cuidado Paliativo e demonstrar o quanto é benéfico para o paciente que os profissionais sejam capazes de respeitar a autonomia do indivíduo e considerar as necessidades individuais. REFERÊNCIAS 1. Twycross RG. Hospice Care, redressing the balance in medicine. Journal of the Royal Society of Medicine. 1980; 7(7): 475-81. 2. Hermes HR, Lamarca ICA. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciência e Saúde Coletiva. 2013; 18(9): 2577-88. 3. Pessini L, Bertachini L. Novas perspectivas em cuidados paliativos: ética, geriatria, gerontologia, comunicação e espiritualidade. O Mundo da Saúde. 2005; 29(4): 491-509. 4. Saunders C. Cuidados de la enfermedad maligna. In: Saunders C. La filosofia del cuidado terminal. Buenos Aires: Salvat; 1980. 5. PESSINI, L. Cuidados Paliativos: perspectivas contemporâneas. Revista Brasileira de Cuidados Paliativos. 2008;1(1): 25-9. 6. 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Revista Brasileira de Educação Médica. 2014; 38(2): 275-82. 13. Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes; 1996. 763 Capítulo 48.2 RADIOTERAPIA NO TRATAMENTO DA DOR ONCOLÓGICA: METÁSTASES ÓSSEAS Marcos Santos Metástases ósseas são uma complicação contumaz em pacientes com câncer. Fre- quentemente na primeira evidência de doença disseminada, essas lesões causam muita dor, expõem os pacientes ao risco de fraturas e/ou compressões nervosas e comprome- tem, significativamente, a qualidade de vida deles,1 além de, na presença de algum desses eventos supracitados, poder aumentar significativamente o custo final do tratamento.2 O osso é um dos sítios em que mais frequentemente se encontram metástases de tumores sólidos (assim como o pulmão e o fígado), indicando que esse microambiente é fértil para o crescimento de muitas das neoplasias humanas. Os tumores que mais frequentemente originam metástases ósseassão os originários da mama e da próstata,3 respectivamente os mais frequentes entre mulheres e homens, no Brasil4 e no mundo.5 Pacientes com diag- nóstico confirmado dessas neoplasias podem ter a maior parte de suas células tumorais implantadas nos ossos, no momento em que ocorre o êxito letal.3 Estudos randomizados avaliando a eficácia da radioterapia no combate à dor, em pacientes com diagnóstico de metástases ósseas, comprovaram a elevada utilidade dessa estratégia de tratamento.6 Diferentes esquemas de fracionamento, que variam desde a aplicação de uma dose única de radiação, de 6 a 8 Gy, que são aplicados em aproxima- damente 30 minutos, até esquemas com 20 frações diárias, aplicadas durante 20 dias úteis, durando aproximadamente um mês, foram extensivamente testados ao longo das últimas décadas.7 O primeiro desses estudos foi publicado ainda no início dos anos 1980, por Tong et al. Iniciado no ano de 1974, esse protocolo envolvia dois grupos de pacientes: o primeiro era composto por aqueles com lesão metastática única, e o outro era formado por pacientes com múltiplas metástases. Nesse primeiro momento, a aplicação de dose única de radiação não foi estudada, mas, entre todos os fracionamentos descritos (desde 15 Gy em uma semana até 40,5 Gy em três semanas), não se observou nenhuma dife- rença de resultados, seja no tocante ao alívio da dor, seja no que concerne aos efeitos se- cundários advindos do tratamento8 (evidência 1ii Div). Aparecia ali a primeira evidência DIRETRIZES ONCOLÓGICAS764 de que o resultado analgésico poderia ser relativamente independente da dose total de radiação aplicada. Price et al., em seguida, em 1986, publicaram um estudo randomizado no qual foram incluídos 288 pacientes, entre os anos de 1982 e 1984. De desenho mais sim- plificado, os indivíduos foram alocados para receber 8 Gy em dose única ou 30 Gy em 10 frações. Novamente, nenhuma diferença no controle da dor ou na ocorrência de efeitos colaterais foi observada. Um dos pontos fortes do estudo foi que o nível de dor foi reportado pelos pacientes, em questionários respondidos diariamente por eles próprios, sem interferência do médico assistente que, conhecedor do esquema de trata- mento efetuado, poderia, inconscientemente, enviesar ou mesmo induzir os pacientes a optarem por graduar a sua dor a depender do esquema de tratamento empregado. Os autores também mencionam que uma preocupação muito frequente nos serviços de radioterapia ao redor do mundo, o tamanho de campo de tratamento, não foi um fator limitante para a aplicação de dose única de radiação. Mesmo os pacientes com lesões metastáticas na pelve, com campos de tratamento com área igual ou superior a 10 cm2, não apresentaram maior toxicidade quando tratados com dose única de radia- ção9 (evidência 1ii Div). Cole et al., em estudo também britânico, mas com número consideravelmente menor de doentes, confirmou os resultados de Price. Esses autores randomizaram um total de 29 pacientes em desenho semelhante: um grupo recebia dose única de radiação, enquanto o outro recebia 24 Gy em seis frações. Mais uma vez, apesar do menor poder estatístico, nenhuma diferença no controle da dor foi reportada. Os campos de radiação atingiam até 250 cm2 de área, número bastante elevado considerando-se as técnicas de tratamento utilizadas na ocasião. Mais uma vez, ficava evidente a pertinência do tratamento em um único dia, uma vez que o efeito analgésico seria, assim, mais rapidamente alcançado10 (evidência 1ii Div). Apesar da já conhecida eficácia do tratamento com 8 Gy, Gaze et al., em estudo es- cocês publicado em 1997, randomizaram 280 pacientes como nos protocolos citados an- teriormente. A diferença era a dose aplicada em cada grupo de tratamento. Os pacientes tratados com dose única recebiam 10 Gy, enquanto, para os pacientes que recebiam tra- tamento fracionado, eram prescritos 22,5 Gy em cinco frações. Mais uma vez, nenhuma diferença de resultados foi observada, seja nos dados coletados pelos pacientes, seja nos dados coletados pelos médicos que eram os responsáveis pela aplicação do tratamento11 (evidência 1ii Div). O primeiro estudo norte-americano a analisar o problema descrito acima, com dese- nho semelhante, foi publicado somente no ano de 2005. Exatamente como Price et al., os pacientes foram randomizados para receber 8 Gy em dose única ou 30 Gy em 10 frações. Somente eram admitidos pacientes com tumores de próstata ou mama, que são os mais frequentes e também aqueles com os quais os pacientes apresentam maior sobrevida glo- bal depois do diagnóstico de doença disseminada.4 O nível de dor era avaliado três meses após a irradiação. Foram incluídos quase 900 doentes (455 no braço da dose única e 433 no braço do tratamento fracionado) e, mais uma vez, nenhuma diferença, seja no tocante ao alívio da dor, seja no que se refere aos efeitos colaterais agudos advindos do tratamen- to, foi observada. E, muito importante, não houve diferenças na taxa de toxicidade após largo prazo de seguimento12 (evidência 1ii Div). Capítulo 48.2 • RADIOTERAPIA NO TRATAMENTO DA DOR ONCOLÓGICA: METÁSTASES ÓSSEAS 765 Como se viu, há muita pouca variabilidade entre os estudos. Até 2012, um total de 22 desses protocolos incluíram mais de 5.000 pacientes. Todos, uniformemente, tiveram