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LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E DISCURSO - INTERFACE COM LÍNGUA DE SINAIS PROF.A DRA. CLEUSA MARIA ALVES DE MATOS Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica: Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Fernando Sachetti Bomfim Marta Yumi Ando Simone Barbosa Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Cristiane Alves © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Só- crates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande res- ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a socie- dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conheci- mento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivên- cia no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de quali- dade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mer- cado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR UNIDADE 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4 1. LINGUÍSTICA E INTERFACES ............................................................................................................................... 5 2. LINGUAGEM: PONTO DE PARTIDA ...................................................................................................................... 6 3. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ESTUDOS LINGUÍSTICOS .......................................................................... 9 3.1 PRIMEIRA CONCEPÇÃO: A LINGUAGEM É A EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ............................................10 3.2 SEGUNDA CONCEPÇÃO: A LINGUAGEM É INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO ......................................... 11 3.3 TERCEIRA CONCEPÇÃO: A LINGUAGEM É UMA FORMA OU UM PROCESSO DE INTERAÇÃO .................13 4. LINGUAGEM VERBAL E NÃO VERBAL ................................................................................................................16 4.1 A LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL EM FONOAUDIOLOGIA ......................................................17 4.1.1 FRAGMENTOS DE RELATO...............................................................................................................................19 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................................21 LINGUAGEM: PONTO DE PARTIDA PROF.A DRA. CLEUSA MARIA ALVES DE MATOS ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E DISCURSO - INTERFACE COM LÍNGUA DE SIONAIS 4WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO A discussão sobre concepções de linguagem é ampla, considerando as diversas áreas de estudos e sob objetivos distintos de estudos. Em nossa disciplina Linguagem, Comunicação e Discurso: Interface com Língua de Sinais, voltada ao Curso de Fonoaudiologia, discutimos sobre alguns estudos teóricos que contemplam a língua/linguagem, bem como sobre as concepções de linguagem, que estão na base de modos de pensar e de agir de pro� ssionais que, entre outros aspectos, estão imbuídos no trabalho clínico e terapêutico da atuação fonoaudiológica. Nosso objetivo consiste em re� etir sobre a questão pontual das concepções de linguagem e sua relação com a formação e atuação pro� ssional, sob a perspectiva dialógica. Consideramos primordial, neste estudo, promover discussões para que os alunos possam desenvolver e aprimorar diferentes modos de se escutar, interpretar, avaliar, diagnosticar, à luz de uma teoria linguística, as diversas metodologias que se instauram na formação de pro� ssionais da área de Fonoaudiologia, bem como conhecer os elementos que dão forma ao seu fazer pedagógico. 5WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. LINGUÍSTICA E INTERFACES A linguística se de� ne por seu objeto, a língua por seu método, em princípio, estrutural. Com o tempo, tanto o objeto como o método da linguística passaram por transformações, rede� nições e novas abordagens. De língua como sistema de signos convencionais usados pelos membros de uma mesma comunidade à língua como atividade constitutiva, o estudo da linguagem verbal humana evoluiu, redimensionou seu escopo e incorporou preocupações típicas de uma ciência que está no limiar entre ciências humanas, naturais e sociais. De acordo com Leite (2010, p. 216), a “[...] linguística, porém, como o estudo cientí� co da língua/linguagem humana, se ocupa com questões que provavelmente não incomodariam o usuário comum”. Poucos falantes, por exemplo, preocupar-se-iam em estudar a evolução da língua, tanto do ponto de vista de como as formas do latim, por exemplo, evoluíram até chegar ao que constitui hoje a estrutura das línguas românicas, como o português, o francês, o romeno etc.; quanto do ponto de vista de como a capacidade da linguagem evoluiu na espécie humana ao longo dos milhares de anos que separam o homem moderno dos primeiros primatas. Leite (2010) também explica que a existência de uma ciência da linguagem não é, em si mesma, o ponto de partida para os estudos sobre a relação entre a linguagem e o ser humano. Antes de a Linguística se constituir como ciência, seu objeto, a língua, mantinha relacionamento estreito com muitas disciplinas, tanto do conhecimento cientí� co, quanto do conhecimento popular. Se considerarmos que, desde a mais remota era, o homem já buscava formas de se comunicar por meio de trocas simbólicas que possivelmente deram origem à linguagem, tal como ela é hoje, poderíamos pressupor que desde então já havia um interesse latente pelo estudo da linguagem. Os estudos e pesquisas sobre linguagem desenvolveram-se em vários aspectos, dentro e fora do domínio da Linguística. Leite (2010) explica que há diferenças referentes aos estudos que envolvem linguagem. Essas diferenças tornam-se evidentes quando contrapomos linguagem humana e linguagem de programação, como uma ferramenta teórica utilizada para desenvolver so� wares, ou programas de computadores, destinados, por exemplo, a expressar instruções para um computador em tarefas como edição de texto, apresentação de páginas na Internet etc. Também difere o conceito de linguagem daquilo que chamamos de linguagem corporal, linguagem da publicidade etc. A primeira diz respeito ao conjunto de expressões faciais e posições do corpo que sinalizam intenções e sentidos nem sempre pretendidos pelos usuários. A segunda refere- se ao conjunto de estratégias verbais e não verbais (por meio de imagens, por exemplo) que se destinam a persuadir os consumidores potenciais, fazendo-os aderirem ao produto anunciado. Essa discussão prossegue quando contrastamos, por exemplo, a linguagem humana concretizada em uma língua natural, comoutros sistemas de comunicação também humanos, a exemplo dos códigos (de trânsito, convenções de etiqueta etc.) e linguagens arti� ciais, como o esperanto; e sistemas de comunicação não humanos, como a “linguagem” animal. A ciência da linguagem, ciente da impossibilidade de se estudar todas as dimensões da comunicação, escolheu a linguagem verbal humana como objeto privilegiado de investigação. Tal escolha de� niu o curso da história da linguística como sendo a ciência que se ocupou das línguas naturais humana. De acordo com Leite (2009), a partir da segunda metade do século XX, os estudos linguísticos tiveram um grande desenvolvimento. Alguns linguistas se aproximaram das ideias de Bakhtin - e rede� niram a concepção de linguagem. Bakhtin, pensador e � lósofo, teórico de artes e cultura da Europa é considerado um dos maiores estudiosos da linguagem humana, suas obras sobre diversos temas in� uenciaram uma in� nidade de pensadores de diversas áreas como: crítica da religião, estruturalismo, semiótica e marxismo. Além disso, também teve forte in� uência nas seguintes disciplinas: psicologia, antropologia, história, � loso� a, crítica literária, entre outras. 6WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Estudiosos e pesquisadores mudaram sua percepção da linguagem e redirecionam as ações às atividades de comunicação, de interação, de pensamento e de conhecimento. Essa rede� nição da linguagem abriu espaço para que a língua percebesse sua interface com outras disciplinas e para que o fenômeno linguístico fosse compreendido como constitutivo da vida humana. Assim, a partir dessa nova abordagem, a Linguística começa a abrigar disciplinas que se ocupam das relações entre a forma linguística e a produção textual discursiva, como é o caso das análises do discurso, da conversação e da linguística textual; entre a variação das formas linguísticas e os fenômenos sociais que lhe dão origem, como na sociolinguística; entre as relações entre língua e mente, língua e cérebro, língua e cognição, o que dá origem às disciplinas da Psicolinguística, Neurolinguística e Linguística Cognitiva. 