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A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: DIREITO OU DEVER?1 Sérgio Taquini2 RESUMO Este trabalho acadêmico visa discutir sobre a função social da propriedade e suas consequências para o indivíduo, analisando o ordenamento jurídico brasileiro, doutrinas recentes e jurisprudências consolidadas em situações de lide jurídica originadas nos juízos de primeira instância. Serão discutidos preliminarmente alguns institutos importantes na compreensão da função social da propriedade, tais como, o princípio da posse e da propriedade e como esses se relacionam com os direitos e deveres. Também será realizado uma breve contextualização da função social da propriedade e como a sociedade brasileira tem lidado com essa questão. INTRODUÇÃO Ao se trazer a discussão sobre os institutos da posse, da propriedade e do princípio da função social da propriedade na seara do Direito Civil faz-se necessário um breve esclarecimento sobre o que entende -se como posse e propriedade. Também o princípio da função social da propriedade será abordado quanto aos direitos e deveres inerentes ao se adquirir a propriedade. O percurso metodológico adotado será o esclarecimento dos institutos abordados nesse trabalho, o levantamento de doutrina e jurisprudência que auxiliam no esclarecimento do tema. 1 – DO INSTITUTO DA POSSE 1 Paper apresentado à Disciplina de Direito das Coisas - Professora Letícia Figueiredo - Para obtenção da nota N1B1 - 2021/1 - Faculdade Espírito Santense de Ciências Jurídicas - Faculdade PIO XII - Curso de Direito. 2 Acadêmicos de Direito – Turma D5AN. 2 A posse é um dos conceitos normativos de grande importância nas relações jurídicas privadas, pois encontra-se diluída nos acordos rotineiros das pessoas, ainda que não compreendida, do ponto de vista jurídico. Façamos uma consulta ao Art.1.196 caput que inaugura o capítulo do 3º Livro do Código Civil de 2002 “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (Código Civil, 2002). Fica, portanto, claro que a posse se diferencia substancialmente da propriedade, sendo um instituto que não se enquadra nos direitos reais do Art. 1.225 do CC/2002. Flávio Tartuce traz importante informação sobre o desmembramento da posse em indireta e direta, abaixo: Art. 1.225 Percebe-se que pelo conceito objetivo adotado pelo comando legal a posse pode ser desdobrada em direta e indireta. Em suma, não há necessariamente domínio material na posse, podendo essa decorrer de mero exercício de direito.... . O Locatário é possuidor direto, tendo a coisa consigo; o locador proprietário é possuidor indireto, pelos direitos que decorrem do domínio (TARTUCE, 2017, p.945). Fica esclarecido, portanto, que o possuidor tem garantido o exercício de direito sobre a coisa enquanto mantém sobre este a posse. Por oportuno, apresenta-se aqui um exemplo de caso tratado pela suprema corte do Brasil, a AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA nº967/PE. Em resumo, trata-se de caso de expropriação de gleba de terra pela União, em posse provisória de VALÉRIO DIAS BARBOSA, réu na ação recursal, contestando a União sobre a expropriação. O reclamado possui a seu favor decisão de juízo de primeiro grau a imissão provisória da posse do imóvel. Paralelo à questão, informa-se que o réu utilizou -se da área, ilha fluvial no rio a São Francisco, e utilizou para fim alheio à função social, cultivando ali cannabis sativa linneu, popularmente conhecida como “maconha”. Nesse caso, foi julgado improcedente a manutenção da posse provisória em desfavor do réu, conforme decisão proferida pela Min. Rosa Weber. 2 – DA PROPRIEDADE A propriedade, assim como a posse mereceram status de título no Código Civil 2002, e, nesse sentido, o destaque da propriedade é totalmente aceitável, inclusivo com direito à artigo no texto constitucional em forma de direitos e garantias fundamentais, visto que no Artº5 XXII “é garantido o direito de propriedade”. (BRASIL, CF/88). A 3 propriedade também é citada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, pois assim versa seu Art.17 “Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, 1948). Para sedimentar o entendimento da propriedade citamos o Art.1.228 do CC 2002 que diz: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder, de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (Código Civil, 2002). Portanto, a propriedade é uma posse com direito de dispor da coisa, além dos requisitos de usar, gozar e reaver. No entanto, o direito de propriedade não é absoluto, apesar de defesa em lei, a Constituição Brasileira de 1988 trouxe o entendimento elástico de propriedade, pois o interesse público confere a propriedade a função social da propriedade, relativizando- a. A propriedade tem caráter irrevogável, perpétuo e não perece, ou seja, não se perde a propriedade pelo tempo, pelo não uso e sem que se haja alienação ou perda da função social. Possui ainda caráter erga omnes(contra todos). 3 – DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: DIREITO OU DEVER? O artigo 5º inciso XXIII CF/88 traz em seu texto a função social da propriedade, que não exclui os direitos à propriedade, analisados no tópico 2 deste trabalho, mas traz consigo uma série de responsabilidades ao proprietário, conferindo-lhe deveres. Destaca-se no ordenamento jurídico o texto do Art.186 da CF/88: Art..186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e trabalhadores; (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988). Fica claro que a propriedade traz no âmbito rural uma série de obrigações como a proteção ao meio ambiente, o respeito às normas trabalhistas e a utilização da 4 propriedade com finalidade econômica que promova o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Também no Código Civil de 2002, em seu Art. 1.228 caput e §1º traz deveres ao proprietário também no ambiente urbano, vejamos: Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (BRASIL, CÓDIGO CIVIL, 2002). Esse artigo é ilustrador ao que se discute nesse trabalho pois ao mesmo que traz em seu caput os requisitos que confere o direito à propriedade, traz também os deveres de usar, gozar e dispor com respeito à finalidade econômica e social da propriedade no seu parágrafo primeiro, destacando ao dever de proteger os recursos ambientais, o patrimônio histórico e artístico evitar a poluição do ar das águas, o que, naturalmente, é a responsabilidade social do proprietário. O desrespeito aos deveres levantados até aqui obrigará o proprietário responder civil e criminalmente, sem prejuízo das sanções administrativas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, fica transparente a intenção do legislador ao promulgar a constituição brasileira de 1988 que o direito de propriedade deve ser protegido ao indivíduo, mas lhe confere deveres com o uso e gozo. Portanto, a propriedade ultrapassa o conceitode coisa e adquire status de bem jurídico material e social. É, portanto, digna de receber a atenção do ordenamento jurídico nas esferas do direito público e privado. Merece também a atenção do Estado e sua governança na construção de políticas públicas que orientem a utilização da propriedade de modo que o bem comum seja a finalidade, sem trazer prejuízos ao livre direito de propriedade e de ascensão econômica individual. Sem a pretensão de esgotar o tema, extrai-se dessa discussão aqui apresentada a importância de socializar os conhecimentos a respeito da propriedade e sua função 5 social junto aos proprietários, permitindo a conscientização do uso racional e adequado da propriedade. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponívelem:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilad o.htm. Acesso em: 15 mar. 2021. BRASIL. Lei 10.406/02. Código Civil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 16 mar. 2021. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Cível Originária 967/PE. Relatora Min. Rosa Weber. Acórdão Data 27 de abr. de 2020. TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil. 7ª ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: FORENSE; São Paulo: MÉTODO, 2017. UNICEF BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:<https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em 22 de mar. 2021.
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