resultados similares no que concerne ao alívio da dor, duração do alívio da dor, qualidade de vida e sobrevida global: o resultado independe do esquema de fracionamento utiliza- do (dose única ou tratamentos fracionados), conforme síntese verificada em metanálise publicada no ano de 200713 e, posteriormente, atualizada.7 Esses estudos mostraram que há poucos motivos, se houver, para a aplicação de tratamentos prolongados ocupando ex- tensão relevante do restante da vida desses indivíduos.14 Uma das situações que justificaria um tratamento fracionado é quando há presença de dor neuropática. Dor geralmente é o resultado da ativação de vias aferentes nociceptivas por algum estímulo danoso.15 Define- se como dor neuropática aquela que se desenvolve como consequência de uma lesão ou patologia que afeta as vias somatossensoriais do sistema nervoso central ou periférico.16 É uma entidade heterogênea, com grande gama de sintomas possíveis.17 Atinge de 15% a 25% dos pacientes com lesões metastáticas ósseas e demanda uma prescrição analgésica diferenciada (gabapentina, por exemplo), exigindo do médico assistente uma elevada acu- rácia diagnóstica, que resultará em tratamento específico mais efetivo.18,19 O mecanismo por meio do qual a radioterapia leva a um alívio sintomático da dor proveniente de lesões metastáticas ósseas é pouco conhecido. Mas é razoável supor que, quando há um com- ponente neuropático, é possível que maiores doses de radiação (que pode significar maior quantidade de dias de tratamento) sejam necessárias, uma vez que há compressão neural, provavelmente advinda de extensão da lesão para além do tecido ósseo propriamente dito, atingindo tecidos moles ao redor. Algum efeito antitumoral, mais do que o efeito anti-inflamatório, faz-se, teoricamente, necessário.20 Dado esse questionamento clinicamente relevante, Roos et al. propuseram um estudo prospectivo e randomizado em que se comparava a irradiação em dose única (8 Gy) com a estratégia que envolve cinco dias de tratamento (20 Gy em cinco frações) em pacientes com diagnóstico de lesão metastática óssea e dor neuropática. Era um estudo de não infe- rioridade e objetivava-se comprovar (ou não) a segurança do tratamento, também desses pacientes, com dose única de radiação. Em um período de seis anos, iniciado em 1996, foram incluídos 272 enfermos. Ao final, observou-se uma ligeira melhor resposta, ainda que sem significância estatística, nos pacientes tratados com cinco dias de radiação (61% vs. 53%, p = 0,18). Os autores concluíram, então, que não se pode garantir que não haja inferioridade, no cenário clínico descrito, com a aplicação de dose única. Embora tam- pouco setenha demonstrado, provavelmente pelo número insuficiente de pacientes, que esse seja um tratamento comprovadamente inferior20 (evidência 1ii Div). Estaria, então, determinado o único subgrupo de pacientes em que havia alguma evidência de que o tratamento fracionado (no máximo, cinco dias de tratamento) poderia ter alguma utilidade. É interessante observar que, em investigação efetuada pelo mesmo autor, era justamente a presença de componente neuropático que aumentava a frequência da prescrição de dose única entre médicos rádio-oncologistas australianos e neozelande- ses.21 Nota-se, em defesa dos entrevistados, que essa investigação foi feita anteriormente à publicação dos resultados do estudo randomizado supracitado. De acordo com apuração recente efetuada nos Estados Unidos, apenas 3,3% dos pacientes com diagnóstico de neoplasia de próstata e beneficiários do Medcare foram tratados com dose única de radioterapia,22 com reembolso, em 2003, de 630 dólares americanos. Por outro lado, mais de 50% dos pacientes foram tratados com 10 ou mais DIRETRIZES ONCOLÓGICAS766 aplicações, ao custo, no mesmo ano, de pelo menos 2.221 dólares por paciente.23 Em estudo anterior, também com médicos americanos, e dessa feita referindo-se a qual- quer paciente com diagnóstico de metástase óssea (e não somente àqueles com tumores de próstata), Ben-Josef et al. chegam a números semelhantes: somente 4% dos médicos prescreviam tratamentos em dose única. Os tratamentos mais alargados eram mais fre- quentemente prescritos pelos médicos cuja prática era predominantemente privada ou que atuavam na especialidade desde antes do ano de 1982,24 quando foi publicado o primeiro estudo mostrando equivalência dos diversos esquemas de fracionamento.8 Por outro lado, em países onde o pagamento do tratamento se dá de maneira independente do número de sessões (mas de acordo com o diagnóstico, como Canadá ou Noruega), aproximadamente 40% dos pacientes são tratados com dose única de radiação,6 embora alguma diminuição desse número tenha sido notada posteriormente entre os médicos canadenses, que, apesar de não privilegiarem o esquema mais frequente entre os norte-a- mericanos (10 frações), majoritariamente preferem um esquema de tratamento dividido em cinco dias (72%).25 Curiosamente, na Bélgica, o sistema de pagamento dos tratamentos de radiação foi mudado daquele baseado no número de frações para um valor único por diagnóstico, no ano de 2001. Em seguida, observou-se aumento relevante das prescrições de dose única de radiação. Antes do ano de 2001, nenhum paciente recebeu 8 Gy em uma única fração e mais de 80% dos pacientes recebiam 30 Gy em 10 frações (duração de duas semanas), enquanto, após a relatada mudança, 25% dos pacientes passaram a ser tratados com dose única e apenas 47% dos pacientes receberam 10 frações de radiação, uma vez diagnosti- cados com metástases ósseas dolorosas. Os autores desse estudo acreditam que a mudança de padrão indica claramente que o reembolso vinha ditando a conduta dos médicos, em vez do julgamento clínico e em detrimento do conforto dos pacientes.26 No Brasil, em estudo semelhante, esse autor também observou o mesmo padrão de mudança da prescrição da radiação, após mudança da forma de remuneração em uma operadora de saúde, localizada em uma cidade de porte mediana, no sudoeste do país. Ali, enquanto a remuneração baseava-se no número de frações aplicadas, apenas 3% dos pacientes foram tratados com dose única de radiação, porém, após a implementação do pagamento baseado no diagnóstico (que era independente do número de frações de ra- dioterapia aplicada), 49% passaram a receber essa modalidade de tratamento.27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Nielsen OS, Munro AJ, Tannock IF. Bone metastases: pathophysiology and management policy. J Clin Oncol. 1991;9(3):509-24. 2. McDougall JA, Bansal A, Goulart BH, McCune JS, Karnopp A, Fedorenko C, et al. The Clinical and Economic Impacts of Skeletal-Related Events Among Medicare Enrollees With Prostate Cancer Metastatic to Bone. Oncologist. 2016;21(3):320-6. 3. Mundy G. Mechanisms of bone metastasis. Cancer. 1997;80(8 Suppl):1546-56. 4. Instituto Nacional de Cancer (Inca). Incidência de Câncer no Brasil: Estimativas 2016. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/wcm/dncc/2015/estimativa-2016.asp>. Acesso em: 18 set. 2017. 5. 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J Med Ethics. 2017: p. in press. 