2. LINGUAGEM: PONTO DE PARTIDA O interesse pela linguagem é muito antigo, expresso por mitos, lendas, cantos, rituais ou por trabalhos eruditos que buscam conhecer essa capacidade humana. Os primeiros estudos remontam ao século IV a.C. Petter (2004) nos reporta aos primeiros estudos relacionados à linguagem. Inicialmente, foram razões religiosas que levaram os hindus a estudar sua língua, para que os textos sagrados reunidos no Veda não sofressem modi� cações no momento de ser proferidos. Mais tarde, os gramáticos hindus, entre os quais Panini (século IV a.C.), dedicaram-se a descrever minuciosamente sua língua, produzindo modelos de análise que foram descobertos pelo Ocidente no � nal do século XVIII. Os gregos preocuparam-se, principalmente, em de� nir as relações entre o conceito e a palavra que o designa, ou seja, tentavam responder à pergunta: haverá uma relação necessária entre a palavra e o seu signi� cado? Platão discute muito bem essa questão no Crátilo. Aristóteles desenvolveu estudos noutra direção, tentando proceder a uma análise precisa da estrutura linguística, chegou a elaborar uma teoria da frase, a distinguir as partes do discurso e a enumerar as categorias gramaticais. Dentre os latinos, destaca-se Varrão que, na esteira dos gregos, dedicou-se à gramática, esforçando-se por de� ni-la como ciência e como arte. Na Idade Média, os modistas consideraram que a estrutura gramatical das línguas é una e universal, e que, em consequência, as regras da gramática são independentes das línguas em que se realizam. No século XVI, a religiosidade ativada pela Reforma provoca a tradução dos livros sagrados em numerosas línguas, apesar de manter-se o prestígio do latim como língua universal. Em 1502, surge o mais antigo dicionário poliglota, do italiano Ambrosio Calepino. Os séculos XVII e XVIII vão dar continuidade às preocupações dos antigos. Em 1660, a Gramática de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, modelo para grande número de gramáticas do século XVII, demonstra que a linguagem se funda na razão, é a imagem do pensamento e que, portanto, os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua particular, mas servem a toda e qualquer língua. Franz Bopp é o estudioso que se destaca em 1816, e sua obra é o marco da Linguística Histórica. De acordo com Petter (2004), o conhecimento de um número maior de línguas vai provocar, no século XIX, o interesse pelas línguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares, em detrimento de um raciocínio mais abstrato sobre a linguagem, observado no século anterior. É nesse período que se desenvolve um método histórico, instrumento importante para o � orescimento das gramáticas comparadas e da Linguística Histórica. O pensamento linguístico contemporâneo, mesmo que em novas bases, formou-se a partir dos princípios metodológicos elaborados nessa época, que preconizavam a análise dos fatos observados. 7WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O grande progresso na investigação do desenvolvimento histórico das línguas ocorrido no século XIX foi acompanhado por uma descoberta fundamental que veio a alterar, modernamente, o próprio objeto de análise dos estudos sobre a linguagem - língua literária - até então. Os estudiosos compreenderam melhor do que seus predecessores que as mudanças observadas nos textos escritos correspondentes aos diversos períodos que levaram, por exemplo, o latim a transformar- se, depois de alguns séculos, em português, espanhol, italiano, francês, poderiam ser explicadas por mudanças que teriam acontecido na língua falada correspondente. A Linguística moderna, embora também se ocupe da expressão escrita, considera a prioridade do estudo da língua falada como um de seus princípios fundamentais. É no início do século XX, com a divulgação dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, professor da Universidade de Genebra, que a investigação sobre a linguagem - a Linguística - passa a ser reconhecida como estudo cientí� co. Em 1916, dois alunos de Saussure, a partir de anotações de aula, publicam o Curso de Linguística Geral, obra fundadora da nova ciência. Antigamente, a Linguística não era autônoma, submetia-se às exigências de outros estudos, como a lógica, a � loso� a, a retórica, a história, ou a crítica literária. O século XX operou uma mudança central e total dessa atitude, que se expressa no caráter cientí� co dos novos estudos linguísticos, que estarão centrados na observação dos fatos de linguagem. Ferdinand de Saussure (1857/1913) Seu livro Cours de Linguistique Générale (Curso de Linguística Geral - CLG), resultou na compilação dos escritos e anotações feitas para suas aulas, por três de seus discípulos mais importantes: Charles Bally, Albert Sechehaye e Albert Riedlinger. Trata-se, portanto, de uma obra póstuma e que não teve a devida revisão feita pelo autor dos escritos. Saussure é considerado o ‘pai’ da Linguística moderna e seus postulados teóricos um divisor de águas no que se refere ao estudo científi co da linguagem. Figura 1 - Ferdinand de Saussure. Fonte: Slide Player (2007). Duarte (2014) nos explica que além das contribuições de Saussure para o desenvolvimento da linguística geral como ciência da linguagem e de� nição do conceito de língua, podemos destacar as contribuições de Mikhail Bakhtin, que, além de discutir as teorias saussurianas, propôs novas ideias acerca da de� nição do objeto língua/linguagem. E com o avanço da linguística, surgiram novos campos de estudos da linguagem, como por exemplo, a Análise do Discurso, a Linguística Textual, a Sociolinguística e a LinguísticaCognitiva, Psicanálise, entre outras. Saussure e Bakhtin apresentaram diferentes concepções acerca da de� nição de linguagem (SAUSSURE, 1916; BAKHTIN, 1929 apud DUARTE, 2014, p. 21). Para Saussure, em primeiro lugar, haveria uma distinção clara entre as de� nições dos termos “língua” e “linguagem”, distinção essa que o levou a se dedicar ao estudo do conceito de língua, colocando de lado a linguagem, pois, para Saussure (1916 apud DUARTE, 2014, p. 22), a linguagem é multiforme; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, � siológica e psíquica, ela pertence ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classi� car em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade. Já para Bakhtin (1929 apud DUARTE, 2014, p. 22), a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta. Sendo muito mais do que um código, ela é essencialmente social, pois está diretamente ligada às condições concretas de uso. Nesse sentido, a linguagem con� gura-se fruto de re� exões cientí� cas extremamente articuladas com a realidade social. 8WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Trazendo a discussão para o campo do ensino, muitos autores tratam sobre as de� nições do que é a linguagem e suas aplicações na prática pedagógica do ensino de língua. Segundo Geraldi (2003 apud DUARTE, 2014), a prática pedagógica pro� ssional que trabalha com a linguagem está intimamente ligada à concepção de linguagem que o mesmo adota. Ao adotar a concepção de língua como expressão do pensamento, o pro� ssional enfocará a gramática normativa/prescritiva como ponto principal do processo de ensino-aprendizagem e isso será percebido em seu trabalho pedagógico. Para Bakhtin, a atividade de linguagem é essencialmente social, ideológica e dialógica e não pode ser desvinculada das relações sociais. Nesse sentido, o trabalho “[...] situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (BAKHTIN, 2010 apud DUARTE, 2014, p. 26). De acordo com Duarte (2014, p. 26), a maneira de ver a linguagem como fenômeno de interação muda radicalmente os paradigmas teóricos dos pro� ssionais que se dedicam aos estudos de linguagem. Uma vez que o foco é a interação, a enunciação entre os interlocutores, passa-se a valorizar a relação entre sujeitos, ou seja, autor-texto-leitor. Pressupõe-se que o leitor não é mais só um decodi� cador das informações presentes no texto, mas alguém que acrescenta a elas sentidos que já fazem parte do seu conhecimento de mundo, ou seja, o processo de leitura. Nessa concepção, é a interação entre as informações presentes no texto e aquelas que cada leitor traz como conhecimento prévio. Os processos de leitura e interpretação não estão mais voltados para a emissão e recepção de mensagens diretas e de� nidas, mas, sim, para um processo de construção de sentido que leva em conta, por exemplo, pressupostos, intenções implícitas entre outros mecanismos presentes no texto. A linguagem oral também passa a ser amplamente valorizada nessa concepção, já que não se interage somente através da escrita, mas, principalmente, através da oralidade. Fonoaudiologia e Linguística: modos de interpretação da Linguagem Regina Maria Freire (2000), pesquisadora da USP/SP, apresenta um estudo que refl ete sobre o papel do fonoaudiólogo, sob a perspectiva da concepção de lin- guagem dialógica. A autora considera que o fonoaudiólogo pode doar sentido aos signifi cantes do seu paciente, para que este possa mudar de posição discursiva ou ainda ser deslocado de sua posição em relação à língua. Freire (2000) relata brevemente o percurso do olhar interpretativo do fonoaudiólogo, desde a consti- tuição da Fonoaudiologia no Brasil até meados dos anos 2000. Convido você a participar da leitura desse artigo que é fundamental para nossos estudos. Quadro 1 – Fonoaudiologia e linguística. Fonte: Freire (2000). 9WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 3. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ESTUDOS LINGUÍSTICOS A linguagem é essencial para todo e qualquer ser humano. Por meio dela, os sujeitos sociais se representam e representam o mundo. Ela constrói e desconstrói, in� uencia e é in� uenciada pelos meios: social, econômico e cultural, e esses, por sua vez, também são in� uenciados por esse instrumento de comunicação/interação. O homem, como principal agente desse processo, cria recursos que auxiliam ou aperfeiçoam – com o objetivo de ampliar a interação humana – a produção da linguagem. Lins e Lins (2014) discutem em seu estudo o seguinte: Ao longo dos tempos, as concepções de linguagem variaram, de acordo com o contexto sócio/histórico de cada época e, com os interesses de determinados grupos sociais. Como se pode presumir, a forma como se concebe a linguagem afeta assim, instituições e grupos: a escola, a aula de língua portuguesa e as classes menos favorecidas, a grande massa de alunos do ensino público (LINS; LINS, 2014, p. 1). Diante desse panorama, objetivamos discorrer as concepções de linguagem e suas implicações sobre a formação/capacitação de fonoaudiólogos e/ou educadores. Questionamos inicialmente: a concepção que o fonoaudiólogo tem de linguagem pode alterar a prática educativa que desenvolve ao trabalhar a linguagem? Fernandes (2004) apontou que diversos autores já discutiram a relação entre concepção de linguagem e sua importância para o ensino-aprendizagem. Geraldi (1997 apud FERNANDES, 2004), a� rma que Toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política com os mecanismos utilizados em sala de aula ou mesmo no contexto social ao qual pertence. Por sua vez, a opção política envolve uma teoria de compreensão da realidade, aí incluída uma concepção de linguagem que dá resposta ao para que ensinamos o que ensinamos (FERNANDES, 2004). De acordo com Fernandes (2004), os estudos mostram, ainda, que nem sempre o pro� ssional está consciente da teoria linguística ou do método que embasa o seu trabalho. Muitas vezes, não ocorre uma re� exão sobre os pressupostos da metodologia que adota, “chegando mesmo a não saber exatamente o que está fazendo e qual o objetivo pretendido com os seus procedimentos”. A autora a� rma que essa questão é preocupante, pois não há resultados satisfatórios sem o conhecimento adequado da concepção de linguagem e, consequentemente, da de� nição de seu objeto especí� co, a língua. Essa concepção (consciente ou não) interfere nos processos de ensino/aprendizagem, determinando o que, como e para que se trabalha a linguagem. Em outras palavras, o fonoaudiólogo precisa conhecer a concepção de linguagem que pretende abordar em seu trabalho, ou seja, em sua prática efetiva com a linguagem. Muitas vezes, o pro� ssional não tem bem de� nido sua base teórica e pode agir de maneira aleatória, comprometendo o resultado de seu trabalho. Fernandes (2004) a� rma que o fato de se pensar de uma determinada forma e agir de acordo com ela não signi� ca que o pro� ssional esteja alheio a tudo que o rodeia e que tenha uma postura irredutível diante das situações. “A sensibilidade, a percepção e a intuição aguçadas caracterizam os pro� ssionais dessa área e os tornam capazes de, a qualquer momento, refazer o traçado do próprio caminho” (FERNANDES, 2004). 10WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Fernandes (2004) explica que a concepção de linguagem do pro� ssional determina o seu fazer pedagógico. Assim, é primordial que se possa re� etir sobre os diferentes modos de se escutar, interpretar, avaliar, diagnosticar, à luz de uma teoria linguística,as diversas metodologias que se instauram na formação de pro� ssionais da área de Fonoaudiologia, bem como conhecer os elementos que dão forma ao seu fazer pedagógico. Três modos de se ver a linguagem vêm permeando a história dos estudos linguísticos. Essas três concepções distintas serão apresentadas a seguir. 3.1 Primeira Concepção: a linguagem é a expressão do pensamento Para essa concepção, o não saber pensar é a causa de as pessoas não saberem se expressar. Pensar logicamente é um requisito básico para se escrever, já que a linguagem traduz a expressão que se constrói no interior da mente, é o “espelho” do pensamento. Nessa tendência, Travaglia (1997 apud FERNANDES, 2004) a� rma que: O fenômeno linguístico é reduzido a um ato racional, a um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece. O fato linguístico, a exteriorização do pensamento por meio de uma linguagem articulada e organizada, é explicado como sendo um ato de criação individual. A expressão exterior depende apenas do conteúdo interior, do pensamento da pessoa e de sua capacidade de organizá- lo de maneira lógica. Por isso, acredita-se que o pensar logicamente, resultando na lógica da linguagem, deve ser incorporado por regras a serem seguidas, sendo que essas regras se situam dentro do domínio do estudo gramatical normativo ou tradicional, que defende que saber língua é saber teoria gramatical. Expondo os princípios lógicos da linguagem, a gramática normativa prediz os fenômenos da linguagem em “certos” e “errados”, privilegiando algumas formas linguísticas em detrimento de outras (TRAVAGLIA, 1997, p. 21 apud FERNANDES, 2004). Nas palavras de Franchi (1991, p. 48 apud FERNANDES, 2004), a gramática normativa é “[...] o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores”. Dessa forma, acredita-se que quem fala ou escreve bem, seguindo e dominando as normas que compõem a gramática da língua, é um indivíduo que organiza logicamente o seu pensamento. Fernandes (2004) compreende que A língua é concebida como simples sistema de normas, acabado, fechado, abstrato e sem interferência do social. Em decorrência disso, os estudos tradicionais consideram apenas a variedade dita padrão ou culta, ignorando todas as outras formas de uso da língua, consideradas corrupções da língua padrão pautada nos modelos literários, na língua literária artística. Não estabelecem, portanto, relação com a língua viva do nosso tempo e com o uso do nosso cotidiano. As línguas, nesse caso, obedecem a princípios gerais racionais, lógicos, e a linguagem é regida por esses princípios. Assim, impõe-se a exigência de que os falantes a usem com clareza e precisão, pois ideias claras e distintas devem ser expressas de forma lógica, precisa, sem equívocos e sem ambiguidades, buscando a perfeição. Nesta tendência, observa-se a relação psíquica entre linguagem e pensamento, caracterizando a linguagem como algo individual, centrada na capacidade mental do indivíduo. As di� culdades de expressão, o discurso se materializa no texto e independem da situação de interação comunicativa, do interlocutor, dos objetivos, dos fenômenos sociais, culturais e históricos. Se há algum desvio quanto às regras que organizam o pensamento e a linguagem, ele só pode ser explicado pela incapacidade de o ser humano pensar e raciocinar logicamente (FERNANDES, 2004). 11WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA De acordo com Koch (2002 apud FERNANDES, 2004), [...] à concepção de língua como representação do pensamento corresponde a de sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações. Para ela, como esse sujeito é dono absoluto de seu dizer e de suas ações, ‘o texto é visto como um produto – lógico – do pensamento [...] do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão ‘captar’ essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um papel essencialmente passivo’ (KOCH, 2002, p. 16 apud FERNANDES, 2004). Muitas podem ser as respostas ao questionamento proposto inicialmente neste estudo, o qual se refere à metodologia que o pro� ssional desenvolve ao trabalhar com a linguagem. Diante de muitas pesquisas consultadas, sem a pretensão de esgotar o assunto proposto, diríamos que sim. Uma vez que o fonoaudiólogo se torna refém de dogmas e discursos cristalizados e ao se manter � dedigno às atividades repetitivas e descontextualizadas das práticas sociais, é notório que esse pro� ssional tenha incorporado em sua prática pedagógica a concepção de linguagem tradicional. 3.2 Segunda Concepção: a Linguagem é Instrumento de Comunicação Segundo Geraldi (1997, p. 41 apud FERNANDES, 2004), essa concepção de linguagem se liga à Teoria da Comunicação e prediz que a língua é um sistema organizado de sinais (signos) que serve como meio de comunicação entre os indivíduos. Em outras palavras, a língua é um código, um conjunto de signos, combinados através de regras, que possibilita ao emissor transmitir uma certa mensagem ao receptor. A comunicação, no entanto, só é estabelecida quando emissor e receptor conhecem e dominam o código, que é utilizado de maneira preestabelecida e convencionada. Quanto a essa visão, Bakhtin (1997) a� rma que [...] o sistema linguístico [...] é completamente independente de todo ato de criação individual, de toda intenção ou desígnio. [...] A língua opõe-se ao indivíduo enquanto norma indestrutível, peremptória, que o indivíduo só pode aceitar como tal”. O sistema linguístico é acabado, no sentido da totalidade das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua, garantindo a sua compreensão pelos locutores de uma comunidade (BAKHTIN 1997, p. 78 apud FERNANDES, 2004). Nessa vertente, conforme diversos estudos que elucidam a história sobre a linguagem, Orlandi, Geraldi e Koch explicam que os estudos da linguagem � cam restritos ao processo interno de organização do código (ORLANDI, 1986; GERALDI, 1997; KOCH, 2002 apud FERNADES, 2004). Privilegiam-se, então, a forma, o aspecto material da língua e as relações que constituem o seu sistema total, em detrimento do conteúdo, da signi� cação e dos elementos extralinguísticos. Importantes nomes fundamentaram os estudos da linguagem nessa concepção, como os de Saussure (fundador do Estruturalismo, no início deste século) e de Noam Chomsky (linguista americano que conduziu a gramática gerativo-transformacional). De acordo com Fernandes (2004), Saussure leva os estudos linguísticos ao que considera essencial à língua. 12WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA De seu Curso de Linguística Geral (1969), depreende-se a sua visão de língua, um sistema abstrato, homogêneo, um fato social, geral, virtual. Ao mesmo tempo, ela é considerada uma realidade psíquica e uma instituição social que é ‘exterior ao indivíduo, que por si só, não pode nem criá-la, nem modi� cá-la’ (p. 22). Por ser um fato social, ‘um sistema de signos que exprimem ideias (p. 24), caracterizar-se por sua ‘natureza homogênea’ (p. 23) e impor-se ao indivíduo coercitivamente, a língua se constitui em um elemento de organização social, prestando-se, portanto, a um estudo sistemático. Ao contrário, revela-se a fala que é excluída do campo dos estudos linguísticos, em virtude de ela se constituir de atos individuais. Exclui também de seus estudos a pesquisa diacrônica, abordando apenas a descrição de um estado de língua sincronicamente. Decorre disso, que o processo pelo qual as línguas se modi� cam não é levado em consideração. O que interessa é saber o modo como elasfuncionam, num dado momento, como meio de comunicação entre os seus falantes, a partir da análise de sua estrutura e con� guração formal (FERNANDES, 2004). Noam Chomsky, na década de 1950, censura o Estruturalismo por esse não se ater à criatividade da linguagem. Explica, “[...] daí o termo gerativa, porque permite que com um número � nito de categorias e de regras (competência), o locutor-ouvinte de uma língua possa gerar e interpretar um número in� nito de frases dessa língua” (FERNANDES, 2004). Ao introduzir os conceitos de competência e de performance (o uso da língua em situações concretas ou a concretização da competência através da fala e da escrita), Chomsky se aproxima do conceito saussuriano de língua e de fala, porém, substitui uma concepção estática da língua por uma concepção dinâmica. Para Orlandi (1986, p. 48 apud FERNANDES, 2004), “[...] os recortes e exclusões feitos por Saussure e por Chomsky deixam de lado a situação real de uso (a fala, em um, e o desempenho, no outro) para � car com o que é virtual e abstrato (a língua e a competência)”. Isolam o homem, portanto, de seu contexto social, uma vez que não reconhecem as condições de produção dos enunciados. A linguística chomskyana não ultrapassa a linguística estrutural. Assim como Saussure, que não focaliza a fala, Chomsky não se interessa pela performance. O seu “locutor ouvinte ideal” não é um locutor real do uso concreto da linguagem. O Estruturalismo exclui o papel do falante no sistema linguístico, o que signi� ca que não há interlocutores, mas emissores e receptores, codi� cadores e decodi� cadores. A gramática gerativa baseia-se, segundo Suassuna (1995, p. 74 apud FERNANDES, 2004), em “[...] um modelo traçado com base em uma comunidade linguística homogênea, formada por falantes-ouvintes-ideais, com a consequente desatenção às variações linguísticas”. Essas a� rmações são rati� cadas por Travaglia (1997), o qual expõe: Essa concepção levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização - na fala (cf. Saussure) ou no desempenho (cf. Chomsky). Isso fez com que a Linguística não considerasse os interlocutores e a situação de uso como determinantes das unidades e regras que constituem a língua, isto é, afastou o indivíduo falante do processo de produção, do que é social e histórico na língua. Essa é uma visão monológica e imanente da língua, que a estuda segundo uma perspectiva formalista - que limita esse estudo ao funcionamento interno da língua - e que separa o homem no seu contexto social (TRAVAGLIA, 1997, p. 22 apud FERNANDES, 2004). 13WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Koch (2002, p. 16) mostra que a noção de sujeito, nessa concepção de linguagem, “[...] corresponde a de sujeito determinado, assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de ‘não-consciência’”. Explica que “[...] o texto é visto como simples produto da codi� cação de um emissor a ser decodi� cado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto, uma vez codi� cado, é totalmente explícito”. O decodi� cador, portanto, assume, também nessa concepção, um papel passivo, uma vez que a informação deve ser recebida tal qual havia na mente do emissor. 3.3 Terceira Concepção: a Linguagem é uma Forma ou um Processo de Interação Segundo Travaglia (1997, p. 23 apud FERNANDES, 2004), “[...] nessa concepção, o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e exteriorizar um pensamento ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/ leitor)”. Nesse enfoque, de acordo com Fernandes (2004), A concepção interacionista da linguagem contrapõe-se às visões conservadoras da língua, que a tem como um objeto autônomo, sem história e sem interferência do social, já que não enfatizar esses aspectos não é condizente com a realidade na qual estamos inseridos. Ao contrário das concepções anteriores, esta terceira concepção situa a linguagem como um lugar de interação humana, como o lugar de constituição de relações sociais. Dessa forma, ela representa as correntes e teorias de estudo da língua correspondentes à linguística da enunciação (Linguística Textual, Teoria do Discurso, Análise do Discurso, Análise da Conversação, Semântica Argumentativa e todos os estudos ligados à Pragmática), que colocam no centro da re� exão o sujeito da linguagem, as condições de produção do discurso, o social, as relações de sentido estabelecidas entre os interlocutores, a dialogia, a argumentação, a intenção, a ideologia, a historicidade da linguagem, etc. (FERNANDES, 2004). Dessa forma, concordamos com Fernandes (2004) ao a� rmar que “[...] a linguagem se faz, pois, pela interação comunicativa mediada pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação e em um contexto sócio-histórico e ideológico”, sendo que os interlocutores são sujeitos que ocupam lugares sociais. Em lugar de atividades contínuas de conhecimento gramatical e estudo de terminologias que privilegiam tão somente a forma das palavras ou a sintaxe da língua, estuda-se o uso da língua em situações concretas de interação, percebendo as diferenças de sentido entre uma forma de expressão e outra. A língua, nesse caso, “[...] é o re� exo das relações sociais, pois, de acordo com o contexto e com o objetivo especí� co da enunciação é que ocorre uma forma de expressão ou outra, uma variante ou outra” (FERNANDES, 2004). Em outras palavras, assumimos neste estudo a perspectiva de que o locutor constrói o seu discurso mediante as suas necessidades enunciativas concretas, escolhendo formas linguísticas que permitam que seu discurso � gure num dado contexto e seja adequado a ele. Sendo assim, o locutor leva em consideração o seu interlocutor, tanto no que se refere à imagem que tem dele, quanto à construção de seu discurso, empenhando-se para que ele seja compreendido num contexto concreto, preciso e, consequentemente, atinja o objetivo pretendido. O pensador russo Bakhtin (1997 apud FERNANDES, 2004) questiona as grandes correntes teóricas da linguística contemporânea, pois 14WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Muitas vezes reduzem a linguagem ou a um sistema abstrato de formas (objetivismo abstrato) ou à enunciação monológica isolada (subjetivismo idealista). Segundo o autor, priorizar na prática viva da língua, a consciência linguística do locutor e do receptor nada tem a ver com o sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto dos contextos possíveis de uso de cada forma particular. Bakhtin explica que não se pode separar a linguagem de seu conteúdo ideológico ou vivencial, já que ela se constitui pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação, que é um diálogo (no sentido amplo do termo, englobando as produções escritas). O sentido do enunciado se dá através de uma compreensão ativa entre os sujeitos, ou seja, é o efeito da interação dos interlocutores. Para Bakhtin, todo enunciado tem um destinatário, entendido como a segunda pessoa do diálogo. A atividade mental do sujeito e sua expressão exterior se constituem a partir do social, portanto, toda a enunciação é socialmente dirigida. É no � uxo da interação verbal que a palavra se transforma e ganha diferentes signi� cados, de acordo com o contexto em que surge. A categoria básica da concepção de linguagem em Bakhtin é a interação verbal, cuja realidade fundamental é o seu caráter dialógico (FERNANDES, 2004). Dentro de uma concepção interacionista, a linguagem é entendida, então, como um dos aspectos das diferentes relações que se estabelecem historicamente em nível sociocultural.Ela caracteriza-se por sua ação social. Nas palavras de Koch (1992, p. 9 apud FERNANDES, 2004), a concepção de linguagem como forma (lugar) de ação ou interação [...] é aquela que encara a linguagem como atividade, como forma de ação, ação interindividual e orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes, reações e ou comportamentos (KOCH, 1992, p. 9 apud FERNANDES, 2004). Osakabe (1994, p. 7 apud FERNANDES, 2004) observa também como: “[...] uma linguagem entendida como uma interlocução e, como tal, de um lado, como processo, e de outro, como constitutiva (de) e constituída (por) sujeitos”. Decorre daí que, em uma visão sociointeracionista da linguagem, a percepção das variedades linguísticas não se faz, como se observa no interior da primeira concepção de linguagem, com explicações simplistas que re� etem o “certo” e o “errado”, o “aceitável” e o “inaceitável” ou porque uma linguagem é mais rica do que a outra. Penetrando mais fundo na essência da linguagem e entendendo que a língua está em constante evolução, entende-se também que todas as variedades existentes em nossa sociedade pertencem à nossa língua e que, embora a língua padrão possua maior prestígio social, as demais variedades possuem, como a variedade culta, a mesma expressividade e comunicabilidade. Do ponto de vista interacionista da linguagem, nos aproximamos da terceira concepção de linguagem e doravante vamos direcionar nossos apontamentos e discutir sob a concepção de que a norma culta é vista como uma variante, uma possibilidade a mais de uso e não exclusivamente como o único uso linguisticamente correto e a única linguagem representante de uma cultura. Nessa linha de estudos, instaura-se a relação dialógica e polifônica em contextos não imunes às variações e diferenças existentes nas situações concretas de uso. 15WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Geraldi (2006) nos aponta um resumo das três concepções de linguagem as quais ampliam nossos estudos nesta disciplina. GRAMÁTICA TRADICIONAL • a linguagem é a expressão do pensamento: esta concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a lin- guagem como tal, somos levados a afi rma- ções – correntes – de que as pessoas que não conseguem se expressar não pensam; ESTRUTURALISMO • a linguagem é instrumento de comunica- ção: esta concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se combinam se- gundo regras) capaz de transmitir ao recep- tador uma certa mensagem. Em livros didá- ticos, esta é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja abando- nada nos exercícios gramaticais; A LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO • a linguagem é uma forma de inter-ação: mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um recep- tor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana: através dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria praticar a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compro- missos e vínculos que não pré existiam an- tes da fala. Quadro 2 - Concepção de Linguagem. Fonte: Geraldi (2006). João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de pro- fessores em nosso país. Sua obra, Portos de Passa- gem, é um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgado- res da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo pu- blicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo. Figura 2 - João W. Geraldi. Fonte: UFMA (2020). 16WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 4. LINGUAGEM VERBAL E NÃO VERBAL De acordo com Bagno (2014, p. 1), o termo linguagem tem muitos signi� cados e sentidos, mas vamos nos deter neste momento em duas de suas de� nições. A primeira é: faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana que permite a cada indivíduo representar e expressar simbolicamente sua experiência de vida, assim como adquirir, processar, produzir e transmitir conhecimento. Nós somos seres muito particulares, porque temos precisamente essa capacidade admirável de signi� car, isto é, de produzir sentido por meio de símbolos, sinais, signos, ícones etc. Nenhum gesto humano é neutro, ingênuo, vazio de sentido: muito pelo contrário, ele é sempre carregado de sentido, nos mais variados graus, e cabe justamente à nossa capacidade de linguagem interpretar o sentido implicado em cada manifestação dos outros membros da nossa espécie. A segunda de� nição de linguagem, de acordo com Bagno (2014, p. 1), é decorrente da primeira: todo e qualquer sistema de signos empregados pelos seres humanos na produção de sentido, isto é, para expressar sua faculdade de representação da experiência e do conhecimento. É dessa segunda acepção de linguagem que provém uma distinção fundamental: a de linguagem verbal e linguagem não verbal. A linguagem verbal é aquela que se expressa por meio do verbo (termo de origem latina que signi� ca “palavra”), ou seja, da língua, que é, de longe, o sistema de signos mais completo, complexo, � exível e adaptável de todos: não por acaso, é de língua que deriva a palavra linguagem, pois toda linguagem é sempre uma “imitação da língua”, uma tentativa de produção de sentido tão e� ciente quanto a que se realiza linguisticamente. Para o autor, a linguagem verbal pode ser oral, escrita ou gestual (língua dos surdos). A linguagem não verbal é a que se vale de outros signos, não linguísticos, signos que podem ser dos mais diversos e diferentes tipos: cores, sons, � guras, símbolos, bandeiras, fumaça, ícones etc. É essa riqueza de possibilidades de representação e expressão que nos permite falar de linguagem musical, linguagem cinematográ� ca, linguagem teatral, linguagem corporal, linguagem da dança, da pintura, da escultura, da arquitetura, da fotogra� a, incluindo as linguagens secretas, que exigem o domínio de códigos reservados a poucos iniciados. Leite (2009) a� rma que entre as linguagens não verbais que têm sido objeto de estudo da linguística, ao lado da língua verbal, destacam-se as imagens utilizadas na comunicação cotidiana, como os sinais de trânsito, os cartazes e placas indicativas de lugar (banheiros, restaurantes, telefones) e atividades (proibições de fumar, de usar buzina etc.). Outros tipos de comunicação não verbais são os códigos sonoros, também usados no trânsito, ou para indicar atividades de importância privilegiada (os sons dos carros de bombeiros, polícia, ambulância), ou mesmo o código Morse utilizado para comunicação onde outros veículos são impraticáveis. Um tipo de comunicação não verbal vem ganhando destaque no cenário cienti� co por acreditar-se de que teria dado origem à linguagem humana: trata-se dos gestos. A linguagem gestual está presente mesmo onde a comunicação verbal é recomendada e atua como auxiliar na identi� cação de desejos, intenções, às vezes, não expressos linguisticamente. Apesar de sua importância, os gestos não são discretos como a língua humana (no sentido de que seus elementos não formam uma sequência � nita combinável para produzir enunciados ilimitados). Os gestos variam bastante de cultura para cultura e, apesar de sua facilidade de decodi� cação, não têm signi� cados universais, nem reconhecíveis em diversas culturas. Bagno (2014, p. 1) salienta que existem também as linguagens arti� ciais, isto é, sistemas de comunicação elaborados conscientemente para permitir o desenvolvimento de domínios especí� cos de saber.São linguagens arti� ciais, por exemplo, as utilizadas na matemática, na lógica ou na computação. 17WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O estudo dos múltiplos sistemas de linguagem verbal e não verbal é tarefa da semiótica (ou da semiologia, conforme a corrente teórica), que também se interessa pelas transposições de um sistema para outro (por exemplo, da fala para a escrita, do romance para o cinema, da música para a dança). Santos e Silva (2016, p.1453) explicam que a linguagem não verbal pode ser reveladora das relações de comunicação, expõe verdades, reforça ideias, favorece ou di� culta o entendimento, dá ênfase à comunicação. A linguagem não verbal pode estar expressa nos sons, nos gestos, nas expressões faciais, na motricidade corpórea, na arte e nos símbolos com signi� cação conotativa. Uma personalidade pode ser desvendada, apenas com a observação da linguagem corporal do outro. A face de uma pessoa pode transmitir muitas informações, as sobrancelhas podem expressar surpresa, descon� ança, dúvida, podem transmitir informações sobre a personalidade das pessoas. O fonoaudiólogo é o pro� ssional especializado na comunicação humana que, por surgir com uma relação próxima à Medicina e à Educação, teve em sua trajetória uma prática preocupada primordialmente ligada à terapia na relação saúde/doença ou à prevenção que visa a minimizar seu surgimento. De certa forma, essa prática tem direcionado o olhar até os dias de hoje mesmo com o desenvolvimento da clínica fonoaudiológica e com o crescimento dos trabalhos de aperfeiçoamento da comunicação. As autoras consideram que: O fonoaudiólogo vai trabalhar com a linguagem não verbal quando exercitar o reconhecimento e a identi� cação dos sinais corporais das suas próprias emoções e a (s) do (s) seu (s) interlocutor (es) com os pacientes/clientes. Estaremos trabalhando o não verbal quando conseguirmos buscar no outro os sinais de comunicação corporal: o que ele diz, quer dizer, se se está para pronto para ouvir sua resposta, para construir uma relação. É fundamental para qualquer pessoa, qualquer comunicador, terapeuta ou não, pro� ssional da voz ou não, conhecer e reconhecer o seu interlocutor (aluno, público, telespectador, plateia, paciente, cliente) e estabelecer com ele uma relação de empatia. Dessa maneira, pode-se a� rmar que este levantamento é útil não apenas para re� etir as características da área, mas também para evidenciar uma necessidade de realização de pesquisas sobre a comunicação não verbal. Assim, será possível viabilizar uma maior ampliação do conhecimento empírico e cientí� co das habilidades comunicativas neste contexto especí� co. Fica claro aqui a importância de ações fonoaudiológicas para a discussão da importância da comunicação não verbal enquanto ferramenta interpretativa (SANTOS; SILVA, 2016, p. 1453). As autoras a� rmam que há necessidade de estudos na área da fonoaudiologia relacionados à comunicação não verbal, mas, acima de tudo, há necessidade de entender a importância dessa comunicação durante o processo de comunicação e de se apropriar do não verbal como ferramenta de trabalho. Elas concluem que assumir o não verbal como parte fundamental da comunicação dentro da clínica fonoaudiológica e junto ao atendimento e acompanhamento do pro� ssional é hoje imprescindível. 