769 Capítulo 48.3 MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO Suelen Medeiros e Silva FATOR EPIDEMIOLÓGICO Dos pacientes com câncer em estágio avançado, 70% a 80% apresentam dor mo- derada ou intensa decorrente de múltiplas causas.1,4 Além da contribuição do manejo de dor para a melhoria da qualidade de vida, há cada vez mais evidências de aumento da sobrevida em consequência do controle de sintomas.3 A abordagem para alívio da dor é essencial, tanto associada ao tratamento anti- tumoral quanto em condições de lesões incuráveis e fora de proposta modificadora de doença. Este capítulo tem como enfoque a discussão sobre o tratamento farmacológico e não farmacológico, que pode ser utilizado com ou sem o tratamento modificador de doença (quimioterapia, imunoterapia, anticorpos monoclonais, radioterapia, cirurgia), a depender da avaliação clínica. FISIOLOGIA DA DOR ONCOLÓGICA O crescimento desordenado de células neoplásicas pode resultar em elementos nociceptivos, neuropáticos, inflamatórios e isquêmicos que induzem a dor oncoló- gica.20 Os fenômenos periféricos ocorrem como consequência da sensibilização de neurônios aferentes primários pelos mediadores inflamatórios liberados. Além disso, existem mecanismos centrais (espinhais e supraespinhais) que podem afetar a sensa- ção dolorosa. A dor pode ser provocada pela ação direta do tumor (por exemplo, relacionada à in- vasão tumoral) ou relacionada ao tratamento (por exemplo, mucosite pela quimioterapia e radioterapia). Para tratamento adequado, é essencial uma avaliação minuciosa. DIRETRIZES ONCOLÓGICAS770 AVALIAÇÃO DA DOR Todos os pacientes devem ser questionados sobre a presença de dor. Quando encon- trada, é essencial a caracterização minuciosa da queixa. A seguir, destacamos os pontos mais importantes a serem esmiuçados na anamnese: � Temporalidade: Há quanto tempo começou? Vem piorando ou melhorando? Apresenta-se em algum período preferencialmente? É contínua ou aparece às vezes? É constante ou com períodos de piora? � Localização: Onde a dor se situa preferencialmente? Você consegue mostrar exatamente onde ela está, ou é de difícil localização? É superficial ou profunda? Apresenta alguma irradiação? � Descrição: Como você a caracterizaria? Em queimação, pontada, cólica, aperto, facada, sensação de difícil definição? Apresenta-se com períodos de paroxismo? � Intensidade: Em uma escala de zero a dez, na qual zero é ausência de dor e dez é a pior dor (Escala Analógica Visual – EVA), qual pontuação você daria? Quantos pontos tem a sua menor dor? E a maior dor? � Limitação e incapacitação: A dor o limita ou incapacita para alguma atividade? � Fatores de piora ou melhora: Há algum fator desencadeante? Algum fator de melhora? Algum fator de piora? Apresenta relação com a movimentação? � Reflexo na qualidade de vida: A dor reflete nas suas relações pessoais? Reflete na sua produtividade no trabalho? Reflexe na sua qualidade do sono? � Tratamentos prévios? Quais medicamentos já usou ou está usando? Qual foi o efeito analgésico? Quais foram os efeitos colaterais? � Demais fatores associados: presença de alterações tróficas, edema local, hipere- mia, alterações motoras, febre. Com anamnese e exame clínico adequados, é possível estabelecer o diagnóstico etio- lógico e sindrômico, fato essencial para o adequado manejo terapêutico. TRATAMENTO DA DOR O tratamento da dor deve possibilitar, além do alívio da dor e do sofrimento ineren- te, o retorno do paciente às suas atividades de vida. Para isso, deve englobar uma aborda- gem multidisciplinar que envolva educação, tratamento farmacológico, medicina física, ocupacional e comportamental. É importante a participação da rede familiar e social de apoio no tratamento, no sentido de compreender a patologia e a base fisiológica da dor crônica, assimilar as expectativas referentes ao tratamento e evitar restrições excessivas ou demandas inadequadas ao paciente com dor crônica.2 Para a escolha adequada dos medicamentos, além da caracterização minuciosa da dor, é necessário o conhecimento sobre o paciente como função renal e hepática, suscetibilidades individuais, experiências prévias com certos medicamentos, comorbi- dades concomitantes. Capítulo 48.3 • MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO 771 Tratamento farmacológico O uso adequado de analgésicos é crucial para o tratamento da dor oncológica. Como auxílio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu em 1998 uma escada de três degraus, em que a escolha do analgésico seria determinada pela intensidade da dor (Figura 48.1).5 Vale reforçar que tal escada é somente uma sugestão, pois o julgamento clínico deve ser o guia primordial na escolha terapêutica. Os medicamentos cuja ação clínica primária é o alívio da dor são convencional- mente classificados de acordo com sua atividade nos receptores opioides em analgésicos opioides e não opioides. Uma terceira classe, chamada de adjuvantes, é formada por medicamentos com outras indicações primárias, mas que podem ser analgésicos efetivos em circunstâncias específicas.7 Opioide forte Opioide fraco* Não opioide Leve EVA 1 – 3 Moderada EVA 4 – 7 Intensa EVA 8 – 10 A D J U V A N T E S Figura 48.1. Escada da OMS (adaptada). EVA: Escala Analógica Visual. * alternativa = opioide forte em dose baixa. No tratamento da dor leve (Figura 48.1), analgésicos não opioides como AINEs (anti-inflamatórios não esteroides), paracetamol e dipirona são amplamente utilizados. Os anti-inflamatórios apresentam efeitos anti-inflamatório, analgésico e antipiréti- co. O efeito analgésico está relacionado à redução da produção de prostaglandinas, re- sultante da inibição da isoenzima COX, classificadas em COX-1, COX-2, COX-3, de acordo com local de expressão principal, funções fisiológicas e fisiopatológicas, produção de prostaglandinas constitucionais e de prostaglandinas responsáveis pela atividade infla- matória.7 É da diferenciação entre qual isoforma da COX é inibida que se correlacionam tanto os efeitos terapêuticos quanto os efeitos adversos. Geralmente são indicados no contexto do controle da dor aguda e de dor crônica por curto tempo. Seu uso deve ser monitorado e revisado periodicamente pelos efeitos co- laterais, como sangramento gastrointestinal, disfunção plaquetária e insuficiência renal.9 A seguir, alguns representantes e suas posologias sugeridas. Inibidores não seletivos (COX-1 e COX-2) Cetorolaco 10 mg VO a cada 6h; 15 a 30 mg IV ou IM de 6/6 Cetoprofeno 50-75 mg VO a cada 6-8h; 100 mg IV ou IM de 12/12h Diclofenaco 50-75 mg VO a cada 8h ou 75 mg IM de 12/12h Ibuprofeno 400-800 mg a cada 6-8h DIRETRIZES ONCOLÓGICAS772 Inibidores seletivos COX-2 Meloxicam 7,5-15 mg/dia VO Celecoxibe 200-400 mg/dia VO de 12/12h Parecoxibe 40 mg; dose máxima diária: 80 mg; VO, IV ou IM O paracetamol é outro fármaco eficaz para o tratamento da dor leve. Apresenta ação analgésica e antipirética. Estudos reforçama teoria que explica uma ação semelhan- te à dos demais AINEs, por meio da inibição seletiva da COX-3.7 Diferente dos demais AINEs, não apresenta atividade anti-inflamatória e efeito cardiorrenal ou gastrointestinal. Não possui índice terapêutico amplo, pois não permite o uso de doses elevadas pelo risco de hepatotoxicidade dose-dependente. Dose recomendada para adultos (VO): 500 a 1.000 mg de 4 em 4 horas até de 6 em 6 horas. Doses superiores a 1,4g por dia aumentam o risco de insuficiência renal em pacientes com doença sistêmica ou renal preexistente.10 A dipirona é um potente analgésico amplamente empregado na América Latina e na Europa para alívio da dor aguda e crônica. Além de analgesia, ela apresenta propriedades antitérmica, antiespasmódica e pequena atividade anti-inflamatória. O mecanismo de ação permanece não totalmente elucidado, mas parecem coexistir mecanismos centrais e periféricos.2 Alguns autores avaliaram os efeitos bioquímicos e farmacológicos sobre a cascata do ácido araquidônico e verificaram a inibição de prostaglandinas.11 Dose analgésica recomendada para adultos (VO ou EV – endovenosa): 1,5 a 2g de 6 em 6 horas. � Opioides Os opioides são os medicamentos mais importantes para o controle da dor onco- lógica,2 tanto no contexto de dor aguda quanto no de dor crônica. Podem ser naturais, semissintéticos e sintéticos, e apresentam ação em receptores presentes no sistema nervoso central e no sistema nervoso periférico: µ (um), δ (delta) e κ (kappa). É importante ressaltar alguns pontos no uso dos opioides: A tolerância é previsível: Dessensibilização dos receptores, com perda progressiva de sua função sob a exposição contínua de um agonista. Ocorre inicialmente para efeitos colate- rais (exceto constipação) e, depois, para efeitos analgésicos, o que pode ser abordado com o aumento da dose ou rotação; Avaliar a rotação de opioides: Pode ser aventada em caso de analgesia insuficiente quando o aumento da dose gerar efeitos colaterais intoleráveis. Usar para isso tabelas de doses equianalgésicas; Orientações quanto aos efeitos colaterais: Náuseas, vômitos, sonolência e prurido são es- perados e normais no início ou com o aumento da dose. Se pouco intensos, devem ser orientados e aguardar melhora, que acontece em cerca de 7 a 10 dias. Se em grande mon- ta, a dose deve ser reduzida ou deve ser discutida a rotação para outra classe de opioide. Depressão respiratória é um efeito colateral potencialmente letal; nesse caso, deve ser aventada a necessidade de antagonistas (naloxona); Capítulo 48.3 • MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO 773 Sempre prescrever laxantes associados a mudanças dietéticas: Diferente dos outros efeitos colaterais, a constipação não melhora com o tempo, por isso sempre deve ser tratada com laxantes; Estabelecer dose de resgate: Sempre prescrever dose extra (equivalente de 1/6 a 1/10 da dose diária) com opioides de liberação rápida. No segundo degrau da escada da OMS, os medicamentos do primeiro degrau são associados aos opioides fracos (codeína e tramadol). Há várias controvérsias em relação à eficácia da combinação de opioides fracos em comparação ao uso isolado de analgésicos não opioides.12 Assim, muitos autores sugerem a abolição do segundo degrau da escada analgésica da OMS, a favor do uso precoce de opioides fortes em doses baixas.13,14 A codeína (agonista fraco dos receptores µ, δ e κ) possui afinidade por recepto- res opioides 200 vezes menor que a morfina, com consequente menor efeito analgé- sico.16 Cerca de 10% da população não têm analgesia ou têm analgesia fraca com a codeína, por não possuírem a isoforma da enzima hepática citocromo P-450, neces- sária para o seu metabolismo.15 Tem bom efeito antitussígeno. A constipação é um efeito colateral prevalente. Dose recomendada para adultos (VO): 30 a 60 mg de 4 em 4 horas até de 6 em 6 horas. Dose máxima de 360 mg por dia. Deve ser evitada na insuficiência renal e hepática. O tramadol (agonista misto fraco µ, δ e κ) exerce sua atividade opioidérgica de- corrente da ação de seus metabólitos. Apresenta ação antidepressiva por agir em outros receptores, com aumento da liberação de serotonina e inibição da recaptação de noradre- nalina. Náuseas e vômitos são os principais efeitos colaterais. Dose recomendada para adultos (VO): 50 a 100 mg de 4 em 4 horas ou de 6 em 6 horas. Dose máxima de 400 mg por dia. Deve ser evitado na insuficiência renal e hepática. Apresentação VO, EV, subcutânea e peridural. A morfina (agonista forte µ, δ e κ) é o medicamento mais utilizado dessa classe.17 A biodisponibilidade da via oral é baixa. Por não apresentar dose-teto, o limite da dose é aquele que proporciona melhor controle álgico e menor efeito colateral. Dose recomendada para adultos (VO): iniciar com 5 mg de 4 em 4 horas e ajustar conforme analge- sia e efeitos colaterais. Deve ser usada com cautela na insuficiência renal e hepática – avaliar espaçamento das doses. Apresentação VO, EV, subcutânea, peridural e retal. A oxicodona apresenta afinidade superior por receptor δ do que pelos receptores µ e κ. Induz analgesia sem necessidade de metabólito prévio. No Brasil, é disponibilizada a oxicodona de liberação controlada, cuja absorção é bifásica (38% em 0,6 hora e 62% em 6,9 horas).15 Dose recomendada para adultos (VO): 10 a 30 mg de 8 em 8 horas até de 12 em 12 horas. Pode ser administrada na insuficiência renal e hepática com cautela. Apresentação VO. A metadona apresenta farmacodinâmica complexa, por meio da ação agonista sobre os receptores µ e antagonista de receptores N-metil-D-aspartato (NMDA).15 Observa-se o sinergismo dessas várias propriedades da metadona, o que confere a ela eficácia maior que a da morfina. Geralmente é o opioide de escolha quando há componente de dor neuropática. Apresenta meia-vida longa e imprevisível, que varia de 8 a 80 horas.7 Pode ser usada na insuficiência renal, pois não produz metabólitos ativos. DIRETRIZES ONCOLÓGICAS774 Dose recomendada para adultos (VO): iniciar com 2,5 mg em duas tomadas e ajustar conforme analgesia e efeitos colaterais. O ajuste deve ser realizado devagar pela meia-vida imprevisível. Uso seguro na insuficiência renal. Na insuficiência hepática, deve ser usada com cautela. A fentanila (intravenosa e transdérmica) é 75 a 125 vezes mais potente que a morfi- na. Pode ser empregada pela via venosa, peridural, subaracnóidea e transdérmica. Com relação à fentanila transdérmica pode ser considerada quando o paciente está em tera- pia com opioide com dor constante, porém com pouca dor episódica. Geralmente leva 24 horas para analgesia, com início 12 horas após a colocação. Cada adesivo tem ação de 72 horas. Pode ser usado em pacientes com insuficiência renal e em diálise. É o opioi- de que menos provoca constipação intestinal. Dose recomendada no adulto (transdérmico): iniciar somente quando houver dor contínua controlada, com dose equivalente à do opioide de uso contínuo, ou iniciar com outro opioide de ação rápida, e manter os dois em associação pelo menos nas primeiras 24 horas. De apresentação em 12,5, 25, 50 e 100 mcg. Pode ser usado na insuficiência renal e hepática. A buprenorfina (transdérmico no Brasil) é um agonista parcial dos receptores µ e antagonista dos receptores κ. Em dose baixa, possui potência analgésica 25 a 30 vezes superior à da morfina, mas o efeito analgésico se limita pelo agonismo parcial. Em