4.1 A Linguagem e Comunicação Não Verbal em Fonoaudiologia Dentre as inúmeras pesquisas sobre linguagem na área da fonoaudiologia, seria impossível tecer apontamentos à parte delas; no entanto, buscamos em Duarte (2005) informações que se fazem interessantes neste trabalho. A pesquisadora, em sua dissertação de mestrado na USP/SP, faz uma revisão bibliográ� ca dos trabalhos publicados e discute sobre a posição que o terapeuta assume para trabalhar com pacientes que apresentam ausência de fala, mas não de linguagem. Duarte a� rma que: 18WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A tendência majoritária é assumir a linguagem como comunicação e, desta forma, as questões das habilidades comunicativas ganham destaque. O fazer é marcado por treinos de habilidades, melhora do uso para garantir maior e� cácia comunicativa, desenvolvimento de estratégias de ensino e aprendizagem, modelos corretos, acerto e erro. Outras dimensões da linguagem, como a discursividade, dialogia e, principalmente intertextualidade e produção de sentidos tornam-se coadjuvantes no fenômeno expressivo/comunicativo (DUARTE, 2005, p. 29). A autora pontua que, ao priorizar um trabalho mais voltado ao ensino de habilidades e estratégias de comunicação, o terapeuta direciona o trabalho “escolhendo” os símbolos grá� cos que melhor “representem” as necessidades do paciente. O “ato clínico” segue esquemas principalmente preestabelecidos, com pouco espaço para o novo, o diferente. Quando é assim, o ato clínico prioriza o que já está de� nido e padronizado, fechando-se sobre si mesmo. Duarte (2005) discorre sobre a importância da concepção de linguagem que o fonoaudiólogo assume ou incorpora em sua atuação pro� ssional. A autora em sua atuação terapêutica considera que a linguagem não é transparente ou opaca e que as palavras e enunciados não possuem sentidos � xos e únicos, ao contrário, são polissêmicos e a produção de sentidos está relacionada ao contexto sócio-histórico de cada paciente. Assim, o fazer pedagógico do pro� ssional que trabalha com a linguagem está intimamente ligado à concepção de linguagem que o mesmo adota. Uma vez que adotar a concepção de língua como expressão do pensamento, enfocará atividades normativas/prescritivas. A atividade de linguagem é social, ideológica e dialógica e não pode ser desvinculada das relações sociais. Nesse sentido, o trabalho “[...] situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (DUARTE, 2014, p. 26). Duarte (2005) aponta um dos trabalhos de Vasconcelos (1999) em que a autora refere que símbolos grá� cos “[...] são sinais, marca, traços – eles não têm signi� cado em si. Para que venham signi� car, devem ser articulados em redes signi� cantes e de sentido movimentados na fala do sujeito e do outro”. Vasconcelos (1999 apud DUARTE, 2005, p. 35) também a� rma que “[...] independente de prejuízo articulatório de muitos pacientes, eles não estão fora da esfera da linguagem”. Vasconcelos reitera que muitos símbolos são feitos ‘fala’ e que há falante, na medida em que os símbolos desses sistemas alternativos são postos em movimento pelo funcionamento da língua. Para Vasconcelos (1999): Os símbolos de tais sistemas não são, portanto, signos portadores de um sentido único e � xo. Eles nem falam por si. Justapostos ou isolados eles sempre leitura/ interpretação. Isso equivale a dizer que os ‘símbolos’ fazem sentido, ‘fazem texto’ em outro lugar. Na verdade, a condição para signi� car e não ter um sentido em si (VASCONCELOS, 1999 apud DUARTE, 2005, p. 37). Em relação à terapia fonoaudiológica, Vasconcelos (1999 apud DUARTE, 2005) diz que não deve haver seleção prévia dos símbolos, nem eleição, pautada em supostas necessidades básicas, nem hierarquia de categorias gramaticais a serem ensinadas. A autora indica que a seleção de um determinado símbolo grá� co decorre de sua articulação a um texto que acontece na situação terapêutica, ou surge a partir de um texto familiar ou escolar. O que se leva em conta é o efeito que tais textos/falas produzem no paciente em questão. Duarte (2005, p. 53) discute sobre símbolos grá� cos e o potencial signi� cante/disparador da produção discursiva e dialógica, os quais dão visibilidade aos contornos teórico-práticos nas sessões clínicas. Ela salienta que os fragmentos captam ocasiões em que os sujeitos atendidos,via símbolo grá� co, convocam interpretações do terapeuta, pois, muitas vezes, não há relação unívoca entre o que está impresso como símbolo e o que o sujeito quer dizer. 19WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O material selecionado permite visualizar os signi� cantes com os quais o paciente opera, na busca de signi� cação para se fazer entender, relatar acontecimentos, falar de seus desejos e necessidades. Duarte (2005, p. 50) tece comentários sobre o sistema grá� co PCS (Picture Communications Symbols), o qual é o sistema grá� co mais usado no Brasil e pode ser usado por portadores de diversas de� ciências. O PCS é composto por desenhos acompanhados da escrita correspondente acima. O sistema é dividido em seis categorias semântico-gramaticais, representadas por cores diferentes. Os símbolos grá� cos podem ser colocados em pranchas de comunicação que são superfícies diferentes (papelão, papel, madeira, acrílico, plástico etc.), sobre as quais são dispostos os símbolos grá� cos, que serão indicados pelos seus usuários. A autora também explica que cada paciente possui uma prancha de comunicação individual e os símbolos nelas contidos dizem respeito a situações/diálogos ocorridos na situação terapêutica. Essas pranchas se apoiam em situações discursivas do sujeito em questão, não são de um repertório básico prévio que possa ser útil para ele “se expressar”. Ela ressalta que o fragmento descrito abaixo não se desenvolveu com o uso da prancha. No relato, são utilizadas as letras T - Terapeuta e B - Sujeito. 4.1.1 Fragmentos de relato Ao entrar na sala e sentar, ‘B’ olha para uma � gura de bicicleta que estava no canto da mesa, juntamente com outros recortes de revistas. Esses recortes de revistas estavam em cima da mesa por acaso. Olhando para a terapeuta, ‘B’ aponta a � gura, fazendo sons não interpretáveis na língua. Sua expressão facial sugeria ora alegria, ora zanga e, em outros momentos, o silêncio tomava conta. Era como se esse silêncio convocasse a terapeuta e ‘B’ quisesse dizer: “Eu já disse, entendeu?” “Agora é sua vez” (DUARTE, 2005, p. 53). - T. O que foi? O que tem a bicicleta? - B. Aponta a � gura e produz sons e gestos, como respondendo ao que a terapeuta perguntara. - T. Não estou entendendo...você quer me contar alguma coisa sobre a bicicleta? - B. É. (produz alguns sons) - T. É do Gustavo a bicicleta? (irmão) - B. É. - T. “Desenha símbolos”: quebrar, roubar, ganhar. A terapeuta pergunta e aponta para os desenhos. - B. Aponta para o símbolo roubar e faz movimentos de cabeça e corpo expressando alegria. - T. Roubaram a bicicleta do Gustavo? - B. É - T. Demonstra expressão de tristeza. Duarte (2005, p. 65) re� ete que esse trecho é interessante, pois marca um momento em que ‘B’ pôde reconhecer-se como interlocutor. A terapeuta pôde passar-lhe a palavra. Esse ato de acreditar no dizer do outro e lhe permitir ocupar lugar de sujeito, que deseja, que sofre, que interpreta e pode ser interpretado, marca uma posição de compromisso entre ambos. Se a terapeuta não entendesse a � gura da bicicleta como um signi� cante/disparador de um discurso, não haveria diálogo. A autora a� rma que cenas como essa são triviais. Dependendo da posição teórica e da concepção de linguagem que se assume, prioriza-se um ou outro aspecto da linguagem e da relação terapêutica. A diferença recai na forma de conduzi-la. 20WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Duarte (2005, p. 70) conclui a� rmando que é preciso interpretar, estar aberto ao imprevisível e ter disponibilidade. A conversa � ui melhor quanto menor for a preocupação em acertar, quanto maior for a possibilidade de desapego em relação à imagem visual dos símbolos grá� cos, deixando desta forma, entre um dizer e outro, a signi� cação se compor. Nesse aspecto, é importante retomar as palavras de Koch (1992, p. 9 apud FERNANDES, 2004) que diz que a concepção de linguagem como forma (lugar) de ação ou interação [...] é aquela que encara a linguagem como atividade, como forma de ação, ação interindividual e orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes, reações e ou comportamentos. Dito de outra forma, a linguagem, para a concepção interacionista, é entendida como um dos aspectos das diferentes relações que se estabelecem historicamente em nível sociocultural. Ela é caracterizada por sua ação social. Duarte (2005, p. 65) � naliza que, na maioria das vezes, os programas para o aprendizado dos símbolos grá� cos não dão conta do inesperado e do singular de muitas situações imprevisíveis, em que o caminho para se chegar a um ou outro sentido é trilhado a cada novo enunciado. O essencial não é treinável, é vivível. Entenda a importância do método de Comunicação Suplementar Alternativa (CSA) no auxílio a pessoas com défi cit de comunicação. Conheça belas histórias de vida dos pacientes das Casas André Luiz, que conseguem fazer até lindas poesias utilizando-se dos sistemas de comunicação alternativa conhecidos como “Bliss” e “PCS”. Este é o assunto do vídeo! Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=56YaZHvfDnQ. Figura 3 - Comunicação Suplementar. Fonte: Youtube (2014). 21WWW.UNINGA.BR LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS A linguagem é essencial para todo e qualquer ser humano. Por meio dela, os sujeitos sociais se representam e representam o mundo. Ela constrói e desconstrói, in� uencia e é in� uenciada pelos meios: social, econômico e cultural e esses, por sua vez, também são in� uenciados por esse instrumento de comunicação/interação. O homem, como principal agente desse processo, cria recursos que auxiliam ou aperfeiçoam – com o objetivo de ampliar a interação humana – a produção da linguagem. Observamos que, ao longo dos tempos, as concepções de linguagem variaram de acordo com o contexto sócio/histórico de cada época e com os interesses de determinados grupos sociais. Como se pode presumir, a forma como se concebe a linguagem afeta, assim, instituições e grupos sociais: a escola, especialmente os professores, os pro� ssionais que trabalham com a linguagem, entre os quais destacamos em nosso trabalho, o fonoaudiólogo, os pro� ssionais que atuam no meio de comunicação, entre outros. Consideramos que a discussão voltada aos estudos de linguagem não se esgota em unidades, pois se trata de área abrangente. Dessa forma, continuamos na próxima unidade com a temática: Práticas Sociais de Linguagem: Língua Portuguesa como Segunda Língua. 2222WWW.UNINGA.BR UNIDADE 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 23 1. O ENSINO TRADICIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO SEGUNDA LÍNGUA .......................................... 24 2. A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE LINGUAGEM .............................................................................................. 27 3. O PROCESSO DIALÓGICO E A CONSTRUÇÃO DE LINGUAGEM EM LÍNGUA DE SINAIS ............................. 29 4. ENSINO E APRENDIZAGEM DE SEGUNDA LÍNGUA EM CONTEXTO DIALÓGICO .......................................... 32 5. QUAL É A MAIOR PRIVAÇÃO QUE A SURDEZ NOS CAUSA? A CONEXÃO HUMANA ..................................... 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................................37 PRÁTICAS SOCIAIS DE LINGUAGEM: LÍNGUA PORTUGUESA COMO SEGUNDA LÍNGUA PROF.A DRA.CLEUSA MARIA ALVES DE MATOS ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E DISCURSO - INTERFACE COM LÍNGUA DE SIONAIS 23WWW.UNINGA.BR EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 2 INTRODUÇÃO O ensino da Língua Portuguesa (LP) tem sido uma preocupação constante entre educadores e fonoaudiólogos de alunos surdos, embora a natureza da preocupação tenha sofrido mudanças ao longo do tempo. Na Unidade I de nossa disciplina Linguagem, Comunicação e Discurso: interface com Língua de Sinais, bem como as atividades propostas no estudo, as concepções de linguagem expostas por Geraldi (1996), um dos estudiosos dos pressupostos bakhtinianos no Brasil, permearam todas as nossas leituras e discussões. Pontuamos rapidamente as três concepções de linguagem mais discutidas em Linguística: a) linguagem como expressão do pensamento; b) linguagem como instrumento de comunicação; c) linguagem como forma de interação. Essas concepções foram constantemente discutidas, estudadas e suas características são ampliadas aos estudiosos e pro� ssionais que trabalham com língua/linguagem. Nesta Unidade, a temática está voltada ao ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa (LP) como segunda língua, considerando que, atualmente, a leitura e a escrita para surdos consistem em trabalho desa� ador para professores e fonoaudiólogos. Os estudos e pesquisas envolvendo aquisição, ensino-aprendizagem de LP e as práticas pedagógicas voltadas para a concepção discursiva e dialógica de linguagem também recebem valorização em Língua de sinais. Para que tal proposta se torne viável, é importante redirecionarmos o olhar ao processo ensino-aprendizagem de Libras, considerando-a como Língua e não apenas como código ou gesto desconexos. 24WWW.UNINGA.BR EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 2 1. O ENSINO TRADICIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO SEGUNDA LÍNGUA Os estudos linguísticos têm sido muito utilizados pelos educadores e fonoaudiólogos para auxiliá-los no trabalho pedagógico, ora envolvendo o processo ensino-aprendizagem de linguagem, ora apoiando as discussões em conceitos teóricos que melhor expliquem os processos pelos quais os indivíduos adquirem uma língua. Ochiuto e Constâncio (2018) apontam que os re� exos desses conceitos discutidos entre os pro� ssionais da área contribuem de maneira signi� cativa para que o processo de desenvolvimento da aprendizagem e da linguagem dos estudantes se torne signi� cativo. Ao discutir sobre temas linguísticos, muitos de seus defensores utilizam estratégias e teorias para tentar orientar os pro� ssionais numa forma de entender e compreender os processos pelo quais os sujeitos passam ao adquirir uma língua, seja língua materna ou a segunda língua. Ochiuto e Constâncio (2018, p. 290) a� rmam que as questões relacionadas à aquisição e o processo de construção da LP em sua modalidade escrita, por surdos usuários da Libras, tem sido o foco constante de estudos. Porém, a maioria desses estudos está, infelizmente, relacionada com metodologias educacionais baseadas em estratégias descontextualizadas, repetitivas e no uso somente da oralidade. Tais metodologias têm gerado discussões acerca das di� culdades enfrentadas por esses sujeitos, considerando as construções escritas de surdos, como escritas atípicas. Além disso, muitas das práticas educacionais atuais usadas com os surdos não levam em consideração a função social da língua escrita, baseando-se em atividades de repetição, reprodução, o que resulta em um aprendizado reduzido e arti� cial. Para Guarinello (2007 apud OCHIUTO; CONSTÂNCIO, 2018, p. 292), as atividades de leitura e de escrita costumam ser exercícios mecânicos e descontextualizados sem lhes atribuir uma função social, ou seja, a escrita é vista apenas sob ponto de vista educacional. Não existe a preocupação em torná-la prazerosa, ou não menos funcional no momento em que é apresentada aos aprendizes. Diante de muitas propostas de educação para surdos e o processo de aquisição de línguas pelos sujeitos em questão, os estudos linguísticos contemplam diferentes investigações a serem exploradas, dentre as quais citamos Pereira (2014), a qual discorre sobre a educação dos surdos no Brasil. Durante muitos anos, um método de ensino que predominou foi o Oralismo. O ensino-aprendizagem se dava exclusivamente por meio da LP e predominava a concepção de língua como código, segundo a qual, a língua é considerada um sistema de formas fonéticas, gramaticais e lexicais, independentemente de todo ato de criação individual. A ideia subjacente é que conhecendo o código, o aluno poderia compreender e usar corretamente a língua (KOCH, 2003 apud PEREIRA, 2014, p. 146). Pereira (2014) explica que, visando ao aprendizado da LP, o professor ou fonoaudiólogo iniciava seu trabalho com alunos surdos apresentando-lhes palavras, prosseguia com a utilização destas em estruturas frasais. Inicialmente, as palavras eram simples e depois cada vez mais longas e morfossintaticamente mais complexas. Por meio de cópias, ditados, exercícios de repetição e de substituição de elementos da frase, esperava-se que os alunos memorizassem as estruturas frasais trabalhadas e as usassem. Quando eram apresentados textos, os mesmos eram curtos, com vocabulário e estruturas frasais adaptados pelo professor ao nível linguístico dos alunos. A ênfase nas palavras resultou em tendência dos alunos surdos a se aterem a cada palavra individualmente, prendendo-se, assim, ao sentido literal, dicionarizado, o que limitava a possibilidade de compreensão de texto. 