doses elevadas, funciona como antagonista µ, que limita a analgesia. Pela dupla ação – agonis- ta-antagonista –, apresenta menor grau de tolerância e menor incidência de depressão respiratória e de dependência física.7 � Analgésicos adjuvantes Conforme indicado na Figura 48.1, os medicamentos adjuvantes podem ser utili- zados em todos os degraus da escada, com o objetivo de aumentar o controle da dor e reduzir a dose de analgésicos necessária (com consequente redução dos efeitos colaterais).6 São eles: antidepressivos, relaxantes musculares, benzodiazepínicos,corticosteroides, capsaicina, lidocaína tópica, clonidina, calcitonina e cetamina. A descrição minuciosa de cada classe de coadjuvantes foge do objetivo principal deste capítulo. Porém, apresentamos as doses recomendadas e algumas considerações dos principais fármacos adjuvantes a seguir. Adjuvantes principais Principais antidepressivos (todos via oral)5,16 Tricíclicos Amitriptilina: 25 a 75 mg/d, até 150 mg/d Nortriptilina: 25 a 150 mg/d Imprimida: 10 a 75 mg/d Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina Duloxetina: 30 a 120 mg/d Venlafaxina: 75 a 225 mg/d (no idoso, iniciar com 37,5 mg/d) Desvenlafaxina: 50 a 100 mg/d Menos efeitos anticolinérgicos e risco cardiovascular que os tricíclicos. Inibidores da recaptação de serotonina Sertralina: 50 a 200 mg/d Paroxetina: 10 a 20 mg/d Citalopram: 10 a 20 mg/d Escitalopram: 10 a 20 mg/d Fluoxetina: 10 a 80 mg/d Capítulo 48.3 • MANEJO DA DOR NO PACIENTE ONCOLÓGICO 775 Principais anticonvulsivantes19 Gabapentina 300 a 900 mg/d inicialmente divididos em três tomadas, até 3,6 g/d Quando bem tolerada, não requer monitorização sérica. Pregabalina 75 a 300 mg/d inicialmente, em uma tomada ou divididos em duas tomadas, até 600 mg/d Características semelhantes à da gabapentina, porém mais potente e com melhor biodisponibilidade. Topiramato 25 mg/d até 600 mg/d, divididos em duas tomadas Inibe canais de sódio, aumenta a atividade do GABA (ácido gama-aminobutírico) e inibe receptores NMDA. Lamotrigina 25 a 50 mg/d em duas tomadas, até 400 mg/d Carbamazepina 100 a 200 mg/d em duas a quatro tomadas, até 1,6 g/d Pode causar síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH) e hepatite. Fenitoína 300 mg/d em duas tomadas, até 500 mg/d Outros coadjuvantes15 Corticoides Dexametasona 4 a 20 mg/d VO, EV, SC ou retal Metilprednisolona 30 a 50 mg/d VO ou EV Pode-se iniciar em dose alta e suspender de forma abrupta caso não ocorra melhora em 2 dias. Se houver benefício, reduzir a dose para mínima eficaz e usar por curto tempo. Efeitos adversos (uso de > 20 mg/d de prednisona por > 3 semanas): hiperglicemia, psicose, miopatia, osteoporose, úlcera péptica, catarata e síndrome de Cushing. Neurolépticos Haloperidol 2 a 5 mg VO, EV ou SC duas a três vezes ao dia Clorpromazina 2 a 100 mg/d VO ou EV – maior efeito sedativo Alteram a percepção de dor. Ação ansiolítica, antiemética e sedativa. Alfa-2-adrenérgicos agonistas Clonidina Dexmedetomidina Efeito tanto na dor nociceptiva quanto na dor neuropática. Miorrelaxantes Baclofeno 5 a 90 mg/d, divididos em três tomadas Ciclobenzaprina 5 a 30 mg/d, divididos em três tomadas Benefício para síndromes miofasciais e para espasticidade (baclofeno). Anestésicos locais Lidocaína local e infusão Bloqueador de NMDA Cetamina EV ou SC Bisfosfonatos Alendronato Pamidronato Ácido zolendrônico Redução das fraturas patológicas, do aparecimento de novas metástases ósseas e da hipercalcemia. Tratamento não farmacológico3,7 O conceito de dor total deve ser considerado como o caso em que o paciente pode ter dor física influenciada por fatores emocionais, sociais e espirituais, com tratamento que engloba a multidisciplinariedade com equipes de profissionais capacitados em espe- cialidades diferentes e que se comunicam entre si. DIRETRIZES ONCOLÓGICAS776 Modalidades físicas Órteses e próteses Instruções quanto ao posicionamento Programa de atividade física Estimulação elétrica transcutânea (TENS) Termoterapia Cinesioterapia Infiltração de pontos-gatilho Agulhamento seco Hidroterapia Magnetoterapia Relaxamento Massoterapia Modalidades cognitivas Meditação Hipnose Musicoterapia Psicoterapia Técnicas de relaxamento Tratamento neurocirúrgico da dor18 Está indicado nos casos refratários aos procedimentos farmacológicos, bloqueios anestésicos, procedimentos psicoterápicos e fisiátricos. Procedimentos neuroablativos Neurotomias Simpatectomia Cordotomia Neurólise do plexo celíaco Simpatectomia do gânglio estrelado Cirurgia do comportamento (hipotalamotomia posteromedial, congulotomia, capsulotomia anterior) Lesão do trato de Lissauer e do corno posterior da medula espinal Neurectomia pré-sacral Mielotomia Tálamo-mesencefalotomia Rizotomia Hipofisectomia Procedimentos neuromodulatórios Estimulação elétrica do sistema nervoso Estimulação do sistema nervoso periférico Estimulação do sistema nervoso central Dispositivos para administração de fármacos analgésicos no sistema nervoso central (cateter com compartimento peridural ou subaracnóideo espinal ou ventricular encefálico) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Instituto Nacional de Câncer (Inca). Incidência de câncer no Brasil: estimativa 2016. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/index.asp?ID=2>. Acesso em: 18 set. 2017. 2. Cangiani LM, Carmona MJC, Torres MLA, Bastos CO, Ferez D, Silva ED, et al. 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O tratamento tem impacto importante na qualidade de vida dos pacientes e contro- le do número de transfusões de concentrados de hemácias.1-3,8,10 Alguns estudos investigam a utilização do hipofracionamento de dose, mas sugerem tal abordagem apenas em pacientes com menos sobrevida, menor de 3 meses.3 No câncer de bexiga, porém, observou-se melhores resultados, sem elevação de toxicidade, com uti- lização de doses hipofracionadas. Encontrou-se resposta de cerca de 70% para controle de hematúria.11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Pereira J., Phan T. Management of bleeding in patients with advanced cancer. Oncologist. 2004;9(5):561-70. 2. Cihoric N, Crowe S, Eychmüller S, Aebersold DM, Ghadjar P. Clinically significant bleeding in incurable cancer patients: effectiveness of hemostatic radiotherapy. Radiat Oncol. 2012 Aug 3;7:132. doi: 10.1186/1748-717X-7-132. 3. Kondoh C, Shitara K, Nomura M, Takahari D, Ura T, Tachibana H, et al. Efficacy of palliative radiotherapy for gastric bleeding in patients with unresectable advanced gastric cancer: a retrospective cohort study. BMC Palliat Care. 2015 Aug 4;14:37. 48.4 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS780 4. Bleehen NM, Girling DJ, Machin D, Stephens RJ: A Medical Research Council (MRC) randomised trial of palliative radiotherapy with two fractions or a single fraction in patients with inoperable non-small-cell lung cancer (NSCLC) and poor performance status. Br J Cancer 1992, 65:934-41. 5. Langendijk JA, Ten Velde GPM, Aaronson NK, De Jong JMA, Muller MJ, Wouters EFM: Quality of life after palliative radiotherapy in non-small cell lung cancer: A prospective study. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2000, 47:149-55. 6. Kim DH, Lee JH, Ki YK, Nam JH, Kim WT, Jeon HS, et al. Short-course palliative radiotherapy for uterine cervical cancer. Radiat Oncol J. 2013 Dec;31(4):216-21. 7. Din OS, Thanvi N, Ferguson CJ, Kirkbridge P: Palliative prostate radiotherapy for symptomatic advanced prostate cancer. Radiother Oncol 2009, 93:192-6. 8. Yan J, Milosevic M, Fyles A, Manchul L, Kelly V, Levin W. A hypofractionated radiotherapy regimen (0-7-21) for advanced gynaecological cancer patients. Clin Oncol 2011, 23:476-81. 9. Hashimoto K1, Mayahara H, Takashima A, Nakajima TE, Kato K, Hamaguchi T, et al. Palliative radiation therapy for hemorrhage of unresectable gastric cancer: a single institute experience. J Cancer Res Clin Oncol. 2009 Aug;135(8):1117-23. 10. Verheij M, Dewit LG, Boomgaard MN, Brinkman HJ, van Mourik JA: Ionizing radiation enhances platelet adhesion to the extracellular matrix of human endothelial cells by an increase in the release of von Willebrand factor. Radiat Res 1994, 137:202-7. 11. Srinivasan V, Brown CH, Turner AG: A comparison of two radiotherapy regimens for the treatment of symptoms from advanced bladder cancer. Clin Oncol (R Coll Radiol) 1994, 6:11-3. 781 Capítulo ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL Juciléia Rezende Souza Isabella Barros Rabelo Gontijo Carolina de Souza Custódio Clarissa Hoffman Irala Cristina Lemos Barbosa Furia Keyla de Paula Barbosa Leticia Meda Vendrusculo-Fangel Liana Barbaresco Gomide Matheus Liana Zaynette Torres Junqueira Rafaela Paes Marques Yara Helena De Carvalho Paiva Ribeiro Augusto José Honório de Almeida Cláudia Arminda Corrêa 48.5 Mais do que uma modalidade de tratamento, o cuidado paliativo simboliza a ma- nifestação da cultura de cuidado integral e humanizado em todas as fases vivenciadas pelos pacientes diagnosticados com câncer. Em virtude dos benefícios dessa abordagem, a ASCO (Sociedade Americana de Oncologia Clínica) recomenda que os pacientes recém-diagnosticados com câncer avançado comecem os primeiros cuidados paliativos dentro de oito semanas após o diagnóstico.1 Atualmente, a oncologia apropriou-se do cuidado de suporte precoce implementado desde o momento do diagnóstico e outras modalidades de cuidados também podem ser consideradas, como o cuidado paliativo complementar, predominante e exclusivo. Isso dependerá do status de performance do pa- ciente, estadiamento da doença e do repertório da equipe de cuidados paliativos. O principal objetivo é a promoção de qualidade de vida global, sendo necessário o desenvolvimento de ações que minimizem o impacto do adoecimento nos domínios físico DIRETRIZES ONCOLÓGICAS782 e psicológico; nível de independência; relações sociais; funcionalidade em seu ambiente; aspectos espirituais, religião e crenças pessoais.2 Para isso é necessário profissionais de diferentes áreas atuando de forma integrada. Nesse cenário, também é essencial aprimo- rar a comunicação em equipe e, como salienta Perdicaris,3 abandonar a hierarquização das relações e a postura solitária no momento da tomada de decisão. Deve-se priorizar ações solidárias que permitam o compartilhamento de responsabilidades e resultados, mantendo uma visão compartilhada das estratégias assistenciais que serão desenvolvidas para cada paciente. A respeito da organização da rotina de suporte em cuidados paliativos, deve-se in- corporar momentos para discussão de casos e planejamento terapêutico em equipe mul- tidisciplinar. Os campos de aplicação são enfermarias, ambulatórios e suporte domiciliar, e cada espaço contém características e recomendações específicas. Para o contexto de enfermarias, o modelo assistencial mais utilizado são grupos con- sultores compostos por especialistas em cuidados paliativos que atuam em conjunto com a equipe assistente na construção do plano de cuidados. Esse grupo deve ser composto minimamente por: um(a) médico(a); um(a) enfermeiro(a); um(a) psicólogo(a); um(a) as- sistente social. Quando disponível, deve-se ampliar o rol de profissionais que atuam em parceria com essa equipe, incluindo: nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, farmacêuticos, entre outros.4 Para assistência ambulatorial, indica-se uma equipe nuclear mais completa: médico, enfermeira, psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista e assistente social.4 É ainda, crescente, o ingresso de capelães, musicoterapeutas e profis- sionais de práticas integrativas nas equipes de cuidados paliativos, ampliando as possibi- lidades terapêuticas e fortalecendo a integralidade do cuidado. A seguir, encontram-se descritos os papéis de diferentes áreas em cuidados paliativos. SERVIÇO SOCIAL Várias são as funções que o assistente social assume dentro da equipe multidisci- plinar de cuidados paliativos. Para efetivação de seu trabalho e a construção do plano de intervenção, o profissional deve efetuar captação exaustiva de informações sobre a situação do paciente e de familiares/cuidadores lançando mão do diagnóstico social.5 No hospital geral, tais informações também irão subsidiar ações como a preparação da alta e continuidade dos cuidados domiciliares. São profissionais que utilizam metodologias assistenciais com o objetivo de capacitar os usuários para a gestão do próprio cuidado e satisfação de suas necessidades.6 Buscam e orientam pacientes e cuidadores para que auxiliem na construção da articulação e/ou cooperação entre recursos de diferentes esferas (pública; privada lucrativa ou não lucrati- va; formal ou informal), priorizando recursos próximosao local de residência e a manu- tenção do bem-estar, de comportamentos proativos e da autonomia. Os assistentes sociais devem informar os pacientes e seus familiares sobre todos os direitos, deveres e benefícios presentes nas políticas sociais em vigor, como também tra- balhar na perspectiva da efetivação e acesso aos recursos que podem contribuir para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares. Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 783 O papel do assistente social não se resume ao acolhimento e admissão do paciente, ao planejamento de alta, à promoção de condições de mobilidade e à articulação interins- titucional e intersetorial. O profissional também tem papel fundamental no fortalecimen- to da autoestima e da sua autonomia, no favorecimento da adaptação e na melhoria da sua condição psicossocial geral.7 Para tal, o assistente social precisa estar preparado para lidar com: o processo de finitude; episódios de violência; situações de negligência; reações emocionais negativas; e demais alterações desencadeadas após tomada de conhecimento sobre o diagnóstico de terminalidade, ou pela morte do ente querido quando o foco de atenção se volta apenas aos familiares. Faz parte também de suas funções promover a atuação em equipe multidisciplinar e a comunicação equipe-usuário, sendo importante suporte para implementação de planos de cuidado e contribuindo para o bem-estar psicossocial e autonomia do paciente.8 O assistente social possui um conjunto de ferramentas que possibilitam responder às mais variadas demandas e necessidades demonstradas pelos