25WWW.UNINGA.BR EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 2 A preocupação com o sentido das palavras individualizadas também era observada, antes mesmo de veri� carem o que entenderam, os alunos precisavam sublinhar as palavras desconhecidas, procurar o signi� cado das mesmas no dicionário, e em seguida solicitavam que os alunos escrevessem frases com as palavras pesquisadas (PEREIRA, 2014. p. 146). De acordo com Pereira (2014), o grande número de palavras desconhecidas nos textos provocava desânimo nos alunos surdos e, além de afastá-los da leitura, contribuía para o estabelecimento de uma representação da leitura como muito difícil e sentiam-se incapazes de ler. Os professores e/ou fonoaudiólogos, por sua vez, evitavam dar textos para os alunos lerem e, quando o faziam, geralmente eram textos adaptados e simpli� cados, tanto em relação ao vocabulário como às estruturas sintáticas. Com pouca leitura, o conhecimento da LP não se ampliava e os alunos apresentavam cada vez mais di� culdades para ler, até se tornarem completamente desinteressados pela leitura. Embora conseguisse decodi� car as palavras, a maioria dos alunos surdos não entendia o que lia. Em relação à escrita, a ênfase no ensino estruturado da língua e o pouco conhecimento da LP resultaram no uso de frases simples e curtas, com maior número de palavras de conteúdo – nomes e verbos – e menor número de vocábulos funcionais – artigos, preposições e conjunções (MARCHESI, 1991, apud PEREIRA, 2014, p. 147). Além disso, observavam-se di� culdades acentuadas no uso das � exões, da concordância e na ordenação dos vocábulos nas frases. Era como se os alunos aprendessem mecanicamente a língua, de fora para dentro, sem conseguirem fazer uma re� exão sobre o seu funcionamento. Em meados dos anos 1980, por in� uência das ideias de Bakhtin, a língua passou a ser concebida como atividade, como lugar de interação humana, de interlocução, entendida como espaço de produção de linguagem e de constituição de sujeitos. Nessa concepção, de acordo com Geraldi (1996 apud PEREIRA, 2014, p. 146), a língua não está prontade antemão, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-la, mas é (re)construída na atividade de linguagem. Produzir linguagem signi� ca produzir discurso. O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio do texto, considerado produto da atividade oral ou escrita que forma um todo signi� cativo, qualquer que seja a sua extensão. Figura 1 - Linguagem e comunicação. Fonte: Panic Magazine (2018). 26WWW.UNINGA.BR EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 2 Como atividade discursiva, o foco é colocado no texto e não nos vocábulos e a aprendizagem deixa de ser conduzida pelo professor e passa a ser considerada como resultado do processo interativo entre educadores, alunos e textos. São as situações de uso da escrita que possibilitam a apreensão da convencionalidade da LP. O texto, nessa concepção, é visto como lugar de interação e os interlocutores como sujeitos ativos que, dialogicamente, nele se constroem e são construídos. A leitura não se caracteriza como decodi� cação de letra por letra, palavra por palavra, mas implica compreensão. A compreensão é vista como atividade interativa de produção de sentidos, que se realiza com base nos elementos linguísticos presentes no texto e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes e sua reconstrução no interior do evento comunicativo (GERALDI, 1996 apud PEREIRA, 2014, p. 146). Pereira (2014, p. 149) a� rma que, na leitura, o leitor não decodi� ca cada símbolo presente; ao contrário, ele opera com informações que já sabe. É esse conhecimento anterior sobre a língua e sobre o mundo que permite ao leitor, à medida que vai montando o sentido do texto, fazer deduções, reduzir o número de palavras viáveis em cada contexto e prever o signi� cado, prescindindo da decodi� cação de cada elemento do texto. O educador e/ou fonoaudiólogo deixa de ocupar o papel principal no processo de ensino-aprendizagem, de detentor do conhecimento, para assumir o papel de parceiro, ajudando cada aluno a progredir na aprendizagem. Assim como ocorreu na educação de ouvintes, a adoção da concepção de língua como atividade discursiva pelos educadores trouxe mudanças também no ensino da LP para alunos surdos. O ensino da língua deixou de obedecer a padrões preestabelecidos pelo sistema educacional, e passou a expor os alunos surdos à LP escrita sem a preocupação de ensiná-la gramaticalmente. A meta é que os alunos usem a língua e, ao usá-la, elaborem hipóteses sobre o seu funcionamento, sozinhos ou com a ajuda de pro� ssional quali� cado. O ensino da gramática vai ocorrer somente quando os alunos estiverem usando a língua (PEREIRA, 2014). Com base na concepção discursiva de língua, o objetivo no ensino da LP para os alunos surdos, como para os alunos ouvintes, deve ser a habilidade de produzir textos e não palavras e frases, daí a importância de se trabalhar muito bem o texto, inicialmente na Língua Brasileira de Sinais. Para isso, cabe ao professor e/ou fonoaudiólogo traduzir/interpretar os textos ou partes deles para Libras e vice-versa, bem como explicar e esclarecer aspectos sobre a construção dos textos. As explicações devem ser dadas em uma perspectiva contrastiva, na qual, as diferenças e as semelhanças entre a Libras e a LP sejam elucidadas. Dessa forma, os alunos vão observar como uma mesma ideia é expressa nas duas línguas. Esta prática serve de base para os alunos formularem suas hipóteses sobre o funcionamento das duas línguas. Lodi (2004) cita o trabalho de William Stokoe, em 1960, que publicou o primei- ro estudo sobre uma língua de sinais descrevendo a estrutura da American Sign Language (ASL) a partir da análise de seus elementos constituintes. Assumindo o pressuposto saussureano de que existem princípios gerais comuns a todas as línguas, descreveu o sistema da ASL tomando como base os sistemas descritos para as línguas orais e propôs, então, um sistema - quirologia - cuja função seria análoga à desempenhada pelo sistema fonológico nas línguas orais. Os quiremas foram selecionados e analisados a partir do contínuo de movimentos gestuais (da mesma forma como os fonemas foram selecionados da infi nidade de sons vocais possíveis), identifi cados e descritos em três tipos: posição (ponto de articulação), confi guração e movimento da mão (grifos meus). 27WWW.UNINGA.BR EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 2 2. A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE LINGUAGEM Cada momento social e histórico demanda uma percepção de língua, de mundo, de sujeito, demonstrando o caráter dinâmico da linguagem no meio social em que atua. De acordo com os estudos abordados para nossa discussão, reiteramos que o conceito de linguagem ligado à concepção enunciativo-discursiva de viés bakhtiniano constitui nosso aporte teórico. Dessa forma, conduzimos o trajeto de nossas discussões e optamos por trabalhar com a concepção dialógica de linguagem. Esclarecemos que a expressão dialógica se refere aos estudos de Bakhtin; no entanto, o termo interacionismo é o mais encontrado em trabalhos cientí� cos e nos documentos o� ciais do Ministério da Educação (MEC) e Conselho Nacional de Educação (CNE) e demais órgãos educacionais. Todos os sinais foram analisados a partir da combinação dos três quiremas (em suas diversas combinações). Os sinais por eles formados, tidos como as unida- des responsáveis pela composição do sistema sintático da ASL, assim como as palavras o são nas línguas orais, consistem nos morfemas da ASL. Eles são, en- tão, as menores unidades da língua que contém signifi cado e, por isso, passíveis de serem isolados do sistema quando na descrição linguística da ASL. Dessa for- ma, Stokoe (1960), centrando seu trabalho na descrição dos sinais e na função que eles exercem na ASL, concluiu que “a atividade comunicativa das pessoas que usam esta língua [a ASL] é verdadeiramente linguística e suscetível a análise microlinguística do tipo mais rigoroso” (STOKOE, 1960, p. 67). O impacto do estudo de Stokoe (1960) foi tal que, a partir dele, nos anos subse- quentes, diversas línguas de sinais passaram a ser descritas seguindo, em sua grande maioria, a mesma classifi cação proposta por este autor, ou seja, em níveis linguísticos (particularmente, em níveis fonológico, morfológico e sintático). Tor- na-se importante acrescentar, entretanto, que a partir dos estudos e do modelo de descrição proposto por Stokoe (1960), outros estudos buscaram aspectos di- ferenciais e específi cos desta nova língua que a eles se apresentava, complemen- tando e aprofundando o conhecimento gramatical sobre ela. Estes aspectos refe- rem-se, por exemplo, à proposição de outro parâmetro fonológico - orientação da palma da mão - por Battison, nos anos 70, complementando os três descritos por Stokoe (1960). À descrição de parâmetros secundários na organização fonológica dos sinais, como a disposição da mão (articulação realizada pela mão dominante ou pelas duas mãos), a orientação da(s) mão(s) e a região de contato. No nível sintático da língua, estabeleceu as relações pronominais e verbais desenvolvidas no espaço de enunciação (LODI, 2004, p. 284). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0102-44502004000200005. Figura 2 - ASL. Fonte: Lodi (2004). 28WWW.UNINGA.BR EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LI NG UA GE M , C OM UN IC AÇ ÃO E D IS CU RS O - I NF ER FA CE C OM L ÍN GU A DE S IN AI S | U NI DA DE 2 Zanini (1999 apud FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011, p. 498) explica que os estudos linguísticos (séc. XIX e séc. XX) sobre língua e linguagem foram relevantes e a� rma que “[...] não devemos condenar, nem desprezar o que foi feito, porque cada etapa contribuiu, de alguma forma, para os professores que hoje lutam
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