usuários. ENFERMAGEM Enfermagem em cuidados paliativos pode ser compreendida como uma assistência direcionada e qualificada técnico e cientificamente, ofertada a todos os pacientes grave- mente enfermos, mesmo quando não estão próximos da terminalidade.9,10 Neste contex- to, o principal foco de interesse são as necessidades manifestadas pelo paciente, sendo primordial o alívio do sofrimento e a garantia do cuidado, principalmente na presença de condições limitantes de vida.10 Neste contexto, faz-se importante ampliar a assistência de enfermagem para a rede de cuidado do paciente, incluindo a coletividade familiar, em especial àqueles por quem o paciente expressa maior afinidade e relação.10,11 Pela presença constante na rotina de cuidado e construção de uma relação de proximidade com o binômio paciente-família, em especial no fim de vida, a equipe de enfermagem consegue atuar como um elo de comunicação entre paciente-família e equipe interdisciplinar, ajudando na identificação de sofrimentos e angústias nem sempre manifestadas ou percebidas. Um enfermeiro bem treinado em cuidados paliativos tem uma visão holística sobre o cuidado, desenvolvendo habilidades para reconhecer necessidades psíquicas, físicas, socioculturais e espirituais, podendo então mobilizar recursos e organizar a assistência de modo a minimizar o im- pacto de um prognóstico delicado.9,10,11 Para o estabelecimento de uma relação de cuidado, baseada em confiança e parce- ria, há que se lançar mão de estratégias para escuta ativa, pessoal, direcionada e atenta às nuances reveladas durante todo o processo de assistência. A construção de cada plano de cuidado deverá levar em conta a individualidade do paciente, o respeito à sua autonomia e a garantia de que a assistência será, além de efetiva, exclusiva. Para tal, orienta-se a ma- nutenção de avaliações e registros diários, com utilização de instrumento para anamnese as quais conterão escalas como PPS, Edmond e EVA para priorização dos sintomas e consequente plano de manejo clínico, que favoreçam a descrição do quadro e o acompa- nhamento de sua evolução para ajuste do plano terapêutico.10,12 Entre as atividades específicas na assistência direta em enfermagem, estão as realiza- ções de procedimentos os quais serão estabelecidos após a avaliação clínica e levantamento DIRETRIZES ONCOLÓGICAS784 de necessidades manifestadas pelo paciente e família e percebidas pelo profissional. Reali- zação de sondagens, tais como: enteral para alimentação, gástrica para descompressão, ve- sicais para eliminação, poderão correr de forma ambulatorial ou em internação. Avaliação de feridas tumorais complexas, bem como o estabelecimento da melhor terapêutica para o manejo, será realizado pelo enfermeiro em conjunto com a equipe médica, objetivando qualidade de vida do paciente. Administração de medicações por vias parenterais, como a endovenosa e a subcutânea serão ponderadas, considerando características das medicações prescritas e a melhor via disponível para sua administração. A família participará dessa as- sistência, podendo ser treinada não só para a realização de algumas atividades assistenciais menos complexas, mas também para a movimentação do paciente, auxílio nas suas ativi- dades de autocuidado, controle das medicações administradas, registros de suas percepções sobre manifestações clínicas essenciais, para a avaliação dos procedimentos realizados, au- xiliando a equipe na revisão da assistência e planejamento de cuidados. Diante da complexidade do contexto, além do pensamento crítico e objetivo, será necessário ao profissional de enfermagem uma postura empática, verdadeiro diferencial para lidar com o momento no qual diferentes pessoas, com suas histórias de vida peculia- res, se percebem em processo de finitude. Tornar-se compassivo com as circunstâncias a serem enfrentadas, sem que seja retirada a autonomia do paciente e sua família, irá tornar a assistência mais íntima, ao mesmo tempo que irá possibilitar o suporte especializado e individualizado. Seja por parte da enfermagem ou dos demais profissionais que compõem a equipe interdisciplinar, todo cuidado deve estar baseado em evidências disponíveis sobre as melhores condutas e estratégias para promoção de alívio de diferentes tipos e níveis de sofrimento que os pacientes e seus familiares venham experimentar. Viver com o máximo de qualidade mesmo na iminência da terminalidade, sentir-se amparado e cuidado, são os sentidos do trabalho da enfermagem em cuidados paliativos. FISIOTERAPIA Dentro da equipe multiprofissional de atenção ao paciente em cuidado paliativo, o fisioterapeuta deve atuar de forma interdisciplinar, mantendo a comunicação frequente com a equipe, para junção das habilidades profissionais e construção das diretrizes do tratamento, a fim de assegurar atenção integral ao paciente. O paciente oncológico em cuidados paliativos pode apresentar diversas morbidades que afetam a funcionalidade, as tarefas habituais diárias e a qualidade de vida. A dor pode estar relacionada ao tratamen- to clínico, ao tumor ou ser decorrente do imobilismo, de alterações neuromusculoesquelé- ticas, posturas antálgicas e lesão por pressão. A fadiga associada ao câncer pode ser decor- rente de diversos fatores, entre eles os fisiológicos, que incluem a ocorrência de redução do desempenho físico e perda muscular. Além disso, o paciente pode apresentar alteração de sensibilidade, lesões por pressão, linfedema, compressão neural, restrição articular, constipação, dispneia, distúrbios do sono, entre outras complicações que prejudicam o bem-estar. Nesse sentido, a atuação fisioterapêutica nos cuidados paliativos objetiva ame- nizar esses sintomas, favorecer a funcionalidade e proporcionar melhor qualidade de vida. Um programa de fisioterapia composto por exercícios de membros superiores e in- feriores, técnicas de liberação miofascial e técnicas de facilitação neuromuscular proprio- ceptiva pode reduzir significativamente a fadiga e minimizar a dor, promovendo bem-es- tar geral em pacientes com câncer que recebem cuidados paliativos.13 O fisioterapeuta Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 785 também deve incluir, no programa de tratamento, a realização de exercícios resistidos e exercícios aeróbicos que proporcionamefeitos benéficos na melhora da força, fadiga, qualidade do sono e qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos.14 A realização de estimulação elétrica nervosa transcutânea,15 drenagem linfática manual,16 massoterapia,17 laserterapia,18 pilates,19 acupuntura20 e terapia complexa descongestiva21 também podem proporcionar melhora dos sintomas. Estudos têm demonstrado que a fisioterapia é segura e efetiva no manejo de pacientes em cuidados paliativos.13 FONOAUDIOLOGIA A maioria dos pacientes oncológicos em cuidados paliativos tem como doença de base câncer com topografias de cabeça e pescoço, trato gastrointestinal e respiratório, e é comum que apresentem alterações de respiração, alimentação/deglutição, fala/voz e audição, não somente pelo agravamento da doença, mas também como sequela do trata- mento de quimioterapia, radioterapia e/ou cirurgia.22 Por esse motivo, a inserção do fonoaudiólogo na equipe multidisciplinar de cuidados paliativos é extremamente importante. Encontra-se entre as competências desse profissio- nal, com respaldo da Lei no 6965, de 1981 e da Resolução no 348, de 2007 do Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa), intervir nas alterações de comunicação, em todos os seus aspectos, e nas demais funções do sistema miofuncional orofacial, como a deglutição, por meio de prevenção, avaliação, diagnóstico e terapia fonoaudiológica.23,24 Visando a qualidade de vida, a intervenção fonoaudiológica em cuidados paliativos pode maximizar a deglutição e preservar o prazer da alimentação por via oral com segu- rança. Para tal, utiliza-se de manobras posturais, manobras de proteção de vias aéreas, modificação da forma de oferta do alimento ou a restrição de consistências na dieta do paciente. Quando a via oral não é viável, por causar sofrimento e desgaste ao paciente, ou por proporcionar risco de penetração ou aspiração laringo-traqueal, o fonoaudiólogo pode sugerir, após avaliação clínica, o uso de vias alternativas de alimentação, levando em consideração uma série de aspectos, a discussão em equipe, a vontade do próprio paciente e de sua família.25 Por fim, para alguns pacientes a capacidade de se comunicar é uma das funções mais essenciais, tendo em vista que é por meio dela que o ser humano troca conhecimento, sentimentos e informa suas necessidades. Quando há risco de perda da capacidade de se comunicar, a equipe de fonoaudiologia realiza avaliação minuciosa e utiliza seus conhe- cimentos no sentido de otimizar as capacidades do indivíduo de cognição e linguagem, audição e de fala, com orientações e adaptações para que a linguagem oral seja mantida. Quando não há possibilidade de manutenção, o fonoaudiólogo é responsável por desen- volver e implementar estratégias de comunicação alternativa, adequadas às condições do indivíduo, para que ele continue se expressando e sendo compreendido, promovendo assim maior autonomia e independência.25 NUTRIÇÃO A nutrição desempenha um papel de destaque durante todos os ciclos da nossa vida, e incluindo no adoecimento e durante os cuidados paliativos. Em cerca de 80% dos pa- cientes oncológicos encontramos algum grau de comprometimento nutricional e diversos DIRETRIZES ONCOLÓGICAS786 tipos de problemas nutricionais26 que vão desde os causados por sintomas da doença e do tratamento até os comportamentais, como escolhas alimentares em desequilíbrio, adoção de dietas milagrosas e a ortorequexia.27 Para o plano terapêutico do paciente, a equipe de nutrição leva em conside- ração muito mais que suas necessidades nutricionais: os limites estabelecidos pelo paciente como a tolerância, sintomas e conflitos relacionados à sua alimentação. Estamos diante de uma pessoa e de cuidadores que merecem a garantia de promover o máximo de conforto, prazer, qualidade de vida e de poupá-los de intervenções nutricio nais desnecessárias.28 Ao escutar o paciente e seus cuidadores percebemos que, muitas vezes, a alimenta- ção permanece como um dos poucos meios de expressão; é o meio de verbalizar a sua vontade.27 Entretanto, nesse momento, evitamos avaliações frequentes para não julgar ou chamar a atenção para alterações corporais inerentes à progressão da doença.29 É comum a nutrição ser surpreendida com uma solicitação de terapia nutricional via enteral por sonda (TNSNE) ou de suplementação oral, sem evidências que reconheçam seu benefício. Pacientes e cuidadores consideram a alimentação um cuidado básico e é um direito do paciente. Porém, considera-se a TNSNE e a terapia nutricional parenteral exemplos de intervenção nutricional a ser evitada quando o paciente encontra-se exclusi- vamente em cuidados paliativos.27 É a hora de colocar em prática a escuta ativa e verificar se é importante para o paciente ou cuidador tal terapêutica, que poderá ser indicada ou manejada para atendê-los, quando há intenso sofrimento com a suspensão da última via de alimentação. O Conselho Europeu de Especialistas em Nutrição Enteral e Parenteral (ESPEN), corrobora que o maior objetivo dos cuidados paliativos é melhorar a qualidade de vida e, para isso, evita-se restrições alimentares e considera-se cada fase do acompanhamento. Nas fases iniciais mantêm-se o que já estava sendo realizado quando do início da paliação. À medida que a doença avança, enfatiza-se os desejos do paciente, cuidadores e familiares e a redução do estresse causado pela alimentação; seja por ser exclusivamente por vias alternativas, seja por ser insuficiente ou diferente da expectativa do paciente e de seus familiares, contando sempre com o auxílio de toda a equipe assistencial.29 PSICOLOGIA Encontram-se evidências que mostram que os sintomas psicológicos estão relacio- nados aos sintomas físicos e que podem ser aspectos que intensificam o sofrimento dos pacientes em cuidados paliativos.30 A prevalência de sintomas emocionais é alta, tanto nos pacientes acompanhados ambulatorialmente, quanto nos hospitalizados. Contudo, a an- siedade, por exemplo, também pode ocorrer em virtude de alterações fisiológicas (anemia, insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória) e não ao estado psicológico. Apenas uma avaliação criteriosa dos sintomas ativos poderá proporcionar diagnósticos diferenciais e identificar as demandas psíquicas que podem interferir no bem-estar emocional e na qua- lidade de vida do paciente.31,32 A literatura aponta que no contexto de cuidados paliativos a presença de status de performance baixo, de níveis elevados de dor e fadiga, de histórico de depressão anterior e de suporte social precário são preditores de depressão e transtornos de adaptação.33 Capítulo 48.5 • ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO HOSPITAL GERAL 787 Portanto, não é possível manejar sintomas físicos sem cuidar dos aspectos emocionais ou vice-versa. Vale salientar que o sofrimento do paciente relaciona-se não apenas ao adoeci- mento e progressão da doença, pois ele chega a essa fase de sua vida trazendo consigo sua história de vida e é uma variável que influencia ativamente a intensidade do sofrimento desencadeado pela progressão da doença. Isso foi descrito pela pesquisa de Probst, Gre- gorio e Marks,34 na qual identificaram que pacientes oncológicos em cuidados paliativos com histórico de abuso emocional, físico ou sexual apresentavam mais sintomas físicos, maior nível de distress (angústia) e relatavam mais preocupações emocionais e espirituais do que pacientes sem histórico de abuso. O psico-oncologista que atua nos cuidados hospitalares utiliza técnicas com base no treinamento de habilidades de enfrentamento, psicoeducação, hipnose, distração cogni- tiva e relaxamento com visualização. Tais estratégias são eficazes tanto para manutenção do bem-estar emocional quanto para o manejo de sintomas desconfortáveis. Pode-se citar as evidências sobre a utilização de técnicas de relaxamento para o manejo de dor e distúr- bios do sono, e da prática de meditação para controle da fadiga e também dos distúrbios
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